A crise do movimento comunista: a crise da internacional comunista [1° Volume]
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fernando Claudio a crise do movimento comunista Publicada na Franca ern- 1970, esta obra de Fernando Claudin — dirigente revoluciondrio expulso do Partido Comunista da Espanha em 1965, juntamente corn Jorge Semprim — tornou-se um livro clessico, pelo rigor da sua pesquisa documental e pela originalidade das suas anAlises teOrico-politicos. 0 objetivo de Claudin 6 explicitar as causas profundas da crise atual do movimento comunista — crise da prética revoluciondria e crise da teoria marxista atrav6s de uma abordagem metodolOgica fiel a Marx. Para tanto, Claudin esti desenvolvendo uma investigacão minuciosa que abarca cerca de meio skulo de histhria: da fundac5o da Internacional Comunista (1919) A invasgo da TchecoslovAquia (1968). A parte ate hoje publicada desta pesquisa monumental e Unica em seu genero (o livro I: Da Internacional Comunista ao Centro de Informac5o dos Parados Comunistas) 6 laneada agora pela Global Editora, em dois tomos — o segundo j6 esta no prelo. Trata-se de um texto de leitura obrigatOria pars historiadores, cientistas sociais, politicos e todos aqueles intelectuais e cidadaos que se interessem pelo conhecimento critic° das possibilidades e limites, da grandeza e da miseria do movimento socialista revolucionario contemporAneo.

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Claudia, Fernando A crise do movimento comunista 320.53209/1/4-415c/1985/2v.v.1 (88768904/89)

a crise do movimento comunista voll- a crise da internacional comunista prefacio de Jorge semprtin TRADUCÃO E INTRODUCAO

JOSE PAULO NETTO

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global editora



© Fernando Claudin

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SUMARIO

Thulo original La crisis del movimiento comunista 1. De la Komintern al Kominform

Capa:Jotad (projeto) Marco A. A. Giannella (arts-final)

R ev Isla: Jose dos Anjos Cesar Vera de,Souza Lima Rubens Rusche Dados do Catalogacio na Publican:1m (CIP) Internacional (Camara Brasileira do Llvro, SP, Brasil)

Claudio, Fernando, 1913A crise do movimento comunista 1 Fernando Clau ; tradujm e introduclo Jos g Paulo Netto. S'Ao Paulo : Global, 1985(Colegio luta de classes)

553c .1-

Canter...1o: v.l. A crise da Internacional Comunista / preficio de Jorge Sempritn. ISBN 85-260-0041-1 1. Comunismo - Histgria 2. International Comunista I. Sempriln, Jorge, 1923- II. Titulo.

85-2046

APRESENTACAO, 7 PREFACIO, 11 INTRODUCAO, 21 I. A CRISE DA INTERNACIONAL COMUNISTA A DISSOLUCAO Ultimo episOdio de uma Tonga crise, 27 Ironia da histOria, 31 Atestado de falencia, 40

17. e 18. C00-320.53209 17. -335.44 18. -329.072

Indices para catalog° elslemidloo: Comunismo : Ci gncia politica : Histgria 320.53209 Internacionais comunistas 335.44 (17.) 329.072 (18.)

Direitos reservados:

global editora e distribuidora lids. Rua Franca Pinto, 836 — Cep 04016 Fone: 572-4473 Caixa Postal 45329 — 01000 — V. Mariana Säo Paulo - SP

FILIAL: Rua Mariz e Barros, 39 — Conj. 26/36 Fone: (021) 273-5044 Cep 20270 — Bairro Tijuca Rio de. Janeiro - RJ. N.° de eatalogo: 1691 ISBN 85-260-0041-1

A CRISE TEORICA 0 esquema teOrico de Lenin, 51 Capitalismo agonizante?, 59 Ultimas indagaciies de Iknin, 64 Stalin revisionista, ou o socialismo integral num so pais, 70 Causas da paralisia teerica, 86 3. 0 MONOLITISMO Transplantacfm do modelo sovietico, 103 Ultracentralismo e russificacio, 109 Itinerärio do monolitismo, 113 5

4. A CRISE POLITICA A experiencia alemii maior desastre da Internacional Comunista, 123 InsurreicOes prematuras e expulsOes premonitdrias, 127 Mudanca de enfoque: a revoluctio se torna perigosa para a Russia da NEP 129 Para que uma teoria da revoluctio alemd, se existem Stalin e a "politica leninista"?, 134 Frente Unica no capitalismo e partido dnico no socialismo, 138 Social-democracia = social-fascismo = inimigo principal, 143 caminho da catdstrofe, 149 A experiéncia frentista Recuperacdo capitalista e contra-ofensiva operdria, 154 A viragem de 1934, 158 VII Congresso da Internacional Comunista, 167 "Hd que saber terminar corn uma greve" (o 1936 frances), 180 A revolucdo inoportuna (Espanha, 1936-1939), 189 A experiéncia colonial Movimento de libertacdo nacional e polltica da IC 215 A revolucdo chinesa, 237 0 Ultimo ato, 255

5. NOTAS FINAIS, 295 PLANO DO TOMO II, 319

APRESENTACAO

Em dezembro de 1969, Fernando Claud& concluiu a parte primeira de urn projeto analftico simultaneamente ambicioso e necessdrio: terminou a 'Saga° de "Da Internacional Comunista ao Centro de InformacOes dos Partidos Comunistas" que, subdividido em duas grandes secOes ("4 Crise da Internacional Comunista" e "0 Apogeu do Stalinismo"), constitui o livro I de A crise do movimento comunista, obra a ser completada por um livro H,, intitulado "Do XX Congresso do PCUS a Invaslio da Tellecoslovdquia".2 Ambicioso d o minim° que se pode dizer do projeto de um pesquisador que, individualmentc se debruca sobre meio siculo de hist6ria do movimento comunista — as exatos cinqiienta anos que, entre a fundacdo da Internacional Comunista e o aborto da Primavera de Praga, assistiram ao nascimento e consolidacao dos partidos comunistas, a ascensao e it queda do fascism, it emergéncia e a dentincia da autocracia stalinista, etc. — e que, ainda individualmente, dele se prop& extrair a gdnese da problemdtica que penetra aquele movimenta E necessdrio d o qualificativo compulsoriamente a ser atribufdo ao mesmo projeto: a operacdo encetada por Claudfn rr uma preliminar indescartdvel paw quem quiser, de dentra do movimento comunista (como seu voluntdrio protagonista) ou do seu exterior (como "companheiro de viageml observador ou antagonista), pensar os rumos e as perspectival dos que se reclamam herdeiros de Marx na via do socialism° revoluciondria Pois bent• decorridos mais de quinze anos desde a elaboraclio da primeira parte d'A crise do movimento comunista, uma conclusdo se impOe — esta obra veio para ficar, instaurou-se como marco inarreddvel da reflextio (mais corretamente • da auto-reflexilo) comunista. A articulacito que Gaudin exercita, de andlise e de critica, do objeto historic° sobre o qual lavra adquiriu (independentemente da posictio que em face dele se assuma) urn valor inquestiondvel. Nesta primeira parte do seu projeta a ambiciio realizou-se plenamente enquanto conquista factual e o seu cardter necessdrio afirmou-se com forcer indiscutivet

0 elogio do trabalho de Claudin,' obviamente, nao a legitimo sem que se ressalte tratar-se de um corpo de reconstruct-5es histarico-analiticas permedvel a inameras aporias. Nilo poucas teses suas passam sem contestaceia nao poucas inferencias se erguem sem exigir precithes, nao poucas deduceies convidam a novas determinacties; e, a lOgico, o desenho final de sua pesquisa pede outros movimentos da crftica e da polemica. Vale diner: a um trabalho medularmente problemntica Entretanto, a precisamente al que se identifica o seu merit° maior: o que de mais pertinente se pode requisitar a uma investigacao a que ela convoque a abordagens alternativas, a revisOes e retificac&s. Nesta 6tica, o exame do ensaio de Claudin oferece ao leitor urn iftfinito campo de possibilidades. Nesta rapidissima apresentacdo da edicao brasileira nao cabe, naturalmente, formular apreciardes que pretendem enformar ou substituir o julgamento do !error, especialista ou nao. Mas cabem duas observagOes, uma referida a filiacao marxista de Claudin e outra, mais especifica, relacionada a seu efeito sobre urn segmento particular do pablico. Estou convencido de que a postura metodoldgica de Claudin, enfrentado corn a experiéncia histdrica (que tambim é odele, enquanto pessoa) de meio seculo de luta comunista, obedece as exigencias da melhor inspiracao do pensamento marxiano. por isto que, na sua exposip& textual, a paixão da vontade revoluciondria solda, e salda, todas as passagens critico-analiticas • o sujeito que mergulha no objeto da reflex& (assim como o autor mergulhou no praxis politica) ultrapassa a incompatibilidade mistificada entre "juizo de fato" e "jufzo de valor"• o tratamento do material em(fterico a direcionado pelo movimento de uma razao e uma yolk& que sci se explicam referenciadas ao objetiyo revoluciondrio do cornunisma nao meta ideal e sim construct& histörico-concreta. A positividade em que as tensOes de classes e grupos aparecem enrijecidas nos aparatos partiddrios e suas instancias institucionais se dissolve pela dialetizactio do procedimento reflexivo, animado por Oquilo que e o mOvel da polftica proletdria, o pathos da revoluciia E nunca a revoluctio como mito ou logos, mas como prdtica social massiva. A documentacdo a que recorre o analista a submetida ao cotejo corn os fatos, cuja processualidade abre a via a critica que lhes confere - aos documentos e aos fatos — o sentido real. As inflect:les hist6rico-sociais e as suas expresseies ideolOgicas e politicos silo apanhadas como resultantes de vetores multifuncionais e no sua complexidade de produtos de lutas de classes e fracOes de classes. Na histOria ocorrida, o pesquisador localiza, por dentro do processo dito "objetivo", a agdo e a interact& de grupos particulares de homens, de lideres e massas determinados - bem como a sua coagulaceio em micleos corn poder de constrangimento e iniciativa; a hist6ria ocorrida, pois, nao 6 mais que a intervencao das grandes personalidades quer de entes abstratos (19"

partido, "a" classe, "as" massas). Aqui, a jd centenciria idecia de que os homens concretos, organizados de alguma maneira, fazem a sua hisOkla, sem poder, poram, escolher as circunstancias em que a fazem, esta Meta deixa de ser uma peace° de principio para converter-se numa modalidade de apreensdo do reaL 0 mover das estratigias, a consecucab dos objetivos, o comportamento dos atoms coletivos e/ou singulares 6 tornado sem que a determinacao "em ultimo instancia" se ponha direta ou hipostasiadamente — a autonomia (relativa, todavia operante) do politico, do cultural, etc., se realiza pelas mediaceies que Claudin caca corn uma extraordimiria pertincicia. Estou igualmente convencido de que este livro — e nem poderia ser diferente se, efetivamente, ele e fiel a inspiracdo de Marx — presta urn inestimOvel servico a causa comunista. 4 Seu esforco por reconstruir a verdade do movimento comunista num perfodo preciso, rompendo corn a apologia, constitui — para a/em de proposituras questiondveis, etc. — uma canOnica operacao que reforca a luta para suprimir o mundo burgues. Nab se pode temer o esclarecimento dos erros (e dos crimes); s6 ele pode impulsionar criticamente o pensamento e a prdtica do movimento comunista. Neste trabalho, Claudin new se portou como arque6logo (corna alias, notou-o seu amigo Semprtin): nä° tomou o passado como exempla situou-o como ligda Reconhecer como seu este passado significa, para os comunistas, nao repeti-la. Pouco importa se aceitamos ou nao as conclusOes de Claudin (e quern escreve estas linhas recusa muitas delas) — hd que agradecer-/he por nos ajudar a nos compreender melhor. Certa feita, Marx observou que "a exigencia de abandonar as ilustdes sobre sua condicdo e a exigencia de abandonar uma condicao que necessita de ilusOes". Esta obra de Claudin contribui vigorosamente para que os comunistas se liberem de uma tal condictio — e, menos credulos e ingenuos, se tornem efetivamente melhores comunistas. Jose Paulo Netto

NOVAS Claudin nasceu na Espanha, em 1913. Estudante de Arquitetura, ingressou no Partido Comunista da Espanha (PCE) em 1932, participando depois da guerre civil. Em 1937, passou a fazes pane do Comite Central do PCE e, em 1947, tornou-se membro do sett Concise Executivo. Nesta condigão permaneceu ate 1965, quando, na secniencia de uma polemica intrapartidaria, em que defendeu propostas antecipadoras do que mais tarde at denominaria "eurocomuolsmo", foi expulso do PCE. Entre 1939 e 1976, exilado, viveu na Ameria Latina, Unfit° Sovietise e Franca. Atualmente na Espanha, dirige a Fundagdo Pablo Iglesias. Na sue bibliografia, destacam-se: Marx Engels y la Recolucidn de 1846S Eurocomunismo y Socialising Divergencias Como/away e Crisis de las Parlidas Polfticos. Seu Oniso livro /ancado ate agora no Brasil e A oposicdo no "socialism° real" alnido Sovid/ice. Hungria, Tiheco-Eslowdquin Poldnia: 1953-19804 Ed. Marco Zero, Rio de Janeiro, 1983. A primeira edigão castelhana foi publicada em Pads, por Ruedo IbirIco (1970); logo depois, o sotto foi traduzido ao trances, ingies, italiano e sueco. A presence versão em portugues teve em conta a edivdo castelhana de 1977 (Libros de Ruedo Iberico-/berica da Ediciones y Publicasiones, Barcelona) e, por razdes tecnicas, compreende dois tomos, sada qual correspondendo as duas grandes secbes mencionadas. Refiro-me exclusivarneott a esta primeira pane d'A ate do movimento comunista A ulterior evolucio do pensamento politico de Claudin mereceria um estudo particular e longo. e Rio ester em discussdo aqui. 4 E nä° imports, reafirme-se novamente, a posterior evolucio de Claudin.

PREFÃCIO

Este 4 sem dtivida, um livro importante. Ou muito me engano ou me engana e confunde a amizade, a coincidencia de opinlóes quanto ao essencial e o próprio interesse pelo tema — ou A crise do movimento comunista — de Fernando Claudin, cujo primeiro tomo langamos agora por Ruedo Iberico,' seri, por muitos anos, uma obra de consulta, de referència, indispensavel e exemplar no que toca ao metodo e a elaboragao do material histOrico. Livro importante nao s6 do ponto de vista da mem erudigao, da racionalizagan de uma experiEncia social e politica de meio seculo, mas ainda de outra perspectiva, mais pratica e urgente: a da construgao de uma nova estrategia de luta pelo socialism°. Tres razOes principals confluem para conferir a este livro a importancia que logo se the reconhecera. Em primeiro lugar, o pr6prio tema. A investigagao critica da hist6ria do movimento comunista 4 de fato, problema relevante. Realmente, sem uma clara compreensao das lathes ou sem-razOes histOricas que conduziram a involugao, primeiro, e a decomposigao burocritica, pouco depois, do projeto revolucionit-

rio mundial fundado em outubro de 1911 — sem esta compreensao 6 impossivel pensar um esquema estrattgico de intervencao nos processes reais da atual crise social do capitalismo europeu. Talvez se observe que o objeto do ensaio de Claudin nao e Certamente que nao o e. Sabre a histeria da Internacional Comunista, quer em sett conjunto quer acerca de alguns de seus aspectos parclan, poderiam set citados dezenas de tittles. Mas o sue 6 original no trabalho de Claudin e o metodo utilizado, e sue opera nao se a nivel da estrutura formal da obra, mas que, principalmente, entorma a visao estratEgica subjacente, transformando, deste modo, a investigacao do passado em clarificacao critica dos caminhos possiveis no futuro. A originalidade do metodo de Claudin— e estou enunciando, ob-viamente, urn acacianismo — consiste em ser marxista. Aqui, ao longo de centenas de paginas incisivas, trilhando as vias de uma analise complexa (porque igualmente complexa era a realidade), o que retoma frescor, eficam, brilhantismo, forga de convicgao — numa palavra: vigência — é 10

o mOtodo marxista de analise histOrica. Aqui, o que se implementou, pacientemente, teimosamente, corn forga demolidora, foi a "velha toupeira" de Marx, a "velha toupeira" da critica implacavel da histOria mesma, quando se converte de mera objetividade em consciencia revolucionaria. E esta demonstracdo da vigencia do matodo marxista de analise histOrica reveste-se ainda de maior vigor porque o objeto da investigagdo -- a histOria do movimento comunista — a o produto (aberrante, mas produto, no fim das contas) da prOpria agdo do marxismo ou, para ser mais preciso, da coerente hegememica — russa — do marxismo oficial e institucionalizado. E que o marxismo comece a aplicar, como neste ensaio de Claudin, aos resultados imprevistos da sua prOpria acdo, as armas da critica — a espera da talvez inevitavel critica das armas, da vicancia revolucionaria das massas isto constitui um fato eminentemente positivo. A esta altura, mais de um leitor ja se tera proposto intervir alegremente neste prefacio, clamando aos cats: como é possivel afirmar que a originalidade do ensaio de Claudin reside na sua metodologia marxista? Ndo ha outros trabalhos criticos acerca da histOria do movimento comunista inspirados nas fontes do pensamento marxista? Sem it longe demais, nao temos ja na obra de Tr6tski, desde 1924/1926, urn conjunto coerente, macico, de analises criticas da realidade russa, do stalinismo, dos erros da Internacional Comunista? Sem dtividas que temos tais analises. Ndo é casual que neste primeiro tomo do ensaio de Claudin haj a tantas referancias ao pensamento critico-teorico de Tr6tski. E impossivel pensar-se a reconstrugdo tearica, a analise interna do itinerario da Internacional Comunista e do Estado russo, no periodo staliniano, sem recorrer aos aportes e as elaboragOes de TrOtski. Mas é igualmente certo que este recurso, se se pretende fecundo, se se propee superar a fase arqueolOgica (reconstrugdo te6rica da verdade do passado) para desembocar numa visa() estrategica (organizagdo dos instrumentos teOrico-praticos de transformagdo da realidade atual), tern que patentear as limitagees intrinsecas da obra de TrOtski. Entre estas limitagOes, e para aquilo de que nos ocupamos, convêm destacar uma, que 6 fundamental. Ela deriva do que compulsoriamente devemos chamar de idealismo subjetivo e voluntarista de TrOtski (dos seus epigonos a melhor nada dizer nada, por respeito a obra de Lev Davidovitch. Ndo a por acaso que o pensamento politico de TrOtski carece de herdeiros; tampouco ndo é casual que a Unica coisa valida produzida sob a inspiragdo do grande revolucionario russo seja a obra histOricobiografica de Isaac Deutscher, magistral em alguns aspectos, mas que ndo ultrapassa — e nem poderia pretende-lo — os marcos da arqueologia). De fato, todas as analises criticas de TrOtski, freqUentemente certeiras, as vezes profêticas, acerca dos erros da Internacional Comunista staliniana na China, na Alemanha, na Espanha, na Franca da frente po12

pular, acabam se esterilizando, convertendo-se em postulagOes que flutuam no limbo da abstragdo e do irrealismo, porque TrOtski nunca submete a critica os prOprios fundamentos da estratógia denunciada por ale. Taxativamente, em mais de uma ocasido, TrOtski afirma que a crise da Internacional Comunista, do partido russo, a uma crise de diregdo: bastaria desalojar dos postos que usurparam os "mans pastores", Stalin e seu grupo, para que esta mesma Internacional, este mesmo partido russo retornassem as suas vias internacionalistas e revolucionarias, voltassem a desfraldar as triunfantes bandeiras da revolugdo mundial. Subjetivismo tipico, sem davidas, que coloca entre parenteses, fora do alcance dos militantes, a reflexao mais necessaria e mais urgente ja naqueles tempos: a reflexao sobre as verdadeiras raizes de classe do reformismo burocratico stalinista, sobre o refluxo da revolugdo na Europa, sobre as profundas mudancas ocorridas no prOprio seio do capital ismo mundial, etc. Em suma, o marxismo ndo serve a Tr6tski para questionar o conteado concreto da nova realidade, mas para buscar nesta os elementos que confirmem uma visdo aprioristica. Com o que se constata que ndo so a Igrej a 6 ortodoxa, mas que tambern podem se-lo as seitas e as capelas. 0 marxismo de Fernando Claudin rompe resolutamente com toda ortodoxia e, por isso, ndo a pouco o servigo que nos presta. Felizmente, 6 um marxismo laico. Ndo se projeta sobre a realidade histOrica do movimento comunista para encontrar nela a confirmagdo de intuigdes, rancores ou anatemas pessoais. Projeta-se sobre a realidade para que esta se projete a nossa frente, em sua objetividade significativa, em seu desenvolvimento dialetico. Dai a estrutura formal do livro que o leitor tern nas moos. Estrutura original, porque determinada por este desenvolvimento da prapria realidade histerica. Assim, comegando pela analise de um fato concreto — a significagdo real da dissolugdo da Internacional Comunista, em 1943 — e uma vez estabelecida rigorosamente aquela significagdo, o primeiro micleo racional de conclusoes provisOrias se projeta ao passado da Internacional, objetivando a verificagdo tearica. Desta imersdo no passado, o nacleo original de teses histOrico-politicas surge confirmado, precisado, refinado, com o que podemos abordar a segunda fase da analise, dotados de instrumentos criticos suficientes para compreender a 6poca do apogeu do stalinismo e da politica do Estado russo depois da segunda guerra mundial. Estrutura original — estive quase a porno de dizer: romanesca — que rompe corn os marcos estreitos da ordem cronolOgica para restabelecer uma ordem dialática a dois niveis complementares e contraditOrios: o nivel da reconstrugdo lOgica indispensavel e o nivel diacrOnicosincrOnico da prOpria histOria. Mas nao é este, precisamente, o trago essential da metodologia de Marx, em suas grander obras teáricas? Très razeies principais, diziamos, concorrem para atribuir a A crise do movimento comunista, de Fernando Claudin, toda a sua impor13

tancia. Acabamos de aludir sumariamente as duas primeiras: a relevancia do preprio tema e a correcao metodologica de seu tratamento, de sua estruturacao. Creio nao surpreender a ninguem se afirmo que a terceira razao se deve a personalidade mesma do autor. Dirigente da Juventude Comunista madrilenha, estudante de Arquitetura, Fernando Claudin, por volta de 1933, abandona toda vocacao individual, todo projeto pessoal, para converter-se em urn funciondrio da revolucdo. Sua vida, ate a sua expulsao do Partido Comunista da Espanha (PCE), em fevereiro de 1965, confunde-se, desde mac), corn a vida do movimento comunista, com a historia da revolugao espanhola. Os anos da Republica, a guerra civil, a derrota e a emigragao, a clandestinidade — episedios logo vividos desde os mais altos cargos de diraga° politica. Da Madri da junta de Casado a America do exilio — Havana e Nova Iorque, Mexico e Buenos Aires —, da Toulouse francesa e da libertacao a Moscou dos anos sinistros do apogeu do stalinismo, Fernando Claudin esteve em todos os lugares, em todos os postos de trabalho, quaisquer que fossem os riscos e as dificuldades, aos quais o destinara o Partido (assim, corn maitiscula, naturalmente: o Partido, cujas decisOes jamais se discutem porque "encarna a marcha da Hist& ria", porque "fora do Partido nao ha salvagao", porque "é melhor errar dentro do Partido do que acertar fora dale"). Todo leitor atendo do livro de Claudin poderd constatar, como filigrana soterrada pela analise histOrica realizada, a sistematica, dolorosa e alegre destruicao desta vivencia religiosa — alienante, como evitar dize-lo? — dos valores comunistas que constituiu a trama de trinta anos de nossa vida. As casualidades desta vida me permitiram seguir, as vezes muito de perto (dia a dia, quase hora a hora), as vezes corn maior distanciamento temporal ou geografico, a evolugdo psicolOgica, moral e politica de Fernando Claudin, desde os momentos do XX Congresso do PCUS, em 1956. Momentos nos quais comegou a se Or em marcha — mediante a subversao progressiva, mas radical, de todos os valores e principios petrificados, dogmatizados pelo stalinismo — a "velha toupeira" marxista do espirito critic°, da investigagab hist6rica. Que fique para outra ocasiao mais propicia a reconstituicao detalhada dessa evolugao politica, que nao foi apenas e pessoalmente de Fernando Claudin, que constituiu um fenemeno de relativa envergadura — sobretudo entre os quadros mais jovens, intelectuais e operdrios, das organizacOes do partido comunista no preprio pais — e cujos frutos ou resultados ainda estao por recolher, posto que ainda nao se cristalizou uma corrente organics da esquerda marxista espanhola. Por agora, a suficiente destacar o momento final daquela evolugao. Em fins de 1963, comeca no Comite Executivo do Partido Comunista da Espanha uma discussao (ha que qualificar de algunta forma o esteril e repetitivo confronto de um duplo mon6logo, de um dis14

curso duplo, que as preprias estruturas do "centralism° democratico" produzidas por trinta anos de pratica stalinista condenavam irremediavelmente is alternativa, igualmente inoperante, embora por razOes diferentes, da submissão mecanica da minoria a maioria ou do fracionismo). Discussao que se prolonga ate a primavera de 1964 e que se conclui corn a expulsào, primeiro do Comite Executivo e pouco depois do preprio partido, de Fernando Claudin e Federico Sanchez. 2 Os temas essenciais desta discussao foram amadurecendo ao longo dos anos, desde 1956 — poderiam ter levado a crise urn pouco antes ou um pouco depois. No entanto, nao sao casuais as datas que determinam e emolduram o inicio e a conclusao deste processo. 1956 nao e apenas o ano do XX Congresso, do "related° secreto" de Kruschev; a tambem o ano em que, no bloco de paises submetidos a hegemonia russa, estalam todas as tendencias centrifugas: umas de carater nacionalista, essencialmente negativas, mas inevitaveis, posto que sac) — e este 6 um dos problemas histericos luminosamente esclarecidos pela analise de Claudin — o prego a pagar por tantos anos de birbara submissao dos interesses revolucionirios nacionais a exclusiva raid° de Estado russa (suponho que, a esta altura, o leitor ja tera percebido que o autor deste prefacio se nega a continuar qualificando como "soviaticas" as razeres de Estado do nacionalismo russo de grande potencia); mas estalam tambem outras, de carater social: eminentemente positivas, ja que, ao largo dos anos, da PolOnia a Hungria, da Hungria a Thhecosloviquia, e apesar da sua derrota sucessiva gragas a intervencao militar do Estado russo, tais tendencias — geralmente de modo confuso, uma vez que as forcas politico-sociais que as protagonizam emergem de decenios de opacidade histerica, de destruicao burocritica de toda iniciativa das massas, de despolitizacao e desmoralizacao coletivas que s6 deixam abertos os canais da "solugao" individual das contradigOes sociais: carreirismo, cinismo tecnocratico, religiosidade, etc. —, tais tendencias, diziamos, colocam a necessidade de novos instrumentos da democracia socialista. Numa palavra, a necessidade da revolugao. Por outro lado, 1956 foi tambem na Espanha um ano crucial. Um ano de grandes lutas de massas, operdrias e estudantis, no curso das quais comeca a perfilar-se uma nova correlacio das forgas de classe, parcialmente despojada das patinas da guerra civil. Um ano no curso do qual inicia-se a crise do sistema de direcao herdado da Opoca da autarquia — e a entrada dos primeiros ministros tecnocratas da Opus Dei em que no governo e o reflexo politico de uma exigencia objetiva se modificam os preprios objetivos da economia capitalista espanhola, que necessita transitar da fase da acumulacao extensiva a do aumento da produtividade do trabaiho, da competitividade no mercado mundial. Em outras termos: o objetivo da economia capitalista espanhola ja nao podia continuar sendo a obtenglio da meia-valia absoluta, deve15

ria ser a producdo de mais-valia relativa. Signo evidente de que o capitalismo espanhol ingressava na etapa da sua "modernidade". Pois bem: em 1963/1964, quando a crise que lentamente amadurecia na direcao do Partido Comunista da Espanha alcangou o ponto de ruptura, nenhum dos problemas objetivamente colocados ao movimento comunista, por uma part; e a estratêgia da luta na Espanha, por outra, estavam resolvidos. Ao contrario: tido parou de se aprofundar uma brecha entre uma•visdo ideolOgica, subjetivista, triunfalista da realidade e a pr6pria realidade. Trata-se de um periodo de involugdo, a todos os niveis. Na URSS, a "desestalinizagdo" nao ultrapassou os limites de urn ajuste de contas entre grupos dirigentes da burocracia politica central, de uma redistribuicão de papas dentro de um sistema que, essencialmente, permanece intacto. No chamado campo socialista, a Unica coisa que progrediu foram as tendencias centrifugas. A Unica coisa que se aprofundou foi a crise do movimento comunista neostaliniano ou substaliniano, sua bancarrota te6rica, politica e moral. Ao mesmo tempo, na Espanha, a amplitude mesma das lutas opethrias de 1962 veio demonstrar o fracasso definitivo da estrategia da "greve nacional pacifica". Veio colocar corn urgencia a necessidade de uma elaboracão radicalmente nova dos problemas da revolucâo na Espanha: seu miter, seus objetivos imediatos e mediatos, suas aliangas de classe. A esta elaboracao, tornada impossivel no interior do Partido Comunista da Espanha quando medidas burocrdticas de expulsdo encerraram a discussão esbogada, Fernando Claudin aportou, naqueles anos, dois trabalhos fundamentais: As divergencias no partidn panneto sem indicacao de data e editor, que circulou a partir do verso de 1965, e o ensaio "Duas ConcepcOes da Via Espanhola ao Socialismo", publicado em Horizonte Espanhol 1966 (Suplemento de Cadernos de Ruedo Merle°, tomo 2). Desde entho nao leramos qualquer outro trabalho de Fernando Claudin. que, superando a tentacdo das polemicas parciais, evitando as ciladas e as armadilhas da amargura, do "vejam como eu tinha raIg o", contornando os escolhos da justificacdo pessoal, Fernando Claudin se envolvera numa empresa de largo alcance e alto vOo: a andlise critica do passado do movimento comunista ern que nos formamos e deformamos, que fora o nosso instrumento de aflo sobre a realidade e a raiz da nossa alienagäo delta realidade. Analise lticida, as vezes impiedosa, mas nunca desmobilizadora. Afinal de contas, não se trata de arrancar os cabelos nem de rasgar as roupas: trata-se de langar as bases de uma nova luta pelo socialismo. Ou seja, como dissemos no inicio: este e, sem dtivida, urn livro importante.

NOTAS A Global Editora, por razbes tecnicas, dividiri o "prima() tomo" referido pelo prefaciador em dois volumes. (N. do T)

2 Federico Sanchez era o pseudenimo do prOprio Jorge Bernoulli durante a sua vida clandestina de militante e dirigente do PCE. 0 resgate critico de sua experiência comunista, Semprdn fb-lo no romance Autobiogrea de Federico Sanchez. publicado no Brasil pela Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1980. (N. do T.)

Jorge Sempriln 16

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A minhas filhas, Carmen e Tania.

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INTRODUCÃO

0 aim de 1956 marcou para mim, como para tantos outros comunistas, o inicio da ruptura corn uma confortavel e otimista representacao do estado e das perspectival do nosso movimento. Ate entao, seu passado e seu presente — e mesmo seu futuro — nao eram um problema. Marx e Engels, Lenin e Stalin, os supergenios da humanidade, haviam resolvido Codas as incOgnitas fundamentais. E verdade que o caminho da revolucao se mostrava mais longo e complicado do que suprinhamos em nossa juventude, descrevia uma grande curva — passando pelos paises atrasados — que Marx nao prevera, mas continuava parecendo-nos diafano e seguro. Instaurado definitivamente na sexta parte do globo habitado, o socialismo comegava a ser construido corn o mesmo exito em novos paises, ao passo que o capitalismo se debatia agonicamente na "segunda etapa" da sua "crise geral". A vitOria da grande revolucao chinesa anunciava a liquidacao da "retaguarda colonial" do imperialimo. No resto do planeta, nen, os comunistas, gente de uma "tempera especial", constituiamos a unica forca revoluciondria consciente e organizada. Dotados de uma teoria cientifica, arquicomprovada na pratica, e respaldados pela formidavel superpotencia que arrasara os exercitos hitlerianos, era indiscutivel que o futuro nos pertencia. As derrotas passadas se explicavam pelas "condicees objetivas" e pelas "traigóes da social-democracia" — no essencial, nossa politica sempre fora justa. Desaparecida a Internacional Comunista, continuavamos contando corn urn guia tao sabio e competente como o partido de Lenin e Stalin, cuja ajuda, em todos os niveis, compensava as insuficiencias dos outros partidos comunistas, seus discipulos. Numa palavra: o triunfo final, ern escala planetaria, estava assegurado. Era uma questao de tempo, perseveranca e esforgo. As revelacees do "relatOrio secreto" de Kruschev e as sublevagOes dos proletarios e intelectuais hUngaros e poloneses contra o sistema staliniano destruiram repentinamente esta representagao confortavel e otimista. E sobre suas minas se levantaram inquietantes signos de interrogacao. Entre des, urn englobava a todos: que marxismo era o nosso — Z1

em sua dupla vertente, te6rica e pratica - que, ao inves de nos servir pan decifrar a realidade, ocultava-a e mistificava-a? No meu caso, a resposta a esta indagagao fulcral se foi construindo atraves de um largo e penoso ajuste de contas com vinte e cinco anos de educagao staliniana e de sucessivos conflitos no seio da diregio do Partido Comunista da Espanha (a que pertencia desde 1947). Juntamente com Federico Sanchez — o mais jovem da direcao, cuja evolucao fora similar a minha fui expulso do partido em 1965. Como, segundo o saber popular, nao ha mal que por bem nab venha, este inevitavel acontecimento propiciou-me tempo livre e liberdade de espirito para responder, no limite de meus conhecimentos e experiencias, a pergunta acima formulada. Esta 6 a origem deste livro. No curso da minha investigacao, cheguei a uma conclusao que inicialmente nao era evidente para mim: o movimento comunista — o partido staliniano, tanto em suas dimenslies nacionais como internacionais, quer no exercfcio do poder, quer como instrumento de luta por ele — entrara nos anos cinqiienta em uma crise geral, irreversivel. E, por sua prOpria natureza, nao tem possibilidade de autotransformar-se, de "negar-se' em sentido hegeliano. 0 que, naturalmente, nao exclui que fraclies mais ou menos importantes deste movimento contribuam para criar a nova vanguarda revolucionaria marxista, cuja necessidade, nos dias que correm, desperta poucas davidas. E preciso distinguir entre a subjetividade revolucionaria de inameros comunistas e o sistema ideolOgico-organizacional que a esteriliza. Digo nova vanguarda revolucionaria marxista porque, a meu juizo — o trabalho sobre o tema, neste livro, dissipou as dtividas que a respeito me assaltaram o que fracassou historicamente Tao 6 o marxismo, mas uma determinada dogmatizacao e perversao do pensamento marxiano. Sua essencia critico-revoluciondria, Liao poucas de suas concepOes e teses, permanecem vivas, atuais. Sob a condicao, esta claro, de que nos decidamos resolutamente a situar Marx em seu tempo histOrico e de continua-lo de acordo com o nosso tempo. Ou, em outras palavras: sob a condicao de considerar e utilizar o marxismo de maneira marxista. 0 que implica, entre outras coisas, nao perder de vista que na pr6pria fungi.° que desempenha, de ideologia do movimento revolucionario, existem as premissas da sua dogmatizacdo e perversao. Nao a por acaso que a staliniana nao foi a primeira, e quem sabe se sera a Ultima, dessas deformacees. Minha investigacito sobre a crise do movimento comunista 6 uma tentativa de utilizar o marxismo, assim concebido, para a critica do marxismo mesmo, tanto em suas formas mortas como vivas. 0 problema que abordo 6 tao vasto e complexo que seu esclarecimento so pode resultar de mtiltiplas contribuiclies em todos os niveis das ciencias sociais. Ja existem varias, mas o grosso do trabalho esta 22

por fazer. A minha a uma contribuicao a mais, circunscrita, essencialmente, a esfera politica. Nao 6 uma histOria do movimento, mas uma analise dos principais fatores e processos que determinaram a sua crise. 0 que, indubitavelmente, acentua o seu aspecto "negativo". Mas se esta negatividade ajuda em alguma medida a desobstruir o caminho para novas formas do movimento revolucionario, liberadas na escala do possivel dos mitos, das ataduras e dos erros do passado, sera. — como minha intencao — uma negatividade dialetica, marxista. E desnecessario diner que este livro nao 6 apenas uma critica do movimento comunista — tantem 6 uma autocritica do autor. Mas isto nao tem a menor importancia. Fernando Claudin

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I. A CRISE DA INTERNACIONAL COMUNISTA

Nas lutas histOricas, rr necessdrio distinguir entre a fraseologia e as pretenseies dos partidos e sua constituicdo e interesses verdadeiros, entre o que eks imaginam ser e o que realmente Marx

N6s ncio devemos dissimular os nossos erros em face do inimigo. Quem o teme neio é urn revoluciondrio. Lenin 24

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1. A DISSOLUCA-0 Quando nos deixou, o camarada Lenin nos conslegatarios dos principios da Intituiu em ternacional Comunista. Juratnos a ti, camarada Lenin, que nab regatearemos nossa vida para fortalecer e ampliar a unlit° dos trabalhadores do mundo inteim a Internacional Comunista! Stalin, 1924.

Ultimo episOdio de uma longa crise No dia 10 de junho de 1943, a Internacional Comunista' deixou de existir "como centro dirigente do movimento operario internacional". Esta Thrmula indicava que as secOes nacionais da IC subsistiriam, mas transformadas em partidos comunistas independentes, "liberadas das obrigagOes derivadas dos estatutos e resolugees dos congressos da IC"? Na resolucao do Presidium do Comite Executivo da IC que anunciava a histOrica decisao ndo se previa nenhuma outra forma de vinculaao internacional entre os partidos comunistas. E tampouco se fazia a menor alusao a possibilidade de estabelece-la no futuro. De "segOes" dirigido por urn Comite Exede um "partido comunista mundial cutivo cujas decisbes "sao obrigat6rias para todas as sect-vs e devem ser imediatamente aplicadas por estas", 3 os partidos comunistas passavam a ser, da noite para o dia, partidos nacionais totalmente independentes e desvinculados entre si — pelo menos se considerarmos a letra do documento oficial que punka termo a existencia da IC. Uma independencia absoluta deste genera entre os partidos comunistas dificilmente se conciliava corn o internacionalismo marxista. A criagio da Terceira Internacional, como a das suas duas predecessoras, fora uma conseqiiencia lOgica, a nivel da praxis politica, do principio te6rico formulado por Marx nos estatutos da Primeira Internacional: "A emancipagdo dos trabalhadores ndo é uma tarefa local nem nacional, mas social e internacional". 4 Do car-Ater internacional da tarefa derivava a necessidade de uma organizagão do mesmo tipo. Suas estruturas, funcionamento, programa, etc., deveriam modificar-se, indiscutivelmente, corn a mudanga das condigOes histOricas, mas os marxistas nunca haviam questionado a necessidade mesma de que o internacionalismo proletario se objetivasse num- forma concreta de organizagat. Quando a guerra franco-prussiana e a derrota da Comuna, mais a luta intestina entre marxistas e bakuninistas, provocam a crise da Pri27

meira Internacional, Marx e Engels consideram a sua desaparicäo como urn fenOmeno passageiro. 5 Quando a maioria dos dirigentes da Segunda Internacional abandona as posicOes internacionalistas para realizar a "uniào sagrada" corn as respectivas burguesias nacionais na guerra de 1914, Lenin qualifica como traiflo a sua conduta e proclama imediatamente a necessidade urgente de criar uma nova Internacional. Urn dos tracos que mais radicalmente distingue esta das suas predecessoras 6 a primazia absoluta que confere ao "internacional" sobre o "nacional". Desde o primeiro momento, ela erige em principio "a subordinacdo dos interesses do movimento em cada pais aos interesses comuns da revolugdo em escala internacional" 6 e reafirma este principio em cada urn de seus congressos. 0 triunfo da "revolucdo proletaxia mundial" — diz-se no programa da IC aprovado pelo VI Congresso (1928) — odge "a estreita coesäo dos operdrios num exercito internacional unto de proletdrios de todos os paises, formado independentemente das fronteiras estatais, das diferencas de nacionalidade, de cultura, de lingua, de raga, etcr 7 A Internacional Comunista e o organizador e o dirigente deste "exercito", seu "Estado-Maior", cuja missão histOrica é elaborar e aplicar a estrategia global que defina e articule a agdo dos diversos "destacamentos" nacionais do exercito mundial proletdrio.9 Por outra parte, Lenin e seus discipulos consideraram que a necessidade de uma organizagan revoluciondria internacional, severamente centralizada e disciplinada, era particularmente imperiosa em tempos de guerra, quando as contradicOes sociais se exacerbam e a possibilidade da saida revoluciondria pode colocar-se na ordem do dia. As estruturas da IC, precisamente, foram concebidas para que nä° se repetisse o ocorrido em 1914 — a Terceira Internacional ndo ruiria como a Segunda quando chegasse a hora da verdade. Por into, o VI Congresso da IC "convida todas as secOes a tomar as medidas preparatOrias para a coordenagdo internacional das intervengOes revoluciondrias, a fim de encontrar-se em condicties, chegado o momento, de opor a guerra grandes agOes internacionais de massas". E adverte: "0 contato mais estreito deve ser estabelecido entre todas as segOes antes do comego da guerra e, durante a guerra, este contato deve ser mantido por todos os meios". 9 0 VII, e Ultimo, Congresso da IC (1935) confirma as decisOes do VI em relacAo a guerra e renova a tese de Lenin e Rosa Luxemburgo, aprovada no Congresso de Sttutgart da Segunda Internacional: "Se, apesar de tudo, a guerra eclode, o dever da classe operatia a atuar para que ela cesse imediatamente e utilizar, corn todas as suas forcas, a crise econennica e politica criada pela guerra para despertar a consciencia politica das massas populares e precipitar a queda da dominacão capitalista".19 A guerra eclode. 0 proletariado internacional enfrenta urn combate cujas dimens6es mundiais nao tinham precedentes na hist6ria do

movimento operdrio. Ademais, a guerra — sobretudo a partir do ataque alemào contra a URSS — lido se enquadra em nenhum dos modelos meticulosamente elaborados pela IC — apresenta traces novos, originals: 1 Vista desde o Angulo dos principios e postulados tradicionais da IC, esta circunstAncia parece acentuar a necessidade de urn centro que assegure a direcào estrategica e tatica do proletariado mundial, tanto durante a guerra como na hora da vitOria. E é nesta situacdo, quando o "exercito do proletariado internacional" esta empenhado no mais duro dos combates contra o imperialismo fascista, e emergem as segundas intencees do outro setor do imperialismo, aliado temporal da URSS, que o "Estado-Maior" da revolugão mundial decide... dissolver-se. 0 que aconteceu? Traigdo, como bradam imediatamente os trotskistas? Medida "acertada e oportuna, porque facilita a organizacdo do assalto comum de todos os povos amantes da paz contra o inimigo comum", como declara Stalin? Resolugão ditada pela experiencia histOrica da IC, que revelara a inadequacão de suas estruturas, como explica o Comite Executivo da Internacional? Ate hoje, as causas da dissolugão da Internacional foram objeto de escassa atengdo. Para os principais criticos comunistas da IC (os inseridos na corrente trotskista), tudo estava claro: era o final lOgico da instrumentalizagdo da IC a servico da politica exterior da URSS. Deutscher, em seu Stalin, 12 prende-se a este ponto de vista que, mesmo contendo urn elemento de realidade e de primeira importância, simplifica o problema. Outros especialistas em "comunismo", assim como tratadistas da segunda guerra mundial, reproduziram a explicaflo, que quase se converteu num Lugar-comum. Quanto aos historiadores e dirigentes dos partidos comunistas, sua contribuicdo se limitou a repetir a versa) oficial de 1943, segundo a qual a raid() basica da dissolugão da IC era que a experiencia do prOprio organismo demonstrara a impossibilidade de dirigir o movimento operdrio de cada pais desde um centro internacional.13 Ern nosso estudo do problema, concluimos que as duas motivacOes existem, mas no interior de um conjunto mais complexo de fatores. A liquidacdo da IC em 1943, na realidade, recobre a chegada a urn ponto critico, num momento de viragem da his-Oda mundial — a dissolucAo coincide corn a inflefao decisiva da guerra a favor da coalizdo anti-hitleriana e esta intimamente conectada a ela —, de processos teOricos, politicos e estruturaisque vinham de longe, do prOprio nascimento da Terceira Internacional. E o dnico episedio de uma longa crise, iniciada em 1921, quando o curso real' do mundo capitalista entrou em contradigdo com os fundamentos teOricos e organizacionais da IC. A histeria da Terceira Internacional é a histOria da impotencia para superar esta contradiflo mediante auto-reforma que a tornasse capaz de interpretar justamente a realidade e de atuar corn eficacia sobre ela para lograr sua transformagdo revolucionaria.

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Mas o interesse que a dissolucao oferece nao reside apenas na apresentacao, de modo concentrado, da fase extrema a que chegara a crise da IC. Ao mesmo tempo, encerra as premissas da ulterior crise do movimento comunista, do movimento cuja certidao de nascimento esta escrita no certificado de Obito da IC. A dissolugdo desta, com efeito, nao elimina os fatores que determinaram a sua crise — projeta-os, sob outras formas ou sem qualquer modificagao, a nova etapa do movimento comunista. A crise deste — objeto principal da nossa investigeo — nao se pode entender sem o exame fundamental daqueles fatores. Em outras palavras: a analise da crise da IC 6 absolutamente indispensavel para tornar inteligivel a analise da crise atual do movimento comunista. Dal que tenhamos dedicado o primeiro tomo deste livro ao exame da crise da Internacional Comunista. Iniciamo-lo corn a analise da dissolucao porque o conhecimento previo do ponto de chegada facilita a inteligibilidade do processo. Por seu turno, a analise deste nos permitira chegar de novo a dissolucao da IC abarcando todas as implicees que encerra para o curso ulterior do movimento comunista. A versa° oficial da dissolucao da IC esta contida em tits documentos que, dadas a sua relativa pouca extensao e as repetidas referencias que fazemos a quase todas as suas partes, reproduzimos integralmente na nota 14. Estes documentos, tinicas fontes disponiveis, sao: a resole° do Presidium do Comite Executivo da IC, de 15 de maio de 1943; o comunicado, do mesmo organismo, datado de 9 de junho e a declare° de Stalin, de 28 de maio do mesmo ano. 14 As discussOes no seio do Presidium, as opiniOes de outros dirigentes comunistas, os termos concretos da intervencito de Stalin na questa° (que, a superfluo dize-lo, nao se reduz a declare° citada), os dados exatos relativos a conexao interna entre a dissolugao da IC e os problemas estrategicos e diplomaticos colocados neste momento ao govern da URSS permanecem ate hoje no segredo dos arquivos sovitticos. Na investigeo deste problema, como na de muitos outros da IC, tropeca-se corn a dificuldade assinalada por Togliatti em 1959: as fontes "sao hoje de acesso dificil, encontram-se dispersas em lugares diferentes, em publicees quase impossiveis de localizar nos paises do Ocidente. Mesmo na Una° Sovietica, a reedicao dos documentos indispensaveis para um exame hisOde° seri° esta apenas comecando. E por que nao aduzir que as dificuldades materials se somam outras, concernentes a substancia dos temas que uma histOria da IC deveria tratar?" 15 0 "mesmo" desta discreta critica togliattiana aos responsaveis sovieticos deveria ser substituido por um "sobretudo", para que a critica correspondesse melhor a realidade: ja quando Togliatti escrevia, e particularmente nos anos posteriores, no Ocidente se reeditaram muito mais documentos da IC do que na URSS. I6 Ademais, a investigacao marxista necessita nao apenas da reedicao dos materiais que, originalmente, foram ptiblicos, mas 30

do acesso aos documentos internos da IC. Naturalmente, na hist6ria de uma organize° revolucionaria, cuja atividade em grande parte foi clandestina, ha aspectos que nao podem ser publicitados inclusive muito tempo depois dos acontecimentos. Mas a atividade da IC conta ja corn uma antigiiidade que oscila entre os cinqiienta e os vinte e cinco anos. Por outro lado, a "substância" aludida por Togliatti nao se comp& principalmente de materias "tecnico-conspirativas" — 6, antes de tudo, "substancia" politica. Concerne a luta interna no Partido Comunista sovietico e na IC, aos metodos que se utilizaram nesta luta, as conexOes entre as atividades da IC e a politica exterior sovietica, etc. 8 evidente que o estado de coisas caracterizado pelo secretismo constitui urn verdadeiro escandalo desde o ponto de vista dos interesses te6ricos e politicos da luta revolucionaria. Concretamente, 6 uma barreira para o aproveitamento critico da rica experiencia contida nos vinte e cinco anos de vida da IC. No manifesto inaugural da Primeira Internacional, Marx conclamava os °pelt-los a "se iniciarem nos misterios da politica internacional". Ele nao suspeitava qua° dificil seria para os marxistas, passado o tempo, iniciarem-se nos "misterios" da sua pr6pria organize°. Na medida em que esta dificuldade o permite, trataremos de penetrar no "misterio" da dissolugao da IC. Ironia da histOria

Como se sabe, as questOes de "procedimento" sao, corn freqiiencia, reveladoras — particularmente ern politica. , A primeira vista, o procedimento seguido para a dissolucao da IC (cfr. resole°, ponto 7, e comunicado) foi o mais democratico possivel, dadas as circunstancias. Era inviavel, evidentemente, convocar o Congresso — instancia natural num assunto de tamanha importancia mas o Presidium, cuidadoso para nao decidir por si s6, submeteu o problema a consideracao das secaes. Chegam vinte e oito respostas concordantes, entre as quaffs, conforme sublinha o comunicado, figuram "todas as sees mais importantes". Nao aparece nenhuma objecao. Em tempos de guerra, o que mais se poderia pedir? No entanto, examinando-se mais de perto a consulta, a coisa muda de aspecto. Em primeiro lugar, os dados oferecidos pelo comunicado do Presidium implicam que a dissolugao foi aprovada por uma minoria de sees. Realmente, segundo o ultimo congresso da IC, a organizacao contava com setenta e seis secties. 17 Portanto, quarenta e oito partidos, quase dois tergos dos componentes da IC, "nao puderam opinar". Entre estes partidos esta a totalidade, corn excegao do sin°, dos partidos dos paises coloniais e dependentes da Asia e da Africa. Como, de acordo corn o comunicado do Presidium, entre as sees que 31

opinaram figuram "todas as mais importantes", isto significa que para os dirigentes da Internacional nenhum dos partidos comunistas asidticos, inclusive o Partido Comunista da China, entrava naquela categoria. Dado significativo que, por agora, nos limitamos a registrar. Por outra parte, entre os vinte e oito partidos que opinaram, catorze (entre os quais se incluem todos os "mais importantes", menos o sovietico) estavam naquele momento na clandestinidade, em paises fascistas ou ocupados pelos fascistas, separados de Moscou por dual frentes de guerra. concebivel que em uns quantos dias estes partidos pudessem responder a consulta do Presidium? A "resposta" se explica, em quase todos os casos, porque alguns quadros dirigentes destas sect-vs da IC estavam refugiados em Moscou. Eles, sem dtivida, foram os que aprovaram a dissolucdo em nome de seus partidos. Outro fato significativo e o seguinte: a resolugão de 15 de maio se fez ptiblica imediatamente (por isto, o correspondente da agencia Reuter em Moscou pOde referir-se, em sua pergunta a Stalin, aos "muito favordveis" comentdrios britanicos); a 28, aparecia a declaragdo de Stalin, na qual se fala da dissolugdo como algo que rtho oferece a menor dtivida. Ou sej a: antes que o Presidium pudesse coletar um mimero decente de aprovagOes qualificadas, a dissolugdo da IC era apresentada ao mundo inteiro como um fato consumado. A consulta as segOes era um simples artificio para cobrir as formal. Evidentemente, a liquidacdo da IC era assunto urgente. Existiam razOes poderosas que impediam qualquer espera. Mas, ao mesmo tempo, dissolver a IC por um simples decreto do Presidium era demais. A solucão foi mascarar o decreto corn a par6dia da consulta. Por que era tao urgente que a IC desaparecesse? Depois da vit6ria sovietica em Stalingrado e da derrota do Eixo no norte da Africa, a perspectiva do triunfo antinazista se perfilava claramente no horizonte. Que razOes impediam que se esperasse o final da guerra para que os partidos pudessem examinar em seus congressos problema tao importante como a dissolucdo da sua organizano internacional? A resolucAo do Presidium ndo explica tais razOes. Seu argumento bAsico era que a experiencia da IC demonstrara a impossibilidade de dirigir o movimento a partir de um centro internacional. Admitindo como valido o argumento (mais adiante examinaremos esta questdo), nAo se justifica, no entanto, a urgencia da dissolucdo. Se a citada impossibilidade existia, bastava "congelar" a atividade dos OrgAos dirigentes da IC ate que urn congresso decidisse o que fazer. A chave da urgencia transparece, em troca, na declaracdo de Stalin: "A dissolucdo da IC é acertada e oportuna porque facilita a organizacAo do assalto comum [...]", "é perfeitamente oportuna porque precisamente agora [...] a necessdrio organizar o assalto comum [...]", porque dard como resultado "o fortalecimento ulterior da Frente Unica dos 32

Aliados [...]". E o significado exato destas fOrmulas fica adequadamente explicitado no livro de William Forster, Histdria das ties internacionais. William Forster, presidente do Partido Comunista dos Estados Unidos ate sua morte, foi, desde 1935, membro do Presidium do Comite Executivo da IC e se distinguiu sempre por sua identificacão com as posigOes dos dirigentes sovieticos. Seu livro se ajusta inteiramente ao padrAo da historiografia staliniana, mas precisamente por into a passagem que reproduzimos em seguida tem um interesse maior: "E significativo — escreve Forster — que a decisào hist6rica sobre a dissolucAo da Internacional foi adotada no momento mais agudo da luta pela criagdo de uma segunda frente na Europa. Esta frente era totalmente necessaria para alcangar a vitOria rapida e decisiva. Mas os elementos reacionarios ocidentais a retardavam, utilizando as especulacOes de Goebbels sobre a Internacional. Nab ha nenhuma davida de que a impressao favoravel produzida na burguesia mundial pela dissolucdo da Internacional desempenhou urn papel decisivo na superaciio do cfrculo vicioso criada Pouco depois (em novembro-dezembro de 1943), realizouse a famosa conferencia de 'Thera, na qual, finalrriente, fixou-se a data da abertura da segunda frente".18 0 "di-cut° vicioso" a que alude Forster era o seguinte: a IC ndo abolira formalmente seu programa de "revolugdo mundial"; "adormecido" nos anos da Frente Popular, foi novamente agitado pela IC no period() do pacto germano-sovietico, apontando-o justamente contra os Estados capitalistas que pouco depois converter-se-iam em aliados da UniAo Sovietica. A "burguesia mundial" continuava levando a seri° este programa. 0 New York Times, por exemplo, escrevia, a 14 de fevereiro de 1943: "Lenta, inexoravelmente, os exercitos russos continuam avangando para o oeste [...] Estes exercitos suscitam em muitos espiritos interrogacties que proporcionam terreno fertil para a propaganda nazista de Ultima hors, que agita o fantasma da dominagdo bolchevique na Europa". Por outro lado, Stalin temia que a Inglaterra e os Estados Unidos se orientassem para uma paz em separado corn a Alemanha. Ao que parece, considerava que uma viragem dos aliados capitalistas em 1943 podia mudar ainda o curso da guerra. Para veneer, o exercito sovietico teria que avancar e derrotar o exercito hitleriano. Mas o temor as conseqiiencias revoluciondrias da derrota alemd podia vulnerabili7ar a coalizAo anti-hitleriana. Havia que romper o "drculo vicioso" fixando claramente, de maneira aceitavel para todos os interessados, os objetivos da vit6ria. E, desde logo, a perspectiva da revolugäo na Europa não era aceitAvel para os aliados capitalistas da URSS. As razOes da urgencia, assim, aparecem muito claras. Independentemente de outros motivos serios — e os havia — para a dissoluno da IC, o momento escolhido para levar a pratica a medida esteve ple33

namente determinado pela urgente necessidade de dar "garantias" aos Estados capitalistas acerca dos objetivos politicos da URSS. Colocado o problema nestes termos, compreende-se que nao se pudesse esperar por urn congresso da IC, nem mesmo consultar o micleo comunista dirigente de cada pais (o que nao era impossivel, dados os meios "tecnicos" de que a IC dispunha, mas que exigiria um prazo de varios meses). E, ao fim das contas, para resolver o que se pretendia, o decisivo nao era o que pensassem os comunistas: decisivo era o que pensassem Roosevelt e Churchill, a "burguesia mundial", como diz Forster. Registremos de passagem — sem nos estender ern detalhes, que nos afastariam do nosso terra — que a dissoluao da IC aparece sincronizada corn urn conjunto de meclidas que vao todas na mesma direct-to. Pouco tempo depois, Stalin recebe o patriarca Sergius, chefe da Igreja Ortodoxa russa, e ao cabo de uma longa e amistosa entrevista resolve restaurar o Santo Sinodo. No mesmo periodo, a Internacional e suprimida como hino oficial do Estado sovietico e substituida por urn antic° a Grande RUssia.° E, a 10 de main, cinco dias antes da data que figura ao p6 da resolucao que dissolve a IC, celebra-se ern Moscou um congresso pan-eslavo presidido por Dimitrov. SimbOlica distinao! Pois bem: a dissolugao da IC poderia ser um ato suficiente para desvanecer, entre os aliados da URSS, o terror a revolugao? De acordo corn o raciocinio de Stalin, a medida fortaleceria a "Frente Unica dos Aliados" e facilitaria a organizacao "imediata" do "assalto comum", porque pOe termo a "calimia" de que Moscou interfere na vida de outras nacties para bolcheviza-las, assim como a "caltinia" de que os partidos comunistas a° atuam no interesse de seus povos, e sim sob ordens estrangeiras. Os nazistas e os "adversarios do comunismo dentro do movimento operario" — argumenta Stalin — apresentam a IC como o instrumento desta ingerencia. Portanto, a dissoluao da IC pete fim a calimia (a resolugao do Presidium, ainda que sob forma menos desenvolvida, utiliza este mesmo recurso polOmico; cfr. resolucao, ponto 2). segundo o dicionirio, significa "acusagdo falsa, feita maliciosamente para causar dano". Se acusar a IC de ingerencia era uma isto quer dizer que a IC realmente nao interferia nos problemas dos diversos paises, nao dava ordens aos partidos comunistas. Mas se a realidade era esta, a dissolucao da IC nao alterava nada de substancial, pelo menos para os bem informados. 0 ato s6 poderia ter um efeito psicolOgico, propagandistico, sobre os que tomavam a caltinia por verdade. E se poderia incluir nesta categoria os dirigentes do capitalismo mundial, os Roosevelt e os Churchill? itatava-se de assentar as premissas politicas pan um acordo corn estes senhores, urn acordo que deveria fixar os destinos do mundo por toda uma apoca. Podia a disso34

luck, da IC exercer uma inflancia importante — decisiva, segundo Forster — na grande negociacao diplomatica, se nao modificava realmente o estado de coisas, se apenas "suprimia" alga inexistente? Stalin, tranqiiilamente, reduzia vinte e cinco anos de hist6ria a "cahinia". Os estatutos, o programa, as resolucOes da IC proclamavam que a IC existia e que seu Comite Executivo funcionava permanentemente com urn objetivo muito concreto: dirigir a luta revolucionaria em cada pais atraves da sea° nacional respectiva, coordenar estas lutas nacionais em escala internacional dentro de uma concepao estratègica mundial da revolugao socialista. A burguesia de cada pals e o capitalismo internacional especularam sempre com a teoria e a pratica revolucionarias da IC para acusar os comunistas de estarem as ordens de Moscou, etc. Lenin e os comunistas Ma respondiam a essas acusacees negando os fatos, mas refutando a sua interpretacao reacionaria. A inegavel intervencito da IC nos problemas internos de cada pais — argumentavam — correspondia aos interesses do seu proletariado, o "nacional" deveria estar subordinado ao "internacional", o Estado soviatico tinha o dever de ajudar a luta revolucionaria em cada pals — evidente ingerencia nos "assuntos internos" —, etc. Os diversos partidos comunistas e a IC reconheciam abertamente que o Partido Comunista da URSS era o "partido dirigente' da Internacional. Ademais, a prOpria resolugao do Presidium dissolvendo a IC equivalia a urn desmentido rotundo da tese da "calimia". Ao declarar que a IC se dissolvia para p6r fim ao metodo de "solucionar os problemas do movimento °pecan° de cada pais a partir de um centro internacional", reconhecia a ingerencia da IC nos assuntos internos de todos os paises. Em suma, a dissoluao da IC nao punha fim a uma "caltinia": punha fim a uma realidade, ao que a IC fora realmente, corn seus acertos e seus erros. Por isto, podia facilitar as negociagOes Stalin-RooseveltChurchill. Por que Stalin recorre ao subterftigio da "caldnia"? 'Palvez como meio para dissimular, ante os comunistas e as massas trabalhadoras, a significacito profunda da concesao que faz aos chefes do capitalismo mundial. Assim apresentada, poderia ser interpretada — e assim a entenderam geralmente os comunistas — como urn ardil de guerra. A sacralizacao de Stalin — ja aureolado corn a glen-la da batalha de que a IC cultivara sistematicamente em seus quinze Stalingrado anos, por outra parte, tornava muito dificil a leitura critica, pelos comunistas, da declaracao de 28 de maio.2° Stalin Ma enterra apenas a "calUnia": procure tranqiiilizar os Aliados acerca da sua eventual ressurreicao. Os partidos comunistas deixam de ser uma forga organizada internacionalmente. Na seqiiencia, limitar-se-ao a atuar estritamente no marco nacional. Este 4 provavelmente, o significado contido no estranho silancio, que assinalamos, guar35

dada pela resolugdo do Presidium sobre qualquer outro tipo de vinculacOes internacionais entre os partidos comunistas. Mas nem a dissolu;do da IC, nem a tacita promessa de ndo restauth-la sob outras formas podiam ser suficientes para os experimentados politicos do imperialismo. Para eles, era evidente que pelo menos uma vinculagAo se mantaria, ainda que operasse muito subterraneamente: a vinculagdo entre cada partido e o centro soviOtico. Exceto se se dissolvessem tambem os partidos comunistas — pretensdo excessiva, por maior que fosse a boa vontade de Stalin —, o essential para os governantes burgueses era o sentido em que influiria a vinculagdo subsistente. Numa palavra: qual seria a politica dos partidos comunistas na fase final da guerra e no pOs-guerra? Iriam "utilizar, com todas as suas foreas, a crise econfnica e politica criada pela guerra para despertar a consciencia politica das massas populares e precipitar a queda da dominacdo capitalista", como preconizava o Ultimo congresso da Internacional? Na resposta a esta pergunta reside a concessão fundamental que Stalin faz aos Aliados. A resolucdo do Presidium, de fato, ndo se limita a dissolver a Internacional: formula, ao mesmo tempo, uma orientacdo susceptive] de satisfazer aos Estados capitalistas que participavam da coalizdo antihitleriana. Ndo porque represente uma garantia infalivel contra a revalued° — nem sequer os partidos comunistas, mesmo que o quisessem, mas porque deixava aos parpoderiam oferecer uma garantia destas tidos da burguesia uma ampla margem de manobra para prevenir o perigo. Os acontecimentos demostraram que eles souberam utiliza-la inteligentemente. Unido antifascista "sem distinedo de partidos ou crengas religiosas" (resoluedo, ponto 4): esta é a expressdo generica da thtica que a IC, ao desaparecer, prescreve aos partidos comunistas e ao proletariado em geral. Pois bem: sob esta formulagAo geral podiam abrigar-se conteUdos muito diferentes. Como é not6rio, a primeira formalizagão da politica de unidade antifascista foi a frente popular. Mas ela incluia explicitamente uma perspectiva de aprofundamento revolucionario, inspirada na estrategia leninista da transformagdo da revolugAo democratico-burguesa em revalued° socialista. Ao mesmo tempo, o VII Congresso, como ja vimos (cfr. p. 27), reafirmou a orientagdo tradicional da IC: aproveitar a crise que uma nova guerra mundial haveria de criar para atacar os fundamentos mesmos do capitalismo. Na resolugdo do Presidium ndo s6 se guarda silancio sobre ambas as perspectival, mas ainda se introduzem diretivas taticas destinadas, conforme toda evidencia, a canter a luta antifascista nos limites da democracia burguesa. Em face dos Estados aliados a URSS, assinala-se que o "dever sagrado" dos comunistas a "apoiar por todos os meios os esforgos militares dos governor destes paises" e "atuar dentro dos marcos do seu Estado". Nem sequer ha a recomendagdo de observar uma atitude critica diante des36

ses "esforgos militares" que, em muitos casos, deixavam bastante a desejar. Quanto aos paises do bloco hitleriano, a tarefa dos comunistas — diz a resoluedo — e contribuir para a derrota e a queda dos "ga yernos culpados" pela guerra. Nenhuma alusdo ao capitalismo monopolista alemdo e italiano, principal promotor da politica agressiva dos dais paises (cfr. resoluedo, ponto 4). Numa palavra: a perspectiva de transformar a luta antifascista em revolucdo socialista era tacitamente eliminada. Pode-se objetar que esta perspectiva continuaria na intengdo oculta dos partidos comunistas. Mesmo que fosse assim, o problema, substancialmente, ndo se altera. A revalued° somente se prepara mediante uma agdo ideolOgica e politica aberta, que formule claramente, a luz do dia, seus objetivos, metodos, etc. A rigorosa sincronizagdo do testamento politico da IC com as exigancias da negociacão entre a URSS e seus Aliados (tal como as entendiam os dirigentes sovieticos) se revela noutra particularidade da resoIna.° do Presidium — ndo contem uma s6 referOncia a luta de libertagdo dos povos das colOnias e semicolOnias. Parte dales, neste momento, tratava de utilizar as dificuldades do imperialismo anglo-frances (assim como do holandés, etc.) para romper com as cadeias colonialistas. Pam não inquietar aos aliados da URSS, a IC silencia prudentemente este combate. Outros, como o povo revolucionario da China, estho empenhados na guerra de libertagdo contra o imperialismo japones, com o qual estdo em guerra os Estados Unidos, aliados da URSS. A consideragdo anterior ndo vale, pois, em relagdo aos Estados Unidos. Mas a Untho Sovietica firmara, em 1941, um pacto de neutralidade e nä° agressdo com o Japdo, que tern vigência ate o momento em que, virtualmente vencido o imperialismo japones, a URSS ]he declare guerra a fim de assegurar-se posicees estrategicas no Extremo Oriente. Para Tido perturbar o pacto sovietico-nipOnico, a resolugAo de 1943 guarda silancio sobre a grande luta revolucionaria dirigida pelo Partido Comunista da China. Este nem mesmo figura, como vimos, entre as "seeees mais importantes da IC" (cfr. p. 34). 0 euro-centrismo que caracterizara toda a atividade da IC apesar do progresso radical que, neste aspecto, ela representa em face da Segunda Internacional — revelou-se da maneira mais Obvia na hora da sua dissolugdo. E toda esta orientagdo que a IC prescreve aos partidos comunistas no memento em que desaparece da cena histOrica — orientaeào na qual este. inscrita, ndo s6 como realidade admitida, mas como realidade respeitada, a subsistancia, no pOs-guerra, do micleo principal do capitalismo imperialista esta orientagAo a apresentada na resolucdo do Presidium e na declaragão de Stalin como susceptive) de ugarantir a amizade reciproca das nagOes sobre a base da igualdade de direitos"; como capaz de desobstruir "o caminho para a futura organizacdo da colaboracdo fraternal das nagOes, baseada na igualdade': Assim se fo37

mentava nas massas, atraves dos dirigentes maximos do movimento comunista, a ilusio de que a igualdade e a fraternidade entre as nagees 6 compativel corn a subsistencia dos principais Estados imperialistas; a Hisao de que estes Estados, pela Unica virtude de guerrearem contra seus rivais capitalistas ao lado do Estado sovietico, propor-se-iam instaurar urn mundo ideal. Os chefes do capitalismo saberao aproveitar este suplemento de credit° moral que Ihes concediam os chefes do comunismo, canto quanto aproveitarao habilmente a margem de manobra que Ihes proporcionava a limitagao dos objetivos dos partidos comunistas aos marcos da democracia burguesa. E desnecessirio realgar que a convocagito explicita-implicita contida na resolugdo de 1943, para que a luta antifascista nab ultrapasse os limites admissiveis para as potencies capitalistas, tern lugar no momento ern que ja se iniciara a fase ofensiva-da guerra por parte da coalizao anti-hitleriana. Esta fase nao se caracteriza s6 pela ofensiva nas frentes militares, mas pela potente progressao da Resistencia nos paises ocupados e pelo fortalecimento, no seu interior, das tendencias mais radicals. E a fase em que ainda subsiste o perigo de uma inversao das aliangas — embora todo o contexto politico tome cada vez mais dificil esta eventualidade mas na qual, ao mesmo tempo, cresce uma forga nova, cheia de potencialidades revolucionirias. Sobre este ponto, retornaremos noutro lugar. Aqui nos limitaremos a uma s6 observagao. Nao existe ainda uma investigagao objetiva da segunda guerra mundial que de conta, ern toda a sua complexidade, da correlaglo e da dinthnica dos fatores militares, socials e politicos nesta fase do grande drama. No se pode descartar, portanto, a hip6tese de que a resolugão de 1943 respondesse a uma avaliagao realista daquela correlagao de forgas, dos perigos existentes, das possibilidades reais que se abriam as vanguardas revolucionarias. Mas, ainda neste caso, subsistiria o clutter nitidamente oportunista da resolugao, dadas a maneira mistificada como apresenta as concessaes que faz ao imperialismo "anti-hitleriano" e as Hustles que a politica dos partidos comunistas, inspirada nesta linha, semeou entre as massas populares. Mistificaeao e ilusoes que s6 podiam facilitar o engano dos povos pelos lideres do "mundo livre". E certo que os "aliados capitalistas" pagaram o seu tributo. Para assegurar a vit6ria sobre seus concorrentes na exploragao mundial, tiveram que contribuir para a vitOria do Estado nascido da revolugao de outubro. A segunda grande divisao das "esferas de influencia" no seculo XX — iniciada na conferencia de Thera corn a decisão sobre o cemid° da segunda frente, precisada na entrevista Stalin-Churchill de outubro de 1944, consagrada em Jana e Potsdam — implicou, por parte dos Estados capitalistas vencedores, no reconhecimento da projegao enrol:raja da URSS. 21 Esta projegao supunha a instauragao, no leste e no 38

sudeste europeus, de regimes que oferecessem plenas garantias ao Estado sovittico, o que era dificilmente compativel corn a manutencao das estruturas capitalistas (mais adiante se revelaria que nao bastava a liquidagao do capitalismo para garantir a "seguranga" da URSS, tal como a entendiam os sovieticos; tambem se requereria que os dirigentes dos novos Estados obedecessem incondicionalmente ao centro sovietico). A perspectiva de revolucao socialista, excluida do testamento da IC, seria reintroduzida nestes paises ao amparo da razao de Estado.22 Bern pesadas as coisas, ha que convir que o tributo pago pelos Estados imperialistas ao seu circunstancial aliado "operario", embora nao fosse desprezivel desde o ponto de vista do processo hist6rico da revolugao mundial, tampouco era exorbitante desde o ponto de vista dos interesses de tais Estados. Em troca da liquidagao dos seus rivais capitalistas e da obtengao de garantias contra a revolugao no Ocidente europeu industrialmente desenvolvido, assim como na estrategica zona mediterranea, "aceitavam" a consolidagao do Estado soviatico e a supressao do capitalismo na area mais atrasada da Europa. 0 primeiro cornponente era, sem dUvida, a parte mais "gravosa" do tributo. Mas nao se pode perder de vista que o sistema capitalista sala de uma etapa em que conhecera a mais grave crise econtnnica da sua histOria e o mais terrivel conflito belico interimperialista. Tampouco nao ha que esquecer que, alem de salvar o Ocidente europeu e o grande Estado capitalista do Oriente, o capitalismo acrescia de modo gigantesco a sua potencia nos Estados Unidos. Os acontecimentos se encarregaram de provar que as garantias contra o desbordamento revolucionario da luta antifascista, dadas por Stalin a seus aliados, operaram eficazmente onde deveriam faze-la Na Franca e na Italia, a situagao interna, durante a Ultima fase da guerra e no seu termino, era indiscutivelmente mais desfavoravel para a burguesia — no piano das forgas politico-socials internas — do que na maioria dos palses do leste. Os partidos comunistas dispunham de enorme influencia e no interior da social-democracia existia uma importante ala esquerda. Mas estes partidos, prudentemente, souberam levar em conta o "fator externo". Na Gracia, onde a situagao interna era francamente revoluciondria, o partido comunista nao observou a mesma prudencia e foi liquidado. Pois bem: o "fator externo" nao era somente a disposigar) pan intervir das forgas ang,lo-americanas, como costuma apresenti-lo a historiografia comunista oficial; era, igualmente, a disposigao para nao intervir das forgas soviaticas (e inversamente, quando se tratava dos palses sob a projegao soviatica). 0 "fator externo" era urn compromisso corn tits artifices principals — Stalin, Roosevelt, Churchill — e um s6 deus verdadeiro: a razfto de Estado. Em virtude deste comprornisso, a revolugao nab passou do estado potencial na Franca e na Italia, foi liquidada na Grecia, nao Ode levantar a cabega na Es39

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panha — mas acabou por impor-se nos paises do leste da Europa. No altar deste compromisso foi liquidada e utilizada a IC. Liquidada, para mostrar, com urn gesto espetacular, que os dirigentes sovieticos renunciavam a "estimular" a revolugdo nos centros vitais dos seus aliados; utilizada, para dar forma positiva a esta remalcia, para preparar politica e ideologicamente os comunistas e o proletariado europeu para a aceitagdo deste compromisso. A resolugdo de maio de 1943 foi, numa so pega, o atestado de 6bito do passado e o documento guia do presente e do futuro imediato. E a ironia da histOria. Criada em 1919, "corn o objetivo de organizar a acdo conjunta do proletariado dos diversos paises para urn mesmo fim: liquidagão do capitalismo, instauragdo da ditadura do proletariado e da realiblica internacional dos sovietes [...]", 23 a IC se autodissolvia em 1943 para facilitar a acdo conjunta da primeira repliblica sovietica corn os Estados capitalistas que organizaram a intervened° armada para liquidd-la em seu bergo. Nascida corn um programa de revolugdo mundial a curto prazo, morria vinte e cinco anos depois postulando um horizonte de fraternal colaboragdo do Estado sovietico corn os Estados capitalistas.

Atestado de falencia Como 6 natural, dado o estilo que se instalara na IC desde muitos anos antes da sua dissolugdo, o documento do Presidium escamoteia cuidadosamente todo reconhecimento explfcito de que a medida obedece a exigencias peremptOrias das negociagOes entre Stalin e os Aliados. Toda a sua argumentagdo esta construida sobre a tese de que a disseined° vem determinada pela experiencia hisalrica da Internacional. 0 fato de que esta argumentagdo sirva para ocultar, para os comunistas, o aspecto que analisamos nas paginas anteriores nao significa que ela seja falsa ou secunddria. Ao contrario, possui enorme relevAncia. Seu substrato, como al sabemos, consiste ern que a prOpria atividade da IC fora demonstrando a impossibilidade de dirigir o movimento operdrio de cada pats a partir de urn centro internacional. A resolugdo nos descreve um processo no qual se foi produzindo uma inadequagdo cada vez major entre a IC — enquanto forma de organizacdo internacional e enquanto metodo de diregdo — e as necessidades do movimento operalio (cfr. resolugdo, ponto 3). Vejamos o esquema do processo. Houve um "periodo inicial", cuja duraedo nao 6 precisada, no qual a IC foi a forma de organizagdo adequada para aquelas necessidades. Neste periodo, ao que parece, foi possivel "a solugdo dos problemas do movimento operdrio de cada pats por urn centro internacional": Depois, vem um "periodo final", no qual o metodo utilizado co40

lide corn "dificuldades insupealveis", corn a IC chegando a ser, "inclusive, urn obsalculo para o fortalecimento ulterior dos partidos operados nacionais". Ndo se diz quando comega exatamente este "periodo final", mas que as "dificuldades insuperdveis" eram "patentes" desde "muito antes da guerra". Togliatti, signatalio da resoluedo de 1943, afirmou em 1959 que, pelo menos a partir de 1934, "era impossivel e ate absurdo pensar que se podia exercer urn verdadeiro trabalho de direedo desde urn centro Anico".24 Exceto se se admitir que a metamorfose da IC — de organizano adequada as necessidades do movimento operdrio ern obsalculo a este — ocorreu magicamente, da noite para o dia, hd que supor que entre o "periodo inicial" e o "periodo final" estendeu-se urn "periodo intermedidrio", durante o qual a inadequagdo ja existia, embora nao tomando as dimensties do absurdo. Em uma palavra, a resolucdo de 1943 reconhece de fato, ainda que nao o diga explicitamente, que durante a maior parte da sua histOria, a IC tido foi o tipo de organizactio internacional de que necessitava o movimento operdrio. 8 verdade que este atestado de falencia refere-se exclusivamente A IC enquanto metodo de diregdo e estrutura internacional — na resoluck) de 1943 nao hd a menor referencia critica a obra te6rica e politica da Internacional. Mas, tratada a questa° corn criterios marxistas, pode conceber-se que a inadequagdo do metodo e das estruturas organizacionais nao incidisse negativamente no piano das resolugOes political e das elaboragOes te6ricas? A argumentacdo de que se serve o Presidium do Comita Executivo da IC para fundamentar a falencia do mecanismo baseado na centralizaedo internacional do movimento a consistente e coerente. Parte, corn efeito, de urn fato indiscutivel, cujas principais facetas enumera: a "profunda diversidade dos caminhos histOricos no desenvolvimento dos diferentes paises"; o "diferente e inclusive contradit6rio carater de seus regimes sociais"; a "diferenga de nivel e ritmo de desenvolvimento social e politico"; a "diversidade do grau de consciAncia e organizagdo dos operalios". Deste fato indiscutivel, a argumentagdo deduz outro, que nao o e menos: a existencia de "diferentes tarefas" para a classe operalia de cada pats. E destes dois fatos indiscutiveis, deduz um coroldrio: a impossibilidade de "solucdo dos problemas do movimento operésio de cada pais por qualquer centro internacional". A validez deste corolArio 6 confirmada — assinala a resolugdo — por toda a experiOncia paltica da IC (cfr. resoluedo, ponto 3). No entanto, esta experiéncia demonstrou, "de maneira convincente, que a forma organizacional para agrupar os operalios, escolhida pelo primeiro congresso da IC, era uma forma que correspondia as necessidades do periodo inicial do renascimento do movimento operalio" (ibid.). Como compatibilizar esta tese corn a argumentagdo preceden41



te? Acaso, neste "periodo inicial", näo estava dada a profunda diversidade de caminhos histbricos, de regimes sociais e polfticos, de ritmos de desenvolvimento, de contrastes no nivel de consciencia e organizagão do movimento operario? Basta urn momento de atenno pan evocar o panorama oferecido pela Europa e pelo mundo ao tannin° da guerra de 1914 para constatar que todos estes tragos existiam superlativamente, em grau nä° menor que nos periodos ulteriores da IC. Na realidade, trata-se de caracteres genericos, encontraveis em qualquer pedodo histOrico do movimento °pearl°, e cuja base comum 6 bem conhecida: a nacdo. Toda a argumentacao utilizada pelo Presidium para justificar a dissolucão equivale a reconhecer que a IC se espatifou contra o fato nacional. E, de fato, esta 6 uma das razees essenciais da sua crise. Desde a sua fundagão, corn as suas 21 condicOes, 25 com o seu ultracentralismo, corn a subordinagdo draconiana da periferia ao centro, da base a copula, a IC eliminava de si mesma, na pritica, o "fato nacional". E, corn isto, interditava a via pan assumi-lo em sua exterioridade. Itemendo paradoxo! 0 partido que mais trabalhava sobre o "problema nacional", que mais avangava na compreensão do ferthmeno nacional, europeu e colonial, em Iticido contraste corn a "ortodoxia" da Segunda Internacional (recordemos as elaboragOes de Lenin e Stalin, as polemicas de Lenin corn Rosa Luxemburg°, seus tiltimos anatemas contra o nacionalismo grAo-russo pisoteador do direito a autodeterminacAo das nagOes mais debeis) este partido ignora o "fato nacional" como componente do prOprio movimento revolucionario, de sua organizack internacional. Os tiltimos vinte anos do movimento comunista, da "crise iugoslava" a "crise tcheca" — passando pelas crises thingara, polonesa, romena, albanesa, chinesa, etc. —, constituem a revanche aberta do "fato nacional" no movimento revolucionario. Mas antes houve a etapa da revanche subterrinea, que foi minando a Internacional. Sobre este fator fundamental da crise da IC, que se manifesta em todos os niveis da sua atividade (te6rico, politico, organizacional), voltaremos repetidamente ao longo da nossa analise. A tese de que, em seu "periodo inicial", a forma de organizagith da IC correspondia as necessidades do movimento operario não 6 acompanhada, na resolugito de 1943, de qualquer demonstragdo. Em troca, toda a argumentagão destinada a provar que nos outros periodos existiu uma crescente contradigAo entre esta forma organizational e as necessidades do movimento pode aplicar-se perfeitamente, como assinalamos, ao "perfodo inicial". inevitavel pensar que, na tentativa de excluir este periodo, operava urn movel subjetivo: salvar, perante a hist6ria, a criagAo da IC, indissoluvelmente ligada ao nome de Lenin. Efetivamente, no "periodo Uncial" existe uma "correspondencia", mas nao aquela apontada pela resolugão. A estrutura ultracentralizada da IC, seus metodos de diregith, "correspondem", nfto as necessidades 42

reals do movimento operario, mas a uma determinada concepCdo te6rica do curso da revolugão mundial, de suas exigencias taticas e organizacionais — a concepflo de Lenin e seu grupo bolcheviethe (concepgio que, no Ultimo period() de sua vida, Lenin comega a revisar). A contradigith entre as estruturas organizacionais da IC e as "necessidades do movimento operario" a uma contradino derivada, resultante da contradigão fundamental entre a citada concepflo te6rica do curso da revoluglo mundial e a marcha real do mundo. Em resumo, a crise da IC nAo nasce apenas das suas estruturas organizacionais: a tambem uma crise te6rica e politica. A este respeito, a significativo que, no momento de dissolve-la e fazer o seu balango histOrico, os dirigentes da IC it'd° possam inscrever nele uma s6 vitOria revolucionaria. Limitam-se a quatro generalidades de signo "positivo", cada uma das quaffs dissimula a alarmante faceta negativa do balango. "0 papel histOrico da IC — resume a resolugäo de 1943 — consistiu em defender a doutrina do marxismo contra os ataques e a falsificacAo dos elementos oportunistas do movimento operario; em contribuir para agrupar, numa serie de palses, a vanguarda dos °peados avangados em autenticos partidos; em ajuda-los a mobilizar as massas trabalhadoras para defender seus interesses economicos e politicos, para lutar contra o fascismo e contra a guerra que este preparava, bem como para apoiar a Unlit) Sovietica, baluarte fundamental contra o fascismo".26 Escamoteia-se o fato de que a grande maioria da classe operaria nos paises capitalistas continuava — quando a IC ja existia ha vinte e cinco anos — sob a a influencia do reformismo e que, na principal fortaleza do capitalism°, a incidencia do marxismo sabre o proletariado era praticamente nenhuma. 22 Nada se diz sabre o fato de que, na maioria dos palses capitalistas desenvolvidos, os partidos comunistas constituiam urn fator politico de escasso peso, quando nAo simplesmente nub — e que, onde desempenhavam papel importante, softer= duras derrotas, corn o mais poderoso deles, o path; do "modelo" do mundo capitalista, tido sendo capaz de oferecer qualquer re.sistencia eficaz ao fascismo alernfto. Ladeia-se um fato fundamental: no quarto de sOculo da existencia da IC, o capitalismo atravessou a mais grave crise econOmica da sua histOria, seguida poucos anos depois pelo segundo grande conflito belie° interimperialista — mas a Internacional Tao foi capaz de oferecer uma saida revolucionaria para esta crise em nenhum pais e, na hora da sua dissolugAo, quando a guerra se inclina para a derrota do fascismo, lega como perspectiva, aos partidos comunistas, o restabelecimento ou a defesa da democracia burguess. Passa-se por alto a derrota da revolugAo chinesa em 1926/1927 e a debilidade geral da IC nos palses colonials, o fracasso da revolugào espanhola e a frusta*, da Frente Popular francesa, etc. Nenhum partido comunista pode assegurar ao proletariado uma 43

via garantida contra as derrotas e os fracassos — mas o que pensar do partido "marxista" que avalia a sua histOria como se nao tivessem existido as derrotas e os fracassos dos quais foi o protagonista principal? 0 quadro sombrio que esbocamos, contraponto do torn auto-satisfeito exibido pela resolugao de 1943, nab se explica unicamente por razOes subjetivas, pelas deficiencias e erros da IC. Existiram poderosos fatores objetivos que contribuem para explicar, em larga medida, porque o capitalismo nao sd p6de sobreviver a estas dificeis provas, mas ainda fortalecer-se em uma serie de aspectos e setores vitals. Porem, nao ha que esquecer, em primeiro lugar, que na dialetica objetivo-subjetivo o subjetivo se objetiva e vice-versa; e, em segundo lugar, uma das debilidades principais da IC consistiu, precisamente, em sua incapacidade para levar em conta, teoricamente, os fatores objetivos e elaborar sobre esta base as formas e os metodos de acao adequados (limitemo-nos a assinalar aqui, para trata-los em outro lugar mais extensamente, dois problemas estreitamente vinculados: a influencia da social-democracia no movimento operdrio, suas raizes objetivas, etc., e o problema do capitalismo em sua fase monopolista ou, mais exatamente, em sua transicao pra o capitalismo de Estado, que se inicia entre as duas guerras). As derrotas e os fracassos sao um tributo inevitdvel que a luta revolucionaria deve pagar para alcangar a vitOria, mas este tributo sd é fecundo se o partido revolucionario é capaz de assimilar criticamente a experiencia das derrotas e dos fracassos. 0 mais grave da forma em que a IC desaparece a que se vira a pagina da sua hist6ria sem que se submeta a experiencia acumulada a uma critica rigorosa dos comunistas. E into se faz no momento em que se abre uma nova epoca, de radical mutagao mundial em todos os niveis, quando novos milhOes de revoluciondrios se incorporam a agao e o exit° desta depende vitalmente da assimilacao marxista da experiencia passada. A situacao de guerra nao podia ser uma justificagao para deixar de assumir esta tarefa, ao menos em seus aspectos mais urgentes (sem falar de que, quando a guerra terminou, tampouco a tarefa foi assumida). Se os partidos comunistas eram efetivamente a vanguarda revoluciondria, os comunistas nao podiam ser considerados como simples soldados ou oficiais antifascistas — tinham que ser os encarregados de elaborar, mesmo no calor do combate, uma estrategia e uma tatica revolucionarias, susceptiveis de aproveitar ao maxim°, em cada pais e internacionalmente, as possiblidades oferecidas pela crise profunda do sistema capitalista e o auge revoluciondrio que se delineava. Neste sentido, experiencias como a guerra civil espanhola e a Frente Popular francesa, que mostravam o pantano para o qual poderiam conduzir as tadcas da unidade antifascista, eram de valor inestimavel para a situacao que os partidos comunistas haveriam de enfrentar na Ultima fase da guerra e logo depois dela. Por outro lado, nas condigOes da guerra anti44

fascista em escala europeia, quando o desenlace da luta, em cada pais, dependia menos que nunca da simples correlagao interior das forgas, a coordenacao da acao entre os diversos partidos comunistas era uma necessidade evidente. A resolucao de 1943 rema contra estas duas exigencias. Em primeiro lugar, proclama uma linha uniforme para todos os partidos, ao invês de convocd-los a elaborar, com a maxima iniciativa, a politica que melhor correspondesse as peculiaridades da luta em cada pais. Ou seja: a resolucao dissolve a Internacional argumentando que o metodo de direcao do movimento revolucionario de cada pais a partir de um centro internacional fracassou historicamente — mas, no mesmo ato, utiliza o mesmo metodo. Em segundo lugar, aquela linha parte, antes de mais, das exigencias postas pela negociagao entre os "tres grandes" da coalizao antihitleriana, o que nao podia deixar de acentuar ao extremo as tendencias "direitistas" emergentes no periodo da frente popular. Em terceiro lugar, a IC e dissolvida sem que se cologne o problema dos novos tipos de vinculagao entre os partidos comunistas. 0 fracasso da forma de organizacao internacional representada pela IC é tacitamente apresentado como a prova de que nao deve existir nenhuma forma de organizacao internacional do movimento revoluciondrio. Numa sinned° que obviamente exigia a estreita coordenagao da agao dos partidos comunistas, a resolugao de 1943 imp& que cada um se limite a atuar no marco de seu pais. Na pratica, como é notOrio, cada partido deveria limitar-se ao marco de seu pais... mas em estreita relagao com a alta direcao sovietica. A perpetuagao do metodo da IC nao se expressava simplesmente na proclamagao, na hora da sua morte, de uma linha uniforme para todos os partidos comunistas — expressava-se em que o papel do Comitê Executivo da IC (intermediar a direcao da IC pelo Partido Comunista da URSS) passava a ser desempenhado diretamente, ainda que nao abertamente, pelo Bir6 Politico do partido sovietico. Nestas condicOes, nao s6 a formulagao geral da linha ditada pela resolugao de 1943, mas a sua aplicagao concreta ajustar-se-ia a todo momento as necessidades da alta estrategia politico-militar da URSS. No segundo tomo deste livro, veremos detalhadamente os efeitos desta subordinacao sobre o movimento comunista herdeiro da IC. Nos capitulos deste primeiro tomo, que se seguem agora, propomo-nos fundamentar a avaliacao formulada paginas eras: a liquidaea° da IC recobre a chegada a um ponto critico, num momento de viragem da hist6ria mundial, de uma longa crise, iniciada ja nos primeiros anos da Internacional. E comecaremos por examinar a genese e o processo desta crise no piano das concepeOes que servem de fundament° teOrico a acao politica e as estruturas organicas da IC. 45

NOTAS Ao longo do IWO, a Internacional Comunista (Komintern) sera designada geralmente pela sigla IC (nota do editor espanhol). Na edicao brasileira, o Komintern sera designado como IC, Internacional Comunista, Internacional ou lerceira Internacional, conservando-se, alias, as varies denominacOes da prOpria edicao castelhana (N. do T.). 2 Cfr. nota 14, resolucao do Comite Executivo da IC, ponto 7. 3 Segundo os estatutos da IC aprovados no VI Congresso (1928). Em These et resolutions du VP Contra de PLC, Feltrinelli reprint, 1967, pp. 101/103. A seguir, citaretnos: VI Congressa 4 Incluldo na introducgo aos estatutos da IC aprovados no II Congresso. Em Manifestes, theses et resolutions des quatre premiers congris mondiaux de ?Internationale Communists, 1919/1923. Textes complas, Feltrinelli reprint, 1967, p. 37. A seguir, citaremos: Congressos I-1V A formula que transcrevemos nit) 6 textualmente a de Marx, mas a condensageo feita na introducgo citada, que antes recupera integralmente a passagem de Marx. Esta rent: "A emancloaca° nfio 6 urn problema local ou nacional, mas um problema social, que envolve todos os panes onde existe o regime social moderno e cuja solucio depende da colaboracito teOrica e pritica dos paises mais avancados' Os estatutos da Primeira InternacionaLsedigidos por Marx, encontram-se em Los congresos obreros intemacionales en el siglo XIX, de Amaro del Rosal, Orijalbo, Mexico, 1958. 5 "Considerando a situacao na Europa, penso que 6 desejivel, sem cividas, deixar em segundo piano, provisoriamente, a organizarAo formal da Internacional [-I Os acontecimentos, o desenvolvimento e o agravamento inelutivel da situacio, por si mesmos, vac se encarregar de que a Internacional ressuscite sob forma melhomda." Carta de Marx a Sorge, de 27 de setembro de 1874, em Obms de Marx y Engels, 25 ed. russa, t. 33, p. 508 (os sublinhados são nossos). Na resolucao de dissolucão da IC (cfr. nota 14 dente capitol°, ponto 6), estabelece-se urn paralelismo com a dissolugao da Primeira Internacional, escamoteando-se este ponto essencial. Em geral, a versa° que neste documento se oferece para as causes que detenninaram a dissoloed° da Primeira Internacional nAo tem a mais remota relacato com a verdade histOrica. 6 Da carta-convite do Partido Comunista russo (subscrita por Lenin e Trntski) a outros partidos e grupos revolucionirios da Europa pant assistirem ao I Congresso da IC. Em Congressos I-1V, p. 4. VI Congressei p. 46. "A coordenaslo do trabalho e das Kees revolucionirias, e a sua boa direcAo, impbem ao proletariado internacional uma disciplina internacional de chum da qua/ a disciplina internacional mais rigorosa nas fileiras dos partidos comunistas e a condiceo essencial. Esta disciplina internacional deve traduzir-se pela subordinacao dos interesses parciais e locals do movimento a seus interesses gerais e permanentes e pela estrita aplicaglo de todas as decistles dos Orgaos dirigentes da IC por todos os comunistas" (ibid., p. 99). 0 emprego de termos militares era urn traco tfpico da linguagem da IC, transplantado, como veremos adiante, do partido bolchevique A palavra Komintern, corn que se designa a Internacional Comunista, provem da abreviatura desta expressAo em russo. 9 Nas teses aprovadas pelo VI Congresso sobre a luta contra a guerra imperialists e as tarefas dos comunistas. Teses 75 e 76. Cfr. VI Congress° p. 157. '° Da msolucg o do VII Congresso da IC "sobre as Carafes da IC em face da preparagao de uma nova guerra mondial pelos imperialistas'; cfr. VII vsemirni kongtess Kommunisticheskovo Intematsionala (VII Congresso Mundiat da Internacional Comunistal, Partisdat, 1935, p. 498. Nas teses contra a guerra imperialista e as tarefas dos comunistas, aprovados no VI Congresso (e ratificados no VII), distinguem-se "tres tipos de guerras": "1. guerras entre Estados impedelistas; 2. guerras de contra-revoluglo imperialists, dirigidas contra Estados proletirios, contra poises nos goals se edifica o socialismo; 3. guerras nacionais revolucionArias, principalmente nas colOnias, contra o imperialism°, respondendo a opressao e aos ataques das potenciae Partindo desta classificacão, as teses definiam detalhadamente a Utica e os meios da luta dos comunistas em cada caso (VI Congresses pp. 105-107; a citagao anterior e da p. 113). Como classificar a sesonde guerra mondial, em que se entrelagaram guerras dos "tits linos"? Esta obra de Deutscher, sob o fittdo Stalin, histdria de uma tirania, foi publicada no Brasil, em dois volumes, pela Ed. Civilizacâo Brasileira, Rio de Janeiro, 1968 (note do tmdutor). Crf. Deutscher, Stalin, Gallimard, Paris, 105 ed., p. 383 (de faro, Deutscher nAo trata do problema, limitando-se a uma Muse° marginal). Pierre Broue em he Part1 Bolchivique (Ed. du Minuit, Paris, 1963, pp. 433-439), expressa a avaliacAo trotskista sobre a dissolucao, mas sem examinar o acontecimento em si mesmo. A versa° comunista oficial encontra-se nos seguintes trabathos: artigo de B. N. Ponomarev (atual responsive/ do CC do PCUS, com Suslov, pare as ques46

toes do movimento comunista) na Grande enciclopedia sovietica, t. 22, pp. 258-267 (existe uma versa° francesa em Ed. Sociales, Paris, 1955, sob o tltulo La Pots Internationales)William Forster: History of the three internationals, New York, 1955, cap. 49; Togliatti: "Alcuni problemi della storia dell'Internazionale Comunista", Rinascita, n? 7-8, 1959; G. Amendola: "Veinticinque anni dopo to scioglimento dell'Internazionale Comunista", &Rica Marxists, n? 4-5, 1968. Em todos estes trabalhos nao se fax mais que repetir, is vezes textualmente, a argumentagao da resolucao do Presidium do Comite Executivo da IC, de 15 de maio de 1943, cuja Integra oferecemos na nota 14. 14 Mao da resoluedo do Presidium do Comité Executivo da Internacional Comunista, de 15 de maio de 1943 (a numeracao dos parigrafos como pontos foi introduzida por nos, para facilitar as referencias): I. 0 papal histOrico da Internacional Comunista, fundada em 1919, no desdobramento do fracasso politico da esmagadora maioria dos velhos partidos operArios do pre-guerra, consistiu em defender a doutrina do marxismo contra os ataques e a faloificaglo dos elementos oportunistas do movimento operirio; em contribuir para agrupar, numa seri° de paises, a vanguarda dos operirios avancados em autenticos partidos; em ajudi-los a mobilizer as massas trabalhadoras pare defender seus interesses econ8micos e politicos, para lutar contra o fascismo a contra a guerra que este preparava, bem como para apoiar a Uniao SoviCtica, baluarte fundamental contra o fascismo. A Internacional Comunista desmascarou oportunamente o verdadeiro significado do "Facto Anti-Komintern", como instrumento de preparmAo da guerra pelos hitlerianos. Desmascarou infatigavelmente, muito antes da guerra, o infame trabalho de sapa dos hitlerianos nos Estados estrangeiros, trabalho encoberto sob a sua campanha contra uma suposta ingerencia internacional comunista nos assuntos internos daqueles Estados. Mas jA muito antes da guerra em cada vez mais patente que, a medida que se complicava a situacao de cada pals, tanto interne como externamente, a solucilo dos problemas do movimento operirio de cada pais a partir de qualquer centro internacional encontraria dificuldades insuperiveis. A profunda diversidade dos caminhos hasten-loos do desenvolvimento dos diferentes panes do mundo, o canner distinto e ate contraditerio de seus regimes socials, a diferenca de navel e ritmo de seu desenvolvimento social e politico e, finalmente, a diversidade do grau de consciencia e de organizagfio dos operirios impuseram tambem tarefas diferentes a classe opeatria dos distintos pains. ibdo o curso dos acontecimentos durante o Ultimo quarto de Math°, assim como a experiencia acumulada pela Internacional Comunista, demonstraram de maneira convincente que a forma de organizacio para agrupar os operitrios, escolhida pelo primeiro congresso da IC, era uma forma que correspondia is necessidades do periodo inicial do renascimento do movimento operario, a goal is caducando a medida que este movimento se desenvolvia e se desenvolvia a complexidade das seas tarefas nos diferentes paises, chegando ate a ser um obstaculo para o fortalecimento ulterior dos partidos operArios nacionais. 4. A guerra desencadeada pelos hitlerianos aprofundou ainda mais as diferencas na situacao dos distintos paises, tracou uma nitida linha divisOria entre os pzdses envolvidos corn a tirania hitleriana e os povos amantes da liberdade, agrupados na poderosa coalirno anti-hitleriana. Enquanto que, nos *sea do bloco hitleriano, a tarefa fundamental dos opertrios, trabalhadores e todas as pessoas honradas consiste em contribuir, por todos os meios, para a derrota dente bloco, corroendo desde o interior a mAquina de guerra hideriana, colaborando com a derrocada dos governos culpados pela guerra, nos paises da coalizao anti-hitleriana o dever sagrado das amplas masses populates e, antes de mais, o dever dos operirios de vanguarda consiste em apoiar, por todos os meios, os esforcos militates dos governos destes paises para o mais rapid° aniquilamemo do bloco hitleriano e para garantir a amizade reciproca das nacOes sobre a base da igualdade de direitos. NI° se deve perder de vista, tampouco, que nos diferentes panes que compOem a coaliand-hideriana hi tarefas especificas. Assim, por exempla), nos paises ocupados pelos hitlerianos, que perderam a sua independencia enquanto Estados, a tarefa fundamental dos operarios avancados consiste em desenvolver a luta armada, transformando-a em guerra nacional de libertaglo contra a Alemanha hitleriana. Ao mesmo tempo, a guerra libertadora dos povos amantes da liberdade contra a Urania hitleriana, ao colocar em movimento as mais amplas massas poputares, que se unem sem distinceo de partidos ou crencas religiosas nas Mehra da poderosa coaliLao anti-hitleriana, patenteia corn a maim evidIncia que o auge geral nacional e a mobilizacao das masses pare acelerar a vitOria sobre o inimigo podem ser realizados melhor e mais fecundamente pela vanguarda do movimento operirio de cada pals dentro dos marcos de seu Estado. 47

0 VII Congresso da IC, celebrado em 1935, tendo em conta as mudangas produzidas tante na situacao internacional quanto no movimento opethrio, mudancas que requeriam uma grande agilidade e autonomia de Silas segOes para resolver as tarefas que se Ihes colocavam, sublinhou a necessidade de que o Comae Executivo da IC, ao solucionar todos os problemas do movimento opal-Ado, "se baseasse nas condigOes e particularidades concretes de cada pals, evitando, como regra geral, imiscuir-se diretamente nos assuntos organicas internos dos partidos comunistas". Estas mesmas consideracOes moveram a IC a aprovar, uma vez conhecida, a resoludao adotada pelo Partido Comunista dos Estados Unidos da America, em novembro de 1940, sobre a sua retirada do ambito da Internacional Comunista. Os comunistas, guiados pela doutrina dos fundadores do marxismo-leninismo, nunca foram partichirios da conservagao de formas caducas de organizagao; sempre subordinaram as formas de organizagao do movimento operirio e os seus matodos de traba/ho aos interesses politicos vitals do movimento opal-Arlo em seu conjunto, as peculiaridades da situacao hist6rica concreta e as tarefas que se deduzem diretamente delta situacdo. Os comunistas evocam o exempt° do grande Marx, que aglutinou os operdrios de vanguarda na Associacao Internacional dos TrabaIhadores e, depois, quando a Primeira Internacional cumprira corn a sua missao histOrica, langando os alicerces para o desenvolvimento dos partidos operririos nos paises da Europa e da America, uma vez que amadurecera a necessidade de criar partidos operas-los nacionais de massas, procedeu a sua dissolucao, ja que esta forma de orgarrizagao nao correspondia mais aquela necessidade. 7. Partindo das consideragOes anteriores, e tendo em conta o crescimento e a maturidade politica dos partidos comunistas e seus quadros dirigentes nos diversos paises, e considerando, ainda, que durante a guerra atual uma serie de segOes colocaram a questao da dissolugao da Internacional Comunista como centre dirigente do movimento operirio internacional, o Presidium do Comite Executive da Internacional Comunista, impossibilitado, em tuna.) da guerra mondial, de convocar um congresso da Internacional Comunista, permite-se submeter a aprovagao das secares da Internacional Comunista a seguinte proposicao: - Dissolver a Internacional Comunista como centro dirigente do movimentoopenirio internacional, liberar as waits da Internacional Comunista das obrigagOes derivadas dos estamtos eresolugOes dos congresses da Internacional Comunista. O Presidium do Comae Executivo da Internacional Comunista aorta a todos os partidos comunistas a concentrar suas forgas pan apoiar, por todos os meios, e participar ativamente na guerra libertadora de povos e Estados da coalizao anti-hitleriana, a fim de acelerar a derrota do inimigo mortal dos trabalhadores, o fascismo alemao e seus aliados e vassalos. Os membros do Presidium do Comite Executivo da Internacional Comunista: Dimitrov, Ercoli, Florin, Gottwald, Koralov, Koplening, Kuusinen, Manuilski, Marty, fleck, Zdhanov, Thorez. 15 de maio de 1943. Tema do comunicado do Presidium do Cornice Executivo do IC de 9 de junho de 1943: Em sua Ultima sessile, de 8 de junho, o Presidium do Comith Executivo da Internacional Comunista analisou as decisOes recebidas de sues segOes, acerca da resolucao de 15 de maio de 1943, sobre a dissolucao da Internacional Comunista, e constatou: I. que a proposicao de dissolver a Internacional Comunista foi aprovada pelos partidos comunistas da Alemanha, Argentina, Australia, Austria, Belgica, Bulgaria, Canada, Partido Socialista Unificado da Catalunha, Partido Comunista da Colombia, Uniao Revoluciontria Comunista de Cuba, partidos comunistas da Tchecosloviquia, Chile, Espanha, Finlandia, Franca, GraBretanha, Hungria, Irlanda, ItMia, Mthrice, Costa Rica, Partido Operaxio da PolOnia, partidos comunistas da Romania, Stria, Suecia, Uniao Sul-Africana, Partido Comunista Bolchevique da URSS e pela Internacional Juvenil Comunista (aderente a IC corn direitos de segaa); 2. que de nenhuma das secOes da Internacional Comunista se recebeu qualquer objegao contra a proposicao do Presidium do Comite Executive. Considerando tudo isto, o Presidium do Comite Executivo da Internacional Comunista resolve: Primeiro: declarar que a proposicao de dissolver a Internacional Comunista foi unanimemente aprovada pelas segOes que tiveram a possibilidade de comunicar suas decisOes (entre as quaffs se encontram sodas as segdes mais importantes). Segundo: considerar que a partir de 10 de junho de 1943 estdo dissolvidos o Comae Executive da Internacional Comunista, o Presidium e o Secretariado do Comae Executivo e a Comissao Internacional de Controle. Terceiro: encarregar a uma Comissao composta por Dimitrov (presidente), Ercoli, Manuilski e Pieck a liquidagao dos assuntos pendentes, dos organismos, dos servigos e dos bens da Internacional Comunista. 48

Por determinagão do Presidium do Comae Executive da Internacional Comunista: G. Dimitrov. 9 de junho de 1943. Temo do resposta de Stalin ao correspondence da agenda Reuter em Moscou, datada de 28 de male de 1943. Pergunta: Os comentirios britanicos sobre a decisao de liquidar a IC foram muito favoraveis. Qual 6 0 ponto de vista soviético sobre este assunto e seu alcance para as futuras relagOes internacionais? Resposta: A clissolugao da Internacional Comunista a acertada e oportuna porque facilita a organirack) do assalto comum de todos os povos amantes da liberdade contra o inimigo comum, o hitlerismo. A disselugao da Intenacional Comunista C acertada porque: a) evidencia a mentira dos hitlerianos, que afirmam que "Moscou tenta interferir na vida de outras nagOes para bolcheviza-las". Agora se pOe termo a esta caldnia; I)) evidencia a calania dos adversaries do comunismo no interior do movimento °parade, que afirmam que os partidos comunistas nos diversos paises atuam nao no interesse de seus povos, mas sob ordens estrangeiras. Tambem se pOe termo a esta calania; facilita a atividade dos patriotasnos paises amantes da liberdade para unir as forcas progressistas de seus respectivos paises, sem distincao de partidos ou credos religiosos, num campo Unica de libertagito nacional para desenvolver a luta contra o fascismo; facilita a atividade dos patriotas de todos os parses para unir a todos os povos amantes da liberdade em um sOcampo internacional de luta contra a ameaca de dominagito do mundo pelo hitlerismo, abrindo assim o caminho para a futura organizacao da colaboragao fraternal das nagOes, baseada em sua igualdade. Creio que codas estascircunstancias, tomadasem seu conjunto, resultado no fortalecimento ulterior da Frente Unica dos Aliados e demais Naples Unidas, em suavitaria sobre a tirania hitleriana. Parece-me que a dissolugdo da IC 6 perfeitamente oportuna porque, precisamente agora, quando a besta fascista mobiliza suas animas energias, a necessario organizar o assalto comum de todos os paises amantes da liberdade para liquidi-la e libertar os povos da opressao fascism. J. Stalin. 28 de maio de 1943. Ensaio citado na nota 13, Rinascita, n? 7-8, p. 480 (o grifo C nosso). Mais recentemente, o historiador comunista italiano, Alberto Carraciolo, insistiu sobre o "fate deploravel" da "a falta absolute, ate hoje, de fontes russas para este gCnero de investigagOes". Cfr. Gmmsci y el marxismq Promo, Buenos Aires, 1965, p. 120. 16 Em 1967, a editora Feltrinelli empreendeu a reedicao dos principals documentos pablicos da IC. Mas a documentacao mais completa esta reunida no Institute de Marxismo-Leninismo de Moscou e em outras instituigOes sovieticas, dependentes do Comae Central do PCUS. Depois de 1935, liar) se voltou a reeditar na URSS os textos completosdasteses, resolugOes e atas dos seis primeiros congressos da IC, nem dos documentos do period° do p actogermano-soviatico. Os anicos documentos autorizados pan circulagito em versao integral sao os do VII Congresso. No que concern a vida interna da IC, os anicos testemunhos disponiveis provem dos sucessivos "hereges". Possuem interesse particular, alem dos trabalhos de Tretski e de outros oposicionistas russas, o livro do comunista alemao Arthur Rosenberg, Histoiredu bolchévisme, publicado na Alemanha em finals de 1932 ereeditado em Paris, 1967, por Grasset;L'OeildeMoscoueParis, de Jules Humbert-Droz, antigo secretario da IC, Julliard, Paris, 1964; Tito parte..., de Vladimir Dedijer, Gallimard, Paris, 1953; os arquives de Tasca, representante do Partido Comunista italiano na IC, cuja publicacao foi iniciada por Faltrinelli. Ponomarev, art. cit. da Grande enciclopidia sovidtica. IB Ibmamos a canal) da versa° russa da obra Istoria trioj Internatsionalov, Moscou, 1959, p. 470 (o grifo C nosso). Forster nao subscreve a resolugao de 1943 porque, em 1940, o Partido Comunista dos Estados Unidos resolveu sair da IC. 9 Demscher, Stalin, cit.; p. 383. 2 ° Inclusive a direcao do Partido Comunista iugoslavo, cuja politica revolucionaria na guerra de libercacao tropegara ja corn as primeiras recomendagaws de "moderagao" procedenres de Moscou, expressou seu acordo incondicional corn a declaracao de Stalin, Cfr. Tito park... pp. 206-207. 21 No capftulo I do segundo tome, examinaremos ern detalhe a politica staliniana de divisào das "es reras de int/Wanda". 22 A tugoslavia e a excegao da regra. 0 Partido Comunista iugoslavo nao respeitou a proporedo 60/40 acertada entre Molotov e Eden (cfr. segundo tomo, capitulo I, nota 143) e concluiu a revolugao em 1945. Artigo 1? dos estatutos da IC, aprovados no II Congresso. Cef. Congresses 1-1V, pp. 37-38. 49

24 Togliatti, op. cit., Rinascita, n? 7-8, 1959, p. 480. 25 Cfr. o capftulo 3 deste tomo. 26 Cfr. nota 14 deste capitulo, resolucio, ponto I. Esta caracterizaclo tai invariavelmente repetida, textualmente ou atraves de glosas que nao modificam a sua essencia, em todos os documentos ou histOrias oficiais do movimento comunista. For into, nil° deve sa tamada como uma "improviseMo" dos tempos de guerra. 27 Naturalmente que fazemos abstra.clo do contend° desta "defesa" do marxismo que, sob Stalin, vas se convertendo na operacão de enfrentar uma vans:dada de "ataques e falsificacOes" corn outras variedades do mesmo delito. Mas, neste aspecto, nao hi qualquer "ocultamento" por parte dos dirigentes da IC-como todos os comunistas da epoca, estavarn formadas nesta variedade de "marxismo", tomando-o por ouro de lei. Em trace, o fato de que a malaria da classe opertria continuava sob o impala do reformism° era empiricamente evidence. Aqui, a resolugäo do Presidium operava um flagrance ocultamento, como nos outros aspectos mencionados a seguir.

2. A CRISE TEORICA Nenhuma formacdo social desaparece antes que se desenvolvam todas as forcas produtivas que ela suporta, e jamais aparecem novas e mais altos relacdes de producdo antes que as condictles materiais para a sua existencia ten ham amadurecldo no seio da prOpria sociedade antiga. Marx.

0 esquema tenrico de Lenin Pam Lenin, tanto como para Marx e Engels, a revoluao socialista, por essencia, 6 mundial, mesmo que a tomada do poderpela classe operdria nao possa realizar-se simultaneamente em todos os paises, nem mesmo em varios ao mesmo tempo, salvo raras conjunturas.' Este miter mundial da revolugao socialista, em Marx, deriva da prOpria natureza das modernas forgas produtivas, em virtude da qual o capitalismo 6 um sistema mundial, um mecanismo econamico que tende a integrar a sociedade humana em escala planetaria. Em Ultima instancia, produto do transit° a urn nivel mais alto das forcas produtivas, o socialismo nao pode adquirir existencia real, corn maior rata° que o capitalismo, sena° como sistema mundial. 0 que, como condicao necessaria, implica que a revolugan triunfe nos paises economicamente desenvolvidos. Somente quando a "grande revolugao social — diz Marx -- dominar essas realizacaes da Opoca burguesa, que sao o mercado mundial e as modernas fore/as produtivas, submetendo-as ao controle comum dos povos mais avancados, somente entao o progresso humano deixara de assemelhar-se a este odioso Idolo pagao, que so queria tomar o nectar no crank) das vitimas".2 A verao de que, neste aspect°, Lenin revisou Marx e fundamentou teoricamente a possibilidade de construir plenamente o socialismo num pais isolado nao corresponde a verdade histerica — foi fabricada por Stalin para respaldar corn argumentos de autoridade a sua prOpria tese sobre o assunto, tese que os atuais dirigentes sovieticos "desenvolveram", ate proclamar a possibilidade de construir o comunismo na URSS com o capitalism° dominando parte consideravel das forcas produtivas mundiais.3 A especulagao staliniana sobre o pensamento de Lenin, acerca deste problema, foi facilitada pela confusào, muito difundida, entre dois conceitos que freqiientemente se formulam em termos identicos: o con50

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ceito de revolugdo socialista como revolucdo social, como transformacdo socialista das estruturas econOmico-sociais, das superestruturas politicas e da cultura e o conceito de revolucdo socialista como revolugdo cujo trago pertinente e a tomada do poder pela classe operaria. 0 primeiro contend° do conceito "revolucdo socialista" inclui plenamente o segundo: toda revolucdo social, tanto socialista como burguesa, compreende como momento necessdrio a revolugdo politica, a passagem do poder a uma nova classe. 0 segundo contend° do conceito, em troca, s6 inclui parcialmente o primeiro: toda revolucdo politica, salvo se se reduz a urn golpe por cima que transfere o poder de umas mdos a outras do mesmo grupo dirigente, possui um contend() social mais ou menos desenvolvido — e corn maior raid° o possui a revolugdo politica que constitui a tomada do poder pela classe operaria. Mas este contend° politico-social é apenas a primeira pedra de urn edificio cuja construcdo esta sujeita a leis e condicties distintas das que tornaram possivel a colocacdo da primeira pedra. Pam diferenciar estes contendos do conceito de "revolucdo", Lenin introduziu as express6es "revolugdo em sentido amplo" e "revolucdo em sentido estrito", expressOes de que nos valeremos a seguir.4 A diferenca de contend° entre revolucdo socialista ern sentido amplo e revolucdo socialista em sentido estrito encerra, entre outros aspectos fundamentais, uma distingdo de espago e tempo. No primeiro caso, o espago a mundial e o tempo compreende toda uma npoca hist6rica; no segundo, o espaco a nacional — mais exatamente: estatal — e o tempo se reduz a um period° historicamente breve. Quando Marx e Lenin falam da revolugdo socialista ern tal ou qual pais, isoladamente considerado, utilizam o conceito ern sentido estrito. Eles ndo se colocaram o problema de que esta vit6ria permanecesse isolada no espago nacional por um lapso de tempo prolongado. Este problema, quem o colocou de fato foi a pratica, quando a revolucdo proletdria foi derrotada fora da Russia nos anos seguintes a guerra de 1914 e ao consolidar-se, ao mesmo tempo, o poder soviatico. A ndo consideracdo desta eventualidade pelos marxistas, de Marx a Lenin, explica-se porque a sua concepa° te6rica da revolugdo socialista como revolucdo necessariamente mundial induzia a exclusdo desta eventualidade.5 Partindo desta concepgdo, a hip6tese de Marx e Engels sobre o desenvolvimento concreto da revolucdo socialista era a seguinte: cobriria toda uma epoca histOrica, seria urn processo longo — ndo urn ato — no qual se sucederiam articuladamente as transformacties estruturais, politicas, culturais, etc., em escala planetaria; mas no comeeo deste processo, como condicdo essencial da sua abertura, situava-se a vitOria da revolugdo (em sentido estrito) nos paises mais desenvolvidos economicamente. E embora Marx e Engels ndo concebessem, em momento algum, que esta vit6ria fosse produzir-se simultaneamente, visuali,

zavam-na como uma sucessdo de revolucties politicas socialistas muito prOximas entre si, estreitamente interdependentes. Lenin, como veremos, ndo se afastou, subslancialmente, desta concepcdo global. Em funcão das mudancas que a situagdo europeia foi experimentando na segunda metade do seculo XIX, Marx e Engels fizeram uma snrie de prognesticos mais precisos sobre a abertura do processo revolucionario. E mesmo conservando em todos, como tese central, que a revolugdo socialista comegaria nos paises mais desenvolvidos, incluiam a possibilidade de que revolugees de outro tipo — democratico-burguesas, de libertacdo nacional, etc. — em paises europeus atrasados servissem como prOlogo as revolugOes socialistas nos paises avancados e se fundissem corn estas num tinico processo revolucionario. Na decada de quarenta, pensaram que este papel poderia ser desempenhado pela revolugdo alemd, e no ultimo quarto do seculo depositaram analoga esperanga na Rtissia. 6 Fazendo eco a Marx, em 1902 Kautsky escrevia que "o centro de gravidade do pensamento e da obra revoluciondrios se desloca, a cada dia, para os eslavos", e via na revolucdo russa, cujos signos anunciadores ja eram incontestaveis, "a tormenta que romperd o gelo da reacdo [europeia] e trara consigo, irresistivelmente, uma nova e feliz primavera para os povos".' No curso da revolugdo de 1905-1907, Lenin reflete sobre a interdependencia dialètica entre a revolugdo russa e a revolucdo socialista que, a seu julzo — e dos teOricos de esquerda da Segunda Internacional —, amadurecera na Europa. 0 modo como Lenin ve esta interdependencia 6 de capital importancia para explicar as suas posigóes de 1917 e de depois de Outubro. Ele ndo considera apenas que "a revolugdo politica russa sera o pr6logo da revolugdo socialista europeiat considera, ao mesmo tempo, que o destino da revolugdo russa depende de que seja efetivamente "prOlogo" — isto é: de que, na realidade, seja seguida pela revolucdo socialista no Ocidente. Lenin chega a esta conclusdo partindo da analise do processo revolucionario russo. A medida que este se aprofunde — diz, em finais de 1905 —, a burguesia liberal e o setor acomodado do campesinato, e ate mesmo parte dos camponeses medios, passardo a posicees contra-revolucionarias. Abrir-se-a uma nova crise, na qual o proletariado defenders as conquistas democraticas alcancadas na primeira fase da revolugdo, mas tendo, agora, como meta direta, a revolucdo socialista. Nesta nova fase, "a derrota sera inevitavel — diz Lenin como a do partido revoluciondrio alemdo em 1849-1850 ou a do proletariado frances em 1871, se, em apoio ao proletariado russo, ndo vier o proletariado socialista europeu". Corn este apoio, "o proletariado russo pode alcancar uma segunda vitOria. A coisa ja ndo é para desesperar. A segunda vit6ria seria a revolucdo socialista na Europa. Os operarios nos mostrardo 'como se faz' e tins, juntos corn eles faremos a revolugdo socialista". 9 Para ver corn confianca a pers-

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pectiva da revolugão russa, Lenin precisa ter confianga na maturidade revolucionkia do proletariado do Ocidente. Esta predisposiglo explica, talvez, o otimismo que suas avaliageres desses anos exsudam: 'As massas operkias, na Alemanha e em outros poises, se agrupam mais e mais no exircito da revoluelio, e este desenvolverd suas forgas num futuro prOxima, pois a revolugão cresce na Alemanha e em outros pafses"; I° "somente os cegos nao veem que o socialismo se desenvolve agora rapidamente entre a classe operaria da Inglaterra, que o socialismo se converte la, novamente, em um movimento de massas, que a revolugäo social avanga na GrA-Bretanha"; 11 "a revolugdo se aproxima na America do Norte".I2 Desde 1905, Lenin integra tambem em sua via° global da revolugäo o "despertar da Asia". "Depois do movimento revolucionirio de 1905 — escreve —, a revolugAo democratica se propagou por toda a Asia, a Thrquia, a Persia e a China. Aumenta a efervescencia na fndia inglesa [...] 0 movimento democratic° estendeu-se agora a fndia holandesa [...] O capitalismo mundial e o movimento russo de 1905 despertaram definitivamente a Asia"; "0 despertar da Asia e o comego da luta pelo poder que envolve o proletariado avangado da Europa implicam a inauguragAo de um novo perfodo da histOria universal nos infcios do seculo XX"" A revoluno russa ja nao 6 apenas o "prOlogo" da revolugAo no Ocidente — 6-o tambem da revolugfto no Oriente. Lenin, como lider revolucionirio em um Estado que e, "em muitos e essencialfssimos aspectos, urn Estado asiatico, um dos Estados asiaticos mais selvagens, medievais e vergonhosament° atrasados", cornpreende melhor que os marxistas da Europa capitalists avangada o sentido e o alcance do "despertar da Asia", mas nao escapa ao ponto de vista eurocentrico caracterfstico da Segunda Internacional, tanto como Marx e Engels. Referindo-se a revolucAo chinesa dirigida por Sun YatSen, indaga-se: "Isto nao significaria que o Ocidente materialista apodreceu e que a luz provem unicamente do Oriente mfstico e religioso? Nfto, significa exatamente o contraria Significa que o Oriente empreendeu definitivamente o caminho do Ocidente, que novas centenas e centenas de milhOes de seres participarito, a partir de agora, na luta pelos ideals que foram formulados no Ocidente. A burguesia ocidental apodreceu, ergue-se o seu coveiro: o proletariado. Mas na Asia ainda existe uma burguesia sincera, combativa e conseqiiente, capaz de representar a democracia, digna companheira dos grandes predicadores e grandes homens dos fins do seculo XVIII na Franca". Lenin considera completamente reacionario o sonho de que, na China, se possa "evitar" o capitalismo, de que ali, gragas ao atraso, seja mais facil a "revolugao social", e identifica o programa de Sun Yat-Sen ao do populismo russo. A revolugdo chinesa, pensa Lenin, sera de tipo agrario-burgues, e antes de poder colocar-se a liquidagAo das relagOes de produglo burguesas devera percorrer um longo caminho." 54

Assim, antes de eclodir a guerra de 1914, Lenin elaborou seu esquema estrategico da revolugAo mundial, no qual a revolugdo russa o pr6logo e o nexo da revolugão socialista no Ocidente e da revolugdo democratico-burguesa no Oriente. Nesta construgdo te6rica, articulam-se tres tipos de revolucees: as revolugees diretamente socialistas nos paises capitalistas avangados (Europa e Estados Unidos); a revolucdo democrkico-burguesa russa, que, realizando-se quando ja existe urn proletariado relativamente importante e concentrado, poderd desembocar, sem solugão de continuidade, com a ajuda do proletariado ocidental vitorioso, numa revoluno socialista; e as revolucees do Oriente, nas quais, dada a ausencia proletaria, sera obrigatOria uma larga etapa capitalista sui generis. 0 agente chave, na grandiosa combinagão de forgas prevista por Lenin, 6 o proletariado dos paises capitalistas avancados. Ele ensinara aos outros "como se faz"; dele depende que a revolugito russa possa chegar as altimas conseqiiencias e que as revolugOes orientais, uma vez desenvolvido ali o proletariado, possam, por seu turno, transitar para o socialismo. E Lenin nao duvida desta capacidade revolucionaria do proletariado ocidental. Sua concepgAo da revolugdo mundial continua sendo, como vemos, essencialmente a de Marx e Engels, mas situada e articulada desde o angulo da revolugão russa." Ate as famosas "Teses de Abril", Lenin nä° postula que a classe operkia russa tome o poder antes que a revolugdo ocorra no Ocidente. Esta mudanga de orientagdo encontra o apoio de TrOtski e colide com a resistencia de alguns dirigentes bolcheviques vinculados ao passado, que se aferram a linha tradicional do partido, segundo a qual nao 6 possfvel, nas condigees russas, iniciar a revolugAo proletkia sem que a mesma tenha comegado na Europa capitalista. A posigão de Lenin nao esta motivada unicamente pela original combinagAo da dualidade de poderes criada depois de fevereiro; funda-se tambem na convicgão de que a revolugão em escala europ6ia e mundial a iminente e que a tomada do poder pelo proletariado russo sera apenas o seu primeiro ato. "Corn a revolugho russa de fevereiro-margo — argumenta Lenin a seus contraditores — a guerra imperialista comegou a se transformar em guerra civil. Esta revolugdo deu o primeiro passo para o fim da guerra. Mas s6 o segundo passo pode assegurar o fim da guerra, a saber: a passagem do poder de Estado as 'nibs do proletariado. Isto sera o comego da `ruptura da frente' em todo o mundo, da frente dos interesses do capital' ;' 6 "a revoluao operkia cresce, patentemente, diante de n6s, amadurece também entre os alemaes e esta cada vez mais prOxima em outros paises"; "a situagito mundial 6 cada vez mais complexa, s6 tem salda na revoluglo °pet-Aria mundial"." Quando, a 23 de outubro de 1917, redne-se o Comite Central dos bolcheviques e se adota a hist6rica decisão de preparar a insurreigdo armada, a resolugAo que fundaments a sua oportunidade comega por assinalar a maturidade da revo55

luck) mundial socialista em toda a Europa e o perigo de que sobrevenha uma paz em separado entre os imperialistas para sufocar a revolurussa antes que a revolugdo socialista europeia seja deflagrada.18 A seguranga de Lenin acerca da iminencia da revolugdo mundial esta organicamente ligada a analise que faz do imperialismo, em 1915-1916, baseando-se nos estudos de Hobson, Hilferding e outros. Sua concluno, no que tange a coneno entre imperialismo e revoluno, vem resumida nos seguintes termos: "0 imperialismo 6 a ante-sala da revoinn° socialista", 6 o "capitalismo agonizante". I9 Atualmente, corn meio seculo de "agonia", alguns teOricos sovieticos — movidos, ao que parece, pelo piedoso desejo de salvar a infalibilidade de Lenin — afirmam que, corn a palavra "agonizante", Lenin queria significar, unicamente, que o imperialismo e o capitalismo de "transigdo". 29 Mas todos os trabalhos e intervengOes de Lenin, naqueles anos, demonstram que utiliza esta palavra no seu sentido mais literal e corrente. A vitOria de Outubro aparece como a primeira grande comprovano do esquema de Lenin: a frente mundial foi rompida, e rompida conforme o previsto nas "Teses de Abril". Ao mesmo tempo, a angustiante situano da revoluno russa em 1918, que the imp6e a humilhante paz de Brest-Litovsk, parece confirmar outra previsdo de Lenin: a revolurussa esta condenada se no se estende para oeste. 21 Em novembro do mesmo ano, a revolugdo alemd (que, a primeira vista, oferece um sugestivo paralelismo com a revolugd° russa de fevereiro: derrocada da monarquia, conselhos operarios, hegemonia reformista no governo, oposin() na base) entra em cena como que para completar a impressionante ratificano das hipOteses de Lenin. 0 mundo real parece ajustar-se ao mundo pensado corn rigor quase hegeliano. Quando recebe as primeiras noticias da crise alemd, Lenin envia instrugOes a Sverdlov, presidente do Comite Executivo dos sovietes: "A revolugdo internacional — escreve Lenin — aproximou-se de tal maneira em uma semana que ha que leva-la em conta como acontecimento dos prOximos dias" — e pressiona para organizar a ajuda aos operarios alemdes, "inclusive ajuda militar"; "na primavera, devemos ter urn enrcito de tees milhOes de homens dispostos a ajudar a revoluno operaria internacional". 22 Lenin esta mais convencido que nunca de que chegou a hora da "luta final", mas uma nuvem ensombrece o quadro": "A maior desgraga para a Europa, o maior perigo que corre — escreve nestes dias — e que nä° existe partido revolucionario". 21 E sem partido revolucionario no ha vitOria da revalued°. Esta posino de Lenin pode parecer incongruente se se a considera sob o prisma de uma verno muito difundida por alguns "marxOlogos" e "leninOlogos", segundo a qual o leninismo teria mais a ver com Blanqui do que com Marx. Se a revolugdo a obra de uma minoria consciente, organizada e decidida — como, segundo esta versa°, é a teoria 56

de Lenin como Lenin pode ver a revoluno em ato e,'ao mesmo tempo, constatar que nao existe o partido revolucionario? Quem "organizou" esta revolugdo? Na realidade, as colocagOes de Lenin, sumariamente expostas nas linhas precedentes, revelam a sua identificano basica corn a concepgdo marxiana da revolugdo: a revoluno como fenOmeno social que pode comparar-se aos fen6menos naturais enquanto independe da vontade dos individuos, das classes e dos partidos, como uma resultante independent de cada uma dessas vontades particulares, um produto da sua interagdo contraditOria, da articulagdo extremamente complexa de fatores econOmicos, sociais, politicos, culturais, etc. — ainda que, em "Ultima instância", o elemento determinante desta totalidade diacrOnico-sincrOnica seja a dialetica das estruturas econOmicas Esta 6 a rano por que, ate hoje, todas as grander revolugOes comegaram de maneira aparentemente fortuita, corn seu desenvolvimento revestindo-se de caracteres extremamente originais ern face das revolugOes precedentes. Exagerando ad libitum a comparagdo entre a revolugdo e os fenOmenos naturais, Engels dizia, numa carta a Marx, de 13 de fevereiro de 1851 (depois, portanto, que a concepgdo marxiana da revoluno alcangara a maturidade do Manifesto e conhecera a prova de 1848): "A revoluno 6 um puro fenOmeno da natureza, que se realiza mais sob a influencia das leis fisicas que a base das regras determinantes do desenvolvimento da sociedade em tempos normais. Ou, mais exatamente, estas regras adquirem, durante a revoluno, urn canter muito mais fisico, revelando-se com mais intensidade a forga material da necessidade. E se enno, na condino de representante, intervem algum partido, que se insere neste turbilhdo da irresistivel necessidade natural". 24 Em 1918, Lenin considera que o "turbilhdo" estd af, arrastando o mundo inteiro, faltando apenas o partido capaz de inserir-se nele, como representante consciente da "irresistivel necessidade natural". A vino que Lenin tem, quando da revolugdo alemd de novembro, da marcha da revoluno mundial pode ser sintetizada no seguinte esquema: as contradigOes do sistema imperialista determinaram — atraves do seu produto, a guerra — a plena maturano das condigOes objetivas, tanto a nivel das estruturas econOmicas como das forgas sociais, da revolugdo socialista internacional; a revoluno se iniciou ali onde o no dessas contradigOes adquiriu o mais alto coeficiente de explosividade (combinando-se corn a opresda autocracia czarista, corn as contradigOes entre estruturas capitalistas e pre-capitalistas, corn a ruina gerada pela guerra, corn a sujeino das nacionalidades no-russas, etc.) e onde, ao mesmo tempo, existia o agente politico treinado, preparado ao triplo nivel teOrico, politico e organizativo: o partido bolchevique; 57

obedecendo inexoravelmente ao carater internacional das contradie8es que a engendraram, a revolugdo comega a estender-se a Europa capitalista desenvolvida. A vital-la neste novo terreno sera o passo decisivo da revalued° mundial. A revolugdo russa se consolidara, o proletariado norte-americano seguird o exempla da Europa e o movimento de libertacio iniciado nas colOnias tern assegurado o seu triunfo; no entanto, falta na Europa o agente consciente e preparado, a partido revolucionario de tipo bolchevique. Sem a sua criaedo, toda a sorte da revalued° mundial esta em perigo. A conclusão operacional que se depreendia deste esquema era clara: havia que criar, a todo custo, em escala europeia e mundial, antes que se modificasse a situagdo objetiva favoravel, o partido revolucionario. Os dirigentes bolcheviques iniciaram uma corrida dramitica contra o tempo. Numa reunido pouco representativa, desdenhando a opi!tido dos espartaquistas alemdes (o grupo revolucionario mais importante, naquele momento, depois dos bolcheviques), que desaconselhavam a decisão, a Internacional Comunista, o "partido mundial da revoluedo", era fundada em marco de 1919.25 Encerrando este primeiro congresso da IC, Lenin declara: "A viOda da revolugdo proletaria esta assegurada no mundo inteiro; a constituiedo da reptiblica soviltica internacional esta em marcha". E, no mesmo dia, numa reunifto dos delegados estrangeiros e do primeiro escaIda do partido bolchevique, Lenin garante aos presentes que seri° testemunhas da "Os camaradas presentes aqui nesta sala viram como se fundou a primeira reptiblica sovietica, viram agora como se funda a Terceira Internacional — a Internacional Comunista — e todos verso como se funda a reptiblica federativa mundial dos sovietes".26 Um ano e meio depois, reunindo-se o II Congresso da IC, as previsOes de Lenin haviam sofrido um rude golpe, mas ainda se p8de pensar que a revalued° mundial "esta al". verdade que a revalued° sovietica Iingara fora liquidada, o mesmo destino sobreviera a metearica reptiblica operaria da Baviera, que a revalued° alemä entrara nos trilhos da muito burguesamente democratica constituig.do de Weimar, mas a situagio continua bem instavel na Alemanha e em todo o centro da Europa, assim como nos Balkds, na Italia, na Espanha... E, sobretudo, o exercito vermelho esta as portas de VarsOvia. 27 Estas tiltimas esperangas desaparecem rapidamente. Quando, no verso de 1921, retine-se o III Congresso da IC, comega a ficar claro que a "luta final" vai ser adiada para outra ocasido. 0 mundo real se afasta do mundo pensado. Algo falhara no esquema teorico de Lenin — e este "algo" traria graves conseqUencias para o instrumento concebido em fungdo direta daquele esquema: a Internacional Comunista.28 58

Capitalismo agonizante? A derrota dos ensaios de revalued() proletaxia na Europa ocidental do primeiro p6s-guerra obedece a um conjunto muito complexo de fatores e circunstincias, mas desta diversidade se pode extrair um fato incontestavel, da maior magnitude: a maioria da classe operaria europ6ia, inclusive onde a crise mais avancou — como na Alemanha —, seguiu as organizagOes polfticas e sindicais tradicionais e nao o novo partido revolucionario." De urn modo ou de outro, o fato 6 reconhecido em todas as analises de Lenin e da IC, quando indicam como causa fundamental da derrota a "traigdo" dos lideres reformistas. Mas esta explicaeão exige outra: por que os operarios seguiram os lideres "traidores"? A confianea manifestada por Lenin no rumo vitorioso da revalued() mundial conam um pressuposto implicito, quando ndo claramente formulado: o proletariado do Ocidente clad rapidamente as costas aos dirigentes oportunistas e passara para o lado do partido revolucionario logo que este entre em cena. Este 6 o sentido das suas declaraeOes no encerramento do congresso de fundagdo da IC, antes citadas. 6bvio que, sem partir desta premissa, as teses de Lenin sobre a revalued° mundial a curto prazo nä° ultrapassariam a men fraseologia — e ninguem mais que ele era inimigo da "frase revolucionaria". Lenin, naturalmente, nä° supunha que a passagem da classe operaria a posicOes revolucionarias se produzisse automaticamente, sob o efeito Unica das condigOes objetivas. Mas considerava que, uma vez criado o partido de tipo bolchevique, mesmo que inicialmente fosse muito minoritario, as masses trabalhadoras seriam ganhas rapidamente para as suas posigees." Ocorreria o mesmo fen8meno que se deu na Russia, entre fevereiro e outubro. Nesta e noutras questOes, Lenin projeta sobre o processo europeu — e inclusive mundial — o modelo do processo russo de fevereiro-outubro. Referindo-sea revoluedo alemi, diz: "Aqui se revela, mais uma vez, que o curso da revalued° proletaria 6 identico em todo o mundo. Primeiro, formam-se espontaneamente os sovietes, logo se propagam e depois surge na pratica a questdo: sovietes ou assembleia nacional, ou assemblaa constituinte [...] A perplexidade mais completa se apoden dos lideres e, enfim, a revalued° proletaria". Lenin equipara os "independentes" alemdes aos mencheviques russos e a luta pela diregão dos conselhos operirios na Alemanha a Ilita que, na Russia, envolveu a disputa pela diregdo dos sovietes. 3I Estabelece urn paralelo entre a repressio contra os espartaquistas, em janeiro de 1919, e as "jornadas de julho", no 1917 russo: "Nos sabemos, por experiencia prOpria, com que rapidez estas 'vitorias' da burguesia e seus lacaios curam nas mas59

sas as ilusoes sobre a democracia burguesa, sobre o `sufragio universal'..!' 32 Em uma palavra, o novembro alemao 6 identificado ao fevereiro russo e, como os bolcheviques — muito minoritarios em fevereiro, conquistando em meses de revolugao o apoio do proletariado e dos camos espartaquistas — muito minoritarios em novembro de poneses 1918 — ganhariam o apoio das massas e as conduziriam ao outubro alemao, ate mais rapidamente que na Russia: "A revolugao alema se desenvolve como a nossa, mas num ritmo mais acelerado". 33 0 genio de Lenin tido escapa a tentacao que instiga a todo chefe revolucionario vitorioso: fazer da sua revolugdo o modelo ao qual devem ajustar-se as novas revolugOes. Agora, porem, o que nos interessa reter desta transposicao do modelo russo é a prova que fornece de como Lenin subestimava gravemente a profundidade da influencia da politica e da mentalidade reformistas sobre o proletariado dos paises capitalistas avangados. Nao queremos dizer que Lenin subestimava a dimensao massiva do fenOmeno reformista — mas subestimava exatamente a sua profundidade, ou seja, a solidez da sua implantacao entre as massas operarias do Ocidente. Esta subestimagdo da penetracao do reformismo no proletariado ocidental é sintoma de insuficiencias teOricas, que repercutiriam a nivel politico no modo de criar o novo partido revolucionario, na concepgao das suas estruturas e funcionamento, na colocagao das suas tarefas. A raiz de tais insuficiencias se localiza, a nosso ver, na analise leninista do capitalismo que chega a sua fase monopolista. Como ja indicamos (dr. p. 56), Lenin — como Rosa Luxemburgo e o Kautsky dos primeiros tempos — \re o capitalismo mundial em sua fase monopolista, imperialista, como chegando a uma situagao limite. 34 A guerra mundial, ao passo que determina em Kautsky uma revisao politico-doutrinaria (na qual a compreensao valiosa de novos fenemenos estruturais do capitalismo fundamenta conclusOes politicas oportunistas), em Lenin afirma, ao contrario, as suas conviccOes. Ao analisar as contradigOes do sistema, Lenin tende a hipertrofiar a sua faceta destrutiva e a minimizar seu aspecto motor, a fungdo que tais contradigOes desempenham como elemento de dinamizagdo e adaptacao do mecanismo capitalista, de transformacao de suas estruturas. Ele avalia em toda a sua magnitude o processo de concentragdo capitalista, o peso especifico que o capitalismo monopolista de Estado adquire no conjunto do sistema, a aceleragao deste processo pela guerra — mas todas estas transformagOes estruturais desembocam invariavelmente, na analise de Lenin, num agravamento linear das contradigOes, num agravamento cumulativo, que leva a compulsOria conclusdo (embora, noutros momentos, Lenin diga que nal° ha situacao sem saida para a burguesia) da sua insolubilidade. Ele assinala justamente que o grau avangado do processo de socializacao da producao cria as bases materiais 6timas para o tränsito ao socialis-

mo, comprova que este processo proporciona ao capitalismo certos mecanismos de regulagdo e planificagao, mas subestima o efeito que estes novos instrumentos possam ter na reducao, dentro de certos limiter e em determinadas fases, do papel destrutivo desempenhado pelas contradigOes do sistema. As conquistas econOmicas e sindicais da classe operaria nos decenios que precedem a guerra sao vistas por Lenin, quase exclusivamente, como conquistas que pressionam o capitalismo, inexoravelmente, para a sua sepultura — ele subestima, ao mesmo tempo, que elas revelam a capacidade do capitalismo avangado para absorver uma serie de reivindicacOes e utiliza-las como fator que impulsiona a "racionalizagao" do seu mecanismo econOmico e que aumenta o seu poder alienante. E este tipo de analise o que conduz, enfim, a caracterizar o capitalismo monopolista nao so como capitalismo de transicdo — com o que Lenin alude ao elevado grau de socializacao da produgao mas ainda como capitalismo agonizante. E o tipo de analise que induz a considerar que, no proletariado europeu, se opera um processo de rapida radicalizagao, que mina subterraneamente a influencia dos lideres reformistas. A "traigdo" destes na guerra e as calamidades que esta acarreta para as massas devem consumar, coadjuvadas pela agdo esclarecedora do grupo revolucionario de tipo bolchevique, a ruptura entre os lideres e as massas. Lenin y e a base econemica do reformismo no movimento operario quase exclusivamente na exploragao colonial. Como observam H. C. d'Encause e S. Schram, o fato de que "a politica colonial permitia melhorar a condicao dos operarios europeus e, assim, retardar a revolugao social na Europa, era, desde os comecos do seculo XX, um Lugar comum para todos os que haviam estudado o problema, quer fossem socialistas como Kautsky, Hilferding ou Rosa Luxemburgo, quer fossem liberais, como Hobson, quer fossem protagonistas do imperialismo, como Cecil Rhodes, que via nas colOnias urn meio para evitar a guerra civil". 35 Lenin compartilha desta explicano do oportunismo no movimento operario, mas considera que, no que tange aos paises continentais chegados tardiamente a repartigdo colonial, a "corrupgdo" da classe operaria afetava somente a uma pequena minoria, a chamada "aristocracia operaria" — e, no que se refere a Inglaterra, era um fen& meno em retrocesso a partir da perda do monopOlio colonial. A explorag d- o colonial, indubitavelmente, era (e continua sendo, sob a forma neocolonialista) uma base econOmica, e tambem ideolOgica, do reformismo. Mas hoje esta claro que o reformismo se nutre tambem das transformageies estruturais do capitalismo, ligadas ao desenvolvimento das forcas produtivas. Ao tempo de Lenin, este aspecto foi percebido sobretudo pelos revisionistas bernsteinianos, interessados em encontrar todas as raztles, reais ou imaginarias, que justificassem a sua rentincia a revolugao.36 61

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No subjetivismo de Unin na apreciagão do grau de revolucionarizagdo do proletariado ocidental interv6m, ainda, urn problema de Utica sociolOgica. Enquanto que as mediacems dialeticas entre as contradic6es a nivel das estruturas econennicas e a nivel das forcas sociais e political sdo perfeitamente clams pars Lenin quando se trata da sociedade russa, na qual este. profundamente integrado, que investigou a fundo num largo processo prOtico-teerico, quando se trata da sociedade ocidental ele as ve de maneira um tanto abstrata e simplificada — ele s6 conhece esta sociedade como um observador externo, apesar dos seus periodos de exllio. Escapa-lhe, sobretudo, o universo cultural ern que esta imerso o proletariado ocidental; por exemplo, a sua profunda adesio (tomando-se dois aspectos que condicionam profundamente o seu comportamento politico) aos valores nationals e democraticos. A nagão e a democracia cram produtos histOricos do capitalismo mas, ao mesmo tempo, eram conquistas das massas trabalhadoras. A "traicao" dos lideres da social-democracia ao principio intemacionalista expressava perfeitamente, ao mesmo tempo em que a acentuava, a ponderagão do nacional na consciencia dos trabalhadores. Analogamente, quando os social-democratas alemdes invocavam a "defesa" da democracia parlamentar contra a autocracia czarista, ou quando os socialistas Franceses "defendiam" as conquistas da grande revolucito contra o militarismo alemito — todos faziam eco a sentimentos profundamente arraigados nas massas. A grande tradicdo sindicalista do proletariado europeu, inexistente na Rtissia, 6 outro elemento que as anglises de Lenin ado levam suficientemente em conta, quando ele afirma a universalidade dos sovietes russos como forma do movimento de massas. Ha que considerar, em Ultimo lugar, o particular estado psico16gico de Lenin, como dos demais dirigentes bolcheviques, derivado da sua concepcio teerica sobre a interdependencia entre a revolugio russa e a revoluglo no Ocidente. A necessidade de que a revalued() europeia nao deixasse de intercorrer corn a russa haveria que incidir negativamente sobre o rigor cientifico na horn de apreciar o potencial revolucionirio do proletariado europeu. Pal predisposiglo psicolOgica explica, provavelmente, por que, ao analisar a conjuntura revoluciondria europaa posterior a novembro de 1918, Lenin nä° perceba a enorme importincia do fato de o problema da paz haver trocado de sinal. Na sia, fora a questão chave para agrupar, em tome dos bolcheviques, a maioria do povo — a revalue a- u proposta por Lenin significava conseguir a paz. Na Alemanha e nos outros paises europeus, uma vez firmado o armisticio, a revolugio aparecia para as massas como um regresso a guerra — guerra civil, intervened° estrangeira e as massas sonhayam, antes de tudo, corn a paz. Resumindo, a divergencia que a pritica p6e de manifesto entre a representagio que Lenin se faz do proletariado dos poises capitalistas 62

industrializados e o comportamento real deste proletariado a reveladora — alem do fator psicologico assinalado — de que os problemas tearicos e politicos da revolugao neste tipo de sociedade ainda nao tinham encontrado resposta satisfat6ria na teoria marxista. Fato perfeitamente explicavel, se se tern em conta algo fundamental: nao existiam precedentes deste tipo de revolucities. Se Lenin Ode elaborar a teoria da revolugao russa, corn a sua original combinacao das tarefas democratico-burguesas corn as socialistas, corn a sua rigorosa analise do comportamento das classes e grupos sociais, dos partidos e das instituicOes politicas, das formas de luta, etc., foi porque a revolucao russa, como "fenemeno natural" (segundo a expressao de Engels), era urn fato desde 1905. Ela 6 que proporciona os materials que permitem a elaboracao tearica. Sem este genera de "materiais", toda a obra de Marx e Engels 8 insuficiente para construir a teoria da revalued° de uma sociedade concreta. Ao elaborar a sua teoria global da revolucao socialista como revoluelto mundial, Lenin paga tributo a esta carencia de "materiais" referidos ao capitalismo avancado e, em menor grau, ao movimento de libertagaa colonial (aqui conta com a experiencia das primeiras revolucOes deste tipo, iniciadas depois de 1905, mas trata-se de uma experiencia vista de longe, sem o conhecimento direto da sua extrema complexidade). Na pratica, Lenin toma, sem revisao critica, dos tearicos de esquerda ou ortodoxo-centristas da Segunda Internacional, a avaliacao da "maturidade" da revalued° nos paises capitalistas avancados. Mas este certificado de maturidade estava em contradicao corn a realidade do processo reformista — processo de "integracdo", dirtamos hoje — que se operava naqueles paises. A suposta "maturidade" se fundava em fOrmulas marxistas gerais e nao em uma investigagdo concreta do processo real. Dal que a luta contra o reformismo tivesse urn canter:trio abstrato e se revelasse ineficaz no piano politico e ideolOgico. Partia de uma concepgao metaffsica da disponibilidade revolucionaria do proletariado, ainda que o comportamento real deste parecesse desmenti-la. A burocracia refonnista, sindical e politica, que dominava o movimento opearia, era vista pela esquerda como um corpo estranho ao proletariado. A primeira crise econOmica importante, e com maior razao numa crise como a guerra, produzir-se-ia a ruptura, e a "essencia" revoluciondria do proletariado manifestar-se-ia em toda a sua pujanca. Mas a guerra demonstra exatamente o contririo: explicita a consistencia, a profundidade do fenOmeno reformista. 0 que, por sua vez, era apenas urn aspecto, embora fundamental, de uma realidade global: a revolucio ainda nao "amadurecera" nas entranhas da sociedade capitalista avancada. Somente comegava a bater as suas portas. Iniciava-se a "crise geral" do capitalismo, mas esta seria muito mais larga e complexa do que o suspeitava Lenin. Era muito dificil imaginar que transcorreriam ain63

da varios decenios sem que a revolugdo socialista marcasse sua presenca nos principais paises capitalistas. E menos ainda Lenin poderia imaginar — embora, em seus filtimos escritos, a chivida esteja latente — que a "crise geral" do capitalismo seria acompanhada da "crise geral" do pensamento marxista. Entretanto, as premissas que tornavam possivel esta segunda crise — ainda que evitavel — estavam dadas.

Ultimas indagaciies de Lenin A derrocada do poder burgues num Estado que ocupava a sexta parte do mundo era, efetivamente, uma vitOria histerica, internacional, de movimento revolucionario inspirado no marxismo. Mas o contexto mundial em que esta vitdria se produzia, a "resistencia" do capitalismo nos paises capitalistas avancados, o seu notavel fortalecimento em zonas vitais (America do Norte, Japdo), o marco nacional em que (por sua limiteo a um pais atrasado) se realizava a revoluedo socialista — tudo isto punha em questdo aspectos essenciais da concepcdo te6rica do processo da revolugdo mundial elaborada por Marx, Engels e Entretanto, a perspectiva oferecida em 1921 — na hora em que, para Lenin, era clara a derrota do ensaio revolucionario na Europa — nd- o facilitava a percepgdo da significeo profunda desta nova realidade. Por um lado, a magnitude da vitOria revolucionaria alcangada na Russia, a impressdo produzida pela realidade do primeiro poder proletaxi° da histeria, eram suficientemente deslumbrantes para velar as contradigOes entre a nova situeo e os esquemas tedricos. Por outro, era facil, num primeiro momento, conciliar a nova situacdo com os velhos esquemas. Bastava considerar o que ocorria como uma breve interrupflo do processo, previsto, da revolugdo mundial. Sem tardanca, levantarse-ia o pano para o segundo ato. Esta foi a soluflo dada ao problema pela direcao do partido bolchevique e da IC. TrOtski, que elabora o informe principal ao III Congresso da IC, formula-a claramente: "Agora vemos e sentimos que nao estamos tao prOximos do objetivo, da conquista do poder, da revolugdo mundial. Antes, em 1919, acreditavamos que isto era questdo de meses; agora, dizemos que pode ser questdo de anos. Ndo sabemos exatamente quando, mas sabemos muito bem que o desenvolvimento aponta para esta direcdo e que, no mundo inteiro, neste periodo, nos nos fortalecemos mais". 37 As "teses sobre a talica" aprovadas pelo congresso postulam que "a revolucao mundial [...] exigira um periodo bastante prolongado de combates revolucionarios", mas consideram que o "que ha a esperar ndo é uma calmaria nem o refluxo das vagas revolucionarias; ao contrario, nas atuais circunstancias, o mais provavel é uma agudizacdo imediata dos antagonismos e dos embates sociais".38 64

Nestas teses faz-se uma constatagdo de primeira importfincia: "A diferente tensdo dos antagonismos, a diversidade de estrutura social e de obstaculos a superar, conforme os paises, o alto grau de organizacdo da burguesia nos paises de maior desenvolvimento capitalista da Europa Ocidental e da America do Norte, eram razOes suficientes pars que a guerra mundial ndo conduzisse imediatamente a vithria da revolugdo mundial". 39 Mas o congresso ndo se prop& a andlise de por que, se existiam essas razOes suficientes, considerava-se possivel em 1919, e mesmo em 1920, a vithria imediata. As mesmas teses explicam o cornportamento do proletariado pela conduta das "fortes organizees e partidos operarios social-democratas" — mas no momento em que o congresso se celebrava, tais partidos e organizees sindicais haviam recuperado, e ate aumentado, a sua forca anterior. Como conciliar este fato, junto a alta organize° do capitalismo, com a perspectiva, que as mesmas teses oferecem como provavel, da agudizacdo imediata dos embates sociais? Estas ambigiiidades — reveladoras das incertezas te6ricas — impregnam todos os documentos do congresso. Conserva-se nelas o esquema anterior da marcha da revolucilo mundial, corn a insergdo de novos fatos: o sistema imperialista caminha para uma nova guerra mundial, que determinara uma outra grande crise revolucionaria. As principais contradigOes que vdo provocd-la, desta vez, sdo as que existem entre os Estados Unidos e a Inglaterra por um lado, e, por outro, entre os Estados Unidos e o Jai:do; a ruptura revolucionaria initial do sistema produzir-se-a, como na vez anterior, no pais onde o n6 de contradigOes internas e externas adquira o mais alto coeficiente de explosividade. A Alemanha, derrotada na primeira guerra, muito afetada economicamente, oprimida pelo Tratado de Versalhes, com urn partido comunista que era a secdo mais forte da IC depois do partido russo, era vista como o candidato provavel para desempenhar o papel que, no primeiro ato, coubera a Rtissia; a partir desta ruptura, a revolugdo se estenderia aos outros elos da corrente do sistema capitalista: paises subdesenvolvidos e colOnias. Desta vez, a vaga revolucionäria contaria, desde o primeiro momenta, com o que the faltara na vez anterior: urn Estado proletario, uma forca militar disposta a acorrer em ajuda ao proletariado internacional. Conservar e fortalecer esta cidadela, portanto, era uma questa° fundamental para a revolugdo mundial — e u congresso formulava assim o problema. Entretanto, o fator principal da revolugdo mundial continuava sendo o proletariado dos paises capitalistas avangados. Para assegurar a coerencia do esquema, era preciso esclarecer duas incOgnitas de maxima imporfancin. A primeira se referia ao comportamento do proletariado europeu, tendo em conta o que sucedera antes. 65

• As teses do III Congresso admitem uma possibilidade de restabelecimento do capitalismo europeu: que a classe operaria se resigne a trabaIhar em condigOes piores que as de antes da guerra. Os sindicatos e partidos reformistas operam para induzi-la a isto, "mas o proletariado da Europa lido esta disposto a este sacrificio, reclama uma melhoria nas suas condigOes de vida, o que atualmente esta em contradigdo absoluta corn as possibilidades objetivas do capitalismo". 4° Colidindo com esta "contradigdo absoluta", a luta econOmica da classe operaria transformar-se-a em luta revolucionaria e encontrara nas segties da IC a diregäo apropriada. Esta hipOtese se apoiava em dois supostos: primeiro, uma nova situacao limite do capitalismo europeu, incapaz de absorver reivindicagOes econemicas que implicassem uma melhoria real da condied() material da classe operdria em relagao ao pre-guerra; segundo, mas ligado ao anterior, que as organizagOes reformistas nao assumiriam a luta por estas melhorias econemicas — corn o que perderiam a sua influencia sabre a classe operaria. Ambos os supostos, muito rapidamente, se revelaram infundados. A segunda incognita nao era de menor importancia. 0 III Congresso admite que, embora o capitalismo europeu tenha saida da guerra muito afetado, o capitalismo norte-americano experimentou enorme fortalecimento, com "o centro de gravidade do capitalismo passando da Europa para a America".41 Portanto, a revolugao nao pode triunfar em escala internacional se nao se estende aos Estados Unidos. As teses do congresso equacionam esta incognita com a seguinte colocagao: "Enquanta na Europa a concentragao da producao se realiza sobre a base da mina, nos Estados Unidos a concentragao e os antagonismos de classe alcangam um grau extremo sabre a base de um enriquecimento febril. As bruscas mudangas da situaglio, em conseqUencia da incerteza geral do mercado mundial, conferem a luta de classes no territOrio americano um carater extremamente tenso e revoluciondrio. A um apogeu capitalista, sem precedentes na histOria, deve suceder urn apogeu da luta revolucionaria' :42 Quanta ao movimento de libertacao nacional nas colOnias, a perspectiva era clara. Desde a revalued° de Outubro, a importancia desta "frente" da revolugdo mundial s6 havia crescido, confirmando inteiramente as previsOes de Lenin. Os documentos e a agdo pratica da IC concedem-lhe muita atenglio, mas situando-a sempre com p uma "frente"subordinada a "frente principal" — a dais paises capitalistas desenvolvidos. 0 IV e o V Congressos da IC (1922 e 1924) tract alteram nada de substancial no esquema global da marcha da revolugao mundial concebido no III Congresso. Pouco depois do V Congresso, surge a constatagao de que se iniciara uma fase de "estabilizagão relativa" do capitalismo, cuja duragio 6 pensada comp curta e ao fim da qual pode situar-se a 66

nova grande ruptura revolucionaria. As primeiras indagagOes sabre a pertinencia deste esquema, ja classic°, da revolugdo mundial (e do otimismo que o impregna) partem do seu autor principal. Nos tiltimos trabalhos de Lenin, particularmente no seu artigo derradeiro (fevereiro de 1923), transparece a dinfida e a preocupagão pela sorte da revolugao russa e da revolugao mundial. Pela primeira vez, insinuam-se notas pessimistas sabre as possibilidades revolucionarias nos paises capitalistas avangados. Lenin busca a solugap em tre's diregOes fundamentais: a luta dos povos oprimidos da Asia, a exploracäo das contradigOes interimperialistas e a industrializagao forgada da Riissia sovietica. A perspectiva do triunfo da revoluglio mundial se esfumaga numa nebulosa distancia. As colocagOes deste artigo podem ser assim sintetizadas:43 — Lenin ve todo o mundo na Orbita da revolugão mundial e dividido em dais campos: de um lado, os paises capitalistas vencedores e prOsperos do Ocidente e do Oriente (Japan); doutro, os paises coloniais e semicoloniais, akin dos paises europeus vencidos na guerra. 0 eixo central do desenvolvimento da revolugão mundial passa pela luta entre estes dais campos; — a panorama no campo dos paises oprimidos nao 6 confortador. Na Rtissia, a revolugao triunfou, mas o pais esta em ruinas e nele predomina a pequena produgao. A Alemanha tem muitas dificuldades para enfrentar os paises vencedores, porque "todas as potencias capitalistas do chamado Ocidente cravam nela as suas garras e nab the possibilitam reerguer-se.' Por outra part; "todo o Oriente, com suas centenas de mithees de trabalhadores explorados, levados ao extremo da miseria, foi pasta em condigOes tais que suas forgas fisicas e materiais nao podem ser comparadas, de modo algum, com as forgas fisicas, materiais e militares de qualquer dos Estados da Europa ocidental, ainda que estes sejam muito pequenos"; — quanta aos 'Daises capitalistas vencedores, Lenin considera que esCa° em condigOes, gragas a exploragao das colOnias e dos Estados europeus vencidos, de fazer concessOes tais as classes oprimidas que retardem a sua movimentagdo revolucionaria. Em face deste quadro da revolugao mundial, Lenin se torna extremamente prudente quanta as perspectivas: "S6 se pode prever o desenlace da luta em seu conjunto baseando-se no fato de que o prOprio capitalismo, no final das contas, ensina e educa a imensa malaria da populagdo do mundo". "0 desenlace da luta - agrega — depend; em definitivo, do fato de que a Rtissia, a fndia, a China, etc., constituem a imensa maioria da populagao. E justamente 6 esta maioria a que se incorpora, nos tiltimos anos, com inusitada rapidez, a luta por sua libertagão 1.1". No horizonte da evolugdo mundial, Lenin ve "a colisdo .militar entre o Ocidente imperialista e contra-revolucionirio e o Oriente revolucio67

närio e nacionalista, entre os Estados mais civilizados do mundo e os Estados atrasados a maneira oriental, os quais, no entanto, constituern a maioria" (como se observa, Lenin inclui entre ester ithimos Estados a Thissia sovietica). Mas, para que esta maioria possa veneer, "6 preciso que tenha tempo para civilizar-se". E, referindo-se concretamente a diz: "A n6s nos falta civilizacao para transitar diretamente para o socialismo, ainda que, para tanto, tenhamos as premissas polfticas" (nestas colocagOes de Lenin, "civilizagao" significa, sobretudo, industrializagao e desenvolvimento cultural de tipo ocidental. Por isto, em outro lugar do mesmo artigo, comenta que os povos do Oriente entraram definitivamente na via geral do capitalismo europeu). Se se compara este esquema corn os anteriores de Lenin, constata-se que ha uma nitida substituicao na articulagao e no papel das forgas revolucionarias mundiais. 0 proletariado ocidental passa a urn segundo piano como forga revoluciondria durante um certo period°. As massas oprimidas do que atualmente se chama "terceiro mundo", mais o Estado "oriental" sovietico, vdo para o primeiro piano. Simultaneamente, para que esta nova torga, que se levanta na luta libertadora corn "inusitada rapidez", possa impor-se, é preciso tempo, muito tempo. 0 problema de "ganhar tempo" situa-se no primeiro piano das preocupagOes de Lenin. Extraindo as conclusOes desta andlise para a revolugao russa, Lenin observa que o problema central é garantir a sua existencia ate a colisao militar entre o Ocidente imperialista e o Oriente revolucionArio e nacionalista. A orientagao que preconiza para este fim se articula ern torno dos seguintes principios: no piano interno, assegurar a diregao das massas camponesas pela classe operAria e aplicar uma politica de maxima economia para concentrar os recursos visando a industrializagao do pais; na politica internacional, aproveitar as contradigOes entre os Estados imperialistas para evitar uma colisào com eles. Numa palavra, ganhar tempo, preparando-se ativamente, ate que os conflitos entre os Estados imperialistas, mais o agravamento das suas "contradigOes interims", por um lado, e o fortalecimento da remiblica sovietica, mais o do movimento de libertagao nacional nos paises oprimidos, por outro, produza uma correlagao internacional de forgas favorAvel a revolugdo mundial. especular corn as implicacties teOricas e politicas que este Berme de revisao poderia ter na obra de Lenin se a morte, prematuramente, nao cruzasse o seu caminho. Algumas das ideias ai esbogadas passaram as concepeOes maoistas e, em geral, as estrategias que situam como protagonista principal da revolugao mundial as massas do "terceiro mundo". Outras serviram de norte a estratógia staliniana, sobretudo o principio de manter o Estado soviatico a margem dos conflitos militares entre as potencias imperialistas, explorando, para tanto, as con68

tradigOes entre etas. Esta al, ainda, a ideia de priorizar, no desenvolvimento das forgas mundiais revolucionarias, o fortalecimento econOmico e militar do Estado sovietieo — ideia que nao a claramente formulada por Lenin, mas que a facilmente dedutivel das suas tiltimas colocagOes. Diversos analistas do leninismo concluiram, um pouco apressadamente, que estas ideias de Lenin significavam a revisao radical da concepgab da revolugao socialista de Marx. Enquanto que, pan este, o suporte fundamental da revolugao socialista sao as contradigOes especificamente capitalistas, e a "maturidade" Otima para esta revolugao se localiza no capitalismo avangado, para Lenin a condigao 6tima da revolugao socialista seria o "atraso". De acordo com Alfred G. Meyer, Lenin substituia a dialetica marxiana, como motor da revolugao, concebida em fungao do alto desenvolvimento das forgas produtivas, pela "dialetica do atraso". 44 Esta conclusao de Meyer, e de outros, repousa em dual confusOes. A primeira, entre dois tipos de revolugao. Quando Lenin se refere as revolugOes do Oriente, nao pensa em revolugOes socialistas, mas em revolugaes de carater democratico-burgues, que terao de percorrer urn largo caminho para se transformarem em socialistas. A segunda confusao é a ja indicada anteriormente (cfr. p. 52) — a confusao entre revolugao em sentido amplo e revolugao em sentido estrito. Desde antes da revolugao de Outubro e ate o fim de seus dias, Lenin mantem invariavelmente a tese de que a revolugao em sentido estrito, e com o cardter ja mencionado, a mais fãcil nos paises menos desenvolvidos, mas o transit° ao socialismo oferece ai grandes dificuldades; ao passo que, nos paises capitalistas desenvolvidos, a revolugao em sentido estrito (tomada do poder) e mais dificil, sendo, porem, mais fAcil a construgao do socialismo. Em nenhum momento Lenin revisa a tese essential de Marx: "Sempre compartilhamos e repetimos esta verdade elementar do marxismo: a vit6ria do socialismo requer os esforcos conjugados dos operarios de varios paises avancados", escreve em fevereiro de 1922.45 0 que Lenin, efetivamente, comega a revisar nas colocagOes que acabamos de sumariar e a sua concepgao do curso concreto da revolugao mundial • em primeiro lugar, dilatando-o no tempo, substituindo a perspectiva de curto prazo por outra, de prazo muito longo; em segundo lugar, constatando a necessidade de urn novo "prOlogo" ao transit° decisivo (o qual, para Lenin, continua sendo a revolugao nos paises capitalistas avangados) — a revolugao democratico-burguesa nos paises do Oriente oprimido. E possivel supor que, num arebro te6rico como de Lenin, as dtividas e inquietudes que afloram em seus Ultimos trabalhos conduziriam a aprofundar a al-Wise dos novos fenOmenos do capitalismo e do imperialismo, do despertar revolucionArio dos povos "atrasados", do cornportamento do proletariado nos paises "avangados", etc. — aprofun69

damento que levaria a revisar a estrategia e a tatica da IC e, possivelmente, ate a concepgao mesma de suas estruturas e funcionamento. Nao foi por acaso, sem dtividas, que, no IV Congresso da IC (novembro de 1922), referindo-se a resolugao sobre a estrutura, os metodos e a agar:, dos partidos comunistas, aprovada no III Congresso, Lenin tenha objetado: "A. resolugao 6 magnifica, mas a russa ate a medula, esta baseada em condigees russas [...] Tenho a impressao de que cometemos um grande erro corn esta resolugao, que n6s mesmos levantamos uma barreira no caminho do nosso exito ulterior". 46 Nao deixa de ser significativo, tambem, que a principal recomendagio de Lenin, neste congresso, aos comunistas estrangeiros e sovieticos, tenha sido a de estudar: "Pena que o mais importante para n6s, tanto para os russos como para os camaradas estrangeiros, depois de cinco anos de revolucao russa, estudar".47 Evidentemente, questaes muito importantes nao estavam clams. Por iSto, Lenin recomenda igualmente que nab se adotem decisaes sobre o projeto de programa da IC e que se o estude melhor, entre outras coisas "porque nao analisamos, absolutamente, a questa° de um possivel refluxo e a forma de direciona-lo".46

Stalin revisionista, ou o socialismo integral num sd pais 0 problema da revolugao mundial — sua marcha, sua articulagao, o papel da revolucao russa, a determinagao da estrategia correspondente — constituira o fundo teOrico da luta interna no Title() dirigente bolchevique quando das "Teses de Abril", no momento da insurreigao de Outubro e da hors de Brest-Litovsk. lbrnava a se-lo quando a derrota das tentativas revolucionirias na Europa ocidental cria uma Ahmed() mundial nova, que exige objetivamente a revisao dos velhos esquemas. Nos anos que se seguem a morte de Lenin, o problema se apresenta sob a forma de discussao da possibilidade ou impossibilidade da plena vit6ria do socialismo num s6 pais. No IV Congresso da IC, o Ultimo do qual Lenin participa, aprovara-se uma resolugao "sabre a revolugao russa", na qual se reafirmava a tese marxista tradicional: "0 IV Congresso recorda aos trabalhadores de todos os paises que a revolugdo proletaria jamais podersi triunfar no interior de urn s6 pais, mas apenas no marco internacional, como revolucao proletaria mundiar. 4° Em maio de 1924, Stalin se atem rigorosamente a esta tese: "Para derrubar a burguesia - escreve - bastam os esforgos de urn sO pais, como o mostra a histOria da nossa revolucao. Para o triunfo definitivo do socialismo, pam a organizagao da produgao socialists ja nao bastam os esforgos de urn s6 pais, sobretudo um pais Ma campones como a Rtissia; para isto, sac) necessarios os esforgos dos prolettios de varios paises adiantados".5° 70

Mas ja em finais desse mesmo ano, no contexto da luta contra a oposigao trotskista, Stalin comega a revisar a teoria do carter internacional da revolugao socialista e a postular a possibilidade da realizagao plena do socialismo no marco nacional. No artigo "Outubro e a tatica dos comunistas russos" (dezembro de 1924), Stalin comega por atribuir aos "oportunistas de todos os paises" a tese de que "a revolugao proletdria s6 pode iniciar nos paises industrialmente desenvolvidos", incluindo entre os "oportunistas", naturalmente, a TrOtsld. 51 Mas esta fora a tese de Marx e Engels, assim como de Lenin, ate abril de 1917. Exceto se considera Marx, Engels e Lenin como oportunistas, Stalin falsifica grosseiramente a histOria. Mais adiante, Stalin atribui a Tretski a tese de que este comego de revolugdo nos paises desenvolvidos tem que ser "simultaneo" - mas Liao pode citar uma s6 linha de Tr&ski que comprove a sua acusagao. Montado o artificio, corn vistas nao sO a facilitar o ataque contra Tretski, mas para ocultar que a polemica se dirige, realmente, contra Marx, Engels e Lenin, Stalin conclui: "E indubitdvel que a teoria universal do triunfo simultaneo da revolucao nos principals poises da Europa, a teoria da impossibilidade da vit6ria do socialismo num s6 pais, resulta uma teoria artificial, uma teoria inviavel. A histOria de sete anos de revolugao proletdria na Thissia nao dep & . a favor, mas contra esta teoria".52 Depois de fabricar uma teoria absurda prima facie (a do comego simultáneo), Stalin a destrOi brilhantemente... corn a histOria dos sete anos sovieticos. PorCm, esta histOria nao depee nem contra nem a favor da nova tese staliniana; e a constatagao de um fato empirico - o de que o poder proletario na Ritssia se manteve por sete anos, apesar da derrota das tentativas revoluciondrias no Ocidente - que nao demonstra nem a possibilidade da plena realizagao da revolucao socialista na Russia, nem a invulnerabilidade do Estado soviêtico frente a uma nova intervengao do capitalismo. Pam afirmar a primeira alternativa, Stalin st5 pode valer-se de umas poucas linhas extraidas da obra de Lenin (cuja Ultima edigao compOe-se de 45 volumes), interpretadas muito livremente. 53 Para a segunda, nao conta sequer corn este minima argumento de autoridade, pelo que se ye obrigado a fazer uma sutilissima distingao entre a "possibilidade de edificar a sociedade socialista cornpieta num s6 pais" e a "garantia completa contra a restauragao do regime burgues". A primeira a uma "verdade indiscutivel"; a segunda exige a viteria da revolugao em uns quantos poises avancados, ou seja, a vit6ria da revolugao em escala mundia1.54 Stalin nao se preocupa em fundamentar a "verdade indiscutivel" nem empirica, nem teoricamente. Para conferir-lhe urn fundamento empirico, teria que apresentar o fato consumado de um socialismo integralmente realizado no marco nacional, coisa que, obviamente, inexistia em 1924; para funds-la teoricamente, teria que demonstrar a falsidade da tese de Marx: as forgas produtivas sobre as quais a possivel construir 71

o socialismo tern que dominar a economia mundial, implicam a divisal° internacional socialistado trabalho em escala mundial. Stalin ndo refuta esta tese, de que Lenin jamais duvidara - limita-se a "ignora-la". Quanto ao problema da "garantia completa contra a restauracdo", TrOtski replica muito justamente: se se admite a primeira alternativa (a possibilidade da edificagão completa do socialismo na URSS), a segunda (a "garantia completa contra a restauracão do regime burgue's" edge a vitOria da revolugao nuns quantos paises avancados) é falsa, posto que, entào, a poténcia econdmica e militar da União Sovietica seria tal que a hip6tese da restauragão ficaria praticamente descartada. A intervene a- ° concebivel, neste caso, seria a da URSS contra o mundo capitalista — mas ela seria necessaria? A realidade de semelhante sociedade socialista assestaria o golpe de misericOrdia ao capitalismo mundial e quase permitiria economizar a revolucAo proletaria mundial. "Eis por que — aduz TrOtski, profeticamente — toda a concepgdo de Stalin conduz, no fundo, a liquidagào da Internacional Comunista. De fato, que papel histOrico the restaria se o destino do socialismo, em Ultima instancia, dependesse do 'piano de Estado' da URSS? Neste caso, a Internacional Comunista [...] sO teria como objeto proteger a construed° do socialismo contra uma intervencão; noutros termos: reduzir-se-ia a um g uarda-fronteiras".55 0 deus ex machina da teoria do socialismo nacional de Stalin é a famosa "lei do desenvolvimento desigual do capitalismo". A lOgica que instaura é simples: posto que o capitalismo se desenvolve desigualmente, a revolucdo produzir-se-d desigualmente, primeiro num pais, mais tarde noutro, ou noutros, etc.; em cada caso, a "ruptura" da "cadeia imperialista" ocorrera no elo mais fraco (coisa obvia: ela Irk) vai romperse no elo mais forte); uma vez que a revolucdo triunfou num pais, o desenvolvimento desigual permite-]he manter-se em face dos Estados capitalistas — porque o desenvolvimento desigual agrava cada vez mais as contradicees entre eles — e levar a cabo a edificagdo do socialismo, etc. 0 desenvolvimento desigual resolve todas as dificuldades tedricas. 0 diabo, para a lOgica staliniana, é que o desenvolvimento desigual tamben a uma das fontes das crises gerais do sistema capitalista, guerras mundiais, etc., que tendem a "equalizar", ate certo ponto, em determinadas fases, o movimento revolucionario e a articular mais estreitamente os movimentos revolucionarios de uma serie de paises (como ocorreu durante a primeira e a segunda guerras mundiais e no periodo culminante da crise do sistema colonial) Portanto, sobre a simples constatagdo empirica do desenvolvimento desigual não se pode descartar a perspectiva de uma conjuntura em que a revoluao socialista se produza em cadeia numa serie de paises capitalistas avancados, de acordo com a hip6tese de Marx. Por outro lado, a lei do desenvolvimento desigual nada nos diz sobre por que a "ruptura revoluciondria" nä° ocorreu ate 72

hoje nos parses capitalistas desenvolvidos — interrogacão maxima para a teoria marxista da revolucAo. E, finalmente, a famosa "lei" nä° invalida, em absoluto, o necessdrio carater mundial — de acordo corn Marx — das forcas produtivas do socialismo e, portanto, näo pode fundar teoricamente a possibilidade da "edificagdo completa" do socialismo num s6 pais. 0 erro metodolOgico de Stalin consiste em tomar esta "lei" metafisicamente, isolada das outras tenancias da economia e da politica mundiais, como, por exemplo, a aceleracAo geometrica da internacionalizaflo econennica, tecnica, social, etc. Na forma metafisica em que a utilizada por Stalin, ela serve pan tudo e nao serve para nada. A teoria do socialismo num so pals se converte na doutrina oficial da IC (uma vez que o trotskismo foi posto fora da lei na UniAo Sovietica e nos partidos comunistas de todos os 'daises) e passa a ser o principio diretor da concepeão da revoluad mundial formulada no programa aprovado no VI Congresso (1928). "A desigualdade do desenvolvimento econbmico e politico a uma lei absoluta do capitalismo. Esta desigualdade se agrava e acentua na epoca imperialista. Disto resulta que a revolucAo proletaria internacional ndo pode ser considerada uma acào Unica, simultanea e universal. A vitOria do socialismo e possivel, portanto, no inicio, em alguns paises capitalistas, inclusive num s6 pais tomado isoladamente". 56 E a marcha da revolugäo internacional sera a seguinte: transicão da ditadura mundial do imperialismo A ditadura mundial do proletariado engloba um longo periodo de lutas, de reveses e vitOrias do proletariado, um periodo de crise continua do sistema capitalista e de crescimento das revolucOes socialistas [...] de guerras nacionais e de sublevacOes colonials [...]; um periodo que compreende a coexistencia, no seio da economia mundial, dos sistemas sociais e econiimicos capitalista e socialista, com suas relacties 'pacificas' e suas lutas armadas, periodo de formagdo de unities de Estados soviaticos socialistas e periodo de guerras dos Estados imperialistas entre si; periodo de vinculacAo cada vez mais estreita entre os Estados sovieticos e os povos coloniais, etc!' Esta marcha da revolucão mundial esta dominada pela "nova contradigdo fundamental, de envergadura e significano histdricas mundiais, surgida no desdobramento do primeiro ciclo de guerras mundiais: a contradicAo entre a URSS e o mundo capitalista". 57 A URSS se converte no "motor internacional da revolucAo proletaria", na "base do movimento universal das classes oprimidas, a cidadela da revoluflo internacional, o fator maior da hist6ria do mundo". Conseqiientemente, "o proletariado internacional, do qual a URSS é a Unica patria, a fortaleza das suas conquistas, o fator essential da sua libertacdo internacional, tem o dever de contribuir para o Axito do socialismo na URSS e de defendè-la por todos os meios contra os ataques das potências capitalistas". A luta de classes em cada pais e a luta de libertagão nacional dos povos oprimidos pelo imperialismo conti73

nuam sendo fatores importantes da revolugAo mundial, mas o fator essencial é a construed° do socialismo na URSS. Dal que "a ditadura do proletariado na URSS detenha a hegemonia do movimento revolucionärio mundial".58 Nesta serie de formulas aparece toda a significaedo politico-pratica da concepgdo staliniana pan o movimento revolucionario mundial. Ate a morte de Lenin, e inclusive no V Congresso realizado pouco depois, a consolidagdo da ditadura do proletariado na URSS se conferia um papel de grande importancia como primeira base estatal, economica e militar da revolugdo mundial — mas urn papel subordinado, de todas as maneiras, a luta do proletariado nos paises desenvolvidos. Era a conclusdo lOgica da concepgdo de Marx e Lenin, conforme a qual a sociedade socialista nao poderia ser construida plenamente sendo a partir da vitOria da revolucao nas areas economicamente mais desenvolvidas do planeta. Panto a revolucao russa como as revolueOes, dos povos oprimidos pelo imperialismo, malgrado a sua imensa importancia, nao podiam ser mais que o "prOlogo" ao dado decisivo da revolugdo mundial: seu triunfo nos centros vitals do imperialismo. A partir do momento em que se admite a possibilidade da edificacao integral do socialismo num pals da extensdo e com a demografia e os recursos potenciais da URSS, modifica-se toda a perspectiva da revoluedo mundial. Realmente, nao se pode esquecer que, ao mesmo tempo, estava ern vigencia a tese de que o capitalism° experimentava a sua agonia, era incapaz de passar a uma fase nova, mais elevada, de desenvolvimento das forgas produtivas (ainda que se admitisse a possibilidade de periodos de estabilizagdo ou auge. "relativos"). A diregdo reciprocamente inversa de ambos os processos teria que traduzir-se, ao cabo de certo tempo — concebido como urn lapse curio: ern 1931, Stalin fala ern alcangar os paises capitalistas em dez anos na modificagdo radical do panorama da economia mundial. A area desenvolvida passaria a ser, cada vez mais, a area sovietica, e a area capitalista seria ultrapassada, presa de.5c uma continua decadencia, "putrefagdo", ate o momento da revolugao. 0 desenvolvimento deste duplo processo conduziria, fowosamente, a que a "nova contradigao fundamental" se resolvesse em beneficio da URSS. Seria a vitOria decisiva do socialismo em escala mundial. Naturalmente, todas as revolugOes que, no curso deste processo, triunfassem nos outros paises, contribuiriam para fortalece-lo, debilitando o capitalismo e aprodmando o desenlace final. No entanto, nao cram mais uma condigdo absolutamente necessaria do desenlace. A partir do momento em que a construeão do socialismo na URSS era considerada como o fator essencial, determinante, da revolugao mundial, todos os outros movimentos revoluciondrios passavam objetivamente a ter um papel subordinado e nesta angulagdo seriam enquadrados pela estrategia e pela tAtica da IC. Desnecessirio e dizer que o prin74

cipio da "subordinagao" dos interesses parciais do movimento revolucionArio a seus interesses gerais foi adotado pela IC desde o seu nascimento (cfr. nota 6 do cap. 1). 0 VI Congresso reafirma-o vigorosamente: "A coordenagdo das aches revolucionarias e sua boa direedo impOem ao proletariado uma disciplina internacional de classe que deve expressar-se na subordinagdo dos interesses parciais e locals do movimento a seus interesses gerais e permanentes". 59 0 que significa reconhecer que, apesar da comunidade essencial de interesses entre todos os componentes do movimento revolucionario mundial, podem surgir contradigOes transit6rias que exijam uma hierarquizaedo de interesses, prioridades, opeOes, etc. Desde o momento em que se definia a construcao do socialismo na URSS como o fator essencial, determinante, da revolugao mundial, este passava a ser igualmente o representante por excelencia dos "interesses gerais e permanentes" do movimento revolucionario. Todos os outros — "parciais e locals" — deviam subordinarse a ele. Mas como a expressao franca desta subordinagao se prestava ao ataque facil do inimigo — as suas "calnnias", como diria Stalin em 1943 —, era conveniente nega-la. Proclamou-se a identificaedo absoluta e permanente de todos os passos da politica interna ou externa da URSS com os interesses da luta revoluciondria em qualquer ponto do globo, ou internacionalmente considerada. Entre uns e outros nao poderiam existir contradigfies. Afirmar o contrario equivalia a um sacrilegio para os comunistas. Havia que negar a subordinacao para que ela se tornasse efetiva. A teoria do socialismo num s6 pals, convertida em fundamento te6rico da estrategia da Internacional Comunista significava, em resume, subordinar a revoluedo mundial — em cada uma de suas fases e episOdios — as exigencias da construgao do socialismo na URSS. Entendamo-nos: a revolucao, all onde realmente emerge, nao se submete a nenhuma autoridade ou teoria; o que ficava submetido era a agdo politica e te6rica da IC, de suas segOes nacionais. As estruturas ultracentralizadas da IC, o todo-poderoso Comite Executivo, no topo da pirdmide, controlado, por seu turno, pela diregdo do partido sovietic°, constituiam o mecanismo ideneo para assegurar, na prAtica, a subordinacao. Como bem se sabe, TrOstki foi o principal contraditor teOrico de Stalin no que Lange ao problema em tela. A importancia de Treaski na critica dos fenOmenos de degeneracao burocritica e nacionalista da revolucao russa e hoje evidente para todos aqueles que nao fecham os olhos a verdade hist6rica. Igualmente, a muito valiosa a sua contribuigao a andlise de uma serie de problemas do movimento revoluciondrio em diferentes paises (sobretudo os relativos a Alemanha, no periodo que precede a vitOria do fascismo). No entanto, no que se refere ao conceito de revolugao mundial, Tr&ski nao vai muito Wm dos velhos es75

quemas de Marx e Lenin, rubricando-os com a etiqueta da "revolucao permanente". No trabalho fundamental que dedicou a este tema, distinguem-se tres aspectos principais da sua problemdtica: "a questa° da passagem da revolugdo democrdtica a revolugdo socialista" (origem histdrica da teoria, onde se localizam as suas principais divergacias corn Lenin); "a caracterizaudo da revolucao socialism em si mesma" (que nao cont6m inovagees em face de Marx e Lenin) e "o carter internacional da revolucao socialista". 6° A tese principal deste terceiro ponto e formulada assim: "A revolugao socialista nao pode ser levada a cabo nos limites nacionais [...] Comega sobre o terreno nacional, desenvolve-se na arena internacional e se conclui na arena mundial. A revolugdo socialista, logo, faz-se permanente no sentido novo e mais amplo do termo: sO termina corn o triunfo definitivo da nova sociedade sobre o nosso planeta". 61 Trdtski nao resolve o problema que verdadeiramente esta posto: o problema da descontinuidade neste processo "permanente", o da articulacdo, no seu interior, das revolugees em sentido estrito com as fases nao revoluciondrias, evolutivas. A mitica histdrica comegara a patentear que a "permanencia" do processo revoluciondrio ao largo da grande "aoca de revolucao social" verificava-se... negando-se. Como observou Gramsci, a teoria da revolugdo permanente "6 apenas uma previsao generica que se apresenta como um dogma e se destrdi a si mesma porque nao se expressa nos fatos".62 Quando a concepgao trotskiana da revolucao mundial passa deste nivel abstrato para as andlises concretas da situagao e das perspectivas mundiais, sobret a repeticao dogmAtica dos esquemas construidos por Lenin e por TrOtski mesmo, durante o periodo da guerra mundial de 1914-1918. As derrotas dos anos seguintes a esta primeira grande crise do capitalismo, a fidelidade da maioria do proletariado a socialdemocracia, a demonstracdo que o capitalismo faz da sua capacidade de recuperagdo (ou, o que e o mesmo, mas revela melhor o fundo do fentimeno, a potencialidade reestruturadora do capitalismo — potencialidade econOmica e politica — contida nas suas grandes crises) pouco ensinaram a TrOtski. Ele explica tudo atraves do velho dado da "traigdo" da social-democracia, ao que soma ulteriormente a "traicao" da IC. Em seu "Programa de Transigao" (1938), 63 escreve: "As forgas produtivas da humanidadepararam de crescer"; inclusive "os paises historicamente privilegiados" [Estados Unidos, Inglatprra, Franca, etc.], se se "podem permitir ainda, durante algum tempo, o luxo da democracia, a grapas a acumulagdo nacional anterior"; neste "capitalismo em putrefagao", j "nao se pode falar de reformas sociais sistemdticas, nem de elevagdo do nivel de vida das massas"; o New Deal "representa apenas uma forma particular de confusa". "As premissas objetivas da revolugao prolethria nao sO estao maduras: ja comegam a apodrecer". do depende do proletariado, isto 6, tudo depende, antes de mais, da sua 76

vanguarda revoluciondria. A crise hist6rica da humanidade se reduz crise da direga revolucionaria". A saida... e a Quarta Internacional. "A orientaga das massas esta determinada, de um lado, pelas condigas objetivas do capitalismo em putrefagao e, de outro, pela politica de traicdo das velhas organizag8es operarias. Destes dois fatores, o decisivo, 6 claro, e o primeiro: as leis da hist6ria sa p mais poderosas que os aparatos burocrAticos. Qualquer que seja a diversidade de m6todos dos social-traidores — da legislacdo 'social' de Leon Blum as falsificagas judiciais de Stalin —, nao conseguirao romper a vontade revoluciondria do proletariado. De mais a mais, seus esforgos desesperados para deter a roda da hist6ria demonstrara as massas que a crise da diregao do proletariado, convertida em crise da civilizagao human, s6 pode ser resolvida pela Quarta Internacional". Por isto, Tr6tski a resolutamente otimista nao sd a longo prazo, mas em termos imediatos. "0 perigo de guerra e de derrota da URSS — escreve um pouco antes do que transcrevemos — e real. Mas se a revolugdo nao impede a guerra, a guerra poderd ajudar a revolugdo. Um segundo parto a geralmente mais factl que o primeiro. Na prOxima guerra, a primeira revolta eclodird antes de dois anos e meio! E uma vez comegadas, as revolugees nao vao parar no meio do caminho"." Parece que aqui se escutam ecos do Lenin de 1914-1919, corn a "pequena" diferenga de que agora _ia sao duas as Internacionais traidoras e de que o problema sera resolvido pela Quarta. Mas, em 1938, a experiéncia histdrica crescera consideravelmente e, sem lev y-la em conta, sem dar resposta adequada aos novos problemas que colocava, era inntil qualquer tentativa de reconstrugdo da diregdo revoluciondria. Por que esta sinistra reincidencia histOrica das Internacionais na "traigao"9 Compreendia-se por que os chefes da Segunda se haviam "vendido" a burguesia e os da Terceira a Stalin? Como explicar a ascendencia deles sobre todas as fracas do proletariado se, nest; como TrOtski afirma, existe uma "vontade revoluciondria"? Por que, se as "leis da hist6ria" sao mais poderosas que os aparatos burocrAticos, nao romperam com o da Segunda Internacional (que contava corn meio seculo de existacia), nem impediram que surgisse o da Terceira? E possivel explicar todos estes fendmenos atentando unicamente para os niveis mais altos das superestruturas political? Nao era necessario colocar novamente o problema da investigagdo de todo o corpo social como condicao sine qua non da elaboragdo da estrategia e da tätica revoluciondrias? Nao era preciso perguntar, na realidade, qual o tipo de capitalismo emergente da primeira guerra mundial? E o que era o proletariado? Efetivamente, sabemos hoje que nisto consistia o problema, pelo menos, um aspecto essencial do problema; que no New Deal, e tambem na reestruturagdo do capitalismo monopolista a sombra do fascismo, continham-se já os primeiros passos para uma nova fase do capitalismo, a do capita77

lismo monopolista de Estado; que este processo implicava mudancas estruturais fundamentais no proletariado, que se iniciavam naquele periodo. E havia que aduzir os novos problemas suscitados pela construed() do socialismo na URSS e o movimento de libertagdo nacional nas colOnias e paises dependentes, pan os quais nao se encontram respostas nos documentos comunistas da epoca sena() num nivel empirico e quase exclusivamente na esfera da tatica a aplicar. Colocava-se, por exemplo, a questa() da alianga corn o campesinato, problema central da construed° do socialismo na URSS e do movimento libertador nos paises oprimidos pelo imperialismo, mas 6 raro encontrar estudos sociolOgicos sobre a natureza do campesinato, suas estruturas reals, seu universo cultural. Em sintese, o que estava em crise nao era somente a (theca() revolucioniria em um sentido reduzido, de,direcao estrategica e tãtica, mas a teoria revolucionAria, sua capacidade de investigar a realidade pan transforms-la. 0 importante, naturalmente, nao 6 registrar este fenameno — coisa tacit a partir da nossa perspectiva histOrica. Importante e explica-lo. Por que o marxismo foi paralisado? E 6bvio que nao pretendemos, aqui, fornecer uma resposta satisfatOria a esta questa°, que, sem davidas relacionada diretamente corn o nosso objeto de estudo — a crise da IC —, ultrapassa-o largamente. Na parte que, mais adiante, dedicamos a analise da crise da IC no piano das estruturas organizacionais e da acao politica, encontraremos elementos fragmentirios que contribuem pan explicar a paralisia teenica que, por seu turno, a medida que se acentua, repercute negativamente sobre a acao politica e facilita o esclerosamento organizacional. No final deste capitulo, proporemos algumas hip6teses sobre as causas mais gerais — e, a nosso ver, mais fundamentais — da crise tearica na IC. Antes, porem, vamos concluir com a analise da controversia Stalin :FrOstki sobre o problema da revolugdo mundial e das conseqiiancias que a concepeao staliniana tern para a IC. Como se depreende do exposto anteriormente, enquanto Stalin ye como subordinado a construed.° completa do socialismo na URSS todo o processo da revolugdo mundial, Tratski o visualiza como subordinado a vitOria da revolugao socialista europea no periodo imediato. Desta depende a prOpria sorte da Uniao Sovidica ("somente o proletariado europeu, irredutivelmente sublevado contra a sua burguesia, podera impedir a derrota da URSS"). 65 0 "eurocentrismo" extremo de Tr&ski se choca inconciliavelmente com o "russocentrismo" igualmente extremo de Stalin. No calor da polemica contra o "russocentrismo" staliniano, Tratski incorre numa contradicao de vulto. Enquanto, por um lado, o capitalismo ern crise extremamente aguda, economicamente impotente e vitima de contradigOes interimperialistas insuperaveis, por outro lado con78

sidera que, no caso de uma guerra mundial, sem a intervencao da revolugdo europeia, a derrota da URSS a inevitavel, quer se se encontrar sozinha frente aos Estados capitalistas, quer se se materializar a estrat6gia staliniana de chegar a uma alianga coin um dos blocos imperialistas. No primeiro caso, a derrota da URSS seria inevitavel — afirma-o Tr6tski ern 1936 — porque "na tecnica, na economia, na arte militar, o imperialismo 6 infinitamente mais poderoso que a URSS". 6.6 E no segundo porque, chegada a guerra a um determinado ponto, "os antagonismos imperialistas se resolved() sempre por um compromisso pan impedir a vitoria militar da URSS". 67 A Unica maneira de evitar este compromisso seria a Uniao Sovietica fazer concessOes decisivas no tocante ao regime social, vale dizer, que aceitasse a restauragdo capitalista. 68 Portanto, Tratski conclui: "Sem a intervened() da revolugdo [europ6ia], as bases socials da URSS se derrocariam, tanto em caso de vit6ria como em caso de derrota".69 Tratski incorre aqui num erro metodolOgico que, nele, a freqiiente: a absolutizagdo dos antagonismos de classe — em escala nacional ou internacional —, subestimando as mediagOes, as vezes extremamente complexas, que ai intervam. No caso em tela, considera inevitavel que os antagonismos de classe entre os Estados capitalistas e o Estado operario predominem sobre os antagonismos internacionais, a partir do momento em que o jogo destes tiltimos possa facilitar a vitOria do Estado operario numa guerra. A pratica demonstrou que, na situacdo histerica concreta da segunda guerra mundial, as rivalidades interimperialistas podiam predominar, dentro de certos !Unites, sobre as contradicOes de classe no piano nacional e internacional 0 acerto de Stalin consistiu em mover-se dentro destes limites, sem fazer as concessees absolutas que, segundo Tratski, gram inelutaveis. Em lugar de fazer concessties sobre os fundamentos do regime social sovietico, Stalin as fez a custa da luta revoluciondria nos paises do capital. No period() do pacto germano-sovietico, este realismo cru imprimiu um sinistro perfil a politica sovietica. Na segunda fase da guerra, aberta com o histarico erro de Hider ao atacar a Uniao Sovidica, a politica de Stalin coincidiu corn os interesses reais e vitais de grandes massas, de povos inteiros. Mas a luta revolucioniria pelo socialismo nos paises capitalistas ficou relegada a urn segundo ou terceiro piano. Ndo foi a revolucao europda que deu a altima palavra sobre a Unitio Sovietica — foi a Uniao Sovietica que deu a palavra final sobre a revolugao europda. Este resultado nao provava que o socialismo podia edificar-se integralmente na URSS sem que a revolucao triunfasse nos centros vitais do imperialismo, mas punha em relevo, corn grande vigor, a base real em que se fundava a concepeao staliniana: a autonomia relativa da revolugao sovietica em face da revolucdo mundial. 0 periodo entre as duas guerras aportara ja uma certa demonstracao empirica desta autonomia. 79

A segunda guerra mundial conferiu a deMonstragdo uma grande consistencia. A teoria da revalued° socialista de Marx e Engels s6 reconhecia andloga autonomia desde o ponto de vista da improbabilidade de uma conquista simultdnea do poder pela classe operaria nos paises capitalistas desenvolvidos (onde, obrigatoriamente, deveria iniciar-se esta conquista). Se a revalued° comegava num dos centros vitais do sistema capitalista, ou se estendia a outros sem soluedo de continuidade ou perena mesa dois fatos novas: que a conquista ceria. A revalued° russa do poder podia ndo comeear pelos centros vitais do capitalismo (coisa que Lenin ye desde abril de 1917) e que esta revoluedo poderia manterse e consolidar-se — mesmo que a revalued° socialista se atrasasse nos paises capitalistas desenvolvidos — durante urn periodo de tempo cujos limites era dificil precisar (ao principio, os dirigentes bolcheviques imaginam um lapso breve; depois — tiltimas reflexOes de Lenin —, consideram que pode ser prolongado). A concepedo do "socialismo num s6 pais" 6 apenas a generalizacdo empirica do segundo fato, mas concedendo-Ihe uma significagdo absoluta, como prova suficiente de que o socialism° pode construir-se integralmente na URSS, independentemente da vitOria ou nao da revalued° na area capitalista desenvolvida. Todavia, a Unica coisa que o segundo fato "demonstrava" era que a edificagdo socialista podia iniciar-se e era possivel progredir nesta direedo. A fundamentacdo te6rica do "salto" dado por Stalin (secundado por Bukharin) exigia, como dissemos, a demonstraedo, a nivel teOrico, de que a formaedo economico-social socialista plenamente desenvolvida era compativel corn urn marco regional, tido requerendo, como candied° necessdria, a estrutura mundial suposta por Marx — coisa que Stalin e Bukharin tido fizeram. Todos os seus argumentos se concentram na demonstracdo de que a reconstrued° socialista da agricultura 6 compativel corn a manutengdo da alianga operazio-camponesa, base politica do regime sovietico.7° Tratski ndo nega esta possibilidade, mas replica, corn Coda a razdo, que isto ndo resolve o outro problema. Estee o ponto forte da posigdo de Tr6tski. Seu ponto fraco é que subestima a autonomia relativa da revalued° russa em relagdo ao processo da revolugdo mundial. Enquanto Stalin absolutiza esta autonomia, Tr&ski a reduz a sua minima expressão. A autonomia relativa da revalued° russa em relaedo ao processo revoluciondrio mundial fora da URSS implicava a autonomia relativa das revolugees pendentes — revolugaes nos 'Daises do Ocidente e do Oriente — em relagdo arevalueao russa. 0 reconhecimento consciente, teoricamente fundamentado, delta autonomia reciproca e de seu cardter relativo, de seus limites, determinados em cada caso pela situaedo concreta, teria sido extraordinariamente fecundo para o movimento re80

volucionArio, para a IC. Teria aberto a via para a autonomia teOrica, politica e organizacional dos partidos comunistas e para uma nova estrutura de sua organizacdo internacional. Teria permitido colocar o problema capital da defesa da URSS, dab em termos de incondicionalidade em face do modelo sovietico — tanto no tocante a via revolucionaria seguida para chegar ao poder como no relativo ao modelo de construed° socialista —, nem em face da politica externa do partido sovietico, mas em termos de colaboragdo e apoio mtituos que ndo excluissem a critica reciproca — em termos, afinal, que correspondessem as condieees especificas da agdo de cada partido comunista. Na concepedo staliniana, contudo, se abrigava o seguinte paradoxo. Enquanto, de certa forma — "objetivamente", como diz Magri 71 reconhecia a existencia da citada autonomia, ao mesmo tempo a contradiz duplamente: levando-a ao extremo — ou seja, desconhecendo o seu carater relativo — no que tange a autonomia do socialismo sovietico diante da revalued° mundial e reduzindo-a a uma proporedo desprezivel, negando-a na prAtica, quando se trata da autonomia do movimento revolucionasio no mundo capitalista diante da revalued° russa. Magri tern razdo, sem dtivida, quando diz que este "paradoxo" ndo se explica unicamente por arras e deficiencias teOricas do grupo dirigente bolchevique; hd que contabilizar tambem as condigees objetivas extremamente dificeis em que se realiza a experiencia russa. Ambos os lados do problema se tocam e condicionam reciprocamente e sO uma investigagdo hist6rica minuciosa e objetiva, ate agora inexistente, podera determinar a ponderaedo relativa de cada componente nas sucessivas fases do regime sovietico. Atualmente, sO se podem formular hip6teses globais aproximativas. A intensa luta politica que se desenvolve no partido, nos sovietes e nos sindicatos, durante os primeiros anos do regime sovietico e a contundente posigdo de Lenin, as vesperas da sua morte, contra o burocratismo, o nacionalismo grdo-russo e a autosatisfaedo teOrica indicam claramente que o caminho e os metodos adotados por Stalin ndo eram uma aped° inexordvel — foram o resultado da derrota de outras tendencias a opeees. Derrota tido a nivel teOrico (a fracdo de Stalin jamais Ode dar urn fundamento teOrico marxista As suas opgides) mas a nivel da agdo politica e organizacional. A perspectiva da construed° integral do socialism° num so pais ndo foi uma meta cientificamente elaborada, mas o mito que se agitou ao povo sovietico para justificar os imensos sacrificios que Ihe eram requeridos. E, por isso, ndo serviu para formar as massas como sujeito consciente, exigente e critico, de sua prOpria obra, mas, ao contrario, para cultivar nelas uma atitude acritica, conformista, para converte-las em objeto de fad] manipulagdo. Como todos os mitos que respondem a exigencias reais ndo resolvidas cientificamente, o da construed° integral do socia-

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lismo, ao firn de uns quantos pianos qiiinqiienais, desempenhou urn papel instrumental eficaz, despertou ilusOes, estimulou a fe, favoreceu a mobilizacdo das massas e a liquidagdo de toda oposiedo critica. Mas quando os prazos se cumpriram e houve que declarar: este e o socialismo, ja esta construido — o mito entrou em derrocada. A ft comecou a ser substituida pelo ceticismo, os sentimentos generosos pelo cinismo, a ebuliedo politica pelo apoliticisrno. Para dar relevo ao mito, houve que recorrer ao terror. Os problemas eram cada vez mais complexos, suas dimensOes quantitativas cediam o lugar as qualitativas — mas o nivel tedrico para abordd-los ,gra cada vez mais baixos, mais escassas as ideias em circulacdo, os cerebros mais atrofiados pelo terror e, sobretudo, pelo tidbit° de ndo pensar por conta prOpria. A guerra chegou quando este processo se iniciava, quando apenas uma minoria comegava a tomar consciencia da existencia do mito — e pagara alto a sua lucidez. Os sentimentos patrierticos vieram em ajuda ao mito e a vitOria conferiu-lhe nova seiva, mas por pouco tempo. 0 gigantesco "salto" industrial, teethe°, cultural da Russia (salto, neste Ultimo aspecto, a uma cultura de massas conformista, instrumental) era indiscutivel; mas era isto o socialismo? 0 XX Congresso respondeu: na URSS ainda ndo existia o socialismo. Durante trinta anos existira uma autocracia burocratica, rd° uma democracia proletdria. E sem democracia proletaria ndo hd propriedade social dos meios de producdo. Na Uniao Sovietica existiam — e continuam a existir — relagOes de produedo ndo capitalistas e ndo socialistas, cuja caracterizacdo te6rica, do ponto de vista marxista, ainda esta por ser feita. Por agora, o mais seguro a definilas por aquilo que ndo sdo. Mas voltemos a IC. Na altura do VI Congresso, o mito staliniano entrava em sua epoca de esplendor. Muito poucos foram os comunistas nao soviaticos que puseram em dilvida a concepedo de Stalin sobre o "socialismo num s6 pais" e a prioridade absoluta da revolugdo sovietica no processo da revolugdo mundial. 72 A oposiedo bolchevique ao stalinismo dentro da URSS viu-se tragicamente isolada no movimento comunista internacional. Este Lido exigiu a autonomia que objetivamente se expressava, mesmo que de modo deformado, na ideia do "socialismo num s6 pais" e aceitou a submissdo incondicional a interpretacdo que, em cada caso, Stalin dava dos interesses supremos da URSS. 0 que ndo excluia, naturalmente, a possibilidade de que esta interpretagdo coincidisse, num momento ou outro e em maior ou menor grau, corn os interesses do movimento revoluciondrio mundial. Mas o movimento comunista ndo geria esta possibilidade, nao possuia meios efetivos de analisar e controlar as decisOes da direclo sovietica. E, no entanto, tinha a obrigagdo de ajustar-se a elas desde o instante em que a salvaguarda da construed° do socialismo na URSS era a questa° chave da revolugdo mundial. A IC e os partidos comunistas deviam enqua82

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drar a sua estrategia e a sua atica em trifled°, antes de tudo, da politica sovietica. Se o Kuomintang era considerado por Moscou como um aliado seguro da URSS, os comunistas chineses tinham que se colocar, acima de quaisquer outras circunstAncias, o entendimento corn o Kuomintang; se a social-democracia alemd se afastava do espirito de Rapallo, os comunistas alemdes deviam "concentrar o fogo" contra a social-democracia; se Lkon Blum observava uma atitude positiva em face da URSS, os comunistas franceses deviam cuidar de rido colidir com ele, ainda que Blum sacrificasse a repriblica espanhola e sufocasse as grandes lutas do proletariado trances em 1936; se Largo Caballero ndo aceitava docilmente os "conseihos" sovieticos, os comunistas espanhOis deviam substitul-lo por Negrin, que compreendia melhor as exigencias da politica exterior sovietica; se a salvaguarda do pacto com a Alemanha hitleriana em 1939-1941 exigia dos comunistas de todos os paises que deixassem de considerar o fascismo como inimigo principal, eles ndo deviam vacilar em dizer que era negro o que, na vespera, afirmavam ser branco. E se a IC era urn estorvo para o melhor entendimento corn Roosevelt e Churchill, os comunistas de todo o mundo deviam saudar a sua dissolugdo, o momento e a forma de que se revestiu como a solucdo ideal, Unica, para a impossibilidade revelada pela experiencia histOrica da IC para dirigir, desde um centro internacional, o movimento opera.rio de cada pais. A histOria confirmou a caracterizagdo feita por TrOtski em 1936: "Atualmente, a Internacional Comunista é apenas um aparelho d6cil, disposto a todos os vaivens, a servieo da politica externa sovietica"." A eventualidade de que este "aparelho dOcil" se convertesse em urn estorvo para a politica exterior sovietica estava objetivamente colocada a partir do momento em que a finalidade suprema da IC consistia em salvaguardar a construed° do socialismo na URSS Com efeito, na medida em que os principais Estados capitalistas aceitassem o "fato consumado" da revoluedo russa e concentrassern a sua agdo politica para impedir "novos fatos" da mesma natureza, cresciam as possibilidades de "coexistencia pacifica" com o mundo capitalista ou, no pior dos casos, de aliancas corn uma fragdo dele contra outras. Mas a burguesia a uma classe de espirito pratico, prosaico, educada no "toma ld, dd ca". 8 natural que, em troca de uma "ajuda" na construed° do socialismo — comerciando, renunciando (nunca definitivamente) a intervened° armada, etc. —, pedisse "algo". Bukharin expressou-o bem no seu informe ao XV Congresso do Partido Comunista da URSS (finais de 1927): a linguagem de Chamberlain — diz — é a seguinte: "Ndo temos nenhum problema em comerciar corn voces, mas, por favor, tenham a amabilidade de acabar corn a IC". E Bukharin aduz: agora é dificil atacar diretamente a Unido Sovietica; entdo, pisca-se-lhe o olho — mas se the cede para acabar corn a IC. E ele revela que o Partido Trabalhis83

to independent; atraves de uma carta, indagara se nao seria possivel fundir a Segunda e a Terceira Internacionais.74 No periodo do VI Congresso, estes cantos de sereia nao sdo ouvidos. Depois de derrotar a oposiedo trotskista, Stalin se depara, repentinamente, corn uma grave situacao econemica e social na URSS. A construed() do socialismo a "passo de tartaruga" — de acordo corn a expressdo bukhariniana a base de conceder excessiva liberdade ao kulak, 75 conduziu a uma dramdtica crise de abastecimento nos primeiros meses de 1928. Stalin faz uma viragem de 180 graus, liquidando a oposicao da ala bukharinista, corn os metodos ja experimentados na supressao do trotskismo. Do "passo de tartaruga" se transita ao galope aherto: da prudencia excessiva para com o kulak a sua liquidando implacável nao decorre mais que o tempo da noite a manhd. Todavia, como grande parte dos camponeses mêdios, que constituem a maior massa, e mesmo certas fracties dos pobres, esta sob a influencia do kulak, a repressdo contra este se convene em repressdo — utilizando todo o tipo de violencias — contra dezenas de milhaes de camponeses. A cotetivizacdo forgada corre paralela ao primeiro piano gfiinquenal, que exige da massa operdria urn verdadeiro heroismo no trabalho. Na pratica, Stalin adota parcialmente o programa da oposicdo trotskista e o esquema de "acumulagdo primitiva socialista" de Preobazenski, mas forcando os ritmos, pagando tributos ao atraso e ao empirismo corn que se efetua a "viragem". Tudo isto cria uma grave tensdo no interior do partido e na sociedade sovietica. Ao mesmo tempo, Stalin ye corn apreensdo a politica anglo-francesa, particularmente a da perfida Albion. Pensa que se trama uma nova intervencao anti-sovietica. Este conjunto de circunstancias determina o rumo ultra-esquerdista que a politica staliniana toma, tanto no piano interno como na tAtica que dita a IC. Ndo é a hora de liquidar a IC, mas de utilith-la no ataque furioso contra a social-democracia e o partido centrista calcitic° alemao, contra os socialistas e os radical-socialistas franceses, contra os trabalhistas ingleses, considerados todos como os crimplices mais perigosos da eventual intervened° contra a URSS. E o periodo do "social-fascismo" e da "classe contra classe". 0 triunfo de Hitler modifica o panorama europeu. A politica soviatica se orienta no sentido da alianca corn os Estados capitalistas "democrdticos". E estes nao desdenham a alternativa, mesmo que se encaminhem - para ela corn segundas intencees. Mas a nestes paises que se encontram precisamente, desde o fracasso do partido alemao, as seeees mais importantes da IC (sobretudo na Franca e na Tchecoslovdquia, e, depois de 1934, o Partido Comunista espanhol comega a ser um fator relevance da ardente Repriblica nascida em 1931). Ingressa-se num periodo ern que a IC, e o programa aprovado no VI Congresso, convenese cada vez mais num estorvo para a politica exterior sovietica. Em fa-

ce da burguesia internacional, a IC encarna a revolucao mundial. E o fato de que esta aparega no programa do VI Congresso tendo como centro a construgao do socialismo na URSS so reafirma aos dirigentes do capitalismo a ideia de que a IC esta sob o controle e a diregao de Moscou, como o instrumento de que Stalin se serve para interferir nos assuntos internos dos outros paises. A "linguagem" de Chamberlain se torna mais impositiva. Jae significativo que o VII e Ultimo Congresso da IC so se relina sete anos depois do VI, embora os estatutos fixassem a celebragdo dos congressos de dois em dois anos. E tambern é sintomatico que a prOpria expressdo "Internacional Comunista" desapareed quase completamente dos discursos, artigos e informer priblicos de Stalin a partir de 1933. Salvo erro no inventdrio que fizemos na edigab sovietica das obras de Stalin, nao se alude a IC mais que duas vezes: a primeira no informe ao XVIII Congresso do Partido Comunista da URSS (margo de 1939), para ironizar os que "buscam 'focos' da Internacional Comunista nos desertos da MongOlia, nas montanhas da Abissinia e nos campos desolados do Marrocos espanhol"; e a segunda ern 1943, para dizer que corn a dissolucao do organismo se pee fim a "calrinia". 0 VII Congresso se refine em julho de 1935. A primeira novidade notavel que apresenta é que suas principals figuras, a diferenca dos congressos anteriores, ja nao sac) russas.' 6 Dimitrov faz o informe principal, Ercoli [Togliatti] o secunddrio. 0 partido sovietico esta representado por Manuilski, figura de segunda categoria na constelacao dos dirigentes sovieticos. Thorez aparece ern primeiro piano. Stalin nao sai dos bastidores. 0 congresso se concentra nas questees da luta contra o fascismo e a guerra. A politica de frente Unica proletdria e de frente popular se orienta decididamente a buscar a alianca corn os partidos socialistas (ate pouco antes qualificados como "social-fascistas") e corn a flack) democrätica e liberal da burguesia. Formalmente, esta estrategia aparece inserida numa perspectiva de luta contra o capitalismo, mas a enfase é posta nos objetivos imediatos: defesa ou reconquista das liberdades democratico-burguesas em face da ameaga fascista, luta contra o perigo de guerra, apoio a politica de seguranga coletiva da URSS. E sintomdtico que, no longo informe de Dimitrov, nao aparega uma so vez o conceito de "revolucao Dtundial". Neste congresso da IC transpareceu que nos partidos comunistas tendencias renovadoras lutavam por abrir caminho, desejando libertarse de esquemas vazios, de tradicaes sectdrias — mas, ao mesmo tempo, foi o menos tearico dos congressos da IC. A passagem ao que Dimitrov chama de "nova orientacdo tdtica" da Internacional Comunista" se realiza sem uma reavaliacdo critica do passado. A crise da teoria marxista da revolugdo mundial se "resolve" renunciando, na pratica, a toda teoria explicita da revolucdo mundial.

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Causas da paralisia teOrica Vimos que a concepedo de Lenin sobre o curso da revoluedo mundial determinava a necessidade de urn "partido mundial" de tipo bolchevique e que a urgencia da sua criagdo derivava, na opinido de Lenin, do fato de que o processo revolucionario internacional estava em marcha, reunidas as condicees objetivas da sua vftorfa, se faltando o partido capaz de direciona-lo. Esta concepedo, em seu duplo aspecto — te6rico geral e conjuntural como notamos, foi infirmada pelo curso real da histOria. Examinamos tambem como Stalin "resolve' a crise te6rica, revisando pragmaticamente Marx e Lenin, fazendo da construed° do socialismo na RUssia o fator chave da revalued° mundial, corn o que se converte a IC em instrumento da politica sovietica. Enfim, observamos que toda postulaedo te6rica da revolugdo mundial marginalizada e que a seguranga da URSS, visualizada sob a lente de Stalin, coloca objetivamente na ordem do dia a conveniencia de liquidar a IC. No terceiro capitulo analisaremos corn mais detalhe como a concepedo lenineana da revoluedo mundial determina concretamente as estruturas e o funcionamento da IC, e como o centralismo burocratico resultante a urn obstaculo crescente a act) te6rica e politica da IC. No quarto capitulo, enfim, veremos a agdo politica da Internacional. Mas, antes de passar a estes temas, encerraremos o presente capitulo corn algumas rapidas reflexOes sobre as causas mais gerais da progressiva paralisia, na etapa da IC, do pensamento te6rico marxista. Os bolcheviques — diz Rosa Luxemburgo, em seu ensaio sobre a revoluedo russa —, "corn sua atitude resolutamente revolucionaria, sua forea de agdo exemplar e sua ferrea fidelidade ao socialismo internacional, fizeram tudo o que se poderia fazer ern condieOes diffceis". No entanto — acrescenta, profeticamente "o perigo comeea no ponto em que, fazendo da necessidade uma virtude, cristalizam ern teoria perfeita a tatica a que foram compelidos por condigOes fatais, e querem recomendar a sua imitaedo ao proletariado internacional como modelo de tatica socialista". 78 Realmente, o perigo comegava al. Nä° s6 porque os teep ricos russos cederam a tentaedo de converter a necessidade em virtude, mas ainda porque a admiraedo e o entusiasmo que a revoluck) russa despertava nos revolucionarios de todos os paises os predispunha para a aceitagdo acritica da mensagem. E tambern contribufa para tanto o fato de as "forcas tearicas" formadas na Segunda Internacional — salvo raras excecOes, como Rosa Luxemburgo, Mehring e alguns nomes de menor importancia — terem abandonado o campo da revoluglo. Sua critica a revolueäo russa, a partir di posigOes reformistas ou liberais, colaborava para elevar ainda mais, ante os olhos dos 86

revolucionirios do mundo capitalista, a autoridade das concepgOes bolcheviques.79 No momento em que era mais necessaria a Skied° critica, a revoluedo de Outubro introduz a seguratica te6rica. Mid° parecia resolvido em principio — os caminhos da revolugdo, a tatica, o modelo de partido — quando, na realidade, tudo se tornava mais problematic° que em qualquer outro periodo precedente do movimento operario: no Ocidente, onde a revolugdo fora derrotada e a grande massa do proletariado fazia ouvidos moucos ao marxismo revolucionario; no Oriente, onde a revoluedo despertava num meio quase inexplorado pelo mantismo; na Russia, onde a revoluedo proletaria ficava isolada, cercada internacionalmente pelo mundo capitalista e internarnente pelo oceano campones e pequeno-burgues. Mas, a diferenea de Marx, os arautos da revolueäo de Outubro proclamavam aos revolucionarios de todos os "Eis aqui a verdade. Ajoelhai-vos diante dela!" Esta atitude doutrinaria s6 podia funcionar como urn fermento de sectarismo e de autoritarismo, propiciando a dogmatizagdo do marxismo sob sua versa° bolchevique, conduzindo a subestimaedo da originalidade nacional nos outros paises, quer do capitalismo avaneado, quer entre os oprimidos pelo imperialismo. 0 pr6prio Lenin, que em muitas ocasiOes insiste sobre a necessidade de lido se copiar mecanicamente a experiencia russa, observa, n'A doenca (e o repete em outros trabalhos): "Nä° sdo apenas alguns, mas todos os frescos fundamentals, e muitos secunddrios, da nossa revolugdo os que tern importância internacional". E, embora faga a ressalva de que, quando a revoluedo triunfe em algum pals avaneado, a Russia passara a ser urn pals atrasado (no sentido socialista), agrega: "No entanto, no atual momento histOrico, o fato e que o exemplo russo mostra a todos os paises algo, e algo muito substancial, do seu futuro prOximo e inevitavel". Nas conclusOes desta famosa lied° de tatica, Lenin reitera a exigencia de levar em conta "as particularidades concrete que a luta adquire e deve adquirir inexoravelmente em cada pats, conforme os traeos originals da sua economia, da sua politica, da sua cultura, da sua composigio nacional, da diversidade religiosa, etc7.8° Mas se trata de levar em conta essas "particularidades" para aplicar urn conjunto te6rico e politico considerado como ja elaborado — e cornprovado pela pratica histOrica — em seus componentes essenciais, em seus "principios" (aos herdados de Marx se somam os novos: os sovietes representam a forma universal da ditadura do proletariado, o tipo bolchevique de partido o modelo universal de partido revolucionario marxista, etc.). Em nenhum momento se suscita sequer o problema de que as diversas realidades nacionais e a nova realidade mundial possum exigir uma nova investigaedo marxista profunda, capaz de engendrar teorias revolucionarias ineditas; riao se suspeita que, ao inves de 87

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confirmarplenamente a teoria da revalued° herdada de Marx e Engels, corn as contribuicOes de Lenin, os acontecimentos pOem ern questa° aspectos essenciais seus. A atitude mental dos bolcheviques, transferida a todos os comunistas nao russos atravds da IC, poderia ser assim resumida: corn a revalued° de Outubro, a teoria marxista da revalued° foi completada naquelas questiies sobre as quais, a falta de experiO'ncias concretas, os dois grandes mestres nao puderam it suficientemente longe: contradicOes do imperialismo, forma da ditadura do proletariado, questOes estrategicas e tOticas, tipo de partido, etc. 0 problematic°, dal para a frente, ja nao era a teoria da revolugdo enquanto tal, mas a sua interpretagdo particular de acordo corn as condicees especificas de cada pais. Num piano te6rico mais geral, a vitOria de Outubro era assimilada como prova Mapetal/el da cientificidade absoluta do marxismo. "Nos, marxistas — escreve Bukharin no seu Materialismo histerico estamos autorizados a considerar a ciencia proletdria como a ciencia verdadeira e a exigir que a reconhegam como tal". 0 depositario delta "ciencia verdadeira", no mundo nao sovietico, passa a ser a Terceira Internacional. Mas ela concentra a sua atenedo — posto que as questa- es bAsicas da teoria da revalued° se supOem resolvidas — nos modalidades estrategicas e täticas ou organizacionais. As investigacOes filos6ficas, econOmicas, hist6ricas, sociolOgicas, passam a um segundo ou terceiro piano. As elaboracides politicas se separam, cada vez mais, das ciencias sociais e, em geral, do meio cultural no interior do qual devem operar. Nas discuss6es da IC sobre o problema colonial, por exemplo, manejam-se categorias como "proletariado", "campesinato", "burguesia national", etc., sem levar em conta, exceto muito raramente, o universo cultural prOprio dos paises coloniais, tao radicalmente distinto do ocidental. A contradigdo entre as impostacOes tearicas e o desenvolvimento real comegou a se refletir sistematicamente atraves das apaixonadas discussOes sobre os problemas téticos, que dominam os primeiros congressos da IC. Ninguem formula, explicitamente, a ideia de que se estava diante de uma crise te6rica (a nivel filosOfico, porem, deve-se mencionar o livro de Korsch, Marxismo e filosofia [1923] — imediatamente condenado pela IC como uma primeira tomada de consciencia te6rica da crise.)8I Depois da morte de Lenin, como se se quisesse corn isto fazer frente a todas as chividas e inquietudes, a tendencia a "seguranca teOrica", dogmatizagdo do marxismo, se acentua rapidametne. Ndo deve haver vacilacdo na defesa do "dogma marxista, diz Bolchevik, revista te6rica do partido sovietico: "Somente resolvendo sem tergiversacdo este problema se poderO conservar ern toda a sua pureza a bandeira da revalued° proletatia, a bandeira do 'dogma' marxista. E absurdo temer esta 88



palavra. A luta contra o marxismo `dogrnOtico' foi sempre obra dos reformistas mais afastados do marxismo, tipo Bernstein. Tudo o que houve de melhor no movimento operärio sempre lutou em defesa do 'dogma' de Marx [...]". 82 0 dogma, sem aspas, se determina e recebe o batismo: leninismo.4 histdria se repete: recem-nascida, a Terceira Internacional reincide, depois da morte de Lenin, no mesmo pecado que a Segunda, depois da morte de Marx e Engels — a canonizagdo do seu pensamento. Em finais de 1924, Zinoviev recorda que os primeiros a falar de "leninismo" foram os adversdrios do bolchevismo, em 1903, "a fim de contrapor as ideias de Lenin aos principios de Marx". E Zinoviev continua: "Lenin se oporia, sem qualquer dtivida, ao use deste termo, por raz6es evidentes para todos os que conhecem a sua modestia. Mas nos, seus contempordneos e discipulos, necessitamos [o grifo é do praprio Zinoviev — FC] de falar agora em leninismo, assim como os continuadores da obra de Marx falaram em marxismo [...] e os partidarios de Darwin em darwinismo". 83 0 leninismo, diz Zinoviev, "é a compreenOda, a explicacdo marxista das novas fases histdricas da evolugdo da sociedade, da nova experiencia do movimento operario mundial (e do movimento revolucionario em geral), de tudo o que surgiu depois de Marx [...]". Lenin, admite Zinoviev, nao poderia existir sem Marx, mas é preciso declarar que, "fora do leninismo, nao pode existir marxismo revolucionArio". 84 Zinoviev repete o que Stalin, antecipando-se ja a todos, proclamava desde abril de 1924 em suas conferencias sobre o leninismo. Neste momenta, as formulas de Stalin coexistem com as de Zinoviev, Bukharin, etc. Poucos anos depois, serdo as Unitas definicOes ortodoxas do leninismo — cada militante da IC devera conhece-las de con No curso da luta contra as oposieOes trotskista e bukharinista, realmente, se vai passando do leninismo, como Anico marxismo valid° na "epoca do imperialismo e da revolugdo proletaria", ao stalinismo, como tinico leninismo valid° na epoca do imperialismo, da revalued° proletaria e... do "socialismo num so pais". De urn Marx ad usum Lenini se passa a urn Lenin ad usum Stalini. As oposigOes que se levantam contra este segundo passo cometem o erro de permanecer encerradas no primeiro. Este processo de dogmatizagdo e estreitamento cada vez mais acentuado dos fundamentos te6ricos da IC se reflete nitidamente nos partidos comunistas. Aqueles que, ao se constituirem, careciam de qualquer heranca tearica national (come, por exempla, o PCE), vegetam no praticismo mais rotineiro; os que contavam corn uma heranga deste tipo (como o alemdo e o italiano) nao podem cultivä-la: a obra teorica de Rosa Luxemburgo e de Gramsci permanece no ostracismo, aguardando tempos melhores. Em seu informe sobre a IC, apresentado ao XV Congresso do Partido Comunista da Unido Sovietica (dezembro de 1927), Bukharin se refere a debilidade teOrica dos partidos comunistas em seu conjunto, e de seus nticleos dirigentes em particular, como uma 89

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das principais deficiencias da IC. Assinala que ha poucos intelectuais naqueles nUcleos. Inicialmente eram poucos e "as crises produzidas entre nes desde o refluxo da primeira vaga revolucionaria afetaram sensivelmente, sobretudo, a nossas altas esferas intelectuais". Corn certos cuidados de linguagem, ele observa que a enfermidade tambem afeta ao partido sovietico: os dirigentes da URSS, diz, "vent constantemente se afastando do trabalho te6rico e se concentrando no trabalho pratico". E esta debilitagao do trabalho te6rico, em toda a IC, ocorre ao mesmo tempo em que a "situacdo se tornou muito mais complexa e exige dos dirigentes um esforgo te6rico maior".85 Bukharin 6 um dos raros dirigentes da IC que, neste periodo, finals dos anos vinte, comeca a se interrogar sobre problemas de fundo relativos a estrutura do capitalismo, as modificagees na classe operaria, a questa° colonial, etc. "A concentracao e a centralize° da vida econOmica — escreveu no informe citado — avangam rapidamente'. "Poder-se-ia dizer que se open um processo de integracdo do preprio poder de Estado" (no mecanismo capitalism); nao se trata de algo inteiramente novo, "mas este processo jamais se desenvolvera, desde a emergencia do capitalismo, corn tanta forca como agora; 6 urn fato que, a meu juizo, nä° se pode perder de vista". Depois de analisar diferentes modalidades deste processo (Alemanha, Italia, Japdo, Austria), conclui: "Portant°, por urn lado, temos uma ampliacao das contradicOes entre os diferentes Estados capitalistas; e, por outro, urn processo de organizacdo das forcas capitalistas no interior dos palses, que se manifesta na tendencia ao capitalismo de Estado". Examinando a situacao da classe operaria, ele se detern, por exempla, nas mudangas de estrutura que se observam na Alemanha entre a massa assalariada industrial: de 1907 a 1925-1926, o percentual de funcionarios assalariados passou de 11,1 a 36,5%. E nota que estas modificagOes facilitam a integra*, de uma parte da classe operaria por mein dos funcionarios. Assinala o papel crescente dos sindicatos nesta integracao, sem que isto equivalha a rentincia das greves. 86 Todas estas colocagO' es, e particularmente as relativas ao processo de "organizacao" do capitalismo, acabariam parando no dossie que servira para condena-lo meses depois (de fato, Stalin ja iniciara os preparativos para isto no periodo do XV Congresso). Bukharin sera acusado de acolher a tese de Hilferding, embora critique expressamente as deducOes politicas reformistas que este infere de suas constatagOes cientificas. No mesmo informe, Bukharin realca que a IC, acerca da questa° colonial, possui apenas uma visa° geral. A revolucito chinesa permite-lhe tomar consciencia de sua enorme complicagdo: "A complexidade extrema do agregado social, do conjunto das forcas de classe e da dificuldade do problema, quando se trata de dirigir uma revolucao colonial desta envergadura, so nos apareceu em todas as suas dimensOes no Ultimo periodo". Neste caso, diz

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ele, ha que investigar as estruturas de classe, "para o que as nossas teses sobre a questao colonial se proporcionam uma base generica".87 Todas estas sugestees pan abordar a nova problematica que o desenvolvimento mundial apresentava sera° varridas na luta contra o "desvio de direita = inimigo principal". Pois bem: nem o prestigioso aval que a revolugao de Outubro propicia a dogmatizagao do leninismo como Ultima palavra do marxismo, nem o papel repressivo que, crescentemente, o mecanismo ideolOgico e administrativo da IC desempenha explicam suficientemente a progressiva paralisia do pensamento marxista revolucionario no mundo capitalista de entre-guerras. Neste mesmo periodo, no marco da IC, a intelligentsia revolucionaria chinesa comega a libertar-se dos esquemas fabricados no centro moscovita da IC e a seguir de verdade o exemplo bolchevique: elaborar uma teoria original da revolucao chinesa, como a intelligentsia bolchevique o fizera em face da revolucao russa. 88 Mas os comunistas chineses, alem da IC, tinham uma revolucao em marcha, tanto como os bolcheviques nao tinham somente a Marx e a Segunda Internacional — tinham a revolucao russa em ato. A paralisia do pensamento te6rico dos marxistas revolucionarios do Ocidente, ainda que os fatores que mencionamos contribuissem sensivelmente para agrava-la (e ate mesmo possam explicala suficientemente enquanto "paralisia"), nao estaria condicionada por uma realidade mais profunda — pela imaturidade objetiva da revolucao socialista no capitalismo avancado? Nat) se trata, naturalmente, de que as forgas produtivas do capitalismo avancado nao oferecessem ja — no periodo que estamos considerando — uma base material mais que suficiente para a transformagem socialista da sociedade. Falamos da imaturidade objetiva da revolugio, coisa muito diferente, apesar de confusoes freqiientes. Se focamos o problema a partir das teses teericas de Marx, para a maturidade objetiva da revolugao socialism (no sentido amplo e nao no estrito, de tomada do poder pela classe operaria ou por um partido que se diga seu representante, coisa que depende de um concurso conjuntural de circunstancias e fatores) nao basta a existencia de forgas produtivas capazes de sustentar o novo regime social — 6 preciso que o capitalismo ja seja incapaz para desenvolver novas forgas produtivas. Se em varios momentos das suas vidas, Marx e Engels previram a viten-la da revolugao socialista na Europa e, portanto, em escala mundial, 6 porque consideraram que o capitalismo chegara a esta situactio limite. Tal convicgao esta presente neles desde o Manifesto. Lenin comete o mesmo erro ern relacao com o capitalismo transformado em sistema imperialista. Os dirigentes da IC conservam integro o equlvoco e constroem sobre ele todos os seus dispositivos estrategicos e taticos. Como vimos, a pr6pria concepcao do "socialismo num se pals" se justifica como nova teoria da revolucao mundial na medida em que, junto a perspectiva da

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a consci&icia social corrente pode chegar a condenagdo radical do sistema. A consciência teOrica — que so pode emergir nas camadas intelectuais - falta este acicate. Quando a sociedade se encontra realmente na situagdo de crise geral (incluimos entre os componentes desta "situacdo" a incapacidade do mecanismo econOmico-social, conservando a sua natureza, para continuar desenvolvendo as forgas produtivas), tal estado nao se reflete apenas, mais ou menos confusamente, na consciencia social comum; a camada "produtora de teoria" a afetada em sua prOpria existencia social, assim como nos valores e nas concepcOes que ate entdo constituiam o seu universo cultural. NA° so a experiencia do conjunto da sociedade, mas a sua pr6pria experiencia mais imediata a impulsiona a busca de uma teoria revoluciondria adequada a crise existente. Foi o que ocorreu nas sociedades russa e chinesa, e mesmo na alemd nos meados do semi() XIX, para lido nos remontar a exemplos mais antigos (nao nos esquecamos que Marx e Engels, enquanto teOricos revoluciondrios, sao, antes de tudo, o produto da crise geral da sociedade alemd e da sua consciência te6rica. Haveria que investigar ate que ponto a "Otica alemd" nao interferiu nas andlises cientificas d'O Capital, induzindo a conclusees apressadas sobre a maturidade da revolugdo nos paises capitalistas avancados do sOculo XIX, assim como a "Otica russa" conduziu Lenin a conclusees semelhantes em relacdo ao capitalismo das primeiras decadas do seculo XX). Mas a "situagdo limite", nestas sociedades, nao derivava, como se sabe, das contradicOes inerentes as estruturas capitalistas; era a resultante das conseqiièncias entre estas e as estruturas prè-capitalistas. Sobre esta base criouse a premissa teorizada por Marx: a incapacidade do sistema econOmicosocial conter novas forgas produtivas. Mao nos interessa examinar aqui as causas dos efeitos deste problema — causas bem conhecidas, que determinaram que, nos casos russo e chinès, a revolugdo nao se detivesse no "marco burgues" e se transformasse em revolucdo proletaria. 0 que nos importa a destacar, atraves desta breve alusdo comparativa, que a elaboragdo da teoria da revoluck) no capitalismo desenvolvido faltou, ate agora, o poderoso "estimulo" corn que ela contou na Russia e na China. Faltou-lhe a "crise geral" que o marxismo oficial considera existente no capitalismo desde a primeira guerra mundial — e inclusive acredita-a ja na sua "terceira etapa" — e que ate hoje nao se expressa no que teria de ser o seu cornponente essential: a incapacidade do mecanismo capitalista para desenvolver as forgas produtivas. Este desenvolvimento e urn Cato e se produz ern ritmos sem precedentes. Mas a constatacdo deste handicap para a elaboragdo da teoria da revolugdo nos paises capitalistas avancados nao a uma constatacdo de impossibilidde. Pode ser o primeiro passo para um esforgo te6rico que abra novas vias para a transformacdo revolucionaria das sociedades de capi-

prOxima construcdo do socialismo na URSS, alinha a realidade da estagnacdo e da putrefagdo do capitalismo, incapaz — como diz Tr6tski, coincidindo ai, plenamente, corn o seu implacavel adversario — de abrigar ainda qualquer crescimento das forcas produtivas. No entanto, as duas guerras mundiais e a crise econOmica entre elas mostraram-se nao como express6es da chegada do capitalismo a situagdo limite (no sentido acima considerado), mas como formas monstruosas — porèm, o monstruoso nao é uma categoric econOmica, e sim moral — da sua transformacdo estrutural, da aquisicdo de urn novo poder expansivo das forgas produtivas. Elas foram a demonstracdo mais infernal de que o "progresso", enquanto "o mercado mundial e as modernas forgas produtivas", assemelhar-se-a ao "idolo pagdo, que s6 queria tomar o nectar no cränio das vitimas". Enfocado o problema desde um fingulo "moral", o capitalismo ha muito que deveria estar profundamente sepultado; mas o pr6prio sistema a capaz de desenvolver, como faz corn as forgas produtivas, tamb6m as suas justificacees "morais" (no caso, o patriotismo, o nacionalismo, o racismo, o individualismo e muitos outros "ismos"). A ideologia reformista, organicamente nutrida pela capacidade do sistema de desenvolver as for-gas produtivas, possui urn lugar de honra entre as suas justificacOes morais e politicas. A atracdo do fascismo sobre milhOes de pequeno-burgueses, camponeses e operazios, entre as duas guerras mundiais — uma das formas mais monstruosas de que se revestiu a justificagdo do capitalismo — teria sido possivel se, sob a demagogia mussoliniana ou hitleriana, nao estivesse a capacidade do capital monopolista italiano e alemdo de reestruturar o sistema na diregdo de um novo desenvolvimento das forgas produtivas? Ate agora, parece nao ter existido "situagdo limite" do capitalismo no sentido aqui considerado (como incapacidade para desenvolver as forcas produtivas) e esta em aberto o problema te6rico de se esta situagdo é previsivel atualmente, bem como dos processos que possam determine-la. Mas a imaturidade objetiva da revolugdo (ern sentido amplo) sob o capitalismo avancado atual nao significa, absolutamente, que entre as duas guerras mundiais — e ao final da segunda — nao se tenham apresentado conjunturas propicias a urn "golpe de audacia" (ern varias ocasi6es, Lenin qualificou assim o assalto de Outubro) do partido revolucionario, apto a pOr termo a 16gica monstruosa do desenvolvimento capitalista em urn ou outro pais industrial. No entanto, ha, indubitavelmente, uma profunda conexdo entre a citada imaturidade objetiva e a imaturidade te6rica e politica que ate agora foi revelada pelas vanguardas revoluciondrias formadas no capitalismo avancado para aproveitar conjunturas propicias a revolugao (ern sentido estrito). A primeira "imaturidade' representa uma barreira consideravel — que opera atraves de uma sêrie muito complexa de causas justificadoras, como as mencionadas e ainda outras — na via pela qual

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talismo avancado, partindo de urn conhecimento mais rigoroso delas. Entretanto, a primeira condicio para isto 6 a destruigdo dos velhos esquemas e "princIpios" que a pratica social indicou como erreneos, bete como dos m6todos e das estruturas institucionais que contribufram para impedir a descoberta do erro. A paralisia tedrica da IC, em "Ultima instincia", pode ser explicada pela imaturidade objetiva da revolugdo no capitalismo avancado, teas uma vez estabelecido este dado, o que nos deve interessar, principalmente, sdo as outras "instancias" que colaboraram para acentuar e agravar os seus efeitos. NOTAS ' Stalin deformou as posighes de Marx e Engels sobre este questão, atribuindo-lhes a tese de que a revolugeo socialista (no sentido de tomada do poder pela dasse operaria) triunfaria simultaneamente em todos os palses capitalistas desenvolvidos. A partir dal, estabeleceu a originalidade radical de Lenin, que sustentava a impossibilidade desta simultaneidade e, em troca, a probabilidade de que a revoludto triunfasse prime.° em um s6 pals. Posteriormente, uma serie de "marx6logos" e "leninelogos" companilharam desta opinao. Entre os segundos, o caso mais tipico 6 o de Alfred G. Meyer, em seu Lenin e o Leninism°. Atualmente, os te6ricos sovieticos se esforcam para desmontar a falsa verse° staliniana e demonstrar quo as inovaches de Lenin nit) contradizem a sua essencial fidelidade a teoria marxiana da revoluão (o livro mais recente que trate dealt tema e o do filesofo Y. A. Krasin, Lenin, revoliutsia, sovriemennost [Lenin, a revalued°, o mundo aka] Moscou, 1967, p. 20.21. Mas, ao mesmo tempo, sustentam quo Lenin postulou a possibilidade do triunfo do socialismo (no septido de sua edificacão integral) em pafses isolados — e isto contradiz totalmente a Marx, com o que as suas posighes polemical em face de Meyer e outros tornam-se debeis. A verdade histdrica — como veremos mais adiante —a que Lenin felon da possibilidade da vitdria do socialism° num set pais apenas no sentido da tomada do potter pela classe openiria, e nio da sua complete construcão; de considerave esta primeira vitAria como a abertura do curse da revoludeo mundial, conducente, a curto prazo, a tomada do poder pela classe operiria nos paises capitalistas desenvolvidos. 2 Marx, os futuras resultados da dominacdo brildniaz no india, em Obras de Marx e Engels, 2! ed. russa, 1. 9, p. 230. 3 Este. tese 6 sustentada no Programa do PCUS aprovado no XXII Congress°. Stalin enunciou-a pela primeira vez em 1946. 4 Cfr. "Niekatorie aspekti leninskoi teorii revoliutsil" ["Alums aspectos da teoria da revolualol, por N. G. Levintov, publicado em Voprosi filosofi, n? 4, 1966. A nosso conhecimento, este 6 o Unica trabalho existente na literature marxista que estuda especia/mente a elaboraceo e a aplicage° destas duas nudes por Lenin. Por revolugão social em sentido estrito (correspondente ao que Marx engloba no conceit° de "mvoludio politica"), Lenin entende o period° em que a forma essencial do movimento social 6 a luta diretamenterevolucioneria das masses populates. Por revolualo em sentido amplo, compreende o processo de rest:duce° de todes as tarefas histdricas fundamentals da revoluglo (referindo-se, por exempla a revoludto francesa em sentido amid°, Lenin considers que abarca o perfodo de 1789 a 1871, inserindo-se neste largo lapso as revoludes, em sentido estrito, de 1789, 1830, 1848 e 1871). As formulagdes habituais — "revolugão social" e "revolucto politica" — induzem a uma diferenclacto antidialCtica entre o "social" e o "politico"; por isto, preferimos utilizer as formulaches introduzidas por Lenin. 5 Trenski s6 assinala uma mulct entre os socialistas dos fins do skill° XIX, a do Edema° Georg Vollmer, que, em 1878, sustentou a possibilidade de tun "Estado socialism isolado" — pensando na Alemanha invocando precisamente a "let do desenvolvimento desigual", cuja invengeo foi atribufda a Lenin por Stalin (7tenski, La revolution Bahie, Paris, IV Internacional, pp. 246-247). 6 "A Mule, cuja shwa° estudei em fontes originals [...], encontra-se hi algum tempo as beiras de uma revoluello, par a qual amadurecerarn todos os elementos [...1. A revolucio, desta vez, comecari no lute, que, ate agora, foi a cidadela intacta e o extrcito de reserve da contra-revolugão". Carta de Marx a Sorge, de 27 de setembro de 1877. Obras de Marx e Engels, t. 34, pp. 229-230. 7 Kautsky, Os eslavas e a revalued°, 1902, cited° por Lenin n'0 esquenlismai doenca infant! do 94

comunismo, em Obnzs escolhidas en, tres lamas, ed. esp., 1966, t. III, p. 359. Em 1848, Bakunin profetizara o dia em quo, "do oceano de sangue e Pogo, surgirA em Moscou, no alto do cal, a estrela da revolucao, convertendo-se cm guia da humanidade" (cfr. Benoit Hepner, Bakounine at le panslavisme revolutionnaire, Paris, Marcel Riviere, 1950, p. 270). ° Lenin, A ditadura democnitica revoluciondria do proletariado e o campesinato, 1905; CFR. 4! ed. russa das Obras de Lenin, t. 8., p. 274. Em seguida, citaremos sempre segundo esta edigeo, mencionando apenas o tomo e a pigina. 9 Lenin, Etapas, direedes e perspectives da revalued°, t. 10, pp. 73-74. A idde de que a revolucao russa e a revoluclo proletfiria no Ocidente se 9completariam", de motto que a primeira servisse de prelogo a segunda e esta, por sua vez, permitisse aquela transformer-se em socialist. - esm ideia f formulada jA por Engels no meted° de 1882 a edicio russa do Manifesto (cfr. Obras escolhidas de Marx e Engels, cit., t. I, pp. 14-15). De Engels, Lenin tome a express:to conforme a qual os open/nos europeus, realizando a sua revolugio socialista, mostrario aos russos "como se fax" (Engels, preficio ao ensaio "Sobre a questa° social na RAssia", Obras de Marx e Engels, 2, ed. roma, t. 22, p. 446). Em 1918, polemizando diretamente com os "comunistas de esquerda" (e indiretamente corn Lenin), Stalin manifestaria ja a ideia que, ulteriormeme, tomaria corpo e influiria em toda a sue estrategia: "Entre as possibilidades, nAo se pode colt& a de que sent Deverfamos recusar precisamente a Annie o pais que pavimente o caminho do socialismo a ideia anacremica de que somente a Europa pode nos apontar o caminho" (Deutscher, Stalin, cit., pp. 493-494). '° Lenin, Paul Singer, 1911, t. 17, p. 70. " Lenin, A reunido do bird socialista internacional, 1908, t. 15, p. 215. 12 Lenin, Os ethos dos openirios norte-americanos, 1912, t. 18, p. 307. 15 Lenin, 0 despertar da Asia, 1913, t. 19, pp. 65-66. " Lenin, A democmcia e o populismo na China, 1912, t. 18, pp. 144-145. " Marx e Engels nAo questionaram o panel que a revoluceo russa podia desempenhar entre os povos submetidos ao jugo colonial. I6 Lenin, As tarefas do proletariado na nossa revoked°, em Obras Escolhidas, t. III, p. 58. " Lenin, As ligdes da crise, t. 24, p. 185. 18 Les bokheviks et la revolution d'octobre (proses-verbaux du Camila Central du parti bolehivique, goat 1917 - fevrier 1918), Maspero, Paris, 1964, p. 138. ts Lenin, 0 imperialismc; fuse superior do capitalism°, em Obras escolhidas, cit., t. I, pp. 723 e 832. 20 Cfr. Krasin, op. cit., p. 57. Segundo Krasin, Lenin define o imperialism° como "capitalism° de transicio ou agonizante", enquanto que a frase textual de Lenin f que o imperialism° deve ser "qualificado de capitalism° de transieão ou, mais propriamente, de capitalism° agonizante" (o grifo f nosso, PC). Vale diner: Lenin se corrige e se precise. A nosso ver, a radio desta correceo que o term* "transicio" nio indica mats quo um dos aspectos que Lenin desvelou an sua an.Ilse: a socializageo muito elevada da produce° que caracteriza a Case monopolists, a qual prepare otimamente as condiedes materials do socialismo. Com o termo "agonizante', Unin denote, em nossa interpretadlo, que este socialized° avancada, mais toda uma outra site de fatores politicos, econOmicos e sociais, conduziu ao extremo agravamento das contradiodes do imperialismo (nä° se esqueca quo Lenin realize a sua analise em plena guerra mundial) e A iminincia da revolugeo socialista em escala internacional, questa° que formula deramente em todos os seus escritos deste period°, 2 ' O escritor comunista italiano Vittorio Strada, em seu ensaio "Brest-Litovsk: o debate sobre a Sutra, a par e a revolualo" (Crftica Marxista, n? 4, julho-agosto de 1963), incorre, a nosso ver, no erro de considerar que a posicAo de Lenin no debate corn os "comunistas de esquerda" fundamentava-se na hipdtese de que a revolugeo russa poderia manter-se ainda que a revolucäo europfia nä° triunfasse No entente', em seu informe ao VII Congress° do panicle, depois de firmer a pan de Brest-Litovsk, Unin dedarou sem qualquer ambigilidade: "Sem revolucao alema, estamos perdidos [...] f uma verdade absolute" (t. 27, p. 76). Suu divergencies com Trdtski, por um lado, e com os "comunistas de esquerda" (Bukharin, etc.), por outro, são de natureza puramente tatica. Lenin nAo se baseia absolutamente na possibilidade de manter a revoluceo socialista insulada na Russia. Neste moment°, toda a sua argumentaceo repousa na impossibilidade de lever a cabo a guerra revoluciondria, dado o estado de decomposiello do extrcito. 'Itata-se, unicamente, de ganhar algum tempo A espera da revoludio aleme. Strada se ap6ia no historiador ingles Carr, que, por sua vez, avalia como correta a verse° de Stalin segundo a qual Unin, desde 1915, fundou a possibilidade da viten-la do socialismo num s6 pals (no sentido da edificacio complete do sistema). 22 Lenin Carta a Sverdlov, de 1? de outubro de 1918, t. 35, pp. 301-302. Nestes metes de 1918 e 95

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ao Congo de 1919, todos os artigos e intervencOes de Lenin esti° impregnados da certeza de que a revolucao internacional p8s-se irresistivelmente em marcha. 23 Lenin, A revalued° proletdria e o renegado Kdutski, t. 28, p. 93. NA° se trata do conhecido ensaio de Lenin, mas de um breve artigo que tern o mesmo titulo e resume a sua essencia. Obras de Marx e Engels, ed. cit., t. 27, p. 177. Pods-se falar de "blanquismo" em Lenin no que toca a sua conceptao organizational do partido operazio, mas so em certo grau. Em Lenin, o micleo ultracentralizado e ultradisciplinado, estritamente conspirativo, de revolucionarios profissionais esta organicamente ligado a urn corpo mais amplo de revolucionarios "nao profissionais" e a organizacOes de massa de diversos tipos. No entanto, no que se refere a funtilo do partido, Lenin nao a "blanquista". 0 partido [lac "substitui" a revolucao: organiza-a e a dingo em ato, em marcha. Entretanto, quando a realidade mostra que a revolugão "nao else al' - como evidentemente ocorreu corn "revolugao mondial" em 1919-1920 -, a acao do partido baseada no pressuposto de que ela "esta al" soma-se objetivamente "blanquista". Como se sabe desde Hegel, uma coisa E o que os homens acreditam que fazem, e outra e o que realmente fazem - e into 6 valid° mesmo para homens da grandeza de Lenin. 2' Togliatti considera que e de "importincia exceptional" ressaltar que a necessidade da Terceira Internacional foi proclamada por Lenin antes da vitoria da revolutAo russa, porque isto "golpeia a falsa nocao de que a Internacional Comunista foi apenas urn instrumento do Estado dos sovietes" (ensaio citado, Rinascita, n? 7-8, 1959, pp. 469-470). E verdade que Lenin colocou aquela necessidade logo que se iniciou a primeira guerra mundial. E a ideia de transformar a IC num instrumento do Estado sovidtico e totalmente estranha a Lenin, antes e depois de Outubro. Mas into nao contradiz o law de, depois de Lenin, a IC ter-se transformado em instrumento do Estado sovintico e que as premissas para tat se tenham criado ja em vista de Lenin, problema que abordaremos mais a frente. A iniciativa de Lenin encontrou a oposicao da maioria do pequeno grupo de internacionalistas que participaram nas conferencias de Zimmerwald (setembro de 1915) a Kienthal (abril de 1916), e tropetou inclusive corn a oposicao de uma pane dos bolcheviques, que mantiveram sua divergencia mesmo depois da revolucao de fevereiro. A vithria de Outubro, conferindo a Lenin urn prestigio mundial, permitiu que a ideia progredisse em rincleos revolucionarios de diversos paises. Mas ate que teve inicio a revolucao alema, ela efetivamente nao avancou em termos praticos. Sobre as objecees dos espartaquistas, dr. o prOximo capitulo. 26 Lenin, Discurso de encerramentq t. 28, p. 453; Sabre a fundapio da Internacional Comunista, t. 28, p. 461. Noutro discurso pronunciado em fins dens marco de 1919, Lenin declara: "A uniao dos comunistas crests em todo o mundo. Dentro de pouco tempo assistiremos a vitOria do comunismo ern todo o mundo, veremos a fundacäo da Reptiblica Federativa Mundial dos Sovietes" (t. 19, p. 217). 2' Referindo-se as circunstancias em que se reuniu o II Congresso, TIOtski observava em 1921: "0 ex6rcito vermelho marchava, como se sabe, sobre VarsOvia e podia esperar-se que, dada a situacao militar na Alemanha, na Italia e em outros panes, o exito militar - que, a claro, nao teria uma grande significacito em si mesmo - seria, na luta europeia, a forca complementar que desencadearia a avalanche revolucionaria, erase chegara a um ponto morto. Ism nao ocorreu. Tivemos que baler em retirada" (citado por Arthur Rosenberg, Histoire du Bolchivisme, p. 228). Mas a horn do II Congresso ainda era a do otimismo. "A hors decisiva se aproxima - declarava uma das suas resolugOes. - Muito depressa a classe operaria tern que travar urn combats encarnitado, corn as armas nas mans, em todos os paises onde ha um movimento opendio consciente" (Congressos, I-IV, p. 49). 29 Nos trabalhos relativos a este periodo, de autores vinculados a partidos comunistas, passa-se rapidamente, ou entao se silencia, sobre os juizos e analises de Lenin acerca da marcha concreta da revolucao mundial que foram infirmados pela histdria. Togliatti nao escapa a este enfoque em seu ensaio de 1959. Cirando, por exemplo, a advertencia de Lenin, no II Congresso, de que "nao ha situacao sem saida para a burguesia", ele °mite o faro de as colocacOes de Lenin, entre 1917 e 1920, terem contribuido significamente pan desenvolver a ideia condiria entre os recemformados partidos comunistas. De acordo corn Togliatti, Lenin nao expressou a ideia de que "a guerra seria seguida de urn acerto de contas entre governantes e governados" (Rinascita, cit., p. 470). Entao, come entender as declaracees que citamos, e Lamas outras, analogas? A este respoise, os autores sovidicos hates todos os recordes. No livro de Krasin, que jä referimos, urn volume de 560 paginas consagrado a teoria da revolucao de Lenin, a busca da menor nota critica instil - ludo o que Lenin disse ou escreveu foi perfeito, coerente, comprovado na pratica. E superfluo dizer que este tratamento apologetic° da obra de Lenin nao acrescenta nada a seus mentos histOricos e obstaculiza a assimilacao marxisca das suas licOes. A elaboracao de lima 96

teoria da revolucao socialists que responda aos problemas do mundo atual, necessariamente, deve estabelecer a critica de Lenin, assim como de Marx. 29 Em sal informs ao V Congresso da IC, Zinoviev o reconheceria a posteriori. "Em 1921-1922, comecamos a compreender, primeiro, que nao tinhamos a maioria na classe operaria e, segundo, quo a social-democracia ainda era forte..:' (VC congres de EInternationale Communiste, Feltrinelli reprint, 1967. p. 36). 3 ° Este pressuposto tem antecedentes no otimismo de Lenin, ja antes da guerra, sobre a predisposiea° revolucionaria do proletariado dos paises capitalistas desenvolvidos, como vimos nas paginas anteriores. Durante a guerra, ele considers que, "em todos os paises do mundo, as organizaodes socialistas e operarias se dividiram em dois grandes campos. Urns minoria, ou seja, os chefes, os funcionarios e os burocratas, trairam o socialismo e se passaram pars o lado dos governos. A outra pane, a que pertencem as masses operirias consciences, continua agrupando as suas forgas e lutando contra a guerra, pela revolutAo prole aria" (t. 22, p. 122). Nao a preciso dizer que, corn o inicio da revolugao alema, e, pouco depois, da hangara, a confianca de Lenin no proletariado do Ocidente aumenta. A 22 de outubro de 1918, afirma: "0 bolchevismo se converteu na teoria e na tatica mundiais do proletariado internacional" (t. 28, p. 96). E em marco de 1919: 154s masses operdrias deram as costar a esses traidores do socialismo" (os lideres reformistas] (t. 29, p. 217). E em julho de 1920: "Passou pouco mais de urn ano desde o I Congresso da Internacional Comunista e ja aparecemos como vencedores da Segunda Internacional" (t. 31, p. 208). Todos os grifos sae nossos. Lenin, Informe sobre as teses acerca da democratia butguesa e da ditadum do proletariado, no I Congresso da IC, t. 28, pp. 447-448. 32 Lenin, Carta aos operdrias da Europa e da America, t. 28, p. 413. Lenin, Reunido do ativo do partido de Moscou, em novembro de 1918, t. 28, p. 195. 34 Marx e Engels, diante do capitalismo do seculo XIX, incorreram ern analogo erro de apreciacao. A ideia de que este chegara a uma situacao limite esta ja no Manifesto. E retorna depois em varies oportunidades. Por exempt.), numa carta a Engels, de 8 de outubro de 1858, Marx — apes referir-sea expanslio mundial do capitalismo neste periodo (colonizacao da California e da Aussociedade burguesa, tralia, abertura do Japao e da China ao mercado mundial) — conclui: pela segunda vez, viveu o sett seculo XVI. Mas todos esperamos que este snook. XVI assinalad o funeral desta sociedade, como o outro assinalou o seu nascimento (...I No continents, a revolugao a iminente e tomara imediatamente urn carater socialista" (Marx e Engels, Textos sobre o colonialism°, ed. de Menem'. p. 343). 35 Helene Cantre d'Encausse e Stuart Schram, Le Marxisme et IfAsie: 1853-1964, Armand Colin, Paris, 1965, p. 36. 36 Na analise leniniana do imperialism°, o rigor dentition a excessivamente afetado pela preocupacan politica da luta contra o reformism° e, possivelmente, tambtm pela maneira como os [didcos "ortodoxos" conduziram o combats contra Bernstein. Este montou a sua revisao de Marx sobre a base da atribuicao sole de uma "teoria do colapso" do capitalismo, determinada por suas contradigOes puramente econOmicas. Na replica a Bernstein, alguns marxistas incorrerath no erro de aceitar demo efetivamente existence em Marx essa "teoria do colapso", o que facilitou a continuidade da ofensiva revisionists no piano da teoria ecort8mica, cuja expressao mais importante, seguramente, 6 a critica efetuada por Tugan-Baranowski. Tratando de responder a este e de preservar a ortodoxia marxista, Kitutski adotou uma posicao defensiva, corn a sua teoria da "depressao crOnica" como perspectiva inevitavel do desenvolvimento capitalists. Por seu tun no, Rosa Luxe mburg°, investigando "a acumulacao de capital", chegou, de fato, a uma nova "Icons do colapso" — o capitalismo, pretensamente, nao pode realizar a reprodutão ampliada sobre sua prdpria base, mas apenas integrando novas estruturas pd-capitalistas. 0 esgotamento dens possibilidade levaria a uma situacao sem saida. Depois da guerra, Hilferding atribuiu a Lenin a sustentacao da teoria do colapso econOmico, que nao existe nas colocagOes te6ricas de Lenin. Para este, nenhuma crise econOmica, nenhuma contradicao a nivel das estruturas econOmicas 6 capaz, por si so, de determiner a derrocada do capitalismo — esta sempre requer a intervencno revolucionaria do proletariado. 0 erro de Lenin, tanto no piano te6rico geral (analise das estruturas e da dinamica do imperialismo) come no da apreciacao da conjuntura europda e mundial de 1914-1920, situa-se, a nosso juizo, em dois niveis: a) embora nao compartilhando da mods do "colapso econOmico", subestima os fatores que se opOem aos &mentos de trine; b) superestima a disposicao revolucionaria de urn proletariado formado em decadas de expansão "pacifiea"do capitalismo e de florescimento, sobre esta base, da ideologia reformista. Tornado por uma santa indignatao contra a evolugäo reformists de urn Kautsky ou de um Hilferding, Lenin nao ponderou suficientemente os elementos racionais da teoria do "ultra-imperialismo" do primed° 97



e, sobretudo, do "capitalism° organizado" do segundo. 37 Citado por Branko Lazitch em Lenine et la III e Internationale, La Baconniere, 1951, p. 176. 33 Congressos 1-111, pp. 94-95. " Ibid., p. 94. Grifos nossos. 42 Ibid., p. 91. Grifos nossos. 41 Ibid., p. 86. 42 Ibid., p. 89. 43 Lenin, Mais vale pouco e born, em Obras escolhida% ed. cit., t. III, pp. 811-813 (grifos nossos). " Alfred G. Meyer, Lenine et le lettinisme, Payot, Paris, 1966; cfr. cap. XII, "A dialetica do atraso". 43 Lenin, t. 33, p. 180. 46 Lenin, Cinco anos de revalued° russa e as perspectives da revalued° mundial (inform ao IV Congresso da IC), Obras escolhickes, t. III, pp. 750-751. 47 Ibid., p. 751. 43 ibid., pp. 742-743. 8 significativo do estado de espirito de Lenin no Ultimo perfodo da sue vide que este informe, sobre o tema "cinco anos de revolucao russa e as perspectives da revolugeo mondial", nada diga sobre as tais "perspectives". Todo o acento se pee na necessidade de estudar e reestudar os problemas aa revolugao. Por outra pane, depois do II Congresso da IC, Lenin nao perde ocasiao de criticar o verbalism° revoluciondria No III Congresso da IC, escreve em fevereiro de 1922, "mantive-me ne extrema direita. Estou conveacido de que era a Unica posicao juste, porque urn grupo numeroso (e influente) de delegados, tondo a frente vdrios camaradas alemets, Mingaros e italianos, adotava uma posicão acentuadamente 'de esquerda', e este esquerdismo cometia urn erro — freqiientemente, em lugar de considerar corretamente a existencia de uma situaaio nao muito favoravel a age° revolucionbria imediata e direta, esses camaredas agitayarn freneticamente as bandeirinhas vermelhas" (t. 33, pp. 181-182). Congressos I-IV, p. 166. " Stalin, Obras, ed. esp., 1954, t. 8, pp. 65-66. " Stalin, ibid., 1. 6, p. 390. " Stalin, ibid., t. 6, p. 416. " Trata-se de umas linhas do artigo Sobre a cooperacii4 escrito nos comecos de 1923, onde, depots de enumerar quo os meios de producão este° em moos do Estado, o Estado em maw do proletariado e o proletariado aliado a milhOes de camponeses, Lenin afirma quo corn isto se tem "tudo o que E imprescindIvel e suficiente para edificar a sociedade socialista complete" (Stalin, t. 8, pp. 74-75). Do context° do artigo de Lenin se mitre que por "sociedade socialista complete" entende-se a incluse° dos camponeses, agaves da cooperage% na drbita das relacOes coletivas de producao. Evidentemente, este (rase isolada de Lenin pode fundar a interpretacao de Stalin... se se prescinde de todo marxismo, d'O capital e do que Lenin escrevera urn ano antes: "Nos sempre compartilhamos e repetimos esta verdade elementar do mancismo: a viu5ria do social'smo requer os esforgos conjugados dos opethrios de vdrios panes avancados" (t. 33, p. 180). Unin, em urn ano, teria se esquecido desta "verdade elementar"? Na sua sugestiva HistOria do bokhevismo, Arthur Rosenberg considera que nas teses de 12nin sobre a incorporagao dos camponeses ao socialismo, atraves das cooperatives de producao, ha urn retorno as concepcOes populistas (crf. pp. 249, 250-253, 280). Nä° vamos desenvolver aqui as series objegdes que se podem fazer a esta opiniao. Limitemo-nos a assinalar que, pan Lenin, o proletariado 6 a force social hegemOnica, ao passo quo, para os populistas, era-o o campesinato. 0 socialism° agrario dos populistas partia da existencia, ainda, em grande escala, da entice comunidade accede russa, enquanto que Lenin, colocando o problema das vies pan reestruturar o campo sobre bases socialistas, ja encontra liquidada aquela comunidade — primeiro, no curso do desenvolvimento capitalists ate 1917 e, depois, o quo dela restou, em conseqiiencia da divisao da terra em usufruto individual, em seguida a outubro. Com isto nao pretendemos negar a possibilidade de certas filiagOes ideoldgicas entre o populismo e o bolchevismo, e nä° se no tocante ao problema agrario. 54 Stalin, Obras, t. 8, p. 67. 33 Th5tsld, La Revolution Permanente, Gallimard, Paris, 1953, pp. 16-17. n VI Congresso, p. 65. Por "viteria do socialismo" entende-se aqui a construcao plena do socialismo no memo nacional. Como diz TrOtski em sua critics ao projeto de programa aprovado no VI Congresso: "Se estas palavras — t vitOria do socialismo' — designassem apenas a ditadura do proletariado, seriam urn lugar comum indiscutivel, que deveria ser melhor formulado para eviler uma dupla interpretageo do programa. Mas nao E este o pensamento dos seus autores. Por t viteria do socialismo' nao entendem simplesmente a conquista do poder e nacionalizacao dos meios de producao, mas a construcao da sociedade socialista num s6 pals. No sett pease98

memo, to socialismo] nap E uma economia socialista mondial, assentada sobre a divisao internacional do trabalho, mas uma federnao de•comunas socialistas, cada qua] corn sua prOpria exittencia, no espfrito bem-aventurado do anarquismo — a (mica diferenca E que os limites da comuna silo ampliados aos do Estado nacional"(L'International e Communiste apris Maine, PUF, 1969, t. I, pp. 146-147. 0 problema do socialism° num sd pats E amplamente tratado neste livro de Tenski, nos capitulos V.X do primeiro tomo e no ensaio especial sobre o tema, incluido no tomo II). Urn ano e meio antes do VI Congresso, o Comb& Executivo da IC adotara plenamente a posigio de Stalin. Na resolucao aprovada pelo VII Pleno Amptiado do Comite Executivo, celebrado em novembro-dezembro de 1926, pode-se len "0 partido comunista (bolchevique) da URSS tem perfeita raze° ao praticar uma politica de edificagao do socialismo, corn a plena certeza de que a Una() des Reptiblicas Socialistas Soviéticas possui no interior do pals ludo o necesscirio esIdiciente pan construir uma sociedade socialists integral" (A Internacional Comunista, cotelance de documentos [em nasal, Moscou, p. 680). "ibid. pp. 64-65, 60. " Ibid. pp. 85-86, 62. " Ibid., p. 99. -11-6tski, La Revolution permanente, pp. 40-43. a Ibid., pp. 232-233. Gramsci, Oeuvres Choisies, Librairie Rousseau, Geneve, 1959, p. 290. rAgonie du Capitalisme et les Maas de la IV e Internationale (Programme de transition), Societe Internationale d'Editions, Paris, 1968, pp. 5-8. Sublinhados nossos. TrOtski incorre no que Lenin chamava de "o principal erro dos revolucionarios": "other para ads, para as revolugOes anteriores" (t. 24, p. 115). 62 Iletski, La Revolution 7h2hie, IV e Internationale Paris, p. 192. " Ibid., p. 189. Ibid., pp. 189-190. "Mesmo supondo que os 'pedacos de paper mantenham a sua vigencia na primeira base des operecees militares, nao 6 possivel duvidar que a agrupagilo das forges na base decisive seri determinada por fatores muito mais poderosos que os solenes compromissos dos diplomatas" (p. 190). " "A situagao at altenraria completamente se os governs burgueses obtivessem garantias materials de que o govern de Moscou se coloca a sett lado nao apenas na guerra, mas tambem na luta de classes. Aproveitando as dificuldades da URSS, prensada entre dois fogos, os 'amigos' capitalistas da 'paz' tomato, 6 Obvio, todas as medidas para liquidar o monopOlio do comercio exterior e as leis sovieticas que regulam a propriedade [...] Sea luta mundial nao liver outro desenlace que a guerra [vale dizer, se a revolucao no Ocidente nao se der — FCj, os aliados terao grandes possibilidades de alcancar o seu objetivo" (ibid., p. 190). " Ibid., p. 190. Pan Botched% a construcao do socialismo num se pais — ou, mais entamente, na Rinsia — possivel sob a condicao de subordinb-la ao ritmo lento do campones: "Temos os bancos e o connote do credit°. Servindo-nos das cooperatives, conseguiremos, em alguns decinios, transformer a ideologia dos camponeses. Mas hi que faze-lo corn precaucao e muita paciencia" (Bukharin, Sobre a teoria da "revalued° permanence': Incluldo na coletanea preparada por Giuliano Procacci, edicio trance= de maspero: Staline contra 7h2tslci, 1965, p. 112). E a construcao do socialism° "a passo de tertaruga", segundo a expressao do prdprio Bukharin. A partir da sua teorizactio desta via russa, Bukharin — como indica Procacci — deduz que o curso da revolucao mundial devera subordinar-se tamb6m, em Ultima instancia, as exigencies impostas polo fato de a maioria imensa da populacio do globo ser camponesa. 0 problema colonial — afirma Bukharin — 6, definitivamente, um problema campones. Em escala mondial, como na russa, o proletariado nä° tem outra cmcao: "Tem que construir o socialism° servindo-se do campesinato. Somente corn esta condicao conserver* o poder. Negar isto 6 ignorer as relaceoes economicas mundials e as leis que as regem" (ibid., p. 100). Mas esta problemcitica — de enorme interesse — esbocada por Bukharin insere-se na hip6tese de que o proletariado das metrepoles capitalistas tenhe tornado o poder. Bukharin, como Stalin, elude o problema das "relacOes mundiais e as leis que as regem" enquanto a area industrial do globo continua em moos do capitalismo. " Lucio Magri, "Valor e limite das experiencias de frente popular", Us Temps Moderns janeiro de 1966, p. 1.216. Concordando corn Magri em que "0 socialismo num sd pais" refletia objetivamente a autonomia relative reciproca entre revolugao rune e revolucao mundial, nao podemos segui-lo quando 'dime que "fundava objetiva e subjetivamente uma nova estrategia" [baseada nesta autonomia]. A nosso ver, Stalin Omni uma < g rate& que nega radicalmente esta autonomia. 99

71 Entre estes poucos destaca-se, sem dtivida, o historiadctr comunista alemão Arthur Rosenberg, do qual a Histdria do bolchevismo, como muito bem o observou Georges Haupt — no sugestivo prefacio que escreveu para a recente edicao francesa da obra constitui "uma profunda e critica reflexao, cuja lucidez, amplitude e alcance permitem situa-la entre os textos importantes de meditagao politica, indispensaveis para a inteligéncia do passado e mesmo do presente do comunismo". No curs° desta investigeo sobre a IC pudemos comprovar, mais de uma vez, o valor "estimulante" desta obra de Rosenberg, ainda que discordando do seu enfoque geral ultra-esquerdista e de muitas das suas conclusoes concretas. 73 Rosenberg, que proportion varies dadus e argumentos demonstrativos desta utilize° da IC em funcito da politica exterior sovietica, considera, no entanto, que a IC o antes de mais um estorvo para a URSS, canto no terreno diplomatic° como na perspectiva de "conquistar a amizade dos operarios do mundo inteiro" ("A diplomacia russa trabalharia muito melhor e com mais exito se nao estivesse comprometida pela existencia da Terceira Internacional"; "0 acesso da Rtissia Sovietica a maioria da classe operäria europfia e americana esta impedido, e nao aberto, pela atividade da Terceira Internacional" — p. 255). E Rosenberg se pergunta por que "o governo sovietico nao se descolou ha muito da Terceira Internacional". Na sua opine, a IC continua sendo interessante para o governo sovietico a fire de manter vivo "0 mito socialista-proletario, sem o qual o bolchevismo nao pode viver na Russia, e cuja importancia para a politica interns russa cresceu mais depois de 1928. See verdade que o proletariado continua exercendo a ditadura na Riissia, isto deve ser reconhecido pela classe operaria internacional, ou, pelo menos, pelos seus elementos revolucionarios. Se todas as organizees operarias do estrangeiro assegurassem que a Russia sovietica 6 um Estado burgues, o governo sovietico provavelmente nä° seria destruido, mas as suas relagOes com a classe operAria russa at tornariam muito mais dificeis" (p. 256). Como se ve, este argumento contradiz o anterior, segundo o qual a IC era urn estorvo para a Rtissia "conquistar a amizade dos operacios do mundo inteiro". Mas, independentemente desta contradicao no raciocinio de Rosenberg, o problema a muito mais complexo do que deixa transparecer a sua colocae. Em primeiro lugar, a existencia da IC a uma realidade que nao depende apenas dos dirigentes sovieticos, apesar da decisiva participacao que tiveram na sua criacao e, depois, na sua direcao. Responde a uma necessidade objetiva derivada da degenereo reformista da social-democracia, embora nao atendesse a esta necessidade da maneira mais adequada. Se a revo/ucao mundial tomasse um rumo distinto do que inspirou a criacao da IC, nem por into estaria eliminada a necessidade de uma organize° revolucionaria internacional (problems que, hoje, continua de pa). Vale dizer: Stalin e os demais dirigentes sovieticos tinham que contar coin a IC como uma realidade objetiva, que podia ser manipulada, subordinada, esvaziada da sua primitiva finalidade, mas nao suprimida radicalmente (sua dissolue, em 1943 e, como veremos, definitivamente 6 s6 uma das modalidades da adaptacao desta realidade aos interesses do Estado sovietico). Nas diversas formal que esta adaptacao vai tomando entram (anthem, sem davida, as consideraches internas da sociedade sovietica; mas isto nao exclui as outras, de ordem internacional — e, ademais, ambos os aspectos estao estreitamente vinculados. E verdade (e, no fundo, esta 6 a razao que leva Rosenberg a considerar clue o Estado sovietico nao esta interessado na IC por motivos de politica external que a IC, sendo um instrumento susceptive) de manipulacao segundo as conveniencias da politica externa sovietica — como arma de "prose" sobre a burguesia, confol me a expressao de DOtski e lambent, completamos nos, urn instrumento autenticamente revolucionario (se nao contradiz os interesses sovieticos), ao mesmo tempo represents urn estorvo nas relaes entre a URSS e os Estados capitalistas. Mas a importfincia deste aspecto vans segundo as circunsecias, como, alias, se chi corn os outros aspectos assinalados. Na realidade, a equaeao Estado (partido) sovietico/IC deve ser analisada em funcao de numerosas variaveis. 0 que a seguir examinamos sao, exatamente, as variaveis do "estorvo". Bukharin, La situation internationale et !es !aches de PIC (rapport au XV e Congress du p.0 de l'URSS). Bureau d'Editions, Paris, 1928, P. 43. Kulak: campones rico (N. do T). 'a Ate 1926, o presidente fora Zinoviev; depois, veio Bukharin, eliminado da IC logo ap6s o VI Congresso. Nos congressos anteriores ao VII, os principais informes sempre foram feitos por sovieticos. Dimitrov, "Informe ao VII Congresso da IC", Oeuvres Choisies, Editions Sociales, Paris, 1952, p. 164. R. Luxemburgo, La Revolution russe, Maspero, Paris, 1964, pp. 69-70. No contexto, "condies dificeis" e "condees fatais" denotam as condicdes gerais da Rtissia — atraso, predominio campones, etc. — e as cireunstancias derivadas da intervene armada imperialista, do fracasso da revolue no Ocidente, etc. 0 conceito de "tatica" a utilizado em seu sentido mais amplo, envol-

vendo as questOes estrategicas da roy ale°. 0 perigo de isolar a experiencia bolchevique de seu meio politico-social, Rosa Luxemburgo o viu desde 1904, em relacao com a concepe do partido defendida por Lenin. Referindo-se a conee que Lenin estabelecia entre oportunismo e tendencias descentralizadoras, ela escrevia em seu ensaio Centralism° e demoeracia: "Nada 6 mais contrario ao espirito do marxismo, ao seu neodo de pensamento histOrico-dialetico, que separar os feniimenos do solo histhrico em que surgiram e de fazer, a partir deles, esquemas abstratos de um alcance absoluto e geral" (Marxisme contre dietadum, Spartakus, Paris, 1946, p. 27). .19 Outras consideraes poderiam ser aduzidas. A enorme repercuse internacional da revolue de Outubro contribuiu para ocultar seu carater essencialmente russo no que tange ao tipo de contradicOes objetivas, as caracteristicas dos agentes socials, a suas vias estrategicas e procedimentos tares, etc Do porno de vista das forcas teericas iniciais da IC, ha que levar em coma nao so que quase todos os quadros da Segunda Internacional passaram para as fileiras reformistas, mas ainda que, no periodo precedente, se produzira urn divOrcio entre a teoria da revolue propriamente dita (que permanece congelada no estado muito incipiente em que a deixaram Marx e Engels) e o desenvolvimento da ciencia social (economia, sociologia, histOria, filosofia) que, embora muito influenciada pelo marxismo, toma tuna direcao essencialmente positivista. to Lenin, Obms escolhirlas, es. esp., pp. 357 e 417. Edicao francesa de 1964 (Ed. du Miuit, Paris). Em 1923 aparece também Histaria e caner:reticle de classe, de Luktics, que, mesmo sendo uma defesa da ortodoxia bolchevique nas queses do particle, e do Estado, representa, no piano filosOfico, assim como a obra de Korsch, um repensamemo dos problemas da dialetica marxista, retomando a investigeo das origens, da relacao Marx-Hegel. Por isto, juntamente com o livro de Korsch, o de Lutes foi condenado por Zinoviev, no V Congresso da IC. at Bolshevik, Moscou, 5 de setembro de 1924. Esta revista comegou a ser publicada depois da morte de Lenin, no contexto da luta contra a oposie trotskista. 83 A identificagact feita por Zinoviev entre as relaes Marx-marxistas e Darwin-darwinistas nao considers uma diferee essencial, assinalada pelo filOsofo marxista espanhol Manuel Sacristan, no seu prefacio a edicao Grijalbo do Anti-Duhring: "Regra geral, um classic° 6, pan os homens clue cultivam a mesma ciencia, apenas uma fonte de inspiracao que define, corn ma jor ou menor claridade, as motivees basicas do seu pensamento. Mas os classicos do movimento operario definiram, mais que umas motivecs intelectuais basicas, os fundamentos da pratica daquele movimento, seus objetivos gerais. Os classicos do marxismo o sac de uma concepe do mundo, nao de uma teoria cientifico-positiva especial. Isto ten como conseqiiencia uma relacao de ademilitante entre o movimento operario e seus classicos. Dada esta relacao necessaria, 6 bastante natural que a preguicosa tendencia a nao ser critico, a re preocupar-se mais que com a prOpria seguranga moral, pratica, freqiientemente se imponha na leitura destes classicos, consagrando injustamente qualquer estado histOrico da sua teoria corn a mesma intangibilidade que possuem, para um movimento politico-social, os objetivos programaticos que o definem" (pp. XXIII-XXIV; os grifos sac, nossos — FL). Depois da morte de Lenin, a IC nibs so nao combateu a "preguicosa tencencia", mas a estimulou, justificando-a corn todo o genero de razoes pritticas e political, quando nao "tearicas". 84 0 texto de Zinoviev do qual extraimos as citaches precedentes e o livro 0 Leninism°, inserido na coletanea preparada por Giuliano Procacci sob o titulo Staline contre Treitsky, Maspero, Paris, 1965. As passagens foram retiradas- das pftginas 113 e 114; os sublinhados sao nossos. Informe citado na nota 74, p. 86. as pp. 12, 13, 15, 16 e 28 (sublinhados nossos). 87 Ibid., pp. 73-75. es Em marco de 1926 aparece o estudo de Mao sobre as classes na sociedade chinesa, e, em marco de 1927, seu informe sobre a pesquisa levada a eabo (por ale mesmo) na provincia de Hunan, acerca do movimento eampones. InvestigacOes politico-sociais deste tipo — compariveis as de Lenin sobre a sociedade russa nos finais do seculo XIX e inicios do XX — nao existem, salvo desconhecirnento nosso, nos partidos comunistas oc identais durante o periodo da IC.

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3. 0 MONOLITISMO [..] 0funcionamento de um partido politico fornece urn criario diferenciador: quando o partido eprogressista, funciona "democraticamente" (no sentido do centralismo democrdtico); quando é regressive funciona "burocraticamente" (no sentido do centmlismo burocratico). Neste segundo case o partido g simples executor, nao deliberante — tecnicamente se convene num chgclo de polltica e sua designactio de "partido politico" e pura meta:fora de matter mitolOgico. Gramsci.

Transplantacio do modelo sovietico 0 triunfo do reformismo em quase todos os partidos da Segunda Internacional, no periodo da primeira guerra mundial, colocava, sem chivida, a necessidade de criar urn partido marxista de novo tipo. Mas Tao havia urn modo tinico de abordar esta tarefa, e os marxistas contemporáneos de Lenin tiveram consciencia das diversas ()Wes. Muitos elementos de esquerda dos partidos socialistas consideravam que nao era obrigatOrio — e, inclusive, seria urn grave prejuizo — situar, desde o princjpio, como condiflo necessaria a cisao do movimento operdrio, especialmente a nivel sindical. Existia a possibilidade de iniciar, dentro do movimento operdrio organizado, a luta politica e ideolOgica contra o reformismo, apoiando-se nas experiencias da guerra e da Revolucao de Outubro, bem como das lutas revolucionarias do p6s-guerra. Outros marxistas revolucionarios, partilhando da posiCao de Lenin em caminhar diretamente pars a criaedo de novos partidos, opinavam que a Internacional Comunista nao deveria ser organizada ate que tais partidos se cristalizassem realmente no piano nacional. Esta foi a postura de Eberlein, representante do espartaquisino alemao, quando se discutiu o problema na reuniao que acabou se transformando no I Congresso da IC: "A fundagao da IC — declarou — e absolutamente necessäria, mas a prematura. A Internacional Comunista deve ser criada quando, no curso do movimento revolucionirio que se avoluma em quase todos os palses europeus, surjam partidos comunistas Eberlein expressava a opiniao de Rosa Luxemburgo, preocupada nao so gragas a seu realismo politico, mas ainda corn o terror de que a IC se ajustasse rigidamente ao modelo bolchevique de partido. Mas a imensa autoridade conquistada por Lenin corn a vitOria de Outubro venceu as objegOes de uns e outros. A IC e suas segOes nacionais, definitivamente, se ajustaram em Ludo a ideia que os dirigentes bolcheviques tinham, tanto da marcha 103

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da revolugão mundial quanto do tipo de partido necessario. Quanto ao primeiro ponto, no capitulo anterior ja analisamos os tracos gerais da concepgao de Lenin, da qual derivava logicamente a urgencia da criacão da IC, do "partido mundial" da revolucao. No entanto, para cornpreender como esta concepflo determina as estruturas e o funcionamento da IC, nao basta levar em conta os seus tracos gerais — ha que descer a niveis mais concretos. Para os bolcheviques, como para muitos revolucionarios de outros paises, a revolucOo russa mostrava, detalhadamente, precisamente, o que a teoria marxista so previra em grandes pinceladas: o mecanismo interno do processo revoluciorthrio, as formas de luta, sua articulacão, etc. Na revolucao russa, combinaram-se quase todas as formas de luta imagindveis: da propaganda e da agitagdo politicas a insurreicao armada e a guerra civil, passando pelas greves politicas, manifestees e guerras do novo Estado revoluciondrio contra os Estados burgueses, etc. A acao parlamentar e sindical tambem teve o seu papel nesta experiencia multifacetica, mas em pequena escala. As formas de luta decisivas na revolugão russa foram extra-parlamentares e modesta foi a acdo dos sindicatos. Uma das caracteristicas mais importantes da combinaccio de todas essas formas de luta durante doze anos (1905-1917) foi a passagem rapida, brusca, de umas formas a outras, bem como o entrelacamento de uma tie delas, o que, objetivamente, colocava a necessidade que o partido revoluciondrio fosse capaz de modificar agilmente a sua tatica, de passar rapidamente de uma a outras formas de acao. No cendrio russo, inclusive, se ensaiara a combinacao da acOo do exercito do Estado revoluciondrio com a das forgas revolucionarias internas (grupos politicos, guerrilhas) dos Estados contra-revoluciondrios. NA° se pode esquecer que, a favor da invasdo alemä (antes de firmar-se a paz de Brest-Litovsk) e depois a favor da intervengão da Entente, surgiram no grande espago do ex-imperio uma serie de Estados nacionais dirigidos por partidos burgueses ou pelos mencheviques, social-revolucionarios, etc. (na Ucednia, no Caucaso, nos paises balticos, etc.). Subjacente a ordem dada por Lenin, em outubro de 1918, para formar um exercito de tries milhOes de combatentes para socorrer a revolugOo internacional, ou a ofensiva do Exercito Vermelho sobre Vars6via, no verso de 1920, estava a experiencia da citada combinacão de formas de luta, gragas a qual a revolucdo proletaria triunfa nos Estados mencionados (e nao se pode esquecer que, antes de ser uma "Unido", na qual desaparece de fato a independéncia nacional, a revolucdo russa se constitui estatalmente como uma "federacdo" de Estados sovieticos nacionais, em que Lenin e a IC veem o protOtipo da repablica federativa mundial dos sovietes). 0 partido bolchevique se formara nas condiceies de urn imenso Estado multinacional. Era o partido internacional tinico dos revolucio104

narios russos, ucranianos, georgianos, poloneses, finlandeses, etc. De fato, uma pequena "International". No seu interior, a nacionalidade nao contava formalmente, mas, na pratica, as contradicOes entre o "nacional" e o "internacional" se manifestaram mais de uma vez e a hegemonia russa estava latente. As condicees em que este tipo de partido teve que manter a sua coesào e a sua eficdcia combativa (clandestinidade, repressao, situacão extremamente minoritaria do proletariado num meio campones e pequeno-burgues, tendencias centrifugal geradas pela opressäo nacional, etc.) explicam em larga medida os tragos semimilitares das suas estruturas e funcionamento. Os anos de guerra civil contribuiram para extremar esses trap:is, fomentando habitos e metodos que marcardo profundamente o funcionamento ulterior do partido (a posterior implantagOo do mecanismo stalianiano a ininteligivel se nao se levam em conta estas premissas). A generalizacão empirica do modelo russo desaguava na concepgao da revolugao mundial como uma grandiosa guerra revoluciondria, que incluiria toda a combinagao de formas de luta antes referidas, como uma agOo conjunta dos diversos destacamentos nacionais do exercito internacional do proletariado — que reclamava urn Estado-Maior central, analogo ao que a revolugäo russa tivera nos bolcheviques. A linguagem militar que encontramos nos documentos da IC é apenas a expressào lingiiistica desta concepgdo da revolugâo mundial, das formas de organiza-la e dirigi-la, das suas exigencias estrategicas e taticas. Tanto quanto o partido bolchevique organizara a accio conjunta dos proletarios das diversas nacionalidades do imperio russo para instaurar a reptiblica federativa russa dos sovietes, a IC nasce, como declara o primeiro artigo dos seus estatutos, para "organizar a acclo conjunta do proletariado dos diversos paises" no rumo da instauragáo da reptiblica federativa mundial dos sovietes. E isto Mao como algo Ionginquo, mas como a tarefa pratica do momento, como vimos no capitulo anterior. Assim como o partido bolchevique era o partido Onico dos revolucionarios de todas as nacionalidades do imperio russo, a IC é organizada como o "partido Onico mundial" dos revolucionarios de todos os paises. Seu organismo permanente de diregao, o Comite Executivo, é dotado de poderes extraordindrios. Suas diretivas tern "forga de lei" imediata para todas as secees nacionais. Ele pode expulsar militantes ou grupos de militantes de qualquer pals, bem como secties inteiras, modificar os organismos de direcOo das segOes nacionais (inclusive contra a vontade majoritdria de seus filiados), etc. Nestas condicOes, as diregOes nacionais, na pratica, Mao passam de delegacOes do poder do Comite Executivo da IC. De alto a baixo, instaura-se uma disciplina de ferro e a mais rigorosa centralizacao, porque, "na epoca atual, de guerra civil encarnicada, o partido comunista s6 pode cumprir o seu papel 105

se esta organizado da maneira a mais centralizada, se possui uma disciplina ferrea, prO)cima a militar, e se seu organismo central esta dotado de amplos poderes e exerce uma autoridade indiscutivel". 2 Os "amplos poderes" sempre sao entendidos de cima para baixo. Cada comite a onipotente em face dos collates inferiores e impotente em face dos superiores. Nos caracteristicas adquiridas pela IC, desde os seus momentos iniciais, exerce notAvel influencia o modo como ela foi criada. Partindo da ideia de que a !mina° mundial esta em marcha irresistivel, que as grandes massas estfto em movimento e que Ludo depende da existencia de uma vanguarda intransigente em face do reformismo e do centrismo, tomam-se desde o princfpio medidas drasticas para assegurar a pureza dos novos partidos. Esta é a finalidade das chamadas "21 condicOes", modelo de sectarismo e de metodo burocritico na histOria do movimento operario. 3 Como se declara na sua introducao, o objetivo das "21 condigeles" é impedir o ingresso, na IC, de grupos e partidos que "nao se tornaram verdadeiramente comunistas". 0 criterio para reconhecer os que ja sac) "verdadeiramente comunistas" é a aceitagao integral, incondicional, das "21 condicties". Nestas se resume a concepea° de partido que descrevemos antes, e se cadge a depuragao imediata dos grupos e partidos desejosos de ingressar na IC, para que todos os postos nos Orgdos de imprensa, sindicatos, fragees parlamentares, cooperativas e prefeituras (sem falar dos Orgaos de direcao partidaria) fossem ocupados por "comunistas firmes e provados", eliminando os "reformistas" e os "centristas" de qualquer matiz; exige-se a ruptura imediata e total com todas as organizagOes centristas e reformistas, politic-as e sindicais. A Internacional Sindical reformista, que eta° agrupava a maioria da classe operaria ocidental sindicalizada (cerca de vinte milhaes de aderentes) é qualificada de organizacao "amarela", que os partidos vinculados a IC devem "combater com tenacidade e energia", propagando em seus sindicatos a ruptura corn ela. As "21 condiebes" singificavam, na pratica, que os comunistas patrocinavam a ciao do movimento operario em todas as instâncias e que, ademais, organizavam-na mecanicamente, sem um processo politico e ideolOgico que permitisse aos trabalhadores se convencerem da sua necessidade. Significavam, por outro lado, a deflagragao, nas segees da IC ou nos novos partidos que nela ingressassem, de um mecanismo de depuragao interna embasado na distincao entre os comunistas "flrmes e provados" e os contaminados pelo virus reformista ou centrista — e isto quando todos acabavam de dar o primeiro passo no sentido do comunismo! Um grande ntimero de socialistas e sindicalistas que desejavam ingressar na IC porque simpatizavam corn a revolugao russa e compartilhavam, no geral, dos objetivos revolucionarios da nova Internacional, discordavam, entretanto, de alguns de seus aspectos parciais — em

especial no referente as estruturas e metodos internos — e, sobretudo, consideravam errada a politica de cisao do movimento operitrio, particularmente no terreno sindical. As "21 condigeoes" fecharam as portas a estas forcas, nas quail figulavam muitos dos melhores quadros do movimento operant), animados por um sincero espirito revolucionitrio. Em troca, muitos elementos desligados das massas, aos que era licit declarar guerra as organizagees tradicionais, puderam mostrar-se como "bons comunistas" sem outra prova que o seu fervor de novicos diante do novo catecismo. Sob a influencia das "21 condicees" e, em geral, de todo o metodo adotado pela IC na luta contra o reformismo e o centrismo, implantou-se fortemente nos partidos comunistas, desde o primeiro dia, um espirito sectario e dogmatizante, embalado num verbalismo revolucionario que dissimulava a perda de nocao da realidade. Acreditava-se aplicar o modelo bolchevique — e, na realidade, falseava-se totalmente a sua inspiracao. 0 partido bolchevique se constituira no curso de urn longo e complexo processo, agaves de uma luta politica e ideolOgica corn mencheviques e social-revoluciondrios conduzida ern coned° intima com os problemas vivos da vida social e politica russa. Formara-se passando pela experiencia da revolucao de 1905, da contra-revolugao, do novo auge revolucionario; atuara na clandestinidade e na Duma, nos sovietes mencheviques e social-revolucionarios e nos sovietes bolcheviques; vivera a greve politica, a insurreicao, a guerra civil... Foi esta inedita experiencia na histOria do movimento revolucionario que permitira a emergencia do micleo intelectual e operirio que soube aproveitar uma conjuntura excepcional pan tomar o poder. Agora, o que se pretendia era a criaglio de partidos bolcheviques quimicamente puros da noite para o dia, a partir de uma classe operaria que, durante decenios, se educara no espirito reformista, na actio sindical e parlamentar; a partir de uma classe operéxia que, ern sua grande maioria, seguira os chefes "traidores" para realizar a "unifto sagrada" com as respectivas burguesias. Na medida ern que esta classe operaria contava corn algumas aperiencias revolucionarias recentes — funestas apresentavam traps muito diferentes damentalmente greves dos do movimento revolucionario russo. Os sindicatos, por exemplo, desempenhavam um papel incomparavelmente maior no Ocidente do que na Russia czarista. Como explicar a adocao, por Unin — plenamente cOnscios da complexidade do processo que forjara o partido bolchevique, como alias o mostra A doenca infanta.. —, do metodo simbolizado nas "21 condigeles"? Nao poderiamos dar a esta questa° outra resposta que a esbocada no capitulo anterior para explicar o otimismo de Lenin em face do curso da revolugao mundial. Ate o III Congresso, as "21 condicaes" pareciam ser o "abre-te, Sesamo" da IC pant ganhar as massas trabalhadoras e constituir parti-

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dos comunistas exemplares. Expulsem imediatamente de seus partidos a ala reformista — dizia Lenin aos delegados italianos no III Congresso — e "toda a massa se inclinard para o comunismo". 4 A prdtica logo demonstrou que esta previsdo ndo correspondia a realidade dos paises europeus, nem mesmo a daqueles onde a crise revoluciondria chegard mais longe. A ruptura corn o reformismo, realizada assim, traduziu-se como ruptura corn as massas operdrias. Os partidos comunistas, salvo raras excegees, confinaram-se a setores minoritarios, quando ndo mimisculos, do proletariado. 5 E, o que a pior, apareceram ante os trabaIhadores que permaneciam fiêis as suas organizagOes tradicionais como divisionistas, responsdveis pela clap da classe operdria. Sua missdo histarica — para dize-lo segundo a terminologia militar entdo usada — era conquistar para as idêias da IC o exêrcito internacional do proletariado e transformd-lo no exercito da revolugdo; no entanto, comecaram por se colocar a margem do grosso deste exarcito, deixando-o nas mdos dos chefes reformistas, oferecendo a estes magnificos argumentos para acusar os comunistas de divisionismo, sectarismo, submissdo incondicional a urn centro estrangeiro que nao levava em conta a realidade nacional, etc. Somente a profunda simpatia que a revolugdo russa inspirava a prOpria grande massa operdria filiada as organizacOes reformistas pOde amenizar minimamente as efeitos negativos que este modo de "romper corn o reformismo" trouxe aos partidos comuhistas e A IC. Derrotadas as iniciativas revoluciondrias fora da Russia, a linguagem e as posicOes dos dirigentes socialistas e sindicalistas apareciam como particularmente convincentes para a maioria dos trabalhadores: agora, o importante é melhorar a nossa situacdo econOmica, impor a jornada de oito horas, conseguir reformas... Por experiöncia, os trabalhadores sabiam que, neste terreno, as suas organizagees tradicionais possuiam alguma eficdcia. A IC tentou reverter a situagão corn a tatica da "frente Unica", inspirada fundamentalmente n'A doenca mas como esta inflexao se operava no piano puramente tdtico — sem outra consideragdo estratêgica que o reconhecimento de uma modificagdo da conjuntura no sentido do refluxo revoluciondrio, sem acompanha-la de urn reexame profundo dos problemas do capitalismo, das razees do reformismo, etc. —, ela se defrontou corn a incompreensäo de urn ponderdvel setor da prOpria IC. Os partidos comunistas, que acabavam de se constituir no espirito da ruptura forgada coin os reformistas, tinham agora que fazer frente comum corn eles. 6 Esta primeira grande "viragem" da IC multiplicou imediatamente os conflitos interns e provocou a apariedo generalizada dos "comunistas de esquerda", para os quais a tätica de "frente Unica", junto corn a enfase ern objetivos parciais ern lugar da direta derrocada do capitalismo e a utilizagdo do parlamento,

etc., se afigurava como urn retorno ao reformismo, uma traicdo a revoleo e aos principios da IC. Por outro lado, embor&o refluxo revoluciondrio tido oferecesse ddvidas se se considerava globalmente o panorama europeu, ele apresentava grandes diversidades conforme os paises. Na Alemanha, por exempla, a situacdo continuava muito nebulosa. A tentativa insurrecional de marco de 1921, do partido comunista, fora indiscutivelmente uma aventura, mas ndo se podiam descartar crises politicas a curto prazo, como o demonstraram os eventos de 1923. E o mesmo ocorria ern outros paises, coma na Polonia e na Bulgaria. Prescrevendo a todas as secOes nacionais a "retirada geral", a politica da IC conflitava corn a diversidade nacional tanto quanto o fizera de "ofensiva geral" de 1919-1920 — sobretudo tratando-se de partidos redm-formados, inexperientes. Ao contrdrio do que afirma a resolugdo de 1943, neste "periodo inicial" o mAtodo de dirigir a politica dos comunistas de cada pais a partir de urn centro internacional dotado de pianos poderes — como o mêtodo seguido para a pi-6pda criacdo dos partidos — chocavase agudamente corn as exigéncias da luta revoluciondria em cada pais. Tambem neste period() ja pesa muito sobre a politica da IC a perspectiva russa, ainda que ndo se imponha pelos mdtodos posteriormente utilizados por Stalin. Tanto quanto na orientacdo de ofensiva a qualquer prego, de 1919-1920, estava presente a idaia de que a salvacdo da revolugäo de Outubro dependia da sua extensão ao Ocidente, na retirada geral prescrita pela IC ern finais de 1921 hd a forte influ8ncia de uma possibilidade nova, inesperada, para a revolugdo russa na arena internacional: a possibilidade da coexistencia pacifica e de relacOes micas corn os Estados capitalistas. Ao mesmo tempo, a situacdo interna russa se deteriorara gravemente; a crise econ8mico-social (refletida nas graves operdrias), o boicote campones e, sobretudo, a insurreicdo de Kronstad exigem urn recuo que permita ao partido evitar a ruptura corn as massas — é o trAnsito a NEP. E indubitävel que as dual circunstancias, internacional uma, nacional a outra, influem consideravelmente na (idea corn que os dirigentes bolcheviques tratam dos problemas do movimento revoluciohdrio fora da RUssia. E eles sdo os verdadeiros dirigentes da IC, ndo tanto porque o seu mecanismo o facilite, mas pelo enorme prestigio de que gozam frente ao proletariado internacional.

Ultracentralismo e russificacao RecOm-montado, o mecanismo concebido para dirigir e coordenar os grandes combates ern escala mundial teve que dedicar-se a direcdo de uma agdo de cardter tanto mais nacional e local, tanto mais 109

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gada a conjuntura do dia e de matiz canto mais reformista quanto mais se esfumavam as grandes perspectives revolucionarias. De urn centro distante, instalado na fortaleza sitiada do "socialismo num s6 pais", vinham minuciosas opiniees sobre os detalhes da situagdo politica de cada pais, diretivas sobre a tatica a seguir, mudangas de dirigentes conforme sua maior ou menor disposigao para aplicar a politica estabelecida pelo Comite Executivo da IC. A contradigao entre este sistema de direge'o e as exigencies da realidade nacional em cada pais se expressa nos constantes conflitos que surgem entre o onipotente Comite Executivo e os niveis mais altos das segOes nacionais, nas crises internas destas segOes, na estagnagao — quando nao no franco retrocesso — da maioria dos partidos. De 1923 a 1931, os efetivos da IC (excluido o partido sovietico) decrescem continuamente: 1921

1922

1924

1928

1931

887.745

779.102

648.090

445.300

328.716

Em escala mundial, a IC a uma organizacao essencialmente europeia. Em 1924, a repartigao de seus efetivos por continentes e a seguinte: Europa: 619.090; America: 19.500; Asia: 6.350; Oceania: 2.250; Africa: 1.100. Na Europa, 4/5 da cifra mencionada se concentram em quatro paises: Alemanha, Tchecosloviquia, Franca e Iugoslevia (dados de 1924). 0 que significa que, na grande maioria dos 'Daises europeus, os partidos comunistas eram muito pequenos e corn escassissima influencia. 0 mesmo ocorria nos Estados Unidos.7 claro que este retrocesso tat evidente nao pode ser atribuido unicamente aos efeitos politicos e orgenicos da contradigao entre o sistema de dire*, da IC e as exigencies da realidade nacional de cada pais — ele este determinado, em pane, por condigOes objetivas. A onda revolucioneria do pOs-guerra sucede ern uma serie de paises a implantagao de ditaduras reacionarias e os partidos comunistas sao duramente reprimidos. Mas seria urn grave erro subestimar o primeiro fator. As ditaduras reacionarias se instauraram, ademais, nos poises europeus mais atrasados do sul e do sudeste e na PolMa. Nos paises capitalistas avangados, os partidos comunistas sao legais, mas se restringem a contingentes muito limitados, com excegão da Alemanha, Tchecoslovaquia e Franca. Teoricamente, a necessidade de a politica e as formas de age° de cada partido se ajustarem as caracteristicas nacionais a Obvia para os dirigentes da IC, aparecendo em todos os seus documentos. A campanha de "bolchevizagao" dos partidos, realizada nos anos que se segued a morte de Lenin, entre as suas principals motivagOes, tern esta 110

exigencia. Mas urn dos obstaculos fundamentals para realizar aquele ajustamento — como se acabard por reconhecer na resolugao que dissolveu a IC — e o prOprio mecanismo da organize°, o metodo de diregao que encarna. E, no entanto, do II ao VI Congressos da IC, os seus estatutos se do modificando sempre no sentido de acentuar a centralizagao e os poderes do Comite Executivo. Os aprovados no II Congresso determinam que as instrugOes do Comae Executivo tem "forge de lei" para todas as segOes nacionais. "0 Comite Executivo tern o direito de exigir dos partidos filiados que se excluam os grupos ou individuos que infrinjam a discipline proletaria; pode exigir a exclusao dos partidos que violem as decisoes do congresso mundial". 0 V Congresso afirma que as diretivas do Comite Executivo sac) "imperatives" e tern que ser "imediatamente aplicadas"; o Comite Executivo tern poderes pare "anular ou emendar as decisoes dos Orgaos centrais e dos congressos das segees e tomar decis6es obrigatOrias para os Orgaos centrais"; pode excluir da Internacional partidos, grupos e individuos, nao s6 por infringirem as decisOes dos congressos, mas tambern do prOprio Comite Executivo. No entanto, e &Om disso, o Comite Executivo e seu Presidium "podem envier representantes seus as seeeres", os quais "recebem instrueOes do Comite Executivo e a ele se reportam", tendo que "ser admitidos a todas as reuniOes e sessees dos Orgaos centrais e das organizagOes locais da seedo nacional para que foram enviados pelo Comite Executivo". Nos congressos, conferencias ou deliberagOes da seek) nacional, estes representantes tem direito a "defender opiniOes diferentes das do comae central [da segdo], se o exigir a diretiva do Comite Executivo". No VI Congresso, o informe da comissao de estatutos observe que "é totalmente impossivel, para o Comite Executivo da IC, dirigir desde Moscou"; todavia, o congresso nao de passos no sentido da descentralizagao — antes, cria, no seio do prOprio centro dirigente, uma serie de "biros", para ajuda-lo a dirigir ambitos regionals (Europa Ocidental, Africa do Sul, Oriente, etc.). Ou seja: aumenta ponderavelmente o aparato burocratico do Comite Executivo. E, ademais, concede a este nao s6 o direito de envier "representantes" as segOes nacionais, mas tambem "instrutores". Em Lugar de afrouxar, o n6 gardio das estruturas ultracentralistas da IC se apertava cada vez mais. Por outro lado, torna-se progressivamente mais dificil que a iniciativa para a cone° deste vicio constitutional venha dos niveis inferiores, em contato direto corn as realidades nacionais. Realmente, medida que o mecanismo da IC prolonga o seu funcionamento, se vai operando, no Miele° ativo de cada segao nacional, uma selegeo a favor dos que observam as atitudes mais incondicionais em face do centro dirigente de Moscou. Os que demonstram excessivo espirito critico sao substituidos nos postos de responsabilidade. As iniciativas inova111

doras sO tern chance de exito se Aram da cdpula. Mas, por seu turno, a docilidade dos niveis inferiores dificulta a possibilidade de os novos problemas e as mudangas em gestagdo serem captados a tempo pela amnia. De fato, a proporgão que o conformismo se instaura nos organismos nacionais e locais, as informagOes e andlises que enviam ao Comite Executivo tendem a devolver a este o seu prOprio ponto de vista. E o mesrno sucede nos congressos, cujos delegados refletem o processo de selecào aludido. 0 "monolitismo" vai se implantando na pritica antes de ser proclamado como principio e, uma vez consagrado como tal, acentua a praxis "monolitizante". Pouco a pouco, em todos os niveis da IC, das celulas ao Comite Executivo, passando pelas diregoes das segOes nacionais, a discussào politica e teOrica (esta cada vez mais rara) se vai convertendo numa especie de rito pelo qual se transmite a verdade que emana do alto, do supremo depositario. Na medida em que este ato ritual pode ser chamado de discussao, sua finalidade é puramente operativa: trata-se de encontrar a melhor maneira de aplicar a orientacdo recebida numa situacao dada 0 efeito deformante deste mecanismo se vai agravando pela crescente gravitagào dos interesses do Estado sovietico na politica da IC. Sem repetir o que ja se disse a este respeito, e sem antecipar o que veremos mais adiante ao tratar de algumas das principais experiencias da IC, é conveniente insistir em que as premissas da transformagào da IC em apendice do Estado sovietico existiam desde o primeiro dia da Internacional, embora esta transformagAo não fosse inelutdvel. Por sua imensa autoridade teOrica e politica diante dos comunistas de outros paises, os dirigentes bolcheviques ocupam os principais postos de decisac, do Comite Executivo da IC e dispoem, portanto, dos poderes extraordinarios de que ele estava investido. 0 Comite Executivo residia em Moscou e os recursos têcnicos e financeiros do seu aparato mundial dependiam, essencialmente, do Estado sovietico. FreqUentemente se comparou o papel do partido russo na Terceira Internacional corn o desempenhado pelo partido alemdo na Segunda. Mas a analogia so tem validade num piano muito geral. A social-democracia alernA foi o "centro" do movimento socialista internacional num sentido te6rico e politico, mas nao desfrutou de efetivo poder de decisAo. Alern do mais, nenhum dirigente socialista daquele tempo toleraria semelhante poder. Em 1906, Kdutsky escreveu urn artigo sobre as forgas motrizes da revolugáo russa corn o qual Lenin concordou inteiramente; num prefécio para a edigäo russa deste texto, Lenin ressalta os mentos de Kautsky e diz que os revoluciondrios de cada pais necessitam da ajuda das "autoridades" do movimento, mas logo aduz: "Na mesma escala em que [esta ajuda] é importante para ampliar o horizonte dos combatentes, seria inadmissivel no partido operdrio a pretensäo de resolver desde o exterior, desde longe, as questOes concretas e praticas da poli-

tica imediata. Nestas questees, a autoridade maxima sera sempre o conjunto dos operdrios conscientes, avangados, de cada pals, que sustentarn a luta direta".8 0 Comite Executivo da IC, no entanto, assumiu esta "pretensäo inadmissivel" e, atraves dele, o partido sovietico. Enquanto os dirigentes bolcheviques se ativeram ao esquema teOrico da revolugdo mundial de Marx e Lenin, a revolugAo russa era considerada como urn fator subordinado daquela — o que sO podia contribuir para um enfoque internacionalista da politica da IC (independentemente de a "pretensäo inadmissivel" ter efeitos negativos em toda uma serie de aspectos da atividade politica e da vida interna das segOes nacionais). Mas a teoria do "socialismo num sO pais" conduziu, como vimos, a identificagão absoluta da seguranga do Estado sovietico com os interesses supremos da revolucäo e, portanto, a subordinacdo dos interesses do movimento em cada pais a razao de Estado da Unido Soviêtica. A partir deste momento, as exigencias da politica exterior do governo sovietico pesam cada vez mais sobre as opeOes estrategicas e taticas da IC e sobre a sua vida interna. E o mesmo ocorre corn os problemas intestinos do partido russo: a luta contra o trotskismo, o bukharinismo, etc., envenena toda a vida da IC, provoca crises e dilaceracOes nas diferentes segOes, nä° justificadas pelas realidades nacionais — debilita o movimento revoluciondrio em cada pais e internacionalmente. Em 1926, Gramsci escreve uma carta ao Comite Central do Partido Comunista da URSS que tem ares de profecia; dizia aos dirigentes bolcheviques: "Voces caminham para a destruigão da sua obra; voces estão degradando e correndo o risco de anular o papel dirigente que o Partido Comunista da URSS conquistou sob o influxo de Lenin; parece-nos que a pal/do violenta das questOes russas faz com que votes percam de vista os aspectos internacionais destas mesmas questOes, faz corn que esquegam que os seus deveres de militantes russos s6 podem e devem ser cumpridos no quadro dos interesses do proletariado internacional". 9 Stalin seguiu exatamente o caminho oposto: encerrou os interesses do proletariado . internacional no quadro das quest6es russas.

Itineririo do monolitismo Como ja dissemos, a concepflo leninista das estruturas e do funcionamento do partido revoluciondrio, que serviu de modelo para a IC, correspondeu ao tipo de dificuldades que a revolucao proletdria enfrentava num pais atrasado, sobre o qual pesava fortemente o predominio da massa camponesa, Orfäo de tradigOes e instituigOes demoerdticas. Mas esta concepflo trazia consigo — como Rosa Luxembur-

go o percebeu corn clarividencia — a tendencia ao autoritarismo, a ditadura do chefe, a uniformizaao burocratica — ao que, numa palavra, se pode resumir no conceito de "monolitismo". 1° Esta tendencia, porem, ate os ultimos anon da vida de Lenin, era contrarrestada por outros fatores poderosos. Em primeiro lugar, o vigor, a profundidade, a riqueza do processo revoluciondrio russo, em intima conexäo corn o que se forjou o partido bolchevique. Este processo engendrou intelectuais revoluciondrios de cardter firme, de agudo espirito critico e herdeiros de uma tradiao filosOfica e politica que os preparou para assimilar o mantis= de maneira apropriada a realidade russa. A hist6ria do grupo bolchevique registra continuos conflitos, controversias e debates, reveladores da permanente tensäo entre as tendencias ao ultracentralismo e a disciplina militar, por urn lado, e a intensa vida te6rica e politica do partido, por outro. A excepcional personalidade de Lenin, na qual se conjugam too singularmente a vontade do rigor cientifico corn a vontade da eficacia combativa, contribui ponderavelmente para conservar, de modo unitario, esta tensão dindmica. A liberdade de discussho, de tendencias e mesmo de ft-46es se mantem no periodo da guerra civil, que e o momento da fundagão da IC. Tambern nests os riscos do "monolitismo", inerentes ao seu mecanismo, Ado contrarrestados pelo espirito de critica e de livre discussão que flui do partido bolchevique e que era pr6prio, igualmente, dos rnicleos de esquerda dos partidos socialistas europeus que ingressam na IC. As tendencias ao "monolitismo" comecam a se impor no partido bolchevique, dai passando para a IC, corn o inicio da fase construtiva da revoIna. ° russa. Sob a pressäo de tremendos problemas sociais e econOmicos, a luta interna no partido alcanca uma intensidade sem precedente. Lenin procura resolve-la seguindo, no fundamental, o metodo marxista: a discussäo aberta, sem limitagOes, no partido e nos sovietes. Mas agora, induzido sem dilvidas pela gravidade excepcional da situaao, recorre complementarmente a uma medida inedita na histOria do partido: a proibicao formal das ft-aches. As intervenaes de Lenin no congresso que adotou esta medida (X Congresso, 1921) demonstram que, para ele, a providencia tern urn significado conjuntural e nAo o calker de principio que adquiriu depois, sob Stalin!' Entretanto, o primeiro passo para chegar ao "principio" estava dado. Os passos seguintes foram efetuados no curso da luta contra a oposicao trotskista. A proibicao das frac:3es sucedeu a condenaao das tendencias e, enfim, das ideias que, por mais individuais que fossem, questionassem a politica ou as concepaes de Stalin. "Como se sabe — escreve Tr6tski em 1930, comentando corn amarga ironia a situaao a que se chegara na IC —, atualmente todos os pensamentos e todas as aaes humans se dividem em duas categorias: as indiscutivelmente justas, que se inserem na `linha geral do partido', e as indiscutivelmente erradas, que se des114

viam da ginha geral'. 0 que, a claro, nao impede que se declare hoje errado o que ontem se proclamou como absolutamente junto" .12 Uma das manifestaaes mais graves deste processo foi a supressäo de toda opiniAo divergence dos criterios oficiais nas publicagOes dos partidos. No periodo precedente, apesar do regime centralista e autoritario da IC, era possivel expor teses discrepantes na imprensa e nas edicOes da Internacional. Depois do VI Congresso, isto se torna cada vez mais raro. Na IC (como no Estado sovietico) se vai instaurando urn regime de censura a que cabem, como uma luva, as penetrantes criticas de Marx a censura prussiana. Em 1891, quando alguns chefes do partido socialista alemAo tentam censurar Neue Zeit, a revista te6rica da social-democracia alemA dirigida por Kautsky, Engels se escandaliza: "Realmente, a uma ideia genial pensar submeter a ciencia socialista alema, depois de libert y-la da lei de Bismarck contra os socialistas, a uma nova lei anti-socialista fabricada e implementada pelas prOprias autoridades do partido social-democrata". 13 A "ideia genial" dos burocratas social-democratas alemães foi posta ern pratica com suma perfeicAo pela burocracia staliniana, tanto na sociedade sovietica quanto na organizaao internacional comunista. Na historiografia soviatica, a tOpico considerar a Terceira Internacional como a expressão mais adequada a concepcäo de Marx acerca do que deveria ser a Internacional revolucionkia. Nada esta mais distante da verdade. No que tange, por exemplo, ao metodo pelo qual a Internacional que ele dirigia podia chegar a elaborar uma plataforma te6rica comum, Marx dizia: "Estando as fracks da classe operaria nos vdrios parses situadas em diferentes condighes de desenvolvimento, é natural que suas opinities teoricas, reflexo do movimento real, sejam tambem divergentes. A comunidade de agdo estabelecida pela Associaao Internacional dos Trabalhadores, o intercAmbio de ideias propiciado pelas publicaches que, como &Ss seus, as diferentes seceies nacionais editam e, enfim, as discussOes diretas nos congressos gerais, itäo gradualmente engendrando urn programa te6rico comum. Exceed() feita dos casos em que exista contradiao corn a tendencia geral da nossa Associaao [a "tendencia geral", como se infere do contexto, consiste na aceitaao do principio da luta de classes — FC], esta, de acordo corn seus principios, deixa a cada seta° a liberdade para formular livremente o seu programa teOrico". E, noutro lugar: "0 programa [da Internacional] se limita a tracar as linhas gerais do movimento operdrio e deixa a sua elaboragão teen-lea a cargo das secties, que, para tanto, aproveitar-se-ão do impulso oferecido pelas necevidades da luta patica e pelo interambio de ideias. Nos Orgaos das secOes e em seus congressos se admitem, indistintamente, todas as convicaes socialistas". 14 Pode-se fazer a ressalva — e esta e a objecäo habitual da historiografia antes aludida para justificar a continuidade 115

a na diferenca — de que as condicOes em que se constitui e atua a Terceira Internacional sào outras. E verdade. Mas nao no que toca As razOes profundas que determinam os metodos preconizados por Marx. A diversidade de condicees em que se encontravam as diferentes fragees da classe operdria, a necessidade de que a elaboraflo te6rica partisse das exigencias da luta prdtica e tivesse por leito o intercâmbio de ideias, seu livre confronto na imprensa e nos organismos das segOes — eram imperativos tao absolutos (metodologicamente falando) na epoca da Terceira Internacional quantoMa da Segunda ou da Primeira. De fato, sdo condicOes basicas da elaboraciio de uma teoria ou politica revoluciondria que nao seja dogmdtica e responda As demandas do movimento real. Em radical contradigão com a concepedo que Marx e Engels tinham do que devia ser o partido revoluciondrio, tanto em escala national como internacional, a IC entroniza cada vez mais — seguindo a inspiragdo de Stalin — uma concepcdo burocratica do funcionamento e da unidade do partido, quer de sua unidade politica e organizacional, quer de sua unidade teOrica. A unidade é identificada com a unanimidade, com o monolitismo. "Esta unanimidade — diz Tr6tski — e apresentada como um sinal particular de forja do partido. Onde e quando, na histOria do movimento revoluciondrio, houve urn 'monolitismo' absurdo semelhante? [...] Toda a histOria do bolchevismo é a histOria de lutas internas intensas, nas quais o partido adquire suas opiniOes e forja os seus metodos. As crOnicas de 1917, o ano mais importante na hist6ria do partido, estdo cheias de lutas intestinas imensas, tanto como as dos cinco anos posteriores A tomada do poder. E isto sem divisdo, sem uma so exclusdo importante por motivos politicos. h..] De onde vem, pois, este horripilante `monolitismo' de hoje, esta funesta unanimidade que converte cada viragem dos lamentaveis chefes numa lei absoluta para urn partido gigantesco? 'Nenhuma discussdo!' Porque, como explica Rote Fahne, 'em semelhante situagdo, precisamos de awes, nao de discursos'. Repugnante hipocrisia! 0 partido deve realizar 'agOes', renunciando A sua previa andlise". 15 Aqui, Tr6tski se refere ao partido alemdo, mas seu argumento a vdlido para qualquer outra seed° da IC e para esta em seu conjunto. Ele tern razdo ao dizer que no passado do partido bolchevique, ate a morte de Lenin, flan existia o "horripilante monolitismo"; o que TrOtski nao ve é que existiam algumas das suas premissas — e, por isto, se aferra dogmaticamente A concepcdo do que deve ser o partido encarnado naquele passado. "A divergencia num partido, que parece uma desgraca, demonstra, antes, a sua fora" — dizia Hegel. Mas, para entender isto, havia que arrancar de uma concepedo dialetica do partido, e o vicio fundamental da concepflo staliniana consistia, precisamente, no abandono

C

da dialatica. As contradicOes inerentes ao desenvolvimento do partido devem resolver-se com medidas administrativas, burocraticas. E, para que estas solugOes possam impor-se, hd que converter a "unidade do partido" em mito. 0 mito, neste caso, é a transformagdo da "unidade do partido" no bem supremo, que deve ser tratado como "a menina dos olhos". A justificacdo ideolOgica e simples e de grande efeito, porque apela ao senso comum: com o partido envolvido numa luta dificil, contra urn inimigo poderoso, é possivel veneer se nao se esta "ferreamente" unido? Portanto, ha que subordinar A unidade qualquer discussao politica ou teOrica que suscite divergencias, porque as divergencias podem converter-se em tendencias, as tendencias em fracees, as fraceies em cisäo... Ha que prevenir o mal na sua origem. Não basta que a minoria acate a lei da maioria — e preciso que nao haja minoria. Se, por acaso, aparecem discrepantes, nä. ° é suficiente que aceitem a opinido da maioria (que uma vez posto em acdo este mecanismo, sempre um devoto eco da direchio), a necessdrio que pensem como a maioria. Assim se alcanca a perfeigh) monolitica. Toda divergencia desaparece, nao so como ato, mas como pensamento. Em substdncia, eis o esquema ideolOgico-organizational que passou a viger na IC nos anos trinta. Sua lOgica conduzia a considerar que a virtude principal do revoluciondrio, convocado para a transformagäo do mundo, suposto portador da ideologia social mais avancada, consistia em... nay pensar. Depois da ascensdo de Hitler ao poder, a ameaga do fascismo e da guerra e o perigo de agressäo A Unido Sovietica fornecem a metafisica do "monolitismo" argumentos vigorosos. "Aquele que tentar violar a unidade de ferro das nossas fileiras atraves de uma acão fracionista qualquer aprenderd, por experiencia pr6pria, o que significa a disciplina bolchevique que nos ensinaram Lenin e Stalin — adverte severamente Dimitrov, no seu discurso de encerramento do VII Congresso da IC. — Que into sirva de aviso aos poucos elementos que, em certos partidos, pensam poder aproveitar as dificuldades passadas, as feridas, as derrotas e os golpes assestados pelo inimigo para realizar seus pianos fracionistas ou prosseguir com seus interesses de grupo! Acima de tudo, o partido! Defender a unidade bolchevique do partido como a menina dos nossos olhos, esta 6 a lei primeira, a lei suprema do bokhevismo!". I6 A advertencia e os metodos pressupostos para a sua execuflo adquirem todo o seu sentido se se leva em conta que o pr6prio Dimitrov apresenta, como exemplo do modo de realizar a defesa da unidade (nao apenas para o partido, mas para o movimento operdrio em geral!), "a luta implacavel contra os inimigos do povo, contra os espiees trotskistas e bukharinistas, contra os diversionistas, os agentes do fascismo", luta que, neste momento, se conduz na Unido Sovietica n . 0 terror e a mentira passam a ser o metodo exemplar para a defesa da "unidade monolitica" dos comunistas, e mesmo da unida-

116 117

de do movimento operario em geral. A dialetica do movimento real vingar-se-a cada vez mais cruelmanta da metafisica do monolitismo. A sua primeira vitima sera a prOpria IC. Com efeito, o perfodo de plena entronizacdo do monolitismo coincide, paradoxalmente, corn o momento em que a Terceira Internacional se converte num obstaculo para Stalin e para os partidos comunistas. Em primeiro lugar, como ja vimos, porque dificulta diplomaticamente o urgente entendimento entre o Estado sovietico e as potencias capitalistas "democraticas" em face do perigo da agressdo hitleriana. Em segundo lugar, porque dificulta politicamente, em escala nacional, a alianga dos partidos comunistas com a social-democracia e as flaw- es antifascistas da burguesia. Em terceiro lugar, porque a odstencia das duas razOes precedentes elimina os postulados ideolOgicos que, ate entdo, impediam reconhecer a terceira ratio (que, historicamente, era a primeira): a impossibilidade de dirigir o movimento revolucionario de cada pats mediante um sistema ultracentralizado em escala mundial. E por isto — e tido porque, anteriormente, inexistissem contradigOes — que esta impossibilidade se torna patente para os dirigentes da IC (como Togliatti concedera mais tarde) nos primeiros anos da decada de trinta. Em outras palavras: trata-se da faldricia de uma determinada forma institucional, estrutural, do monolitismo — aquala que colidia mais agudamente com o fator nacional, com o fator nacional russo e corn o fator nacional de cada pals. Mas, como se depreende do anteriormente exposto, esta contradiedo tinha carater diferente segundo se tratasse do fator nacional russo, ao qual a IC estava subordinada, ou dos outros fatores nacionais, em face dos quais a IC era urn instrumento subordinante. 0 primeiro aspecto opera como determinante na supressio da IC; o segundo influi subsidiariamente. Por isto, a liquidagdo da IC ndo satisfara plenamente aos fatores nacionais ndo russos no movimento revolucionario — ales continuardo subordinados aos interesses do Estado sovietico mediante a conservacdo de outras formas de monolitismo staliniano. Se a impossibilidade de dirigir o movimento comunista de cada pats desde urn centro internacional se fez patente para os lideres da IC a partir dos primeiros anos da decada de trinta e se, por outro lado, a prOpria existencia da IC, depois da ascensdo de Hitler ao poder, se convertia num estorvo para a nova politica exterior soviatica, por que, anti-to, ndo se colocou neste momento a questa) da dissolugdo da Internacional? De acordo corn o testemunho de William Forster, a medida foi considerada nos meios dirigentes da IC nas vesperas do VII Congresso. "Nos meados dos anos trinta — escreve Forster na sua Hindria dos Tres Internacionais. —, a Unido Soviatica comecou a atuar decisivamente no papal de defensora dos povos de todo o mundo. Mas a terrivel ameaca do fascismo e da guerra, contra a qual a Una() So118

PRIMEIRO EPiLOGO viatica interveio na arena mundial como forca fundamental, facilitava tambam a sua promono a direcao do movimento antifascista internacional. Isto foi claramente expresso por Manuilski no VII Congresso. Ele aflrmou particularmente que, dada a vitaria do socialismo na URSS e a sua luta contra o fascismo e a guerra, a Uniao Soviatica se 'transformara em centro aglutinador de todos os povos, Estados e ate governos interessados na preservagdo da paz entre os povos'. Dal que, ja nas vesperas do VII Congresso, momento da major atividade da Internacional, tivessem lugar discussaes nas quais se colocava que o novo papal internacional da URSS, como grande sustentdculo da paz e da democracia, dava fundamento d !dela de que a diregiio polftica da International Comunista, em escala mundial, era desnecessaria".18 Esta passagem revela tido so que estava na ordem do dia, em 1935, a dissoluedo da Internacional: revela que o fundo da discussão (alem de responder as necessidades conjunturais da politica exterior soviatica) ndo era a supressdo do centro internacional do movimento comunista como tal, mas conservar, liberado da instituican mediadora que o comprometia, o centro que desde bem antes constituia a diregdo real do movimento comunista — o centro sovietico. Entretanto, em 1935, Stalin e os dirigentes da IC ainda nao se decidem pela dissolugdo. Algum dia os arquivos soviaticos fornecerio as razOes exatas que determinaram o adiamento da operagdo. Ate la, temos que nos limitar a conjecturas. 8 possfvel que se considerasse conveniente uma fase preparatOria, dentro da "nova orientagdo tatica", utilizando o aparato da IC para veneer as resistancias que pudessem surgir nalgumas segOes nacionais. Certas passagens do informe de Dimitrov, como a que citamos, induzem a esta hipatese. Provavelmente, os dirigentes soviaticos temeram que o abandono de posicOes programaticas fortemente cravadas nos partidos comunistas, mais o efeito dos terrfveis expurgos e processos de Moscou contra a velha guarda bolchevique, levasse muitos comunistas a concluirem que a dissolugdo da IC, neste momento, equivalia a liquidagdo total do si,gnificado do movimento revolucionario internacional criado por iniciativa de Lanin — temeram, talvez, provocar tuna crise que facilitasse os esforcos de ItOtski e seus partidarios na fundagão da IV Intemacional.19 Mas ha outra hip6tese plausfvel. Frente a tempestade que se avizinhava, Stalin ado joga somente corn uma carta na sua politica exterior. Em nenhum momento abandona a possibilidade de chegar a um modus vivendi corn a Alemanha hitleriana, como chegara com a Italia de Mussolini. A alianga corn os Estados capitalistas rivais do III Reich era apehas uma das alternativas possiveis e nada mais. Nas intervencees ptiblicas de Stalin durante o perfodo que vai da ascensdo de Hitler ao poder a segunda guerra mundial reflete-se perfeitamente a extrema prudancia corn que ele manipula ambas as cartas. Enquanto uma das 119

alternativas nao se precisasse, a IC poderia continuar sendo um instrumento ritil de "pressdo" no tabuleiro internacional. Em suma: ja. no VII Congresso, a IC convertera-se num obstdculo para a politica exterior soviatica, mas conservando urn certo valor instrumental — nao era, ainda, um obstdculo definitivo. A isto se chegaria em 1943.

NOTAS Citado por Branko Lazitch, op. cit., p. 108. p. 40. Congressos 7 0 Muter oficial do document° e "Condees de admissao dos partidos comunistas na Internacional Comunista". Texto integral em Congressos I-11", pp. 39-41. Tambem em Los congresos obreros internacionales del sigio XX, de Amaro del Rosa!, cit. 4 Lenin, Discutwo sabre a questa° Minima (Ill Congresso da IC), t. 32, p. 441. Imediatamente depois da primeira guerra mundial, a organizacgo sindical da classe operAria deu urn verdadeiro salto quantitativo: de 1913 a 1919, o nUmero de operarios organizados passou, na Alemanha, de (warm pare onze milhaes; na Inglaterra, de qualm para oho milhOes; na Franca, de urn pars doffs milhOes a meio; na Italia, de quase um para quase dots milheres; na Austria, de tins duzentos e cinqiienta para oirocentos mil (trata-se de nilmeros redondos). Os dirigentes reformistas ou sindicalistas apoliticos conservaram a direcao e a influencia decisiva sobre a esmagadora maioria delta massa organizada sindicalmente. Entre 1918 e 1924, houve eleigdes em todos os paises citados, provavelmente as realizadas em condigOes da mais amnia liberdade burguesa entre as duas guerras. Os resultados d go uma certa ideia da correlacao de influencias, na classe operdria, entre os partidos socialistas tradicionais e os novas partidos: data (las eleicles

partido

Inglaterm

1918 1922

Alemanha

1919

Thabalhista Trabalhista Socialistas majoritdrios Socialistas independentes (centro) Socialistas niajoritdrios Socialistas independentes (canna) Comunista

pais

1920

rotas 2.200.000 4.300.000 11.500.000 2.300.000 6.100.000 5.000.000 400.000

Franca

1919 1924

Socialista Socialista Comunista

1.700.000 1.700.000 900.000

ltdlia

1919 1921

Austria

1919 1920

Socialista Socialism (de Serrati) Comunista Socialista Socialista Comunista

2.000.000 1.500.000 300.000 1.200.000 1.000.000 22.000

(todos Os dados — cam os votes em mlmero arredondados — foram extraidos de Branko Lazitch, op. cit., pp. 249-250). De acordo com Arthur Rosenberg (op. cit., pp. 239-240). "em 1919 e 1920, a maioria dos °pet-Mins europeus era favoravel a Terceira Internacional". Esta apreciae colide corn os dados anteriores e corn os resultados dal lutas revolucionärias, mas ha nela urn gran de verdade: importantes serores operarios simpatizavam corn a nova Internacional, na qual viam a represenCacao da revolucgo russa — mas nao aceitaram nem a sua avaliac go da situagão nem os seus tnetodos, particularmente as "2/ condees". Rosenberg alude a isto, sem dOvida, quando escre120

ve: "As cies e o anitema pronunciado contra importantes frees da classe operaria colocaram novamente os comunistas em minoria. Na Alemanha, o partido socialista, reforcado pelos elementos do partido socialista independence que nao aderiram a Terceira Internacional, era muito superior, numericamente, abs comunistas. Analogamente, em 1921, os social-democratas reconquistaram de novo uma esmagadora maioria na Italia, na Suacia, na Dinamarca, na Holanda, na Belgica, na Austria a na Suica. Os comunistas conservaram a maioria somente na Franca, na Tchecoslovaquia e na Noruega. Nos Batas, na PolOnia a na Hungria, o movimento comunista fora liquidado pela tarp. Tambem os sindicalistas, que tinham arras de si, na Espanha, a maioria operaria, romperam suas relagOes corn a Terceira Internacional. [...I Fora da Europa, em codas as parses a influencia comunista era muito citado, sabre a IC, Togliatti afirma: "Ficou evidente que era mais Em seu ensaio, I romper corn os chafes social-democratas do que livrar-se do social-dernocratismo". Mas ele nao extrai nenhuma conclusdo critica sobre os metodos utilizados para a "rupture". A "viragem" se iniciou no III Congresso da IC (junho-julho de 1921), mas as primeiras rases sobre a "frame Unica opethria" foram elaboradas no final de 1921 pelo Cornice Executivo da IC e aprovadas em seu piano de dezembro. 7 Annie Kriegel, Les internationales ouvriares, pp. 112-113. 0 periodo seguinte — ands a ascensAo de Hitler ao poder, o periodo da Frente Popular — registra um certo crescimento nos partidos legais (sobretudo na Franca e na Espanha). Mas a cifra oficial que se apresentou no VII Congresso (785.000) era surpreendente, ja que at produzira, entrementes, a catastrofe do Partido Comunista alene e o Partido Comunista da China sofrera grandes perdas na luta armada de 1934 e da primeira metade de 1935, em raz go do que seus efetivos passaram de 300.000 (em outubro de 1933) a 30.000 (no primeiro semestre de 1935). Os historiadores sovieticos B. M. Leibson e K. K. Shirinia, pela primeira vez, questionaram a cifra oficial de 1935 no seu livro Povorot v Politikie Kominterna [Inflexcio na politica da Internacional, 1965; consideram que f preciso descontar as perdas do partido chines — donde resultaria que, excluido o partido sovietico, os efetivos da IC, no periodo do VII Congresso, seriam da ordem de 500.000 membros. ° Lenin, t. II, p. 375. Bolethn Pam o Est rangeiro do Partido Comunista Iraliano, junho-julbo de 1964, n? 4, p. 129. r° Rosa Luxemburg° inicia a critica da teoria de Lenin sobre o partido quando esta toma forma sistemAtica em Urn passo adiante, doffs passos atnis — seu ensaio "Algumas questeres de organizaggo da social-democracia Russa", publicado na Neue Zeit, em 1904, 6, a nivel meirico, uma critica direta ao livro de Lenin. Ela faz ai uma arguta observag go: "E ignorer a natureza intima do oportunismo o atribuir-Ihe, como quer Lenin, a preferencia invariavel por uma forma determinada de organizaggo, concretamente pela descentmlizauldi (Marxisme contra dictadure, ed. cit., p. 29). No mesmo ensaio, eta mostra o efeito prejudicial da ultracentralizeo sobre a acao politica do partido: "Concedendo ao °m g° dirigente do partido poderes tao absolutos, de urn careter negativo, como faz Lenin, apenas se reforga a urn gran muito perigoso o conservadorismo inerente a este &go. Sea titica do partido a alga que nao concern apenas ao Comae Central, mas ao conjunto do partido, ou, melhor ainda, ao conjunto do movimento operArio, a evidente qua as segOes a federees necessitam da liberdade de E go que 6 o tine meio para poder utilizar todos os recursos de uma situag go e desenvolver a sua iniciativa revolucionAria. 0 ultracentralism° defendido por Lenin nos surge como impregnado nao de um espirito positivo e criador, mas do espirito astern do guarda noturno. Ibda a sua preocupag go tende a controlar a atividade do partido, nao a fecunda-la; tende a estranguld-lo, nao a unific g-lo (ibid., p. 25). Riazanov propunha que, na resole° "sobre a unidade", se estabelecesse taxativamente qua jamais se fariam eleigOes de delegados a um congresso do partido sobre a base de plataformas politicas apresentadas por diversos grupos ou membros do partido (como se fizera para o X Congresso). Lenin se opera a emenda com a seguinte argumentag go: "Penso que, lamentavelmente, o demi() do camarada Riazanov a irrealizivel. Privar o partido e os membros do Comite Central do direito de se dirigir ao partido quando uma questa° importance suscita divergencias, isto nä° podemos fazer. [...] E possivel que, entao, tenhamos que eager por plataformas. [...1 Se a nossa resolucg o sabre a unidade e, naturalmente, o desenvolvimento da revoluc go nos unem, as deigees por plataformas nao se repetirgo. A liggo que aprendemos neste congresso nao sera esquecida. Mas se as circunstancias provocam divergencias essenciais, a possivel proibir que se submetam ao juizo de todo o partido? N g°, ado a possivel! Esta a uma pretensgo excessiva, irrealizavel e que rechaco" (t. 32, p. 237). Lenin via a questa() dialeticamente: a emergencia ou nao de grupos corn plataformas distintas — ou seja, fragg es — ado se resolve corn decretos; depende do desenvolvimento do movimento real o surgimento ou nao de divergencias importantes — se surgem, o tinico caminho para a sua soluggo 6 a discussgo aberta no partido. 121

Acerca de como deve se desenvolver a discussio, no caso de divergencias importantes, tambent 6 muito instmtiva a opinião de Lenin: "F necesserio que todos os membros do partido estudem: I?) a essencia das divergencias; 2?) o desenvolvimento da luta no partido. Ambos os estudos sae necessarios porque a essencia das divergencias se desenvolve, se esclarece e se concretiza (e ate muda completamente de aspecto) no curso da luta que, passando por diferentes etapas, nos mostra, em cada uma delas, a diferente composite° e o diferente mimero dos interlocutores, as diferentes posigOes na luta, etc. Sao precisos ambos os estudos, obrigatoriamente cam documentos rigorosos, impressos, susceptiveis de mama por todos. Quem acredita apenas nas palavras e um idiota incorrigfvel, do qual nada ha a esperar" (t. 32, pp. 22-23). Nä° ha Mivida: quern escreve isto a um perito na luta entre fragOes. No entanto, depois de Lenin, colocou-se todo 0 empenho em transformar os comunistas em "idiotas incorrigiveis". ThStski, La Revolution permanente, cit., pp. 176-177. ° Carta de Engels a Kflutsky, de 23-11-1891, incluida em Critics do programa de Gotha, Progreso, Moscou, ed. esp. ° A primeira passagem pertence a Comunicattlo do Conselho Geral da A/T, aprovada na sessfio de 9 de marco de 1868; a segunda, a exposiceo de Marx ante o mesmo Conselho, em 5 de marco de 1872. Os dois textos esti° incluldos no folheto Marx e Engels sabre o anarquismo, Ed. Linguas Estrangeiras, Moscou, 1941. lbastski, Rcrits, III, Quatrieme Internationale, Paris, 1959, p. 80. Dimitray, op cit., p. 165 (grifos nossos). Ibid., p. 199. Na segunda metade dos anos trinta, quando Stalin desencadeou o terror contra a velha guarda bolchevique e milhOes de cidadeos soviaticos, viviam na URSS, com p exilados, desempenhando funcetes na Internacional ou de seus partidos, numerosos dirigentes e quadros de partidos comunistas europeus que se encontravam na clandestinidade, sob regimes fascistas ou reacionarios (da Alemanha, Italia, Poldnia, Hungria, lugosktvia, Bulgaria, etc.). A represseo de Stalin tambim se abateu sobre des, sob a pretexto de afinidades ou cumplicidades com o trotskismo, o bukharinismo, etc. As vitimas, invariavelmente, tram acusadas de estar a servico da policia de seus respectivos paises e da espionagem capitalista. No XVIII Congresso do partido sovietico, Manuilski chegou a diner em seu informe que os partidos comunistas da Polemia, lugoslavia e Hungria estavam "infiltrados de policiais" (di. Les Partis Communistes d'Europe, de Branko Lazitch, cit., p. 87). Entre as comunistas iugoslavos assassinados pela panda secreta de Stalin estavam as dois primeiros secretarios do partido, Filip Filipovitch (Boskovitch) e Syma Markovitch, bem como Yosip Tchizinski (Gorkitch), que ocupava o pasta em 1937. ibda a diretea do partido iugoslavo foi liquidada neste ano, a exacta° de Yosip Broz-Tito, a quem a Internacional encarregou de constituir uma nova directio p. 145). 0 mais atingido foi o partido comunista da Po/8nia. K. S. Karol, em seu livro Visa pour la Pologne (Gallimard, Paris, 1958), reiata: "Sem qualquer processo ou explicate°, os dirigentes comunistas poloneses que at encontravam na URSS foram presos e fuzilados [em janeiro de 1938]. A primeira Wilma foi Adolf Warski, veteran° do movimento operant), amigo de Lenin e Rosa Luxemburgo, retirado da vida politica ha muitos anos [tinha 71]. Lenski (considerado, Wein de tudo, o mais fiel stalinista polones), Wera Kostrzewa (que fora, na Siberia, companheira de desterro de Stalin), Henrik Waitaki e todos os outros tiveram o mesmo destine. E como a lista nä° estivesse completa, foram chamados os que combatiam na Espanha, na primeira Brigada Internacional (que levava o some do heroi polones da Comuna de Paris, 7aroslaw Dombrowski): Prochniak, antigo membro do Comite Executivo da IC, Brand, Bronkowski, Bronski e muitos outros, que acorreram a este encontra com a mane. Centenas de dirigentes menos importantes foram deportados para os campos de concentrate° da região polar. [...] Em abril de 1938, a Internacional decretou oficialmente a dissolute° do partido comunista da Polonia, infiltrado de agentes provocadores, trotskistas e outros inimigos da classe opertiria'. Os militantes receberam ordem para se dispersar, sendo solenemente advertidos de que Coda tentativa de reconstruir o partido stria considerada como provocatio. 0 que o regime pilsudskista nen conseguira ao longo de largos anos de luta sem quartel, a Internacional realizou-o em horns: a extrema esquerda deixou de existir como forca organizada na PolOnia" (pp. 59-60). Foram liquidados lambent comunistas alemaes, italianos e de outras nacionalidades (em triage° aos Mantles, dr. a nota 67 do capitulo quarto deste tomo). is W. Forster, op cit., pp. 470-471. A Quarts Internacional foi criada em 1938.

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4. A CRISE POLITICA Nunca acrediteis exageradamente na take de vossos adversdrios. Talleyrand. Nossos procedimentos tdticos e estrategicos estao ainda atrasados (julgados a escala internacional) em face da magnifica estrategia da burguesia, que aprendeu corn o exempla da Russia e nao se deixard pegar de surpresa. Lenin.

As contradigOes que aparecem, desde o nascimento da IC, entre a teoria da revolugdo mundial que the serve de fundamento e o desenvolvimento histOrico real, entre a estrutura ultracentralizada da Internacional e a diversidade nacional, entre a subordinacio crescente da IC a politica sovietica e as necessidades do movimento revoluciondrio, tanto em escala nacional como internacional — estas contradigOes, que examinamos nos capitulos precedentes, so podiam incidir negativamente na atuagào politica da Internacional e de cada uma das suas secOes. A crise da IC adquire a sua expressão global no nivel politico. A analise deste aspecto da atividade da IC, nos a abordaremos concentrando a atengdo numas quantas experiencias que, em nosso juizo, tiveram um peso decisivo nos destinos da Internacional e, ao mesmo tempo, projetaram-se sobre o curso ulterior do movimento comunista. Com este enfoque, o que perderemos em extensao, provavelmente, ganharemos em profundidade. A politica da IC, da sua criagdo aos comecos dos anos trinta, vamos estuda-la atraves da esperiencia alema. Depois, passaremos ao exame da politica de frente popular, centrando-o em suas duas principals experiencias, a francesa e a espanhola. Em terceiro lugar, ainda que muito sumariamente, trataremos da politica colonial da IC e, em particular, de sua politica em face da revolueào chinesa. For Ultimo, vamos nos remeter ao periodo final da IC, o periodo do pacto germano-sovietic° e da constituicão inicial da coalizão anti-hitleriana.

A experiencia alenni 0 maior desastre da Internacional Comunista "Entre as segOes da IC nos paises capitalistas, o primeiro lugar pertenceu e pertence ao Partido Comunista alemOo. E o melhor organizado, o mais forte numericamente. Tem profundas raizes na classe ope123

rdria e o respaldo das grandes massas".' Esta era a opiniao dos chefes da Internacional em 1930, quando o Partido Comunista alemao (PCA) contava corn 124.000 membros e 4,5 milhOes de eleitores. Dai ate a ascensao de Hitler ao poder, suas forgas progrediram constantemente. Em fins de 1932, tem 360.000 membros e 6 milhOes de eleitores, que, somados aos da social-democracia, ultrapassam em 1,5 milhao os do partido nazista. A influencia deste, visivelmente, comegara a decrescer nos tiltimos meses de 1932. 2 Mas, em janeiro do ano seguinte, Hindenburg entrega o poder aos nazistas. Em marco, por decreto, Hitler dissolve o Partido Comunista, confisca seus bens, ocupa suas sedes, expulsa do Parlamento os seus cem deputados e comega a encarcerar massivamente os seus membros. Pouco depois, faz o mesmo com o Partido SocialDemocrata. A classe opearia nao oferece resistencia. 0 partido modelo da IC desaparece da cena histerica como forga politica efetiva. Foi o maior desastre da histOria da Internacional Comunista, o de conseqUencias mais graves e duradouras sobre o curso ulterior do movimento revoluciondrio na Europa. 0 fracasso do Partido Comunista alemao, de fato, nao apenas abre o caminho ao imperialismo hitleriano para desencadear a segunda guerre mundial; influi tambern, em grau consideravel, para que a segunda grande crise global do capitalismo ao tenha como desenlace a revoluao socialista em escala europeia. Quando, em 1943, a derrota do nazismo se delineia, e em todos os paises da Europa, inclusive na Italia fascista, se inicia o auge das forgas populares e revoluciondrias, o comunismo alemao continua sendo, praticamente, urn fator politico inexistente. No entanto, dispOs de dez anos para reorganizar as suas forgas, e ainda dispath de mais dais para atuar na fase da retirada e do derrocamento final do III Reich. Mas nao levantard a cabega. Corridos trinta e cinco anos desde o seu fracasso, o Partido Comunista alemao ainda nao conseguiu reconquistar uma influencia importante sobre o proletariado da Alemanha capitalista. Isto dd uma ideia do significado da derrota de 1933. Um ano e meio depois da ascensao de Hitler ao poder, Tr&ski anota: "0 papel criminoso da social-democracia dispensa comentdrios. A Internacional Comunista foi criada ha catorze anos precisamente pan tirar o proletariado da influencia desmoralizadora da social-democracia. Se isto nao se conseguiu ate agora, se o proletariado alemao encontrou-se impotente, desarmado, paralisado, no momento da grande prova hist& rica, a responsabilidade direta e imediata recai sobre a diregao da Internacional Comunista p6s-leniniana. Esta e a primeira conclusao a atrair imediatamente". 3 Juizo excessivamente forte e simplificador — defeito habitual em TrOtski mas com uma grande dose de verdade. Dois anos e meio depois, Dimitrov, implicitamente, da razao a Tr6tski, mas sem expor a grave responsabilidade do Comite Executivo

da IC, que implicava a responsabilidade muito direta de Stalin. Em seu informe ao VII Congresso da Internacional, Dimitrov, de forma clara, aponta apenas erros do partido alemao, essencialmente os seguintes: "Subestimou de maneira inadmissivel o perigo fascista"; "Subestimou, por largo tempo, a lea() do sentimento nacional e a indignagao das massas contra Versalhes; adotou uma atitude desdenhosa em face das vacilagOes dos camponeses e da pequena burguesia; demorou a formular um programa da emancipagao social e nacional e, quando o formulou, nao soube adaptd-lo as necessidades concretas e ao nivel das massas"; atuou com "sectarismo no que toca ao modo de colocar e resolver as tarefas politicas atuais"; continuou "concentrando o fogo" contra a reptiblica de Weimar quando "os fascistas ja organizavam e armavam as suas tropas de assalto — centenas de milhares de homens — contra a classe opearia".4 Mas este rol de erros, que estd longe de ser exaustivo, eludia a questa() principal para a andlise marxista: por que o Partido Comunista alemao cometeu erros desta envergadura? A vitOria do facismo, afirma Dimitrov, nao era inevitdvel na Alemanha; a classe operaria podia impedi-la — mas, para isto, seria necessdrio "realizar a frente Unica proletdria antifascista, obrigando os chefes da social-democracia a interromper sua campanha anticomunista e a aceitar as repetidas proposigOes do Partido Comunista sobre a unidade de agao contra o fascismo". 5 Na verdade (e Dimitrov silencia o fato), o Partido Comunista s6 se dirigiu a direao nacional do partido social-democrata e aos sindicatos, propondo uma agao comum, nos Ultimos dias que precederam a tomada do poder por Hitler - e fe-lo sob tal forma que dificilmente seria possivel o entendimento. Tratava-se, sobretudo, de "desmascarar" os chefes social-democratas - o que, definitivamente, favorecia as suas manobras.6 Ate o verso de 1932, segundo um historiador comunista franca, "a unidade de acao preconizada pelos comunistas parecia implicar que os operdrios abandonassem o Partido Social-Democrata para aderir ao PCA'.' Mais grave ainda: hd alguns anos, os chefes do Partido Comunista alemao vinham qualificando de "social-fascista a socialdemocracia enquanto partido". 8 Como os operdrios social-democratas poderiam "obrigar seus chefes a interromper sua campanha anticomunista", se os comunistas nao punham termo a sua campanha contra os chefes "social-fascistas"? Como poderiam obrigar seus chefes a aceitar proposigOes que inexistiram ate as vesperas da catdstrofe, e que os pr6prios operdrios consideravam inaceitheis? A classe operdria alema poderia dar provas de maturidade, quando o seu prOprio partido de vanguarda demonstrava a imaturidade indicada por Dimitrov? "Em hipOtese alguma — escrevia Lenin em 1922 — transferiremos os erros dos comunistas para os ombros das massas proletdrias".9 Como veremos mais adiante, na sea() deste capitulo que trata da frente popular, o VII Congresso da IC passou a formular a nova tatica 125

sem realizar urn verdadeiro exame critico da experiencia anterior. E nao o realizou — entre outras razOes — porque urn tal exame implicava chegar a mesma conclusdo de -frOtski: "a responsabilidade direta e imediata" da direcao da Internacional, e particularmente de Stalin, no desastre do Partido Comunista alemao. Realmente, ha muitos anos o PCA nao dava urn s6 passo que nao obedecesse estritamente as diretivas do Comite Executivo da IC. 0 PCA nao era apenas a secao mais important; depois do partido sovietico, da Internacional: era tambem a secao mais direta e estreitamente subordinada a "ajuda" do Comite Executivo da IC ou, mais exatamente, dos dirigentes sovieticos da Internacional. Este estatuto "privilegiado" da sat) alema na IC explica-se pelo singularissimo lugar ocupado pela Alemanha, canto na estrategia geral da IC quanto na politica externa da Uniao Sovietica. Ate a tomada do poder pelo fascismo, a Alemanha figurava na estrategia da IC como o cenario mais provavel de uma nova ruptura revolucionaria do sistema imperialista. Pam os destinos da revolugao de Outubro, era vital que esta hipOtese se confirmasse. Mas a Alemanha tambem era, desde Rapallo, o Estado capitalista com o qual a repUblica sovietica mantinha relacees verdadeiramente preferenciais. A metade do comercio extern sovietico se realizava corn a Alemanha; a indUstria e os tecnicos alemaes (calculados em cinco mil) contribufam para a industrializacao, e mesmo para o rearmamento direto, da jovem repUblica operaria. Em contrapartida — alem dos conseqiientes lucros econemicos obtidos pelos capitalistas alemaes o governo sovietico permitia aos construtores militares do Reich estacionar em seu territ6rio tipos de armas interditadas pelo tratado de Versalhes. De fato, estabeleceu-se uma frutifera colaboragao entre a Reichswehr e o Exercito Vermelho. 1 ° Nao so as economias se complementavam — neste perfodo, conjugam-se admiravelmente os interesses militares e diplomaticos da Rüssia sovietica e da Alemanha vencida. Os chefes bolcheviques da nova Internacional e do novo Estado, portanto, se defrontavam corn duas tarefas dificilmente conciliaveis: por urn lado, deviam organizar a revolucao contra o Estado alemao, enquanto objetivo prioritario da estrategia da revolucao mundial; por outro, deviam preservar a alianca corn o Estado alemao (posto que, na pratica, se tratava de uma alianga, embora a letra do tratado de Rapallo nao a explicitasse), como objetivo prioritario da politica externa da reptiblica sovietica. Cada uma destas tarefas era suficientemente ponder& vel para que a direcao do partido sovietico controlasse o partido alemao muito de perto; e a dificil compatibilidade de ambas reclamava duplamente este controle.

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InsurreicOes prematuras e expulsOes premonitOrias Ern 1919-1920, o problema nao se apresentava corn esta complexidade para os dirigentes sovieticos. Toda a sua vontade politica aponta para uma s6 direcao: a vit6ria da revolugao alema; dela depende — pensam — a sort da revolugao russa. JA vimos as razeles de ordem teOrica, informativa (insuficiente conhecimento da realidade ocidental) e psicoldgica que explicam a visa° otimista de Lenin acerca do curso da revolugao alema, que tambem contribuem para esclarecer por que ele nao extraiu imediatamente todas as conclusees pertinentes quando dos prematuros experimentos insurrecionais do grupo espartaquista (ja transformado em partido comunista) em janeiro-maio de 1919. E, no entanto, o peso desta tragica experiencia foi considerivel sobre o desenvolvimento ulterior do partido e da situagao alema. 0 partido sai dessangrado e decapitado, perde o melhor do seu micleo dirigente — urn te6rico do nivel internacional de Rosa Luxemburgo; Karl Liebknecht, seu lider mais popular; outros quadros importantes, como Leo Jogisches e E. Levine e centenas de quadros intermediarios. Igualmente grave é o que esta experiencia pOe de manifesto: a grande maioria do proletariado alemao esta firmemente enquadrada e dominada, politica e ideologicamente, pela social-democracia. Sem a modificacao deste dado fundamental, que possibilidade de revolugao proletAria existia na Alemanha? Vale a pena recordar urn fato pouco conhecido. Liebknecht e Rosa Luxemburgo consideravam prematura a insurreicao berlinesa de Janeiro, assim como Levine pensava o mesmo da instauracao da repUblica sovietica da Baviera, em abril. Eles tem consciencia de que a vanguarda revolucionaria nao conta com o apoio das grander massas e de que a burguesia, auxiliada pela direcao social-democrata, esta provocando os comunistas e os operarios revolucionarios para que se lancem a uma luta armada em condicOes desfavoriveis." Mas eles sal° ultrapassados pelo wide° mais radical do proletariado e do prOprio partido, cuja entusiistica resolugao de seguir o "caminho russo" e cuja indignacao em face da politica dos chefes social-democratas andam lado a lado corn a sua inexperiencia na luta revolucionaria. Decenios de confortivel pritica reformista dao este duplo resultado: a fidelidade da grande massa do partido sob cuja direcao se conquistaram substanciais reformas econOmicas e political ao partido que agora promete, desde o poder, a "socializacao" nos marcos da democracia e da legalidade; e o extremismo de uma minoria que nao se contenta com as reformas — republfca, assembleia constituinte, jornada de oito horas, reconhecimento dos conselhos operarios nas empresas — e aspira a tomada do poder "como na Russia". A nova direcao do partido que se constitui no segundo semestre 127

de 1919, encabecada por Paul Levi, tents elaborar uma politica a partir desta realidade, mas, ao mesmo tempo, procede sectariamente contra a "ultra-esquerda" — irredutivelmente hostil a qualquer participagdo em eleiggies e a agdo no interior dos sindicatos reformistas. Os principais lideres desta tendencia sdo expulsos em fevereiro de 1920 e formam o Partido Comunista Operdrio, levando consigo quase a metade dos efetivos do partido original. A diregdo de Paul Levi, a que se incorpora Clara Zetkin, rompendo com os "independentes", 12 se esforga para assimilar a ligâo de tdtica contida n'A doenca infantil..., de Lenin; no entanto, a ideia que os dirigentes sovieticos da IC ainda se fazem, neste momento, da maturidade da revolugdo mundial (o que significa, antes de tudo, a maturidade da revolugdo alemd") nao é de molde a facilitar o empenho da diregdo do PCA para corrigir o "esquerdismo" dentro do partido. 0 II Congresso da IC considera, como vimos (cfr. p. 58), que "a horn decisiva se aproxima" e que "logo a classe operdria tern que lutar de armas na mao". Em marco de 1921, os delegados da Internacional na Alemanha induzem a diregdo do PCA — a que ja nao pertence o grupo Levi-Zetkin, pelas raz6es que veremos a seguir — a responder corn a insurreigOo armada uma nova provocageo governamenta1. 13 0 fracasso é total e graves seo as conseqiiencias: dos 360.000 membros que o partido tinha em finals de 1920 (depois da sua fusdo com a maioria dos "independentes"), em fins de 1921 s6 the resta a metade. Mais uma vez flea demonstrado que a grande maioria da classe operaria segue disciplinadamente a social-democracia. 0 fato novo 6 que urn considerdvel setor do partido, desta vez, nao aceitou a linha aventureira da diregao national e da Internacional (o seu Comite Executivo aprovara a "agdo de margo", ainda que, depois, sob a influencia de Lenin, a critique). Pouco antes da "agdo de margo" (como o evento, a partir dai, denominado nos documentos da IC), Levi, Clara Zetkin e outros dos principais dirigentes do partido haviam se enfrentado com a Interna'cional no que toca as "21 condigOes". Ficando em minoria no comité central do partido alemao, demitiram-se de seus cargos. A nova diregdo — cujas figuras maiores sdo Brandler e Thalheimer —, mesmo nao sendo afeta a ala "esquerdista", é mais dela para corn os delegados da IC e se langa ao movimento insurrecional de margo. 0 grupo Levi-Zetkin expressa o seu desacordo corn o intento e Levi publica um panfleto criticando a fundo nao sO a tdtica do partido alerndo, mas ainda os metodos da Internacional. Imediatamente a expulso, corn os epitetos de "renegado", "traidor", etc. Depois da passividade do proletariado polonés ante a ofensiva do Exercito Vermelho sobre VarsOvia, no verso de 1920, e do recuo do movimento operario italiano ern face da espetacular ofensiva do fascismo mussoliniano, no inverno de 1920-1921, a postura de proletariado ale-

mao frente a intentona insurrecional de mango evidenciava o retrocesso geral do movimento revolucionario na Europa. 0 III Congresso da IC o reconhece, modificando o seu diagrthstico sobre as perspectivas imediatas da revolucao mundial. Como Lenin afirma, ha que terminar corn os "assaltos" e passar ao "assedio". Neste contexto, o III Congresso chega a conclusao de que a "nab de marco" foi um erro e sua analise coincide, no essential, corn a critica de Levi. Apesar disto, o congresso ratiflea a sua expulsao, justificando-a por razbes de disciplina (a publicanao do panfleto sem autorizacao da direcao do partido) e defendendo que a critica deveria ter sido feita internamente e nao sob os olhos do inimigo. Ao mesmo tempo, exige da "oposicao" no partido alemao (ou seja, aos partiddrios de Levi, Clara Zetkin e muitos outros) que "dissolva imediatamente toda organizacao fracionista", entendendo que "qualquer formagao de fragees e o major perigo para o partido" 14 Ao longo da agitada histdria do partido bolchevique, Lenin, Tthtski, Zinoviev e outros marxistas russos, que agora estavam a frente da IC, procederam, nao rams vezes, de maneira analoga a Levi e a "oposictio" alema de 1921. 15 Em mais de uma oportunidade, Lenin dissera que os revolucionarios nä° devem dissimular seus erros ante o inimigo. Agora, porem, usam urn peso diferente, determinado pela situacao vivida neste momento pelo partido russo. Ainda estava fresca a aprovacao, no seu X Congresso, da famosa resolugao proibindo as fragees, e o partido se encontrava em plena "retirada" (o transit° a NEP). Na "retirada" — diri mais tarde Lenin —, "a disciplina a cem vezes mais necessaria" e "aquele que demonstrar o menor panic° ou infringir a disciplina ajuda a liquidar a revolugao". 16 0 que poderia estar justificado na dramatica conjuntura atravessada pela revolugao russa 6 transferido pan o partido alemão — assim como para outras segOes da IC que se encontra numa situagao totalmente distinta: fora do poder, recem-constituido, procurando seu caminho, o que, antes de mais, requer inteira liberdade de discussào, luta interna, etc. A imposigdo do modelo bolchevique 1921 se converte na negacao do modelo bolchevique 1903-1921. 0 "caso Levi", o primeirà do eller° na histeria da IC, em vista de todas estas circunstancias e na nossa perspectiva histarica, adquire uma relevancia premonithria. Enquanto Lenin viver, o metodo nao se transformard num sistema, mas, sob Stalin, sera levado as suas tiltimas conseqiiencias.

Mudanca de enfoque: a revolucäb alemci se torna perigosa para a Russia da NEP Em 1923 apresenta-se, na Alemanha, uma situagao particularmente

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favoravel para ensaiar a possibilidade Utica formulada recentemente pelo IV Congresso da IC (dezembro de 1922): a participagao em "governos operarios", ao lado da ala esquerda da social-democracia. A ocupagdo do Ruhr pelas tropas francesas e a politica de resistencia nacional "passiva" aplicada pelo governo Cuno, bem como a queda catastrOfica do marco provocada por esta politica, engendram uma crise econOmica e politica que tende a converter-se em crise revolucionaria." Nos primeiros meses de 1923, os dirigentes sovieticos nao dramatizam a situagao alemä — ao contrario. Um jornalista ingles pergunta a TrOtski: se os franceses entrassem no Ruhr ern 1919, Moscou veria no evento o preladio de uma situacao revolucionaria; por que, agora, o visualizam de outra maneira? A resposta de Tr&ski reflete eloqiientemente a nova 6tica da direcao bolchevique depois de Rapallo e nas condicees da NEP. Desencadear uma nova guerra na Europa — replica TrOtski — é colidir com os objetivos do socialismo, uma Europa esgotada economicamente so pode debilitar as forcas produtivas e adiar a vitOria do socialismo para urn futuro longinquo." No pleno ampliado do Comite Executivo da IC, de junho de 1923, a politica do partido alemao — que se orientava a unidade de agdo com a esquerda social-democrata e a preparacao das condicifies para uma possivel solugao revolucioniria, mas sem considerar que a revolucao "esta ai" — foi examinada e aprovada sem nenhuma correcao essencial. Mas, diante da greve geral berlinesa de agosto, Zinoviev, presidente da IC, que, em outubro de 1917 acreditava que a Snack) nao estava madura na Russia para a insurreiflo armada, julga agora, atravAs das informagOes de imprensa que chegam a Moscou, que a tomada do poder na Alemanha esta ao alcance da mac). Tn5tski tambêm se deixa levar por esta febre. Lenin ja esta fora de combate e Stalin ainda nao controla a IC. Ele envia uma carta a Zinoviev e Bukharin, fixando a sua posicao: "Os comunistas alemaes [na fase atual] devem se encaminhar pan a tomada do poder sem a social-democracia? JA estao maduros para tanto? Es aqui, no meu entender, o problema. Quando tomamos o poder, contd.vamos corn reservas: a) a paz; b) a terra pan os camponeses; c) o apoio da enorme maioria da classe operaria; d) a simpatia dos camponeses. Os comunistas alemaes nao contam corn nada disco. 8 claro que tern a proximidade do pais dos sovietes, coisa que nao conheciamos; mas o que podemos oferecer a eles neste momento? Se hoje, por suposicao, o poder entra ern colapso por si mesmo na Alemanha e os comunistas se apoderam dele, fracassarao estrepitosamente. Isto, no `melhor dos casos'. No pior, serao liquidados. Penso que ha que deter os alemaes, e nao estimuld-los"." Trata-se do mesmo enfoque de Tr&ski na sua resposta ao jornalista ingles, porêm mais consistente: Stalin ra p se deixa impressionar pela greve geral em Berlim. A crise aleind colocava, sem dtivida, a repablica sovietica diante 130

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de uma dramatica alternativa. Se ela desembocava na guerra civil, era certo que as potencias da Entente interviriam corn todos os seus recursos em favor da burguesia e dos generais alemaes. Ao Estado soviótico so cabia ajudar militarmente ao proletariado irmao. Era novamente a guerra, e a guerra com a economia arruinada, corn as massas camponesas hesitantes, quando nao hostis, ern face do poder sovietico. Meses atras, no IX Congresso dos sovietes, Lenin observara: "Descortina-se para nos urn certo equilibrio, extremamente inseguro, mas indubitavel. Nä() sei se sera duradouro e creio que a impossivel sabe-lo. Por isso, devemos dar provas da maior cautela"; "sempre estamos as beiras de uma agressao militar", mas "tudo faremos, nas nossas limitacees, para evitar tamanho inforttinio". E depois de alongar-se sobre os sofrimentos que a guerra mundial e a guerra civil trouxeram aos operarios e camponeses russos, os "desastres incriveis" que causara, declara: "Estamos dispostos a fazer as maiores concess6es e os maiores sacrificios para conservar a paz que alcancamos a urn prego tao alto"." Mas, por outro lado, a vitOria da revolucão proletaria na Alemanha era o grande sonho de Lenin e de todos os bolcheviques desde 1917, a verdadeira consagracao do triunfo da revolucao russa, sua consolidacao definitive, o caminho para a vitOria da revolucao em escala europêia, em escala mundial... Repentinamente, dois anos depois que esta esperanca se afastara, ei-la agora parecendo apresentar-se novamente. 0 que fazer? Deter os comunistas alemaes ou estimuld-los? 8 inatil especular sobre qual seria a posicao de Lenin em face da situacdo. Julgada atravas destas suas tiltimas manifestagOes, a evidente que a postura de Stalin se aproxima muito mais da "cautela" recomendada por Lenin do que a febre que se apodera de Zinoviev e Tr&ski. No entanto, é provavel que o espirito e o rumo das argumentacOes de Lenin se afastariam sensivelmente dos de Stalin. A carta deste revela, corn efeito, urn tipo de enfoque no qual ja emergem algumas das motivagOes que inspirarao a sua forma ulterior de apreciar o movimento revolucionario fora da URSS: a) a transposicdo mectinica das premissas que permitiram a tomada do poder pelos bolcheviques como criterio para julgar da possibilidade ou nao de tome-lo em outras partes. Era indiscutivel que os comunistas alemaes nao "dispunham" da bandeira da paz, mas a invasao do Ruhr lhes proporcionava a bandeira da emancipagao nacional contra a opressac) de Versalhes, bem como a alternativa de dirigi-la contra as classes dominantes, que se orientavam a capitulaflo. Era certo que os camponeses alemaes estavam longe da revolugao, mas sofriam, neste momento, uma crise intensa e, ademais, o fator campones nao tinha, nem de longe, a mesma ponderagao na Alemanha industrial que na Rtissia agraria. Era verdade que a maioria da classe operdria continuava sob a influ'éncia da social-democracia, mas precisamente naqueles meses ocor131

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ria urn notavel deslocamento dos operarios social-democratas na diregdo do Partido Comunista. Stalin, provavelmente, tinha razdo quando observava que a situagdo tido estava madura para que se colocasse a tomada imediata do poder (a mesma opinido era compartilhada por Radek e a maioria dos dirigentes alemdes 21). Mas n5o se podia negar a possibilidade de que o aprofundamento da crise, acompanhada de uma tatica inteligente do partido, poderia criar as condigOes para uma saida revolucionaria (como vimos noutro Lugar, Lenin tambem se deixou levar pelo mimetismo do modelo russo quando analisou a revolugdo alemd de novembro de 1918, mas somente quanto as formas e fases do seu desenvolvimento — ndo identificou o papel dos camponeses na Alemanha industrial ao que tinham na RUssia agraria. De qualquer maneira, ja o precedente de Lenin punha em destaque um dos principais perigos que ameagavam a IC, dada a decisiva hegemonia que os bolcheviques tinham na sua direedo: a abordagem dos problemas do movimento revolucionario, tanto no Ocidente quanto no Oriente, sob a lente russa); a desconfianca na capacidade revoluciondria dos comunistas Mio russos. Colocando-se a hip6tese do colapso do poder burgues e a sua passagem para as indos dos comunistas alemdes, Stalin tido reconhece nestes a capacidade demonstrada pelos bolcheviques: utilizar o poder para dominar os fatores adversos implicitos na conjuntura excepcional que Ihes permitiu conquista-lo. Considera inevitavel o seu "fracasso estrepitoso"; subordinacdo total do problema a situaciio do Estado sovietico. Stalin pergunta: "0 que podemos oferecer a eles neste momento?". Ndo pergunta sobre a contribuigdo que a revolugdo alemd pode oferecer luta revolucionaria na Europa e vice-versa, não indaga em que medida a revolugdo alemd pode alterar toda a shined° europeia e a pr6pria siMacao interna da Russia. Mesmo corn o refluxo da onda revolucionaria de 1919-1920, o quadro era muito instavel numa serie de paises: a Bulgaria praticamente se encontrava em estado de guerra civil e, em setembro, o Partido Comunista langou-sea insurreigdo armada; em outubro, na PolOnia, foi a greve geral e a insurreicdo da CracOvia; o movimento operario italiano ainda ndo fora liquidado pelo fascismo; em muitos paises se manifestava a solidariedade corn os trabalhadores alemdes, em face da intervened° do imperialismo Frances. Dadas a significagào histOrica do movimento operario alemdo e a importáncia econOmica e politica do pais, a revoluedo socialista na Alemanha poderia encontrar no proletariado europeu e americano um eco bem maior que a revolucdo russa. Toda a situagdo podia mudar — Stalin, porem, confia sobretudo no saber tampons: mais vale urn passaro na mao que tern voando. Tr&ski compartilha da preocupagdo de Stalin quanto aos riscos 132

que o aprofundamento da crise alemd implica para o Estado sovietico, mas nele, no final das comas, acaba por impor-se uma visäo mais ampla. 0 seu erro, como o de Zinoviev e de outros dirigentes da Internacional, consistiu possivelmente em dar por ja criadas condigOes que eram apenas potenciais e em pressionar para esta orientagdo os dirigentes comunistas alemdes. Em meados de setembro, o Comite Executivo da IC chamou-os a Moscou, determinando-se os passos para a imediata preparagdo da insurreigdo armada. Decidiu-se tambem que o partido ingressasse nos governos social-democratas de esquerda na SaxOnia e na Turingia, considerando que isto facilitaria a preparaedo da insurreicdo em escala alemd (os dirigentes da organizagdo comunista da Sax'Onia eram contrarios a participagdo no governo e Brandler, principal chefe do PCA, tambem tinha dfwidas a respeito, mas acatou a proposta do Comite Executivo da IC 22). Tr&ski, sempre sensivel aos grandes efeitos hist6ricos, sugeriu que se fixasse a data da insurreiedo entre 7 e 9 de novembro, aniversarios respectivos da revolucdo russa de 1917 e da alemd de 1918. Finalmente, concluiu-se que o mais sensato era deixar aos alemdes, pelo menos, a determinacão da data precisa da insurreigdo.23 A insurreigdo e marcada, enfim, para a Ultima semana de outubro. Mas o governo central se antecipa e envia 60.000 homens da Reichswehr para a SaxOnia. Na conferencia dos conselhos operarios de toda a SaxOnia, Brandler anuncia a proposta do partido — declarar a greve geral e organizar a resistencia armada —, mas a maioria dos delegados operarios, socialistas de esquerda, recusam-na. Diane do fato, a diregdo do PCA suspende a ordem para a insurreigdo; a contra-ordem, porem, ndo chega a tempo a Hamburgo: durante tres dias, nesta cidade, centenas de comunistas lutam heroicamente contra a policia e o exercito, sem apoio ativo da massa proletaria. A Reichswehr desarma as milicias operarios que o partido organizara na Saxemia e na Turingia e os comunistas sdo excluidos dos seus governos. A IC qualifica os acontecimentos de outubro como uma derrota do Partido Comunista alemdo. A avaliagdo e muito discutivel, posto que, na realidade, a influencia do partido cresce nas massas, como 0 demonstrardo os resultados eleitorais de maio de 1924 (quase quatro milhOes de eleitores sufragam os comunistas). E, o que era mais importante, pela primeira vez desde o seu nascimento, o partido conseguira estabelecer relagOes unitarias corn a ala esquerda da social-democracia. 0 resultado de outubro so poderia ser considerado uma "derrota" a partir do pressuposto da existencia de todas as condicides para a tomada do poder, hip6tese que tido e, absolutamente, abonada pelas investigagOes histOricas. 24 A pr6pria insurreiedo de Hamburgo provou que, ainda existindo uma certa radicalizagdo no proletariado alemao, ela estava muito distante da disposigdo para a luta armada. Na verdade, a decisdo de Brandler-Thalheimer — que, na historiografia oficial da IC, 133

e qualificada de "traigdo" — provavelmente evitou que o partido alembo fosse massacrado, como em marco de 1921. A "derrota de outubro" sera objeto de acres discussOes no Partido Comunista alembic) e na IC durante os meses seguintes. Obedecendo a urn metodo que comega a se constituir numa tradigbo, o Comité Executivo da Internacional Comunista langa toda a responsabilidade sobre os ombros dos dirigentes nacionais, responsabilizando a sua politica no periodo precedente pelo suposto aborto da revolugdo alemb. Na realidade, desde a expulsdo de Levi, a diregdo do PCA se ajustara estritamente as diretivas da IC. 25 Seu primeiro (e Ultimo) ato de independencia foi suspender a ordem para a insurreigdo, quando se deu conta de que o partido novamente ficaria isolado, como em 1919 e 1921. No V Congresso da IC (junho-julho de 1924), Clara Zetkin, sem que ninguern pudesse dizer o contrario, afirma: "Falou-se aqui de brandlerismo e de radekismo. Mas ate a derrota de outubro, a diregbo do partido alembo respaldava-se no Comite Executivo da IC. Portant°, se o partido 6 culpado, 6-o igualmente o Comith Executivo". E acrescenta que Brandler, ao recusar o combate naquelas condigOes, prestara urn grande servico ao partido.26

Para que uma teoria da revolucdo alernit se existem Stalin e a "politica leninista"? A suposta "derrota de outubro" era, no fundo, o pretexto para liquidar corn uma das tendencias do Partido Comunista alemao, a qual, aos olhos do Comit6 Executivo da IC, pecava grave e duplamente: ern primeiro lugar, embora aplicando fielmente no periodo 1921-1923 a politica de frente Unica da Internacional, a lOgica desta politica levava aguela tendencia a considerar, cada vez com mais forga, a realidade da situagdo alemä, o que conflitava corn o sistema de diregdo da IC; em segundo lugar, a diregdo Brandler-Thalheimer demonstrara excessiva simpatia para com os grupos que, no interior do partido russo, defendiam a democracia interna.27 Na chamada "esquerda" do partido alembo existia tambárn uma forte corrente que se posicionava contra a subordinagdo incondicional as diretivas de Moscou; mas os lideres desta tendencia aproveitaram a condenagdo do "brandlerismo" para chegar a urn compromisso com o ComitE Executivo da IC. Em troca da coopereo corn o todopoderoso Comit8 Executivo na luta contra o grupo Brandler-Thalheimer (corn aquele, a "esquerda" colidia taticamente: divergia da politica de frente Unica, o que já the valera, no III Congresso da IC, as severas criticas de Lenin), os lideres da "esquerda" obtiveram a ajuda do Comite Executivo para conquistar a maioria na diregdo do PCA. A cam-

panha de "bolchevizacdo" dos partidos comunistas, iniciada em 1924, expressa-se, no partido alembo — como nos outros —, num reforgo do centralismo burocrdtico e do divOrcio em face das realidades nacionais. Este processo, numa primeira fase, se opera sob o signo da luta contra os "direitistas", que, neste momento, sào os principais advogados de uma major autonomia diante do Comit8 Executivo da IC, bem como do desenvolvimento da democracia interna no partido. Numa declaragdo subscrita por Brandler, Thalheimer e Radek, em margo de 1924, afirma-se que a verdadeira bolchevizagdo "exige a adequagdo mais rigorosa as particularidades de cada pals e so pode ser obtida pela livre discussao nas organizagOes do partido, atraves de urn regime de democracia interna que permita a selegdo de uma direcdo formada pelos comunistas mais experimentados". "A evolugbo do movimento comunista ocidental precisa operar uma sintese dos dirigentes formados na luta de ideias contra a social-democracia. E que, depois de romper corn ela, fundaram os partidos comunistas, corn os elementos j ovens que chegaram ao comunismo nos combates revolucionarios de 1919 e posteriores [...]:' Em conseqiiEncia, exige-se "a anulagdo da expulsbo de mais de cinqiienta quadros operdrios que foram fundadores do Partido Comunista alemao, reintegrando-os em suas fileiras". 25 Na mesma reunibo do Comia Executivo da IC em que se redige esta declaragdo, Clara Zetkin "protesta resolutamente contra a tendencia que existe no partido alembo, de rotular como `direitistas' todos os antigos espartaquistas, acusando o Comifé Executivo da IC de tido se opor a ela". No partido — diz Clara Zetkin "ndo pode haver unidade de agdo sem liberdade de discuss d- o e de critica"; "o interesse do partido reclama que os militantes corn espirito critico possam expressar-se no seu interior"; "devemos nos perguntar se se prosseguird, no futuro, coin o mecanico procedimento das exclusees e das represilias".29 0 "futuro" responderia afirmativamente as dtividas da veteran lutadora. As exclusOes e represdlias näo seriam apenas continuadas: seriam intensificadas — mas, na fase seguinte, seriam fundamentalmente dirigidas contra a "esquerda". A vitOria desta revelou-se, de fato uma vitOria de Pirro. Coincide corn o inicio do duelo Stalin IYOtski, e a maioria do nixie° dirigente da "esquerda" alemd apOia as posicees do segundo. Em torno de Thaelmann (que figurara na "esquerda") se forma urn grupo "centrista" — conforme o jargdo da 6poca — que, sustentado por Stalin, passa a controlar, a partir de finals de 1925, a diregdo do partido alemdo. 3° A ofensiva contra a "esquerda" alemb é conduzida em perfeita sincronia com a grande batalha contra a oposigdo trotskista-zinovievista no partido russo. Entre 1926 e 1928, centenas de militantes operdrios, quadros veteranos, valiosos intelectuais, sdo afastados dos postos dirigentes ou expulsos do partido. Em finals de 1928, sincronizada a ofensiva de Stalin contra a "direita" do partido russo

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(Bukharin e seus seguidores), inicia-se no partido alentho a eliminagio politica dos sobreviventes do brandlerismo, entre des seus Ilderes principals: Brandler, Thalheimer, etc. Neste periodo — ou seja, quando se abre a fase decisiva da evolugio politica alema que desembocara na vitOria hitleriana o Partido Comunista alentho ficari amputado de quase todo o nide° dirigente original, procedente do espartaquismo e da esquerda do Partido Socialista Independente. A partir de 1928, Thaelmann sera o chefe absoluto do partido, o executor incondicional da politica de Stalin. Neste ano, a maioria do Comite Central do PCA decidira retirar Thaelmann da secretaria geral do partido, mas Stalin exige que o Presidium do Comite Executivo da IC anule a decisho.n Para perceber todo o alcance das conseqiiencias da citada amputacão, hi que levar em conta que a "direita" e a "esquerda" do partido alemao, apesar das suas divergencias taticas e estrategicas, tinham, desde o nascimento do partido, algo que as enlagava: a aspiragio, mais ou menos explicita, de elaborar e dirigir autonomamente a politica do partido e a resistencia a serem simples executoras das diretivas de urn centro internacional sob o controle sovidico. 0 informe de Rosa Luxemburgo, no congresso de fundagäo do partido, ja postulava uma concepao estrategica do curso da revolugão alema que diferia substancialmente da concepgdo bolchevique. E nos documentos dos anos 1919 e 1920 encontram-se as marcas desta diferenciagat. 32 As divergencias referem-se tambem ao funcionamento interno do partido, a concepgio da rdagão entre o partido e as massas (tanto na fase da luta sob o capitalismo como depois da tomada do poder). Rosa Luxemburgo defendia urn autentico democratismo, quer na vida interna do partido, quer no novo regime social. A heranga teorica luxemburguista influi sobre todo o nncleo original do partido, independentemente das divergencias taticas. E 6 tanto mais valorizada quanto mais a experiencia pratica da evolugdo do regime sovidico e do prOprio partido alentho vein confirmar algumas das criticas e previsOes de Rosa Luxemburgo (nit a casual que um dos primeiros passos de Levi, depois da sua expulsät, seja a reedigat das suas obras). Independentemente da existencia, na obra teOrica e politica de Rosa Luxemburgo (assim como na de Marx, Engels e Lenin), de aspectos que a pratica social questionaria, 6 evidente que esta obra, nascida numa viva conduit) corn a realidade alenth e seu movimento operario, representava uma valiosa contribuigio a elaboragdo de uma teoria original da revolucao alenth. Por outro lado, tambim era necessärio, para esta teoria, considerar criticamente os aportes dos teOricos do "centro" e da "direita" social-democrata, dos Kautsicy, Hilferding, Bernstein, etc., mesmo que so pan investigar melhor as raizes do reformismo no proletariado alemao e as caracteristicas especificas do capitalismo germinico. Mas toda esta heranca tedrica é abandonada nos primeiros anos

da formagio do partido alembic), impondo-se cada vez mais rigidamente a transplantagio do modelo sovidico de socialismo e de partido, a aplicacao incondicional das teses estrategicas e taticas do Comite Executivo da Internacional. 0 partido comunista do pais que foi o bergo do marxismo, o partido revolucionirio dos operirios alemaes — que, como dizia Engels, thin a vantagem de "pertencer ao povo mais teOrico da Europa e conservar este sentido teOrico" 33 apresenta, por volta de 1928, quando Stalin ultima a instauracio do seu controle sobre os comunistas ale mies, o espeticulo da mais lamentivel esterilidade teerica. Seu nide° intelectual foi dizimado, praticamente liquidado. Ern 1926, Stalin dera o sinal para acabar com os sobreviventes. Num discurso diante da comissao alemE ao VI pleno ampliado do Comite Executivo da IC, tece as seguintes consideragOes: "Alguns intelectuais dizem que o Comite Central do PCA e debil, que dirige deficientemente, que a ausencia de intelectuais no seu seio repercute negativamente no seu trabalho, que o Comite Central nat existe, etc. Camaradas, tudo isto a falso. Essa parlapatice, no meu entender, a prOpria de intelectuais e indigna de comunistas"; "diz-se que o atual comite Central nap brilha por seus conhecimentos teOricos. E dal? Desde que a politica seja acertada, os conhecimentos teOricos sac) superfluos. Conhecimentos teOricos sao coisas que se adquirem; se nib se os tem hoje, amanita, se os conquista. Para alguns intelectuais presungosos, pothm, o que tido a facil 6 assimilar a correta politica praticada atualmente pelo Comite Central do PCA. E a forga deste Comite Central consiste ern que aplica uma justa politica leninista, coisa que os intelectualOides que rendem culto aos `conhecimentos' ttho querem compreender". "Camarada Thaelmann: se esses intelectuais querem servir a causa operaria, aceite os seus servigos; se querem mandar a todo custo, dispense-os.34 Efetivamente, os intelectuais que ainda estavam no Partido Comunista alemio foram dispensados, não exatamente porque quisessem "mandar a todo custo" ou deixar de "servir a causa operaria", mas porque teimavam em nio renunciar a "funesta mania de pensar". Liberado pelo chefe infalivel da complexa necessidade de fundar a sua agat em "conhecimentos teOricos", o Comite Central do Partido Comunista alemio continuou aplicando a sua "justa politica leninista" que conduziu a catastrofe de 1933. 0 ponto de arranque desta politica se encontra na revisit) feita pelo V Congresso da IC da Utica seguida no periodo anterior. Condenando a politica de Brandler, o Comite Executivo da IC impugnava, de fato, a politica de frente Unica prolethria, tal como fora concebida por Lenin e formulada pela prOpria IC nos plenos ampliados do Comite Executivo de dezembro de 1921 e fevereiro de 1922 e no IV Congresso (dezembro de 1922). Imprimia-se a esta politica uma 137

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DEPAT aANIZI ITO 15:: C:E.:01; POUrteA u-JOL/OTECA inflexao sectaria, que seria formalizada no V Congresso (junho-julho de 1924) e acentuada nos anos seguintes. Para apreciar o alcance desta revisao, particularmente para o partido alemao, e tendo em conta tamb6m que a politica de frente Unica proletaria, versa() 1921-1923, funcionara como urn precedente quando a Internacional realizar a sua viragem de 1934-1935, 6 necessario examinar, mesmo que sumariamente, o significado desta politica frentista.

Frente tinica no capitalismo e partido tinico no socialismo Inicialmente, a tatica da frente Unica 6 concebida como uma politica defensiva, a partir dos seguintes dados: refluxo do movimento revolucionario na maioria dos paises capitalistas; contra-ofensiva capitalista sobre o nivel de vida das massas e suas conquistas sindicais e politicas; divisao da classe operdria, cuja maior parte continuava enquadrada nos partidos e sindicatos reformistas. Nestas condicees, a luta pelo poder se punha como alga distante e, em troca, como questa° urgente, a classe operdria, coloca-se a oposicao a ofensiva patronal e estatal mediante uma frente Unica. Ate mesmo varias organizagees reformistas se referiram a esta necessidade. A chamada Internacional Dois e Meio, reunindo partidos socialistas e frees de outros que se recusaram a optar entre a Segunda e a Terceira, pusera-se como tarefa principal propiciar o restabelecimento da unidade operdria.35 Em suas primeiras teses sobre a frente Unica proletaria, aprovadas pelo plena do Comit8 Executivo de dezembro de 1921, a IC defende acordos entre as organizacaes politicas e sindicais de todas as tendencias do movimento operdrio, inclusive a nivel internacional: "Aceitando a palavra de ordem da unidade da frente proletaria, e admitindo acordos entre suas diversas secees e os partidos e sindicatos da Segunda Internacional e da Internacional Dois e Meio, a Internacional Comunista — dizia-se nas teses mencionadas — nao pode, evidentemente, renunciar a conclusao de acordos andlogos em escala internacional".36 Em principios de 1922, a Internacional Dois e Meio dirigiu-se as outras duas, propondo a celebragao de uma conferencia do mais alto nivel para discutir as bases da eventual aelo comum. A proposta foi aceita e a confeancia teve lugar em Berlim, de 2 a 5 de abril de 1922. A Confer-arida das Tres Internacionais, como ficou conhecida, foi um dos acontecimentos importantes de 1922. Pela primeira vez desde 1914 (e tambern pela Ultima), os maximos representantes das tres grandes fragOes em que se cindira a velha social-democracia encontraramse frente a frente para examinar a possibilidade de refazer urn minimo de unidade de agao. Neste confronto revelaram-se nitidamente algumas 138

das principais ambigiiidades e contradkaes que a tatica de frente Unica proletaria adotada pela IC abrigava, e que iriam manifestar-se em todas as suas dimensoes no periodo que se iniciou em 1934.37 Para a IC, a politica de "frente Unica" nao era apenas o meio para resistir mais eficazmente a ofensiva capitalista. A IC considerava que esta politica permitiria aos partidos comunistas estreitar as suas relaceies corn as massas, influencia-las no sentido da revolucao, tira-las da subordinagao ao reformismo e prepara-las para futuros combates ofensivos. Nas teses aprovadas pelo IV Congresso, previa-se a possibilidade de que, numa situaeao revolucionaria ou pre-revoluciondria, a frente Unica proletaria poderia desembocar na formacao de "governos operarios" — corn a participagao de comunistas, socialistas de esquerda e outros grupos avangados — ou de "governos operarios e camponeses", nos quais, ao lado dos representantes da classe operdria, figurariam os das camadas medias radicalizadas, particularmente do campesinato. Este tipo de governo, segundo as teses, ainda nao seria a expressao da ditadura do proletariado, mas podia preparar a sua emergéncia, cobrir uma certa etapa de transicao entre a ditadura da burguesia e a ditadura do proletariado. Ao mesmo tempo, declarava-se contundentemente que "a ditadura completa do proletariado so pode ser efetivada por um governo operario composto por comunistas". 38 Ou seja: qualquer outra tendencia do movimento operario, por mais radical que fosse, podia percorrer corn os comunistas urn pedaco do caminho que levava a "ditadura completa do proletariado", mas, no fim das contas, teria que deixar livre o espaco para a exclusiva direcao do partido comunista. Era a projecao do caminho que efetivamente se trilhara na Russia. Aos eventuais aliados de hoje se lhes propunha colaborar na criacao de condiceks que permitissem a sua eliminacao, enquanto forea politica, no dia de amanha. As proposicOes encaminhadas pelos partidos comunistas e pela IC aos partidos e sindicatos reformistas, a fim de chegar a acordos para a acdo comum, seriam "Uteis", na perspectiva acima exposta, quer fossem aceitas ou recusadas. Neste caso, serviriam para "desmascarar" ipso facto os lideres reformistas. Aceitas, conduziriam ao mesmo resultado em uma ou outra fase do movimento, posto que tais lideres nab estariam realmente dispostos a defender de maneira conseqUente os interesses operarios. No curso da acao, os comunistas denunciariam as suas vacilageies ou traigOes. Estas previsaes repousavam em dois pressupostos, a que jä nos referimos em outras passagens, mas que devem ser recordados segundo a formulagao da IC: a) o capitalismo "nao é mais capaz de assegurar aos operarios condicees de existencia minimamente humanas" e, por isto, "os operdrios que lutam por suas reivindicaeOes parciais sao levados automaticamente a combater toda a burguesia e seu aparato estatal"; b) os chafes reformistas, dado que sao 139

os agentes da burguesia e estao obrigados a defender os seus interesses, "nao tem a menor inteneao de combater pela mais modesta das reivindicagOes que inserem em seus programas". 39 Se, apesar disto, aceitam ocasionalmente as propostas comunistas de aeao comum, fazem-no forgados pela pressao das massas, nas quail a ofensiva capitalista suscitou "uma tendencia espontanea a unidade, que a irreversivel"; forcados, porque "as ilusOes democraticas e reformistas — que, depois da guerra, ganharam terreno nas categorias privilegiadas de trabalhadores e entre os operdrios politicamente mais atrasados —, antes mesmo de fibrescer, se dissiparam".49 This pressupostos, rapidamente, se revelaram er gineos. Pouco tempo depois de formulada a Utica de frente Unica, iniciava-se a fase de auge econOmico batizada pela IC como "estabilizagao relativa". Os partidos e sindicatos reformistas serviram novamente a classe operaria para obter algumas satisfagOes econOmicas compativeis com o mecanismo do sistema. Salvo em casos particulares, as reivindicagOes "minirims" nao se comprovaram como a alavanca ideal para afastar as massas dos reformistas. A concepgao do estado do capitalismo mantida pela IC nao the permitia ver que o reformismo nao residia somente na politica dos lideres reformistas — estava embutida, igualmente, na pr6pria natureza de reivindicagOes que eram susceptiveis, de fato, de serem "assumidas" pelo capital e servirem de "estimulo" ao seu desenvolvimento Snit°. As pesadas acusacOes que os comunistas langavam contra os chefes reformistas nao contribuiam em nada pan a explicagdo racional dos problemas existentes e, portanto, nao convenciam aos trabalhadores imbuidos de "ilusOes democraticas e reformistas". Em troca, porem, proporcionavam aos chefes reformistas excelentes argumentos polemicos. "Chamam-nos a unidade — diria Vandervelde na Conferencia das Tres prop6em-nos a realizaedo da frente unica. Mas nao Internacionais se dissimula a segunda intengao: suforcar-nos ou envenenar-nos depois de nos abracar"; quando se afirma que Henderson, Vandervelde, Longuet, etc., "servem aos interesses da burguesia, a pelo menos estranho que se proponha a estes mesmos senhores colaborar na defesa dos interesses proletarios"; "NI& somos social-traidores, social-patriotas, amarelos, sustentaculos da burguesia. Zinoviev disse, inclusive, que eu cometi crimes — e, apesar desses crimes, a opiniao de voces a que nossa presenga nesta conferencia e Util". A lOgica desta argumentagao era, evidentemente, muito mais compreensivel as massas das organizagOes reformistas que a 16gica da IC, expressa na resposta de Radek a Vandervelde: "Votes vieram a esta conferencia porque foram forcados. Votes foram um instrumento da reacao mundial e agora sdo obrigados, querendo ou nao, a ser urn instrumento da luta pelos interesses do proletariado:' 140

A resposta do mencionado proletariado foi a seguinte: de 1921 a 1928, o mimero de comunistas nos paises capitalistas reduz-se a metade (de cerca de 900.000 para uns 450.000), enquanto que o de filiados A social-democracia duplica (de uns ties milhbes para mais de seis). Na Conferencia das Tres Internacionais viria a luz, corn especial virulencia, uma das principais contradigOes internal da politica de frente Unica proletaria — a que existia entre o contelido desta politica nos paises capitalistas e o processo politico que, no mesmo periodo, se desenvolvia no pats dos sovietes. De fato, os lideres socialistas exploram habilmente o "paradoxo" de que, enquanto a IC, dirigida pelos bolcheviques, convoca a frente Unica todas as tendencias socialistas no mundo do capital, a fim de defender o nivel de vida das massas, a democracia e a revolugao russa, no pais dos sovietes os bolcheviques perseguem as mesmos tendencias, privando-as de todo tipo de direitos politicos e sindicais. 41 Exploram, igualmente, o fato de, tendo lido sempre o direito de auto-determinagao dos povos urn dos principais pontos do programa bolchevique, os povos da periferia do ex-imperio russo estarem praticamente privados deste direito. Particularmente, agitam o caso da Georgia, invadida e ocupada recentemente pelo Exercito Vermelho, apesar do apoio que a grande maioria da sua populagao conferia ao govern menchevique.42 Os representantes da IC na conferencia respondem aplicando a conhecida regra segundo a qual a melhor defesa 6 o ataque: experem, mais uma vez, a larga lista de capitulagties e gaieties da socialdemocracia a causa da revolugao, durante e apOs a guerra mundial. Mas um erro nao justifica o outro. Que os imperialistas, mais ou menos ajudados diretamente pela social-democracia, pisoteiem a democracia e o direito de autodeterminacao das nagOes mais debeis — eis algo que corresponde a natureza dessas forgas politicas e, ao menos no que se refere aos imperialistas, perfeitamente compreensivel para as massas trabalhadoras. Mas que a revolugao socialista atentasse contra a democracia proletaria e Lao respeitasse o direito de autodeterminagao dos povos — isto contradizia a natureza do partido bolchevique, tal como ele mesmo a definia. Neste aspecto, os representantes bolcheviques na Conferencia das Tres Internacionais caem totalmente na defensiva. Radek, que faz o papel de tenor, nada explica, e Bulkharin permanece em silencio.43 A conferencia evidencia que a "frente Unica" 6 uma lamina de dois gumes: se, em determinadas situagOes — quando se exacerba ela pode facilitar o enfrentaa luta entre proletariado e burguesia mento entre as massas e os chefes reformistas, ao mesmo tempo pode favorecer a estes a insereão, nas massas influenciadas pelos comunistas, de criticas aqueles aspectos da revolucao russa que atentavam contra a democracia operaria. Extraindo da conferencia a flea° que the parece pertinente, Lenin escreve: "A burguesia, na pessoa dos seus diplomatas, novamente se mos141

trou mais habil que os delegados da Internacional Comunista". "Nossos delegados— anota no mesmo texto — erraram, no meu entender, quando aceitaram as duas condigOes seguintes: primo, que o poder sovietico nao aplique a pena de morte no caso dos 47 social-revolucionarios; secundo, que o poder sovierico permita aos representantes das Tres Internacionais acompanhar o processo". Corn efeito, a delegagao da IC fizera estas duas concessOes e mais uma, a que Lenin nao alude: a formaga° de uma comissao das Tres Internacionais para investigar a questao da Georgia. Aqui, é significativo o silencio de Lenin — e justamente neste periodo que ele comeca a inquietar-se corn os metodos chauvinistas grao-russos que, sob a diregao de Stalin, estao sendo utilizados na Ge6rgia. Numa nota escrita em dezembro deste ano, Lenin advertira severamente o partido sobre o perigo de "incorrer em atitudes imperialistas em face das nacionalidades oprimidas, pondo em questa° a sinceridade da nossa posigao de principio na luta contra o imperialismo".44 Lenin considera que a delegagao da IC cometera urn erro ao fazer as duas concessOes mencionadas porque, "em troca, nao obtivemos nenhuma concessao". No entanto, gragas a essas concessOes a conferencia pudera chegar a urn primeiro resultado positivo no que tange a agao unida do proletariado no mundo capitalista. Em primeiro lugar, cria-se um comite permanente das Tres Internacionais, encarregado de preparar uma confer'encia operaria sindical a que tambem sera° convidadas as organizacOes sindicais. Em segundo lugar, acerta-se a celebragao de manifestagOes operdrias a 20 de abril ou a 1? de maio com as seguintes consignas: pela jornada de oito horas; contra o desemprego; pela unidade de agao do proletariado contra a ofensiva capitalista; pela revolucao russa, pela ajuda a Russia faminta, pelo restabelecimento de relagOes politicas e econOmicas de todos os Estados corn a Rtissia dos sovietes; pela reconstrucao da frente Unica proletdria em cada pais e na Internacional. E por isto, sem davida, que Lenin diz que "o erro dos camaradas Radek, Bukharin e outros nao a grande": "seria urn erro incomparavelmente maior recusar o custo e a condigao que permitern entrar neste local fechado, tao protegido". [Trata-se do "local" social-democrata, onde "os representantes da burguesia exercem a sua influencia sobre os operarios!']45 Considerada esta opiniao de Lenin, nao e facil explicar por que, pouco depois, o Comite Executivo da IC decide retirar-se do comite recem-constituido e interromper o processo em andamento. Seria a preocupacao para evitar novas discussoes abertas, a nivel internacional, ern que se colocassem os problemas internos da revolucao russa? A explicacao oficial fornecida pela IC e de que os chefes das outras Internacionais nao se propunham sinceramente a aplicacao dos acordos acertados em Berlim. Mas esta avaliacao poderia ter sido feita igualmente 142

antes da confer'encia — entao, por que a reuniao? E se, apesar de tudo, foram alcangados certos acordos positivos, por que nao pOr a prova a "sinceridade" dos que se comprometeram a aplica-los? De qualquer forma, o IV Congresso da IC, reunido em finais de 1922, nao insistiu sobre a realizagao da frente Unica em escala internacional. Salvo esta corregao implicita, a politica de frente Unica proletaria nao sofre modificaceies ate depois da "derrota de outubro" na Alemanha. 0 IV Congresso realga o perigo fascista e declara em suas teses que "uma das tarefas mais importantes dos partidos comunistas é organizar a resistencia ao fascismo internacional, colocar-se a frente de todo o proletariado na luta contra os bandos fascistas e, tambem neste terreno, aplicar vigorosamente a tatica da frente Unica". 0 perigo fascista, adverte-se, nao se dirige apenas contra o proletariado, mas "contra as prOprias bases da democracia burguesa".46

Social-democracia = social-fascismo = inimigo principal Toda esta concepgao tâtica a revisada pelo V Congresso da IC, partindo, como ja dissemos, do suposto fracasso da politica de frente Unica proletaria aplicada por Brandler durante os eventos de 1923. Ern lugar de utilizar esta experiencia para urn profundo reexame da proble'Italica colocada pelo capitalismo e pelo movimento operdrio alemaes, a IC resolve a questa° rotulando de "oportunismo de direita" a politica de frente Unica em sua versa° leniniana e procedendo a urn recuo sectario que terd nefastas conseqilencias para todo o movimento comunista e, especialmente, para o partido alemao. Evidentemente, as motivagOes alemas nao sao as anicas que determinam este recuo: as contradigOes da politica de frente Unica, apontadas acina, a impossibilidade de supera-las sem uma revisao fundamental da equagao Internacional/politica sovietica, bem como as das estruturas da IC, sem chivida que influem no mesmo sentido. 0 V Congresso comega por esbater a contradigao que o IV sublinhara vigorosamente entre fascismo e democracia burguesa. Afirma-se nas suas teses: "Quanto mais se decompOe a sociedade burguesa, tanto mais os partidos burgueses, sobretudo a social-democracia, adquirem urn carater mais ou menos fascista. 0 fascismo e a social-democracia sao duas faces de urn se) e mesmo instrumento da ditadura do grande capital. Por isto, a social-democracia jamais poderd ser urn aliado firme do proletariado na luta contra o fascismo". 47 "Os fascistas — diz Zinoviev — sac) a mac, direita da burguesia; os social-democratas, a esquerda"; "o fato essencial — prossegue — e que a social-democracia converteu-se numa ala do fascismo": como prova, aduz que na Franca 143

o partido socialista constituiu listas eleitorais juntamente corn os partidos burgueses." Zinoviev p6e tudo no mesmo saco: fascismo, social-democracia, radicals franceses, centro catOlico alemão, etc. Enquanto o IV Congresso den o alarma em relacão ao perigo fascista, o V quase o considera liquidado: na Italia, "o fascismo, depois da sua vit6ria, naufraga na bancarrota politica que conduz a sua decomposicao interne; na Alemanha, "mergulha numa crise semelhante, antes de obter sua vitOria formal".49 A tatica de frente Unica nas resolugOes do V Congresso, reduz-se a um "simples meio de agitar e mobilizar as massas". Descarta-se praticamente a possibilidade de acordos com os partidos socialistas. A frente Unica deve aplicar-se quase exclusivamente "por baixo", e as "conversagees" com os dirigentes socialistas so podem ser fads pan o seu "desmascaramento". 0 congresso rechaca categoricamente a eventualidade de "governos operarios" nascidos de um acordo entre os partidos comunista e socialista." Depois do V Congresso, a politica de frente Unica se converte numa monOtona convocacdo aos socialistas de base, invariavelmente seguida do "desmascaramento" (sem recuar diante de epitetos ofensivos) dos chefes social-democratas. Mas este sectarismo inoperante não interdita o proverbial pragmatismo de Stalin de chegar — sempre que as conveniencias da politica sovietica o aconselhavam — a aplicagOes sumamente "amplas" da frente Unica, como a criacAo do comite sindical anglo-soviatico, inteligentemente manipulado pelos lideres trabalhistas para dar relevo a sua autoridade em face da radicalizagão do movimento operario ingles em 19254926." Pouco depois do V Congresso, Stalin "aprofunda" as formulas de Zinoviev acerca da social-democracia e do fascismo. Escreve ele: "0 fascismo a uma organizaflo de choque da burguesia, que conta corn o apoio ativo da social-democracia. Objetivamente, a social-democracia é a ala moderada do fascismo [...1. As duas organizacties näo se excluem, complementam-se. Nä° sAo antipodas, são gemeas. 0 fascismo é o bloco politico tdtico destas duas organizaedes fundamentals, surgido na situagão criada pela crise do imperialismo no p6s-guerra para lutar contra a revolugAo operaria. Sem este bloco, a burguesia raio pode manter-se no poder. Portanto, seria errOneo pensar que o 'pacifismo' significa a liquidacAo do fascismo. Na situagdo atual, o pacifismo' é a afirmaceo do fascismo, situando em primeiro piano a sua ala moderada, a sua ala social-democrata". Aqui, Stalin entende por "pacifismo", como ele mesmo explica, "a chegada, direta ou indireta, ao poder dos partidos da Segunda Internacional, o 'poder demo-pacifista de Herriot-MacDonald" )2 (pouco depois de redigidas estas linhas, os representantes de Stalin e de MacDonald constituem o comite sindical anglo-sovietico). 144

Deformando grosseiramente a politica de Unin nas diferentes etapas da revolugdo russa, Stalin formula, em 1924, "a regra estrategica fundamental do leninismo", de acordo corn a qual o partido comunista deve sempre dirigir o golpe principal contra os partidos intermedidzios. Na realidade, a ideia de Lenin era romper a resistencia do inimigo principal e paralisar ou neutralizar a instabilidade das forgas vacilantes, intermedias. 53 A "regra fundamental" staliniana converte-se num dogma da estrategia dos partidos comunistas ate a viragem de 1934-1935. Um exemplo da sua aplicacdo e a tdtica do Partido Comunista alemao nas eleigides presidenciais de 1925. Fischer e Masiov, representantes da "esquerda" na diregdo do partido, defendem a apresentagdo de um candidato comum corn a social-democracia, para fazer frente a Hindenburg, representante tipico do militarismo e do nacionalismo alemäes. Mas Thaelmann, apoiado por Stalin, imp6e uma candidatura comunista (a dele mesmo). Hindenburg elege-se corn uma vantagem inferior a um milhäo de votos sobre o candidato social-democrata (apoiado pelo centro catOlico) e Thaelmann obtem cerca de dois milhOes de sufragios.54 N'do se pode descartar que a posicäo de Stalin em face das eleicOes presidenciais alemds estivesse determinada tambem ou, pelo menos, muito influenciada, por razOes mais pragmaticas que o dogma da "regra estrategica fundamental". Neste periodo, corn efeito, a Franca e a Inglaterra, sob a egide dos "demo-pacifistas" (na Franca, o bloco das esquerdas; na Inglaterra, os trabalhistas), iniciam uma politica de aproximacao com a Alemanha, que conduzird ao tratado de Locarno (outubro de 1925). 0 centro catOlico, que dirige o governo central, e a social-democracia, formalmente na oposiedo, mas governando a Pillssia, apdiam a ideia de um pacto de seguranca com os inimigos de ontern -- no qual Stalin identifica uma evidente ponta de lanca anti-soviatica. A politica externa de Moscou estd logicamente interessada ern aprofundar o fosso entre a repUblica de Weimar e as potencias da Entente — nao pretende a sua superacdo. E Mc) deixa de ser significativo que Stalin interprete a eleino do nacionalista Hindenburg como um sinal da vontade alema de resistir as potencias do tratado de Versalhes.55 Teria influido na posigão do partido aletrao nas eleiceies presidenciais de 1925 o interesse da politica sovietica em minar o que se poderia chamar de "espirito de Locarno"? A questa() ndo sera esclarecida enquanto os historiadores sovieticos nao tiverem liberdade de pesquisa. Mas, ao menos "objetivamente", houve coincidencia entre a tdtica do PCA e o jogo da diplomacia sovietica. E e muito possivel que nos anos seguintes, antes da ascensào de Hitler ao poder, este fator tenha continuado a pesar nas posigóes taticas dos dirigentes comunistas alemäes em face da social-democracia e do partido de Bruning. Em fins de 1927, Stalin coroa vitoriosamente a sua batalha de qua145

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tro anos contra a oposicao trotskista no interior do partido russo e da IC. Como vimos no capitulo 2, esta vitOria coincide corn uma grave situacao econernica na URSS, que obriga Stalin a realizar uma brusca viragem e a per em pratica aspectos fundamentais do programa da oposicao. Entra ern choque corn Bukharin, que, desde 1926 (depois que Zinoviev fez frente comum com Tretski), esta na lideranca da Internacional Comunista. A nova luta que se instaura no partido russo tern, como as anteriores, profundos efeitos na IC. Um dos argumentos de que se vale Stalin, no XV Congresso do Partido Comunista da URSS (dezembro de 1927), para justificar a necessidade de intensificar o ritmo da industrializacao, consiste na tese de que o mundo capitalista ingressou numa nova etapa, da qual urn trago principal 6 o agravamento do perigo de intervened° contra a Uniao Sovidica. Ele fundamenta esta tese afirmando que a estabilizacao capitalista apresenta graves sinais de deterioracao, e a "Europa entra evidentemente numa nova fase de auge revolucionario". Bukharin combate esta4ese, considerando que, no momento, nao ha nada de novo na estabilizacao capitalista. 56 0 IX Pleno do Comite Executivo da IC (fevereiro de 1928) encampa as teses de Stalin, ainda que os dados concretos em que se baseia a sua analise da situagdo econemica e politica do mundo capitalista nao oferecam nenhum fundamento seri° a tals conclusoes. Pelo contr.:ado, o capitalismo se encontra no cume do auge econemico iniciado em 1924. A base de uma analise marxista, a legitima a previsao de que este auge desembocara numa nova crise ciclica, mas era evidente que, naquele momento, nä° ha mudangas. Quanto ao movimento operario, ele apresentava dois tracos essenciais: o aumento das ilusees reformistas no calor do auge econemico, por urn lado, e a debilidade dos partidos comunistas, por outro. Em 1926, o movimento operario ingles sofrera urn dos mais duros golpes da sua histeria; no mesmo ano, Pilsudski chegara ao poder e, na Italia, sao proibidos os partidos e as organizacOes nao fascistas. Nestas condicees, concluir que a "Europa entra evidentemente numa nova fase de auge revolucionario" e que comecou — como afirma o Comite Executivo da IC e o ratificara o VI Congresso — um "terceiro periodo" era uma apreciacao sumamente subjetiva.57 Mas o subjetivismo de Stalin tinha suas razees. A linha de Bukharin na IC diferia substancialmente tanto do verbalismo revolucionario de Zinoviev quanto dos esquemas stalinianos ja expostos. No capitulo 2, referimo-nos as suas analises do estado do capitalismo. No que tange a politica dos partidos comunistas, Bukharin tendia a corrigir a versa° sectaria da Utica de frente Unica vigente desde o V Congresso. Preconizava uma maior participagão dos comunistas nao russos no Comite Executivo da IC. E estas posigees encontravam apoio nos micleos dirigentes de alguns partidos (sobretudo no italiano) e em fracees de 146

outros, como entre os brandleristas alemaes. A batalha contra os bukharinistas no partido russo corria o grave risco de encontrar resistencias no seio da IC. Stalin necessitava, como na luta contra o trotskismo, conduzir simultaneamente a sua ofensiva tanto no partido russo como na Internacicinal. As teses stalinianas mencionadas acima estavam destinadas a servir a este objetivo, mediante urn simples encadeamento "lOgico", que Stalin formula da seguinte maneira: "Nos parses capitalistas, estao amadurecendo, indubitavelmente, os elementos de um novo auge revoluciondrio"; "Dal decorre a tarefa de acentuar a luta contra a social-democracia e, especialmente, contra a sua ala 'esquerda', suporte social do capitalismo"; "Dai decorre a tarefa de acentuar, no interior dos partidos comunistas, a luta contra os elementos de direita, veiculos da influencia social-democrata"; "Dal decorre a tarefa de acentuar a luta contra as tendencias que conciliam corn o desvio direitista, tendencias que acobertam, nos partidos comunistas, o oportunismo".58 Stalin formula este rosario de "tarefas" em abril de 1929. Em juIho, a X Sessao Plendria do Comite Executivo da IC inicia operosamente a sua aplicacao (Bukharin ja fora destituido como representante do partido russo na direcao da Internacional). 0 informe central, apresentado por Manuilski e Kuusinen, esforga-se, realmente, para "acentuar" as posigees da Internacional Comunista em todas as direcees assinaladas. A identificagao da social-democracia ao fascismo e levada a perfeicao, e a primeira converte-se em social-fascismo: "Os fins dos fascistas e dos social-democratas — afirma-se no informe — sao identicos. A diferenca esta nas palavras de ordem e, parcialmente [sic], nos matodos"; "no entanto, ha alguma diferenca, ja que o fascismo nao tem necessidade de uma ala esquerda que, para o social-fascismo, a absolutamente necessaria"; "a ala esquerda do social-fascismo tern como tarefa especifica a manipulacao das consignas pacifistas, democraticas e `socialistas m. Mas mesmo estas ligeiras diferengas tendem a desaparecer: "Esta claro — prossegue o informe — que, a medida que o socialfascismo se desenvolve, ele mais se aproxima do fascismo puro". Trata-se de "urn processo ininterrupto". E os porta-vozes de Stalin classificam os partidos da Segunda Internacional conforme o estagio que alcanearam nesse biolOgico "processo ininterrupto" com uma precisao zootecnica: "0 trabalhismo ingles pode ser definido como socialfascismo em estado larvar", ao passo que "o partido social-democrata alemao ja atingiu o estado de mariposa". Entretanto, esta suposta evolugào dos partidos que tinham sob a sua iafluencia a maioria da classe operdria europeia nao traz muitas preocupacties a Manuilski e Kuusirien; apresentam-na mesmo como urn fenemeno positivo, capaz de fa147

cilitar a revolugão: "Na medida em que o social-fascismo alemão aderir abertamente a ditadura da burguesia, apresentando-se francamente como fascismo, a conquista da maioria da classe operaria alernä para a revolugao sera facil".59 Nesta reunião plenaria do Comita Executivo da IC, Thaelmann e os outros representantes do partido alma° declaram a sua total identificagAo corn as teses de Manuilski e Kuusinen. Ha mesas ja circulava na propaganda do PCA a ideia de que "o reformismo b socialismo verbal e fascismo factual". Apesar disto, Thaelmann se autocritica ante o Comita Executivo porque somente urn ma's antes (no VII Congresso do PCA, junho de 1929) a diregdo do partido tivera a consciOncia de que este "nao compreendera imediatamente a grande viragem politica que estava se operand° na social-democracia, no sentido do atual social-fascismo" (um reconhecimento implicito da resistencia que esta orientagão ultra-sectaria encontrava em certos setores do partido) Ao mesmo tetnpo em que "acentua" a luta contra a socialdemocracia, sobretudo contra a sua ala esquerda, o X Plano do Comite Executivo da Internacional "acentua" a luta contra o "desvio de direita" no seu prOprio interior. Nesta tarefa, os porta-vozes oficiais de Stalin permitem que os porta-vozes oficiosos assumam intrepidamente a iniciativa do ataque. A diregão alma merece esta honra porque, desde finais de 1928, empreendera o grande expurgo dos "direitistas bukharinistas" no PCA, expulsando Brandler, Thalheimer e outros hereges. Contudo, Thaelmann se mostra autocritico tambern aqui e declara que ainda n'ao se fez o suficiente. Anuncia que procedera a substituigão de numerosos quadros, da diregão A base, por outros, que "estejam a altura das tarefas colocadas pelo lerceiro periodo, ou seja, quadros que compreendam o miter fascista da social-democracia e a necessidade da luta "implacavel" contra o "desvio de direita" no particle. Com a autoridade que Ihes confere esta disposicilo inquisitorial, os delegados alemetes desenvolvem nesta sessio plenaria do Comite Executivo da IC urn ataque em regra contra Togliatti, suspeito de veleidades bukharinistas e acusado concretamente de dois pecados: o de haver-se oposto, no VI Congresso da IC, ao expurgo no partido alemtio e o de mostrar excessivo liberalismo em face dos "direitistas" do partido italiano. Thaelmann cita como pega de acusacao a seguinte colocaglio de Togliatti no VI Congreso: "No que se refere as diversas correntes que existem no seio do BirO Politico do partido falemaol, parece-me que a diversidade de opiniOes sobre uma serie de questOes sao diferengas que podem existir normalmente num centro dirigente, sem que neste se desencadeie uma luta de grupos ou fragees. Se, sobre a base destas divergEncias, se deflagra uma luta de grupos ou a adogAo de medidas organizativas por parte da maioria do Bitt Politico contra a minoria, a coisa seria muito perigosa porque levaria a uma restriclio da base que 148

sustenta o centro do partido, a uma limitagão da sua vida politica e da sua democracia interna".61 A "coisa", efetivamente, revelou-se motto pericolosa para varias segees da IC, mas onde teve os resultados mais graves foi no partido alemão, que entrava na fase mais decisiva da luta contra o fascismo, quando era mais necessärio e urgente realizar os maximos esforgos para conseguir a unidade da classe operaria a elevar a capacidade ideo16gica, politica e organizacional do partido. Ha que considerar que os acusados de "direitismo" eram, em geral, os partidarios mais decididos da politica de frente Unica proletaria contra a ameaga fascista que pesava sobre a Europa. No que se refere a Alemanha, concretamente, o X Plano do Comita Executivo da IC esta na origem imediata dos graves erros do PCA que, ulteriormente, quando a catastrofe ja se consuman, seriam criticados pelo mesmo Comit8 Executivo da IC, silenciando sobre a sua pr6pria responsabilidade e a de Stalin.

0 caminho da catdstrofe 0 periodo impropriamente chamado de "estabilizagäo relativa" do capitalism° — na verdade, urn periodo de acelerado crescimento das forgas produtivas —, sob cuja "prosperidade", louvada pelos corifeus da burguesia e da social-democracia, se engendrava a grande crise econennica mundial de 1929-1933, poderia ter servido pan a preparagao tearica, politica e organizacional dos partidos comunistas na perspectiva de novas conjunturas revolucionarias. Mas o processo que ja analisamos, de paralisia tearica, asfixia da vida politica interim dos partidos comunistas, imposicão cada vez mais acentuada de urn centralismo burocratico esterilizante, expurgos sucessivos da "direita" e da "esquerda", crescente ajustamento aos vaivens da politica interna e extern do Estado soviatico, liquidagAo dos elementos fecundos contidos na politica de frente Unica proletaria elaborada no periodo de Lenin — este processo conduzia inevitalmente os partidos comunistas a urn divarcio cada vez maior em face das realidades nacionais, ao aprofundamento do seu isolamento frente as massas e a fazer, na pratica, o jogo da politica reformista da social-democracia. Os partidos comunistas, ern lugar de se transformarem em autenticas vanguardas do proletariado, recolhem-se sobre si mesmos. Naturalmente, este processo não se manifesta de modo id a- ntic° em todos os partidos. Conforme as condigOes objetivas em que se encontram, as caracteristicas do made° dirigente, etc., uns partidos resistem melhor que outros ao rolo compressor que se Os em marcha. Alguns, como o espanhol, reduzem-se a grupos mimIsculos; outros, como o italiano, conseguem ate certo ponto preservar a conexlio da sua politica corn as realidades nacionais. 149

No partido alemão, os efeitos deste periodo podem ser resumidos como estagnacAo politica e organizacional. Entre 1925 e 1930, os efetivos do partido permanecem praticamente estacionarios: 1925: 122.755; 1926: 134.248; 1927: 124.729; 1930: 124.000. 0 percentual de votos tambem segue uma linha quase horizontal: 1924: 12,7%; 1928: 10,2%; 1930: 13,1%0. 62 No piano teOrico, como ja vimos, aqueles efeitos säo francamente regressivos. Em outubro de 1929, eclode a crise econOmica mundial. Na Alemanha — onde as incidencias foram mais imediatas e graves que em qualquer outro pais —, näo se produz o auge revoluciondrio que desde 1927 Stalin da por existente; o que se produz e o auge espetacular do fascismo. Nas eleicOes de 1930, o partido de Hitler obtem seis milhOes e quatrocentos mil sufragios (cinco milhOes e meio a mais que em 1928), ao passo que o partido comunista nào se supera em mais que um mie trezentos mil (4.590.000 contra 3.262.584 em 1928; percentualmente, passa de 10,2% para 13,1%); quanto a social-democracia, ela perde meio milhao de votos. 0 progresso do partido é de certa importancia, mas se torna enormemente relativizado ante o vertiginoso crescimento do fascismo. Uma parte significativa dos votos fascistas provent de operarios, especialmente dos desempregados. Mais inquietante ainda que os indices eleitorais e a situacdo do partido nas fabricas. Em janeiro de 1931, apenas 4% dos comites de fabrica tem direcdo comunista — a social-democracia controla 84%. Em finais de 1932, somente 10 070 dos membros do partido eram sindicalizados. Uma das causas prin' cipais desta situacäo era a orientacAo no sentido da ruptura com os sindicatos reformistas e a criagao de organizagOes sindicais paralelas, preconizada por Stalin na reunido do Presidium do Comite Executivo da IC celebrada em dezembro de 1928. Na ocasido, Stalin indica particularmente a Alemanha como um dos paises onde se deveria aplicar tal orientacAo. Em setembro de 1930, o V Congresso do Profintern decidiu que a oposicAo sindical vermelha saisse dos sindicatos de uma serie de paises para formar organizacees autOnomas, que, na pratica, constituiram reproducties das organizacOes do partido. Toda esta linha sindical esta vinculada a ideia de que se iniciou o "terceiro periodo", o auge revoluciondrio, sendo melhor contar corn pequenas organizagOes controladas pelo partido do que trabalhar pacientemente para ganhar as massas no interior das grandes organizagees sindicais tradicionais. As conseqtiencias desta orientacdo para o partido alemao expressam-se nos dados que ja citamos. Seus ganhos eleitorais entre a classe operaria se produzem sobretudo entre os desempregados (analogamente aos avancos eleitorais do fascismo no operariado). A grande maioria dos operarios que estdo nas fabricas e nos sindicatos continuam sob o controle da social-democracia, o que explica o fracasso de todas as tentativas do partido comunista para organizar greves politicas sem uma atica 150

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de unidade operdria que the permitisse estabelecer conexOes reais com a massa proletaria social-democrata. 63 Por outro lado, os resultados eleitorais demonstravam que as camadas medias urbanas e rurais passavam massivamente para o campo do fascismo. Neste contexto, preconizar como saida imediata a ditadura do proletariado era tanto fechar a via para a unidade de acào da classe operaria langar ainda mais as camadas medias nos bravos do fascismo. Todavia, era esta a palavra de ordem central do partido alemdo, era esta a sua programdtica. Muitos anos depois da catdstrofe, Wilhelm Pieck reconhecerd que este foi urn dos mais graves erros do Partido Comunista alemao: preconizar a criacdo de uma "reptiblica soviatica alema" e "ndo situar, em primeiro piano, a luta em defesa da democracia e dos direitos politicos das massas populares", "dirigir o ataque igualmente contra os nazistas e a social-democracia", "nä° compreender a gravidade do perigo fascista". 64 A isto se poderia acrescentar que o erro se agravava consideravelmente quando se propunha, como modelo para a repablica socialista alemA, o sovietico: se em algum pais a critica dos aspectos antidemocrdticos deste Ultimo calara profundamente na classe operaria, este pais era a Alemanha. Disto se encarregara o poderoso aparato propagandistico da social-democracia — corn objetivos nada santos, naturalmente, mas esta era a realidade. Se o Partido ComunistA alemao houvesse assumido esta critica de um ponto de vista revoluciondrio, marxista, unindo-a a defesa da revolucdo sovietica e a proposta de urn outro modelo de socialismo para a Alemanha, seguramente a situaced näo seria a mesma — mas é superfluo dizer que, para isto, seria necessario urn outro tipo de partido comunista. Essencialmente, Pieck diz o mesmo que TrOtski, corn a diferenca de que TrOtski o fez desde 1930, quando ainda existiam algumas possibilidades de alterar a situacdo. Opondo-sea teoria do "social-fascismo", Tr6tski aponta a contradicdo fundamental que existe entre fascismo e social-democracia. "Por mais certa que seja a afirmacdo de que a socialdemocracia, com a sua politica, preparou a expansdo do fascismo — observa nä() é menos exata a afirmagão de que o fascismo parece como uma ameaca fatal para a pr6pria social-democracia, cuja exis'Leticia inteira esta indissoluvelmente ligada as formas de govern parlamentares, democratico-pacifistas". "A recusa, met6dica e sisternatica, em utilizar a grande e aguda contradigão que existe entre o fascismo e a social-democracia no interesse da revolucdo proletaria significa incorrer na estupidez burocratica total!' Partindo deste postulado, Trdtski preconiza uma politica conseqiiente de frente Unica, como o caminho possivel para fechar a via ao fascismo: "A politica de frente Unica dos operdrios contra o fascismo se deduz desta situagdo. Ela abre ao partido comunista imensas possibilidades. condigão do edto depende, pois, do abandono da teoria e da pratica do `social-fascismo', cuja nocivida151

Devemos fazer acordos de se torna perigosa nas condicifies atuais contra o fascismo corn diversas organizagOes e trace- es socialdemocratas". "Na batalha contra o fascismo, devemos estar dispostos a fazer acordos priticos de luta com o diabo, sua sogra e ate Noske e Zorgiebel".68 Mas Trifaski assinala que a frente Unica nao pode se articular, como prop& Thaelmann, com a palavra de ordem da derrubada imediata do capitalismo, porque "os operdrios social-democratas continuam sendo social-democratas exatamente porque continuam acreditando na via gradual, reformista, de transformagdo do capitalismo em socialismo". Por isto, eis o que se lhes deve dizer: "Voces confiam na democracia, nos cremos que a solugão esta somente na revolucdo. Mas ndo podemos nem queremos fazer a revolucdo sem voces. Agora, o inimigo comum 6 Hitler. Depois de vencé-lo juntos, juntos faremos o balanco e veremos como prosseguir no caminho". Noutra passagem, TrOtski faz esta observaclio magistral: "0 equivoco da burocracia staliniana rid° consiste em ser `intransigente' em face da social-democracia, mas em ser de uma intransigencia politicamente impotente". Ele leva em conta, ainda, toda a importancia da postura das camadas medias, neste momento inclinadas ao fascismo: "Para que a crise social possa conduzir A revolugdo proletdria 6 indispensdvel que se produza, em outras condigees, urn deslocamento decisivo das classes pequeno-burguesas ern direcão ao proletariado". 66 No entanto, Trotski ran aborda o problema de como atrair estas camadas para o campo operdrio na fase da luta antifascista. A tese do "social-fascismo" leva o PCA ao extremo de participar, ao lado dos nazistas e dos "botas de ago", no referendo de 9 de agosto de 1931 contra o governo social-democrata da Prussia. Muitos anos depois, os dirigentes comunistas alemdes considerardo este ato do partido como outro de seus graves erros. Ele deu margem a que se pudesse apresentar os comunistas "como aliados dos fascistas aos olhos de uma grande parte da classe operdria", erguendo uma nova barreira entre comunistas e social-democratas na hora em que a ameaga fascista ja adquiria suma gravidade, se podendo ser travada pela agdo unida do proletariado. 67 No entanto, o Pravda de 12 de agosto de 1931 escrevia que "os resultados do plebiscito significam [...] o maior golpe que ate entdo a classe operdria assestou na social-democracia". E a IC apresenta o fato como exemplo de aplicagdo da politica de frente Unica! "Nenhuma cabega operdria — comenta TrOtski — poderd entender como a participacdo no referendo ao lado dos fascistas e contra os social-democratas e o partido centrista seja considerada como politica de frente Unica corn os proletdrios social-democratas e catelicos". E aduz: "Sair a rua com a palavra de ordem Abaixo o governo Bruning-Braun!', quando, dada a relano de forcas, este governo so pode ser substituido pelo de Hitler152

Hindenburg, 6 aventureirismo puro".68 Em maio de 1932, Tr&ski escreve profeticamente: "Se as organizagOes mais importantes da classe operdria alemd prosseguem com sua politica atual, a vitOria do fascismo estd'quase automaticamente assegurada, e em prazo relativamente curto". Ele apela ao Partido Comunista alem d- o para tomar iniciativas politicas, a "proper ao Partido Social-Democrata e a direcdo dos sindicatos a luta comum contra o fascismo, da base a ciipula". "NA° existe outro caminho para a classe aperdria alema", e "o problema do destino da Alemanha 6 o problema do destino da Europa, do destino da União Sovierica, do destino de toda a humanidade por um largo periodo histOrico. Nenhum revoluciondrio pode fazer outra coisa que subordinar a sua sorte e suas forcas a soluao deste problema".69 Os acontecimentos mostraram rapidamente a clarividëncia das andlises e sugestees de Tretski em seus escritos de 1930-1932 sobre a Alemanha. Mas a diregdo da IC e do PCA rid° as levaram em conta. A feroz perseguigão ao "trotskismo" ern todas as secOes da Internacional, acompanhada, neste mesmo periodo, pela luta igualmente implacdvel contra os "direitistas" e os "conciliadores", determinava que toda defesa da frente Unica corn os partidos social-democratas e com forgas politicas democrätico-burguesas para deter o avango fascista fosse considerada pura heresia oportunista. Quando, em fins de 1932, em face da extrema agudizagdo do perigo, constata-se o inicio de uma certa mudanga na politica do PCA diante da social-democracia — era demasiado tarde. Todo o processo politico da Alemanha, desde os primeiros meses de 1930 — quando a amearsa fascista se revela em toda a sua magnitude permite supor que se, a partir daquele momento, a IC e os comunistas alemäes, corrigindo a politica anterior, aplicassem uma atica flexivel de unidade antifascista, o curso dos acontecimentos poderia ter sido alterado radicalmente. Apesar da politica ultra-sectdria do Partido Comunista, uma fracdo crescente de operdrios social-democratas foi tomando consciencia do perigo e passando a posigOes de esquerda e unitarias. Nas eleicOes de novembrd de 1932, como vimos, 6 evidente o recuo da influencia nazista (o partido hitlerista perde dois milhOes de votos). Os dois partidos operdrios conseguem treze milhOes de votos, contra os onze milhOes e setecentos mil dados aos fascistas. 0 Partido Comunista consegue chegar a seis milhOes, corn um progresso, em relagdo a 1930, de um milhão e trezentos mil. Uma politica inteligente de unidade antifascista, implementada a tempo, 6 claro, poderia ter ampliado muito mais a influencia comunista sobre a massa social-democrata e sabre os operdrios catOlicos do partido centrista, assim como sobre as camadas medias — teria facilitado a pressao unitaria da base no Partido Social-Democrata e o progresso da sua ala esquerda. A significacdo 153

histOrica das avaliagOes de Tr6tski neste period() nao deriva apenas do fato de os acontecimentos demonstrarem sua corregeo; consiste tambarn em que os mesmos acontecimentos comprovam a sua possibilidade. Comprovam que o atraso da IC em compreender o carater e a gravidade do perigo fascista na Alemanha, em elaborar uma politica adequada pan trava-lo, nao se explica pela shrine° objetiva, ou porque esta ainda nao oferecera dados suficientemente ponderaveis, ou porque a este respeito fora insuficiente a experiencia do movimento comunista. Desde as eleicOes de 1930, a evidencia do perigo fascista na Alemanha era gritante; a significagäo do fascismo para o movimento operano estava clara ha anos na Italia e fora analisada lucidamente primeiro, quando da sua aparigdo, por Gramsci e, depois, por Togliatti; a politica de frente Unica proletdria, inclusive corn acordos corn as direcOes social-democratas, fora elaborada e ate experimentada ainda durante a vida de Lenin. A impotencia politica da IC entre 1930 e 1933 explica-se pelo estado a que chegara o seu prOprio organismo — suas faculdades te6ricas, suas articulagOes organizacionais, seu metabolismo politico —, atraves do processo que estamos tentando explicitar. E em fringe° deste processo que ela se mostra impotente para intervir como forga revoluciotraria decisiva no terrivel duelo que se instaura entre a classe operdria e a burguesia, sobre o pano de fundo da crise econOmica mundial. A falencia histhrica da Terceira Internacional se consuma, como a da Segunda Internacional, na cena alemd. A IC naufraga no mesmo lugar que os seus primeiros congressos haviam apontado como o novo patamar de arranque da revolugfto mundial. A viragem do VII Congresso nao tiara novas forcas a IC: sera o seu canto de cisne.

A experieneia frentista

Recuperacdo capitalista e contra-ofensiva operdria Nos ties anos que mediaram entre o inicio da crise econOmica e a ascensdo de Hitler ao poder, urn vento de pessimismo e alarme sacudiu o mundo burgues. Em 14 de novembro de 1931, o New York Times escrevia que o impacto da crise "nao somente ultrapassa episOdios similares do passado, mas ameaga mortalmente o sistema capitalista". De fato, os acontecimentos nao permitiam pressagiar nada de bom para o "sistema". A queda da producäo, a anarquia do comercio e das finangas chegam a extremos sem precedentes na hist6ria das crises dclicas do capitalismo. No ponto mais baixo da curva depressiva, os desempregos totais se estimam entre os 25 e os 30 milhOes. A Europa e os Estados Unidos estremecem sob uma vaga de greves, manifestagees 154

de massa, "marchas da force", choques entre trabalhadores e as forcas armadas do Estado. A agitagdo social e politica alcanca urn nivel desconhecido desde os anos 1919-1920. Em alguns Estados europeus iniciam-se processos politicos nos quais as classes dominantes veem possiveis fases "kerenskianas": queda da monarquia espanhola, em abril de 1931; govern() do "bloco popular" na Bulgaria, em junho do mesmo ano; derrota das direitas nas eleicees francesas, ern maio de 1932. Os movimentos de libertacdo tomam novo vigor na Asia e na America Latina. Mas a medalha tern o seu reverso. 0 fascismo e a reacdo tradicional se reativam em todos os lugares, !ao vacilam ante a violencia e a demagogia e encontram ressonftncia em milhOes de desesperados das camadas módias — duramente afetadas pela crise — e do praprio proletariado. Socialistas reformistas e liberais burgueses manobram ern duas frentes: contra a ameaga fascista e contra a ameaga revoluciondria — incansavelmente, os comunistas estimulam a luta pelo "poder dos sovietes". A vit6ria de Hitler introduz uma primeira clarificacdo, quando descarta a ameaga revolucionaria no pals onde esta adquiria caracteristicas mais graves para o capitalismo europeu. Depois haveria a explosäo de junho de 1936 na Franca, mas o espectro da revolugdo so se materializa realmente na Espanha — e, analogamente ao que ocorrera seculos antes, quando a Europa do capitalismo nascente se coligou contra a Espanha imperial, agora a Europa do capitalismo adulto se coligaria para liquidar a Espanha revoluciondria. No entanto, a sobrevivencia do capitalismo europeu (para nao falar do norte-americano) a crise de 1929 nao se explica somente pela das classes dominantes na esfera politica, corn o recurso ao fascismo ou sob formas mais ou menos tradicionais. A vithria neste piano permite que operem plenamente — no piano das estruturas econ'Omicas — os mecanismos de recuperagdo contidos na prOpria crise. A tese vigente na IC, naqueles anos, segundo a qual se estava em presenca da "crise final" do sistema capitalista, derivava -precisamente da negageo da referida capacidade de recuperagfto." Atraves da ruina de milhOes de pequenos produtores urbanos e rurais, da falencia de centenas de milhares de capitalistas medios e de nao poucos tubaroes do capital; mediante o facil recurso de langar a rua milhOes de trabalhadores "excedentes"; em sintese, regidas pelas suas "leis naturais", as estruturas produtivas do capitalismo se "auto-racionalizaram" nos anos seguintes a 1929, como alias ocorrera em suas anteriores crises ciclicas. Desta vez, porem, os praticos e alguns te6ricos da economia capitalista (a primeira edigdo inglesa da Teoria Gerd... de Keynes aparece em 1936) tomam consciencia da necessidade e da possibilidade de regular, de certo modo, as "leis naturais", langando assim o primeiro desafio a tese marxista que afirmava a incorrigibilidade da anarquia inerente a produgdo ca155

pitalista. 0 alto grau de concentragdo monopolista a que a dindmica mesma desta anarquia conduzira nos paises industrialmente desenvolvidos criava as condieees objetivas para trava-la, a partir do momenta em que a massa dos capitalistas privados se encontrava em estreita dependencia de umas dezenas ou centenas de grandes unidades monopolistas. A articulagdo do Estado corn estas unidades proporcionava um instrumento de incomparavel poder coativo a todos os niveis: economico, politico, ideolOgico, cientifico, cultural, etc. Dai em diante, o Estado podera servir nao s6 para manter obedientes os explorados, mas tambem para subordinar o interesse privado de cada capitalista ao interesse geral do capitalismo. Por uma dessas ironias da histhria, a primeira revalued° proletaria triunfante contribuiria, e nao pouco, para que as classes capitalistas tomassem consciencia da necessidade de disciplinar as suas "leis naturals" e concebessem o modo de faze-lo. A revalued° russa, de fato, fe-las compreender melhor os riscos do laisser faire, laisser passer, e o gigantesco truste estatal criado pela revoluedo, o seu primeiro piano qiiinqiienal, ajudou-as a calibrar os servigos que o Estado poderia oferecer na esfera econOmica. Seguindo os passos do seu inimigo, o Estado burgues irrompeu assim historicamente no sagrado recinto da economia capitalista. As guerras ja o tinham exigido mais de uma vez, mas como exceed° a regra; agora, a exceed° tornava-se a regra. 0 fascismo na Alemanha e o New Deal nos Estados Unidos (simbolicamente, Hitler e Roosevelt chegam ao poder quase simultaneamente) representardo os dois palos do corpo de solugOes politicas e aeon& micas que servem ao capitalismo monopolista para reestruturar a sociedade industrial. Mas a polaridade 6 sobretudo politica. A barbara violencia nacionalista, racial e antioperiria do primeiro e o idealismo paternalista do segundo recobrem um processo econdmico analogo. Contra o que muitos — em todos os quadrantes politicos, inclusive os marxistas — acreditam neste momento, a variante fascista nao sera mais que uma soloed° de emergencia (que se imp& ao capital monopolista da grande potencia industrial alemd em virtude da sua debilidade interna em face do movimento operdrio e da sua debilidade externa em face do "cerco" das suas rivais, detentoras do monovalio colonial), ao passo que a variante americana se revelara coma o primeiro ensaio do futuro "neocapitalismo". Em resumo, a maior crise econtanica da histhria do capitalismo, em lugar de ser a "crise final" e desembocar na revalued° proletaria, como se acreditava na IC, apresentou-se como o parto doloroso de uma nova fase do desenvolvimento do capitalismo: o capitalismo monopolista de Estado. A preparagan da segunda guerra mondial e a prOpria guerra servirdo para queimar as etapas desta mutagdo, nao so porque aceleram a transformagdo do Estado na maxima potencia economica 156

de cada pais, mas tambem porque imprimem um ritmo febril ao Progresso tecnico e cientifico, intensificam a dinfunica da concentragdo econOmica e politica, etc. Mais uma vez, a "16gica" monstruosa do mecanismo capitalista se revela mais forte que a consciencia moral da humanidade e que a consciencia de classe do proletariado — e revela-se mais astuta que os dispositivos estratOgicos e taticos do "partido mondial" da revalued°. No entanto, entre a ascensan de Hitler e o inicio da carnificina mondial, surgiram na Europa novas oportunidades para travar esta "16gica" e modificar o curso dos acontecimentos. Nos paises onde o movimento operario nao fora liquidado pelas ditaduras fascistas ou fascistizantes, a terrivel liedo alema provocou, de fato, uma saudavel reaea° nas massas populares, nos partidos e sindicatos operarios e, inclusive, em partidos politicos da burguesia e da pequena burguesia cuja existencia estava tradicionalmente ligada ao regime parlamentar e as liberdades herdadas das revolucties burguesas. 0 agravamento do perigo de guerra contribuiu tambem a ativando politica das massas populares, ainda que, nalguns casos, o medo a guerra predispusesse para capitulagOes maiores. Na classe operaria, o reflexo antifascista se acompanha de uma radicalizagdo anticapitalista, estimulada pelos penosos efeitos da crise. A via reformista se desacredita para amplos setores proletarios, e dentro dos partidos e sindicatos social-democratas rapidamente ganham terreno as tendencias de esquerda. 0 ano de 1934 6 ilustrativo desta radicalizaeda Em fevereiro, as milicias operarias socialistas se batem valorosamente, em Viena, contra a ditadura de Dollfuss, e os trabalhadores de Paris — comunistas e socialistas — saem a ruas contra as "ligas" fascistizantes. Neste mesmo mes, tem lugar a grande "marcha da fame" sobre Londres, em cuja organizagan os comunistas trabalham juntos corn os membros do Partido Trabalhista, das trade-unions e do Partido Trabalhista Independente. E 1934, ainda, 6 o ano do outubro asturiano: o movimento insurrecional preparado contra o ingresso, no govern de Madri, do partido fascistizante da Aga° Popular, na maior parte da Espanha, ado passa da grave geral revolucionaria; mas, nas Astirrias, os mineiros se apoderam do poder e o defendem com heroismo, por quinze dias, contra foreas muito superiores do exercito, enviadas pelo govemo pars liquidar a insurreigdo. Na Comuna asturiana combatem, lado a lado, socialistas, comunistas e anarquistas. Esta contra-ofensiva do movimento operario em face do avango fascista e da intensiflcaedo da exploragdo capitalista chega ao seu ponto culminante em 1936. A vitOria eleitoral da Frente Popular na Espanha e na Franca nao se segue, por parte da classe operaria, a espera passiva do cumprimento das promessas feitas durante as campanhas — e into nä° tanto porque os programas das respectivas Frentes Popu157

tares fossem muito moderados e nä° contivessem solugOes aos problemas de fundo existentes nos dois paises, mas sobretudo porque os trabalhadores nao confiavam nas novas equipes governamentais. Eles tomaram consciencia de que a situagdo politica criada gracas a sua luta !hes a favorivel e deve ser aproveitada sem perda de tempo. Greves, manifestacOes, assaltos a prisOes para libertar presos politicos, ocupagOes de terras, ajustes de conta corn fascistas e reacionarios, criagdo de grupos armados — isto se propaga, entre fevereiro e julho, como uma mancha de Oleo em toda a Espanha. E quando os generais se sublevam, os trabalhadores respondem corn a luta armada e a revolugdo. Na Franca, antes que Blum forme o governo, as massas operdrias se lancam a greve e ocupam as fabricas no mes de junho. A proximidade destes movimentar um processo que poderia mudar radicalmente o panorama europeu. E indubitavel que, naquele mdmento, a profundidade revolucioJidda e a dinftmica combativa do movimento espanhol eram maiores que do frances, mas este continha um potencial revolucionhrio que foi deliberadamente travado precisamente por aqueles que deveriam impulsionh-lo. A frustracdo das possibilidades contidas no junho fiances deixou isolada a revolucdo espanhola e foi uma das causas essenciais da sua derrota militar. 0 caminho ficou livre para a agressOo hitleriana e a segunda guerra mundial. A responsabilidade da social-democracia internacional, e sobretudo do Partido Socialista frances, no rumo tornado pelos acontecimentos nao 6 menor que a da social-democracia alemä na vit6ria de Hitler. Mas a muito improvAvel que o juizo da histOria absolva de toda a culpa a Internacional Comunista. A viragem de 1934 Imediatamente depois da ascensdo de Hitler ao poder, comeca a se delinear uma mudanga na posicio dos lideres socialistas ern face do problema da frente Unica corn os comunistas. Num apelo dirigido aos operarios de todos os paises, datado de fevereiro de 1933, a copula Internacional Operaria Socialista (I05) declara estar disposta a entabular negociagOes corn a IC para organizar acOes comuns contra o fascismo, colocando como Unica condigào o fim dos ataques reciprocos." Na conferencia que a mesma IOS celebra em agosto daquele ano, a "esquerda" — representada entdo por Nenni,. Grimm, Ziromski, Spaak e outros — adota uma posigio semelhante a da IC naquele momento: ern face do avango fascista, a classe operaria s6 tem como opcdo a luta direta peg poder. Adler e Blum, representantes do "centro", atem-se As posigees reformistas tradicionais, mas admitem a agão comum corn os comunistas, sob a condiflo antes indicada. 72 Nos primeiros meses 158

de 1934, o Partido Socialista espanhol se pronuncia pelas Aliangas Operhrias e prop& ao Partido Comunista que ingresse nelas. 73 A Secao Francesa da Internacional Operaria (SFIO, o Partido Socialista frances) declara-se, desde 1933, disposta a atuar corn o Partido Comunista, cessadas "as polemicas injuriosas de partido a partido". Diante dos acontecimentos do dia 6 de fevereiro de 1934, os dirigentes da Federagdo do Sena da SFIO propeem a direcdo do Partido Comunista uma reunido para "fixar as bases de um acordo leal e realizar a unidade de agdo dos trabalhadores"." ProposicOes andlogas se registram ern outros partidos socialistas. As motivagOes delta evolucdo de um consideravel setor da socialdemocracia, no sentido de aliancas politicas corn os partidos comunistas, sac) complexas. Uma das mais gerais, sem drividas, e o reflexo defensivo ante a evidencia de que o fascismo nao dirigia seus golpes exclusivamente contra a extrema esquerda. A dramAtica experiencia alema confirmava que o fascismo — como Tr6tski dizia desde 1930 — "era uma ameaga mortal para a prOpria social-democracia". Por outro lado, a derrota do grande Partido Social-Democrata alemão permitiu que a hegemonia, no interior da IOS, passasse decisivamente aos partidos socialistas das potencias de Versalhes, ameagadas pelo revanchismo hitleriano — e estes Estados (nos quais os partidos socialistas desempenhayarn papel importante) comegavam a se colocar, como alternativa possivel, a alianca com a Unido Sovietica. A melhoria das relacties dos partidos socialistas corn a IC e suas secifies nacionais poderia desbastar o caminho nesta diregdo. A evolugdo a ditada tambem, numa serie de casos, por consideracOes estreitamente partidarias: trata-se de nao colidir muito frontalmente corn as tendencias unitarias e radicais que se generalizam nas massas. Mas nem tudo a oportunismo: para alguns lideres socialdemocratas (nao muito numerosos, certamente), a experiencia do fascismo conduz a uma revisào fundamental das teses reformistas. Um dos exemplos mais caracteristicos e o de Otto Bauer, figura destacada entre os te6ricos do marxismo austriaco. Depois das eleigOes austriacas de abril de 1927, Bauer preve quase matematicamente o itinerario que o partido socialista deve percorrer, pela via do sufragio universal, para chegar ao poder e instaurar o socialismo; diz ele: "Em 1920, tivemos 36% dos votos; nas penilltimas eleicOes, 40% e, agora, 43%. Crescemos 7% ern seis anos e meio. Quanto nos falta? 0 caminho que devemos trilhar para chegar ao poder exige aproximadamente o mesmo prazo decorrido desde 1920 [...] Daqui a uma ou duas eleicOes, acabaremos corn o governo burgues". 75 Decorrido o prazo estimado, foi o governo burgues quem acabou corn o Partido Socialista austriaco. Em 1936, Bauer descreve que a experiencia do fascismo "destr6i a ilusdo reformista segundo a qual a classe operAria pode inserir urn conteudo socia159



lista nas formas de democracia [burguesal e transformar a ordem capitalista em ordem socialista sem um salto revoluciondrio". 76 Esta conclusao foi muito generalizada, naqueles anos, entre os socialistas de esquerda, nos quais se observa freqiientemente um interesse teorico pelos problemas da revolucao que contrasta corn o praticismo imperante na IC. Ao mesmo tempo em que se condena o reformismo, em muitos casos se postula a criacao de urn novo partido marxista que unifique os socialistas revolucionarios e os comunistas, sem excluir os trotskistas (estes socialistas radicalizados dos anos trinta nao tern preconceitos antitrotskistas, ao contthrio). Esta posigOes se manifestam na esquerda do partido e das juventudes socialistas espanithis, nas tendencias capitaneadas na SFIO por Ziromski e Marceau-Pivert, numa fracao do Partido Trabalhista Independente e num grupo de "socialistas revoluciondrios" alemaes (que, em setembro de 1934, torna publica a sua plataforma "Para uma Alemanha Socialista"), etc.." Pela primeira vez desde a cisao de 1919, apresentava-se a possibilidade real nao so da unidade de acao entre a social-democracia a-os comunistas, mas ainda de chegar a unificacao, num s6 partido, das diversas correntes revolucionarias inspiradas no marxismo. Mas corre todo o ano de 1933 e quase a metade de 1934 sem que a IC modifique as posigOes ultra-sectarian que conduziram o partido alemath a catastrofe. A organizacao nab aceita a proposta de negociacOes que, em fevereiro de 1933, the dirigira a IOS. Ela nao compreende a significacao da tendencia de esquerda que se manifesta na conferencia da IOS de agosto daquele ano E a XIII Sessao Plendria do Comae Executivo da IC, celebrada quatro meses depois, continua contrapondo a frente "pelas bases" a frente Unica "pelo alto", persiste em situar como um bloco a social-democracia enquanto a principal base social da burguesia e sua ala esquerda como a sua fracao mais perigosa e degenerada.78 Atendo-se a estes criterios, os partidos comunistas rechacam as propostas unitirias que Ihes sac) dirigidas. 0 Partido Comunista espanhol nega-se a ingressar nas Aliancas Operirias. E a direcao do partido frances responde nos seguintes termos a proposta, ja citada, dos dirigentes socialistas de Paris: "Mais do que nunca, confraternizaremos corn os °per/dries socialistas; mais do que nunca, vamos convocd-los para a acao comum com os seas camaradas comunistas. Foram, mais que nunca, denunciaremos os chefes socialistas, o partido socialista, servidores da burguesia, ultimo reduto da sociedade capitalista [..1". 79 Poucos dias depois, manifestacOes separadamente convocadas pelos partidos socialista e comunista fazem convergir para urn mesmo lugar cem mil trabalhadores parisienses, que aclamam a unidade de acao. Mas, para a direed° do Partido Comunista, o acontecimento nao passa de um ato de frente Unica "pelas bases". A campanha contra o Partido Socialista se reforca (se ainda fosse possivel acentua-la) nos meses seguintes.8° 160

Repentinamente, Moscou da o sinal verde para a "viragem". A 31 de math de 1934, L'Humaniti reproduz um artigo do Pravda, no qual se argumenta que é perfeitamente admissivel propor aos dirigentes socialistas franceses a unidade de acao. No mesmo flamer°, L'Humanito publica um apelo "aos operarios e segries socialistas, a comissão administrativa do partido socialista". 81 A partir de entao, sucedem-se em cadeia os pactos de unidade de acao socialista-comunista: em julho, se firma o francès; em agosto, o italiano; e, em setembro, o Partido Comunista espanhol ingressa nas Aliangas Operarias (apesar da presenca, nelas, da organizacao trotskista) e as juventudes socialista e comunista entabulam conversacties para chegar a fusào. Bruscamente, evidenciava-se que as iniciativas unitdrias que ha mais de urn ano vinham das fileiras socialistas nao eram puras manobras e que o prolongamento, durante este mesmo periodo, da linha ultra-sectaria da IC causara urn grave prejuizo a unidade operdria — corn o agravante de que, na situaclo criada na Europa desde a ascensao de Hitler ao poder, a questa° de ganhar tempo na preparagao das forgas revoluciondrias para os combates que se avizinhavam era uma questa° vital. Que fatores impediram a IC de realizar antes a "viragem"? E por que esta se opera precisamente em maio de 1934? indiscutivel que o estado em que se encontrava a Internacional por volta de 1933 — e nao vamos repetir novamente o que vimos na exposicao precedente — basta pan explicar o atraso. A mentalidade e os habitos politicos criados ern dez anos de rigidez sectária, de expurgos e agravamento continuo do centralism° burocrdtico caracterizavam exatamente o perfil oposto daquele exigido pela nova situagao. Estes tragos se localizavam, muito particularmente, no grupo de funcionarios do partido soviatico que, depois da eliminacao de Bukharin e dos bukharinistas, constituia, sob as ordens de Stalin, a efetiva direcao da IC (Manuilski, Kuusinen, Piatniski, Losovski, etc.). E provavel que, em seu foro intimo, alguns dos dirigentes comunistas europeus compreendessem ha muito a necessidade da mudanca tatica — a pressao dos acontecimentos, as correntes unitarias que emergiam nas massas e na pr6pria social-democracia, a crescente gravidade da ameaga fascista, tudo isto acabava por influir neles mas revisar, no sentido reclamado pela sauna°, a politica da IC implicava infirmar conceitos (como o de "social-fascismo") e normas de acao (como a "regra estrategica fundamental") que eram criagOes muito diretas de Stalin. E era praticamente impossivel enfrentar as concepgdes de Stalin depois da eliminacao das oposigOes trotskista, bukharinista, etc. Era possivel romper, mas nä° discutir. Ou o sinal verde para a viragem vinha de Stalin ou nao haveria viragem. Math se dispOe de fontes documentais suficientes para estabelecer com exatidao como e por que a questa° se decide em maio de 1934. 161

De acordo corn os historiadores sovieticos B. M. Leibson e K. K. Shirinia, a viragem da Internacional, nos anos 1934-1935, resultou da iniciativa dos seus prOprios dirigentes, especialmente de Dimitrov. Stalin nao se opOs, tendo em conta o perigo que ameagava a URSS, mas exigiu que a viragem tatica se impusesse sem a critica das concepcOes anteriores (vale dizer, dele mesmo) — ela deveria justificar-se apenas pela mudanga da situagao. Toda a linha geml dos tiltimos dez anos deveria continuar sendo considerada como justa — unicamente as diregOes das secOes nacionais (entre elas, a alema) cometeram erros na sua apneacao. Assim, a infalibilidade de Stalin ficava salva. 82 No entanto, Leibson e Shirinia nao podem oferecer uma s6 prova documental (apesar do evidente interesse que tem em fundamentar a sua tese e de que puderam consultar as atas das reuniOes do Comite Executivo da IC daqueles meses) de que a questa() da viragem tenha se discutido no nticleo dirigente da IC cones do citado artido do Pravda (que, alias, nao é nunca referido na sua obra). E o Pravda jamais publicaria semelhante texto — que, recomendando acordos "por cima" entre partidos comunistas e socialistas, modificava radicalmente a norma levada a cabo durante uma decada — sem a expressa aprovaoao de Stalin. Os dados oferecidos pelos historiadores sovieticos, entretanto, provam que a discussao comeea no Comite Executivo e nas comissOes preparatOrias do VII Congresso imediatamente depois que o Pravda emitiu a luz verde. A viragem nao a fruto da discussao na direeao da IC; ao contrario: os dirigentes da IC podem discutir porque Stalin deu inicio a viragem — o que, por outra parte, como veremos adiante, nao significa que a versa.° de Leibson e Shirinia nao contenha elementos de verdade. Pois bem: por que Stalin da o sinal para a viragem precisamente em maio de 1934? A julgar pelos dados disponiveis, a chave este. — como em outras viragens da IC — na politica sovietica, mais concretamente na sua politica exterior. Ja dissemos, no capitulo 2, que, a partir da ascensao de Hitler ao poder, o governo sovietico busca ativamente aliangas corn os Estados capitalistas "democraticos". Mas ha uma fase, justamente entre a vitOria hitleriana e comecos de 1934, em que esta busca associar-se ao esforgo por salvaguardar o "espirito de Rapallo". Tres meses depois que Hitler chega a Chancelaria, ratifica-se o protocol° de renovacao do pacto germano-sovietico de 1926 que, por seu turno, era um prolongamento e uma ampliagao do acordo de Rapallo. Depois que a Alemanha e o Japao se retiraram da Sociedade das NaeOes, o Comite Central do partido sovietico se pronuncia (dezembro de 1933) pelo ingresso da URSS na organizacao mas, ao mesmo tempo, Molotov declara que o governo sovietico nao tern motivos para alterar a sua politica em relagao a Alemanha. 83 Durante todo urn ano — de janeiro de 1933 a janeiro de 1934 —, Stalin guarda urn prudente silencio, em seus escritos ptiblicos, sobre a situagao internacional. Finalmente, sai 162

dele no seu informe ante o XVII Congresso do partido, a 26 de janeiro de 1934. Comeca por constatar que "ludo marcha, evidentemente, para uma nova guerra". Passa em revista as variantes de que esta possa se revestir, advertindo os Estados capitalistas de que, em qualquer caso, a aventura Ihes said. caro — correm o risco de se defrontar corn a revolugao. Entre todas as variantes, porem, Stalin sublinha que "dificilmente pode duvidar-se que a mais perigosa para a burguesia seja a guerra contra a URSS". Ele aduz: "A burguesia pode ter a certeza de que os numerosos amigos da classe operaria sovietica na Europa e na Asia procurarao assestar golpes na retaguarda dos seus opressores, se estes se atrevem a desencadear uma guerra criminosa contra a patria da classe operaria de todos os paises [...]. indiscutivel que uma segunda guerra contra a URSS [antes, ele aludira a intervencao de 1919-1920] conduzird a completa derrota dos agressores, a revolugao ern varios paises da Europa e da Asia [...]". Em seguida, refere-se diretamente aos novos governantes alemaes: se eles nab se afastarem da "velha politica, refletida nos conhecidos tratados entre a URSS e a Alemanha", nao haverd razOes para que as relagOes se deteriorem. "Naturalmente, o regime fascista alemao esta bem longe de nos entusiasmar. Mas o problema nao e o fascismo, porque este, na Italia, por exemplo, nao impediu que a URSS estabelecesse as melhores relacees com o pals peninsular." Mas as coisas seriam outras se a Alemanha empreendesse "uma nova politica, semelhante a do ex-imperador, que chegou a ocupar a Ucrania e levou a cabo uma campanha contra Leningrado". Stalin constata que essa "nova politica vai prevalecendo, de modo claro, sobre a antiga". E para que os chefes nazistas nao tenham dtividas da alternativa que a insistencia na "nova politica" imp6e a Uniao Sovietica, Stalin realca, na mesma passagem, "a grande importancia, para todo o sistema de relacOes internacionais", do recente restabelecimento de relagOes normals entre a URSS e os Estados Unidos (novembro de 1933). E isto — continua ele — nao s6 porque contribui para a manuteneao da paz, mas ainda porque "estabelece uma divisOria em face da antiga situagao, quando os Estados Unidos eram considerados como o baluarte das tendencias anti-sovieticas de todo o tipo, e demarca a nova situagao, na qual este baluarte retira-se voluntariamente do caminho em beneficio miltuo dos dois paises". E Stalin conclui: "A URSS nao pensa em ameagar e, muito menos, em atacar a ninguem. Queremos e defendemos a paz. Mas nao tememos as ameagas e estamos prontos a revidar, golpe a golpe, aos provocadores da guerra. Quern quiser a paz e procurar estabelecer relagOes econOmicas conosco sempre contara corn o nosso apoio". 84 No informe nab existe qualquer insinuagao de que, em caso de conflito entre os Estados capitalistas, provocado por uma agressao alema, a Uniao Sovietica va prestar ajuda aos agredidos. Ate este momento, o Estado sovietico nao firmara nenhum pac163

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• to de ajuda mtitua corn outros Estados, mas apenas acordos de não agressão. Todo o informe esta sabiamente dosado, medido. Acena-se como espectro da revolugão em caso de guerra, como um argumento para travar os Estados capitalistas no declive que conduz ao conflito, mas as referencias a luta da classe operaria nos paises capitalistas sao muito menores que nos congressos anteriores e, pela primeira vez num informe a um congresso do partido, UM) se menciona a Internacional Comunista. Na definigAo das relagOes da UniAo Sovietica com os Estados capitalistas se observa urn equilibrio exemplar e a Alemanha se diz que o regime fascista não e, em si mesmo, um obstaculo para que se conservem as boas relagOes. Tudo depende da atitude que se tenha em face da Unitio Soviitica. A luz deste informe, compreende-se perfeitamente por que não chegara ainda a hors das aliangas politicas entre os partidos comunistas e socialistas: em Berlim, elas poderiam ser interpretadas como uma orientaglo unilateral da IC e, pois, de Stalin, diante dos Estados rivais da Alemanha. Mas, no mesmo 26 de janeiro de 1934, enquanto Stalin pronunciava o seu bem dosado discurso, a PolOnia e a Alemanha firmavam um pacto que, como dizem Leibson e Shirinia, era "um evidente passo no sentido da agressio hitleriana contra a URSS" — e que foi assim interpretado em Moscou. Em Paris, o pacto foi entendido como uma grave quebra do sistema de aliangas antialemAs pacientemente articulado pela diplomacia francesa: o Quai d'Orsay e os chefes do exercito frances concluem que chegou o momento de considerar seriamente o retorno a estrategia tradicional dos governos franceses anteriores a primeira guerra mundial — com o czar ou corn Stalin, a Russia nä() mudou de lugar: permanece a leste da Alemanha. E, como tambem se pensa em Moscou, a Franca igualmente não se moveu. A geografia prevalece. Nos primeiros dias de maio, Barthou afirma a posicAo francesa: prop& ao governo da URSS urn pacto franco-sovietico de ajuda nultua, no marco mais amplo de urn "pacto oriental", por sua vez inserido no quadro da Sociedade das NagOes. Como este projeto supee a anuencia inglesa, Barthou preveniu ao governo de Londres que, no caso da sua oposigfto, a Franca acordaria uma alianga militar direta corn a URSS. A 25 de maio, Barthou declara na CAmara de Deputados que o ingresso da Rtissia na Sociedade das NagOes "seria urn acontecimento consideravel e, como a paz me preocupa, afirmo que seria um acontecimento consideravel para a paz europeia". 88 Cinco dias depois, aparece no Pravda o artigo que recomenda ao Partido Comunista frances entendimentos corn a SFIO. Mas o acordo com a SFIO ilk) 6 um objetivo — e uma etapa. A 24 de outubro, em Nantes, onde, no dia seguinte, o Partido Radical iniciaria o seu congresso, Maurice Thorez langa a ideia de uma "ampla 164

frente popular" que inclua o partido de Herriot, "o partido corn o qual — nas palavras de Tr6tski — a grande burguesia mantem as esperangas da pequena burguesia numa melhora gradual e pacifica da sua situagdo". 88 No Ells du Peuple, Thorez diz que esta iniciativa foi empreendida contra a opiniAo da IC, transmitida por Togliatti, e apresenta a coisa como se, ja então, o partido frances Cab se submetesse incondicionalmente as diretivas da IC. Mas sendo o que a epoca eram as relagOes na alta hierarquia da Internacional, e a luz do comportamento posterior de Thorez em face das diretivas procedentes de Moscou, custa a crer que fizesse ouvidos moucos a opinido do representante da IC se outra instancia, "mais alta", não o apoiasse ou sugerisse a iniciativa.87 Em todo o caso, o convite aos radicais ajustava-se como uma luva tarefa que, neste momento, preocupava a diplomacia soviatica. Os circulos reacionarios franceses que se inclinavam a urn compromisso com a Alemanha tentavam, realmente, torpedear o projeto do pacto francosovietico e aproveitaram o assassinato de Barthou (9 de outubro) para intensificar as suas manobras. 0 concurso dos radicais era fundamental para levar a termo o projeto. A 2 de maio de 1935 firma-se, em Paris, o pacto Franco-sovietico, e nos dias seguintes, em Moscou, celebram-se as conversagOes LavalStalin. 0 comunicado final do encontro contem esta frase: "Stalin cornpreende e aprova plenamente a politica de defesa nacional praticada pela Franca pars manter as suas forgas armadas adequadas ao nivel da sua seguranga". Ate entho, o Partido Comunista frances observara uma atitude irredutivel contra toda "politica de defesa nacional", quaisquer que fossem os partidos burgueses no poder. Seus deputados, sistematicamente, votavam contra os creditos militares. Um rites e meio antes da assinatura do pacto, Thorez declarara no parlamento: "NA° permitiremos que se arraste a classe openiria a uma guerra sob o pretexto de defender a democracia contra o fascismo". 88 Segundo varios historiadores, Laval acreditou matar dois coelhos corn uma s6 cajadada: akin do pacto, imobilizar os comunistas e obstaculizar a aproximagAo entre des e os radicais. Mas, a resposta foi fulminante: os muros da Franca apareceram corn a inscrigdo — "Stalin tem razão". E L'Humanite aplicou-se a explicar que ha defesa nacional e defesa nacional, exêrcito e exercito, guerra a pretexto de defender a democracia e guerra de defesa da democracia. Em resumo, o partido afirmava que, entrando em jogo a defesa da União Sovietica, tudo se alterava. Coisa indiscutivel. Mas o problematico pars urn partido revolucionario se colocava quando havia que passar dessa constatagão geral a definigão de uma politica que permitisse unir as duas pontas da corda: contribuigão a defesa da URSS e luta contra uma burguesia que, em virtude do pacto, convertia-se em pega importante do dispositivo de defesa da URSS. Urn revolucionario näo poderia ter muitas dtividas quanto a cor165

recdo da postura de Stalin, concluindo urn pacto de ajuda unitua corn a Franca democratico-burguesa em face da ameaca da Alemanha fascista; porem, era muito discutivel que de estivesse certo ao "aprovar plenamente" — inclusive se se levasse ern conta apenas a eficacia militar do pacto — a politica de defesa nacional que se vinha implementando em Paris. E mais discutivel ainda era a coisa vista desde o angulo da luta antifascista e revolucionaria na Franca. Alain de oferecer urn excelente alibi aos partidos burgueses para justificar a sua politica de defesa nacional, as palavras de Stalin constituiam uma Obvia sugestao aos comunistas franceses para nao limitar a "amplitude" da frente popular aos radicais. Em Ultima instancia, se os interesses da defesa da URSS o exigissem, nao se deveria chegar a "uniao sagrada"? A 15 de maio, tre's dias depois da publicagao da declarano de Stalin, Thorez fornece ao partido a justificacao "tedrica": se uma guerra contra a Uniao Soviatica — afirma — "nao a conduzida pelo conjunto dos Estados imperialistas, se alguns deles, ern raid) dos interesses contraditOrios que os optiem mutuamente, atuam de acordo corn o pais do socialismo, a sua acao serve objetivamente a causa da paz, confunde-se corn a causa do poder dos trabalhadores, serve objetivamente a causa do proletariado, que nao se separa da salvaguarda do pais onde os trabalhadores construiram a sua patria". 89 Portanto, se a burguesia imperialista francesa adequa a sua acao a da Uniao Soviatica contra a Alemanha, esta acao se confunde corn a causa do proletariado frances. Pouco depois, Thorez langaria a palavra de ordem da "frente francesa" — mas, no momento, ha que assegurar o concurso dos radicals. 0 secretario geral do Partido Comunista frances nao hesita ern oferecer o apoio do seu partido a um governo radical que realize a politica do Partido Radical. A 31 de maio, corn efeito, Thorez discursa na Camara de Deputados: "Nos, comunistas, renovando a tradiedo jacobina, estariamos dispostos a oferecer-]he nosso apoio, Senhor Presidente Herriot, se o senhor ou qualquer outro lider de seu partido quiser assumir a direcao de urn governo radical — posto que o grupo radical é o mais importante dos grupos de esquerda desta Camara —, de urn governo radical que aplicasse realmente a politica do Partido Radical". E Thorez explicita a ideia de que convent ampliar a "frente" a direita: "Inclusive, a possivel que ao Partido Radical se somem outros republicanos, mais ou menos moderados, mas que, simplesmente, sej am clarividentes e razoaveis para compreender que os fascistas ameagam o pais e a paz"." No entanto, o Senhor Presidente nao entende uma palavra deste incrivel malabarismo politico: "Nao sou de direita — exclama mas ja estou farto de ver meu partido a reboque dos extremistas. 0 Partido Radical nao é, absolutamente, urn agrupamento revolucionario" 9' Daladier e os "joy ens turcos" radicais compreendem perfeitamente que nao se trata de colocar o Partido Radical a reboque dos extremistas — mas sim os ex166

tremistas a reboque dos radicais; nao se trata de fazer corn que o Partido Radical perca a sua gloriosa substancia histOrica, convertendo-se num agrupamento revoluciondrio — mas se trata de fazer corn que o Partido Comunista perca a sua, deixando de ser um partido revolucionario. Desde o momento em que os comunistas aceitam a politica do Partido Radical, inclusive a defesa nacional, por que exclui-los de urn novo cartel des gauches, batizado como Frente Popular? Quando, a 25 de julho, se abre em Moscou o VII Congresso da Internacional, a "frente popular", na sua versa° francesa, navega de vento em popa. Ainda nao tomou — nem tomari — nenhuma Bastilha, mas ja tem o seu 14 de julho. Thorez, Blum, Daladier e os dez mil representantes das organizees frente-populares, vindos de toda a Franca, apertam-se neste dia no Stadium Buffalo, juram solemente "permanecer unidos para desarmar e dissolver as ligas facciosas, para defender e desenvolver as liberdades democraticas e assegurar a paz". A Franca imortal preside a nova jornada histOrica: Jeanne d'Arc e 1789, a Marselhesa e a Internaciona1. 92 Ao cabo de pouco tempo, de tudo isto nao restarao mais que as ferias pagas.

0 VII Congresso da Internacional Comunista A politica de frente Unica operiria — retomada, nas condicties da luta contra o fascismo, daquela seguida pela Internacional no periodo 1921-1923 — e a politica de frente popular — sem antecedentes na histOria da IC (Dimitrov quis encontra-los nas resoludies taticas do IV Congresso, mas al nao se previa, de modo algum, a colaboragao corn partidos burgueses) — nao partem, por conseguinte, de urn aprofundamento analitico e critico dos problemas da luta de classes no capitalism° a luz da experiancia do movimento revoluciondrio no periodo precedente. Seu ponto de arranque é a resposta pragmdtica a exiencias peremptdrias da politica externa sovietica, uma vez que o governo de Berlim, ignorando as advertencias de Stalin, coma iniciativas que implicam, evidentemente, a preparaflo de uma guerra contra a Odd° Soviatica (se Hider se mantivesse fiel a linha de Rapallo e orientasse exclusiva e momentaneamente o seu revanchismo contra o Ocidente, o Pravda sugeriria aos comunistas franceses que se entendessem corn Blum? Basta formular esta hipôtese — nada arbitraria, ja que responde a uma das opcOes possiveis do imperialismo alemäo, concretizada enfim em 1939 — para compreender a que ponto a fator "politica extema soviatica" foi determinante na viragem Utica da IC). Mas, desta vez, as urgentes necessidades da defesa da URSS se conjugam corn a necessidade nao menos urgente de unidade operaria e unidade antifascista que se sente nos palses europeus (a diferenca do ocorrido na deca167

da anterior, quando a orientacdo da politica externa sovietica, centrada na exploracAo do nacionalismo alemao contra as potancias imperialistas de Versalhes, influi ponderavelmente, como vimos, na sectarizaCA° da politica da IC). No entanto, "conjugagAo" ndo equivale a perfeita coinciancia. A burguesia dos Estados capitalistas "democraticos", incluindo as suas fragOes mais radicais, e a ala direita da socialdemocracia podiam concordar corn o governo sovietico nas medidas preventivas contra o perigo alemão; inclusive, podiam apoiar uma versao "frente popular" que contribuisse para unificar a nagão em face deste perigo, sob a hegemonia da burguesia e da bandeira do patriotismo tradicional — ou seja, uma "frente popular" que desempenhasse, nas novas condigOes, um papel analogo ao da social-democracia na primeira guerra mundial. Mas a Obvio que não podiam apoiar uma politica de unidade operaria e de frente popular corn contend° revoluciondrio. Qualquer politica tendente a desaguar numa solugdo revolucionaria dos problemas nacionais e internacionais so poderia conflitar corn aquelas forgas sociais e politicas, alimentando involuntariamente nelas a inclinagão para o compromisso corn o inimigo exterior, o que entrava em contradigão corn os esforgos da politica sovietica, dirigida para constituir uma alianga URSS-Estados capitalistas "democraticos" contra a Alemanha hitleriana. 0 desenvolvimento da situagdo europêia entre 1934 e 1938 revela que, no movimento desta contradino, existiam fundamentalmente tits possibilidades que foram assumidas, mais ou menos conscientemente, pelas diversas tendências que participavam da direcão da frente Unica operaria e da frente popular. Eram as seguintes: 15) a politica frentista desembocaria numa mudanga radical, revolucionaria, e cued° a defesa da URSS poderia articular-se sobre novas bases (alianga Estado soviaticos-novos Estados revolucionarios, sem que isto excluisse outro tipo de aliancas corn Estados capitalistas rivais ou vitimas da Alemanha, onde o movimento operario ainda nao representava urn perigo real pan a burguesia); 25) a politica frentista integrar-se-ia na uniAo nacional sob a hegemonia burguesa, e então a defesa da URSS se daria especialmente a base da alianga corn o Estado capitalista em questdo; 35) a politica frentista avangaria o suficiente para atemorizar a todas as fragOes burguesas, inclinando-as ao compromisso com a Alemanha e isolando a URSS, e o insuficiente para impor a primeira alternativa. Como era lOgico, os grupos politicos burgueses e a direita socialista que participavam da frente popular jogaram conscientemente na segunda alternativa. Nas teses politicas do VII Congresso da IC se encontram prefiguradas — mas nunca explicitamente formuladas — a primeira e a segunda alternativas. A pratica politica da Internacional, inspirada nestas teses contradit6rias, contribuira ern larga medida para que, finalmente, a terceira prevalega. Quando de Munique, a unidade operaria e a frente popular entraram em colapso antes de desenvolver o 168

seu potential revoluciondrio inicial, e a URSS encontrou-se isolada. Felizmente, as contradicOes interimperialistas eram bastante fortes para que — uma vez liquidado o perigo revoluciondrio imediato nos dois campos em que se dividira o imperialismo — elas predominassem sobre o interesse de classe comum, que poderia ter conduzido de Munique a intervengão conjunta anti-sovietica dos Estados capitalistas, "democraticos" e fascistas. Nos estudos sabre o VII Congresso da IC, em geral, se considera que o objeto fundamental de seus trabalhos foi a elaboragdo da tatica para a luta antifascista e anticapitalista. E verdade que este tema ocupou a atengäo maior do congresso, dedicando-se-Ihe o informe mais importante, apresentado por Dimitrov. Mas, para captar o significado profundo da linha adotada e compreender como foi aplicada, ha que partir do que o prOprio congresso definiu como a "consigna central dos partidos comunistas": "A luta pela paz e em defesa da URSS". Isto queria dizer que toda a atividade dos partidos comunistas, a sua politica, as suas tarefas, deveriam ser consideradas e resolvidas ern fungdo deste objetivo supremo. A raiz Ultima das contradigOes que se manifestam nas teses taticas do congresso e na sua ulterior aplicagão se localiza, precisamente, neste enfoque global. Enfoque que se concretiza na seguinte diretiva do congresso: os partidos comunistas devem criar "a mais ampla frente possivel de todos os que estäo interessados na conservagäo da paz", e sua "tarefa tatica mais importante é concentrar, em cada momento, as forgas [da frente] contra os principais provocadores da guerra [no presente momento — explicita-se —, contra a Alemanha, bem como a PolOnia e o JapAo, ligados a ela]". Quais sao todas estas forgas, interessadas na paz, que os partidos comunistas devem aglutinar numa frente comum? Em primeiro lugar, as massas populares; mas, tambOm, todo o grupo das classes dominantes interessadas na paz, incluidos os Estados, pequenos ou grandes, que tenham analogo inheresse no presente momenta Na resolucAo aprovada no congresso, especifica-se que "as relacees reciprocas entre a UniAo Sovietica e os Estados capitalistas entraram em uma nova lase". "A politica de paz da URSS nko so liquidou corn os planos imperialistas, orientados para o isolamento da UniAo Sovietica, mas criou as bases para a sua colaboraga°, em defesa da manutengdo da paz, corn os pequenos Estados para os quais a guerra, ameagando a sua indepenancia, representa um perigo especial, assim coma tambam, com aqueles Estados que, no presente momento, estito interessados na conservacdo da paz".93 Dimitrov precisa quais sAo estes dltimos Estados, (do sibilinamente aludidos na resolugdo: trata-se de "certos grandes Estados capitalistas que, temendo as perdas que podem sofrer em conseqfiencia de uma nova divisào do mundo, estäo interessados, no presente momenta em evitar a guerra" Numa palavra, sào as grandes porancias coloniais europnias mais 169

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os Estados Unidos, que temem perder o monopOlio da exploracdo mundial numa guerra corn a Alemanha e o Japdo. 94 E Dimitrov acrescenta, em seguida: "Dal a possibilidade de uma amplissima frente Unica da classe operaria, de todos os trabalhadores e de povos inteiros contra a ameaga de guerra imperialista". Aqui, o ambigua conceito de "povos inteiros" alcanga a sua maxima ambigiiidade: quer dizer tamb6m, sem dtividas, "nagdes inteiras", "Estados inteiros"... A "frente mundial" — como Dimitrov a chama noutras passagens — a ser criada 6, no fundo, a grande coalizagdo anti-hitleriana que s6 nasceri depois de consumada a agressão nazista a Unido Sovietica. Encarregado, neste congresso, do informe sobre os problemas da paz e da guerra, Togliatti observa que o aproveitamento, no interesse da paz, das contradiedes entre os Estados imperialistas nao compete apenas a Uniao Sovietica: "Na medida em que possam exercer uma agdo positiva em relagdo aos problemas de politica exterior, [os partidos comunistas] devem se esforgar para intervir ativamente no favorecimento de todos os processos que retardem a ecloado da guerra e para se opor a tudo o que constitua uma ameaga imediata a paz". 95 Quando do VII Congresso, as questdes nao eram academicas — cram concretas e candentes, colocando-se praticamente para os dois principals partidos comunistas europeus, o frances e o tchecoslovaco, os tinicos que, depois do fracasso do partido alemao, existiam na Europa como partidos de massas, como fator politico de peso nos seus respectivos paises (no momento do VII Congresso, o partido espanhol ainda ado iniciara a sua "decolagem" e estava sob os efeitos da derrota de outubro). A Franca e a Tchecoslovaquia eram, ao mesmo tempo, os tinicos paises coin que a Unit) Soviitica tinha, ha dois meses, pactos de ajuda minua. Personificavam os dois tipos de Estados interessados na paz, mencionados na resolugdo citada do congresso: o "grande Estado" que temia perder a sua posigio mundial e o "pequeno Estado" que corria o risco de perder a sua pr6pria independencia national. 0 que deviam fazer os respectivos partidos comunistas e, em geral, a IC, para "favorecer" este passo fundamental da politica sovietica? Era a primeira vez que semelhante problema se colocava a Internacional. Togliatti, ern seu informe, reconhece que o problema inquieta os comunistas: "Alguns camaradas pensaram que a conclusão do pacto equivale a perder de vista a perspectiva da revalued° na Europa, [...] compararam a conclusdo dos pactos de ajuda mittua a uma retirada forgada sob os golpes do inimigo". Antes de ser uma "retirada", Togliatti afirma que se trata de urn "avango": E possivel pensar num exito rnaior que o representado pelo fato de que um grande pals capitalista se veja constrangido a assinar urn acordo de mtitua assistencia corn a União Soviética, um acordo cujo contetido 6 a defesa contra o agressor, a defesa da paz e da fronteira da ditadura do proletariado?" E aos 170

que se inquietam corn a possibilidade de que os partidos comunistas possam "perder de vista a perspectiva da revalued° na europa", ele contesta dizendo que "cometem um erro grosseiro", ja que "o novo ato corn o qual a Uniao Sovietica confirmas a sua politica de paz se pode aumentar o prestigio do Estado proletitrio e, por conseguinte, o prestigio do socialismo e da revalued° proletaria entre os trabalhadores de todos os paises, em todo o mundo". Quanto aos criterios que devem guiar os partidos comunistas na determinagio da sua politica ern face da questdo em tela, Togliatti comega por enunciar urn axioma que estava implicit° no programa da IC aprovado no VI Congresso — onde, como vimos no capitulo 2, se formula o "principio" da hegemonia da Uniao Sovietica no movimento revolucionario mundial —, agora precisado corn incomparavel nitidez: "Para n6s, esta absolutamente fora de discuss& a existencia de uma identidade de objetivos entre a politica de paz da Unido Sovietica e a politica da classe operiria e dos partidos comunistas nos paises capitalistas. Esta identidade de objetivos nao pode ser objeto de dtividas em nossas fileiras. N6s nao defendemos a Uniao Soviatica apenas no geral: defendemos concretamente toda a sua politica e cada um dos seus atos". Mas isto nao significa — clarifica, em seguida — que a "Utica" dos partidos que nao estdo no poder e a do partido sovietico tenha que "coincidir em todos os atos, momentos e quesWes". E acrescenta: "E possivel citar intimeros exemplos desta lido coincidencia entre as posicties do partido do proletariado em diversos paises a propOsito de um problema determinado". No entant4 todos os exemplos citados por Togliatti silo anteriores a emergencia do Estado sovietico e da IC — ele nao Ode mencionar um s6 caso em que algum partido comunista tenha adotado posicaes tdticas diferentes das do partido sovietico. Em toda a literatura da Internacional nao se encontra, provavelmente, confirmagdo implicita mais &via do que esta da subordinagdo absoluta da politica das seeties nacionais da IC a politica do Estado sovietico.96 Formulados os criterios de "principio", lbgliatti aplica-os aos casos frances e tchecoslovaco. Os respectivos partidos devem atuar "tendo em conta as circunstincias concretas". Devem "defender o pacto corn todas as suas forgas, ja que 6 um instrumento de luta pela paz e de defesa da Unido Sovietica. Devem votar por ele no parlamento e denunciar toda tentativa de realizar uma politica diferente ou contrastante corn as obrigagees dela derivadas". E, ao mesmo tempo, devem dizer a burguesia que "nao tern nenhuma garantia" de que o exercito nao sera usado contra a classe operaria, de que os pobres nao continuario pagando por esse exercito, de que — no momento decisivo — o pacto sera aplicado, etc., e que, por razao da inexistencia de tais "garantias", nao podem votar os credftos militares nem renunciar a luta contra o governo existente. E Togliatti conclui afirmando que "os que nao corn171

preendem a profunda coerencia interne das teses que expOs "nada compreendem da dialdica real dos acontecimentos, nem da dialetica revolucionaria, ainda que pretendam ser homens inteligentes e 16gicos, como Leon Blum".97 Muito rapidamente, a "dialetica" dos acontecimentos franceses, espanhois, tchecoslovacos e outros submeteria a rude prova a "profunda coerencia interne da nova tatica da IC, mas os delegados ao VII Congresso nada puderam objetar ao admiravel virtuosismo corn que Togliatti resolvera o problema da articulacdo entre urn possivel desenvolvimento revolucionario ern alguns paises europeus e a politica de alianca da Uniao Sovietica corn o Estado burgues desses paises. Quando do VII Congresso, este "possivel" localizava-se na Espanha e na Franca e, neste ultimo pais, o problema da "articulacao" se apresentava concretamente. Se a situagao francesa chegasse a crise revolucionkia, o partido comunista deveria propor-se o seu aprofundamento e implementar uma orientagao que encaminhasse uma sada revolucionaria prolearia, arriscando-se a ameagar a alianca franco-sovietica? Colocar esta eventualidade no VII Congresso, dada a evolugao da situaflo francesa desde 1934, era tao legitimo quanto discutir a hipotese posta pelos delegados holandeses: no caso de agressao alert* a guerra por parte da Holanda nao teria urn carker de defesa nacional, mesmo sendo o pais uma potencia imperialista colonial? E, entao, nao se deve apoiar esta guerra? Togliatti, ratificado pelo congresso, responde afirmativamente, fazendo a ressalva de praxe: sem "renunciar" a luta de classes, a luta pela libertagão das colOnias, etc. E sublinha que esta resposta vale para a Begica e para casos anilogos. A contundencia da resposta esta em perfeita consonancia corn a compatibilidade, na ocasião do VII Congresso, entre a perspectiva da defesa nacional holandesa e belga e o sistema de aliancas contra a eventual agressito alema que, neste momento, o governo sovietico esta construindo. 98 Se a eventualidade "francesa" nao 6 colocada abertamente no congresso, se 6 habilmente ladeada por Togliatti, nao se deve, precisamente, a inaistencia daquela compatibilidade, ao fato mesmo de conter a sua negacao? De qualquer forma, o congresso da uma resposta indireta a este problema, desde que todos os informes, todas as intervengdes, todas as teses estao dominadas pela ideia de que o objetivo supremo 6 assegurar a defesa da URSS: "A defesa da URSS, a colaboracao a prestar-Ihe para contribuir para sua sobre todos as seus inimigos — diz a resolucao do congresso — devem ditar os atos a cada organizacao revolucionkia do proletariado, a cada verdadeiro revolucionario, a cada socialista, a cada operkio consciente, a cada campones trabalhador, a cada intelectual e democrata honestos". Urn dos dirigentes sovieticos da IC, Knorin, sugere corn suficiente nitidez que, do ponto de vista das perspectivas revolucionirias, o essential nao 6 a luta revolucionaria nos paises capitalistas — 6 asse172



gurar o desenvolvimento da URSS; 6 isto que, definitivamente, lard pender a balanga pan a revolugão socialista. Em sua intervencao no congresso, Knorin afirma: os comunistas sao "o partido da paz, que querem, corn todas as suas forgas, travar a guerra para convencer aos povos, atraves da emulacdo pacffica e do trabalho pac(fico, da necessidade da revolugäo socialista". Eis por que — deduz — os comunistas estão pela paz, uma vez que ela garante os exitos ulteriores da URSS, o crescimento do seu poder econ8mico e politico; por isto, "se a paz 6 conservada, a relagdo mundial de forgas no contexto da luta de classes se modificara progressivamente a favor do proletariado e em detrimento do capitalismo".99 0 VII Congresso da IC — como assinalamos no capitulo 2 —, a diferenca dos congressos anteriores, nao aborda explicitamente o problema da revolucao mundial e suas perspectivas enquanto tema especifico. "Nos — afirma Dimitrov — eliminamos deliberadamente, dos informes e resolucees do congresso, as (rases sonoras sobre as perspectivas revolucionarias". 1° Depois do que expusemos, parece-nos superfluo argumentar que, a nosso ver, esta "eliminacão" explica-se por razbes mais ponderaveis que o louvävel intuito de escapar ao verbalismo revolucionario (coisa que, por outro lado, era mais que necessaria). Nos anos do V ou do VI Congresso, quando existia uma coincidencia objetiva de interesses, a nivel das relacOes internacionais, entre a Alemanha vencida e a reptiblica sovidica cercada, frente aos "grandes Estados capitalistas" donos do planeta; quando, na (Rica de Moscou, a Inglaterra, a Franca e os Estados Unidos eram os maximos expoentes do antisovietismo mundial (e, com des, a social-democracia e os partidos democraticos burgueses — ou, como dizia Stalin, demo-pacifistas) — naquela conjuntura, a Internacional podia formular explicitamente uma ou outra estrategia da revolugio mundial (certa ou equivocada, este 6 outro problema), sem o risco de colidir corn a "politica de paz" da URSS. Mas, na conjuntura do VII Congresso, como conciliar qualquer estrategia explfcita da revolucki mundial corn a necessidade, vivida pela URSS, de estabelecer aliancas corn as potencias imperialistas coloniais e corn os Estados Undios? 2 isto o que explica por que, depois de passar sete anos sem se reunir num congresso (contra todas as disposigeoes estatutirias), corn o sistema mundial do imperialismo acabando de atravessar a malor crise econknica da sua hist6ria e corn a questao da segunda guerra mundial na ordem do dia, a IC, no seu VII Congresso, nao proceda a uma analise te6rica dos problemas do imperialismo, do capitalismo, da revolugao socialista no Ocidente e das revolugems antiimperialistas nos paises coloniais e dependentes; explica, em suma, por que, nas cento e trinta paginas do informe de Dimitrov, somente duas se detenham nas lutas coloniais antiimperialistas. Aparentemente o mais "eurocentrico" dos sete congressos da IC, o VII, corn 173

ternario formalmente europeu, corn a prestigiada figura de Dimitrov e de outros chefes comunistas ocidentais no proscenio, fol, na realidade, o mail "russocentrico" de quantos realizados pela Internacional. No entanto, seria equivocado e simplista concluir que a IC e Stalin renunciaram a toda concepcao global da revolucao mundial. De fato, o VII Congresso conserva implicitamente a concepgao do VI, adaptando-a "taticamente" a situagao criada pela emergencia de duas graves ameagas nas fronteiras sovieticas — a Alemanha hitleriana e o Japao militarista — que, simultaneamente, representavam um grande risco nao se) para o movimento operario europeu e para a revolugdo chinesa, mas tambern para a democracia burguesa e para a independencia de uma serie de paises europeus (bem como para a independencia da prOpria China). Por outra parte, o aparecimento das aspiracOes imperialistas alemas e japonesas ameacava igualmente os interesses das grandes potencias imperialistas vencedoras da primeira guerra mundial. Se levamos em conta que o principal ingrediente introduzido pelo VI Congresso na concepgao da revolugao mundial residia na tese segundo a qual a URSS era "o motor internacional da revolucao proletaria", "a base do movimento universal das classes oprimidas, a pitria da revolugito internacional, o maior fator da hist6ria do mundo", etc. (cfr. o capitulo 2), entao fica claro que, na nova situacao mundial, a estrategia da IC tinha que consistir na articulacao de todos os interesses, fatores e contradicOes que se entrecruzavam no caminho do expansionismo alemao e japones em torno da "consign central" da "luta pela paz e em defesa da URSS" (duas maneiras de dizer a mesma coisa). E este dispositivo estratógico se conjugava corn a visa() geral do estado do capitalismo que a IC, corn a intervencao muito direta de Stalin, comecara a elaborar no periodo do VI Congresso, e a qual a crise econemica mundial parecia conferir uma ratificagdo deslumbrante. De acordo corn esta visa°, o capitalismo entrara — e de verdade, desta vez — na Ultima fase da sua ja longa "agonia". 0 apogeu do fascismo era visto pela IC sob este prisma. Uma das ickias centrais do VII Congresso (tomada de Stalin, que a formula no informe de janeiro de 1934, ja citado) consiste em que a espetacular progressao do fascismo demonstra a impotencia da burguesia "para exercer o poder pelos velhos metodos do parlamentarismo e da democracia burguesa" 101 — e nao se na Italia e na Alemanha, mas em escala mundial. Forster, delegado do Partido Comunista dos Estados Unidos e membro do Comite Executivo da IC, afirma no VII Congresso que a politica de Roosevelt continha elementos de fascismo e outros delegados declaram que ela "abre a via ao fascismo". Dimitrov adverte sobre o perigo de fascismo nos Estados Unidos, ja que "o programa de saneamento do capitalismo fracassou".1°2 Se era assim que se via o estado do capitalismo norte-americano, 6 desnecessisio dizer qual a visa° do congresso sobre o capitalismo euro174

peu. A lOgica desta concepgao conduzia a conclusao de que o fascismo era a forma politico-social final do capitalismo imperialista, alOm da qual este nao sobreviveria. E, realmente, esta 6 a idea exposta por Dimitrov em seu informe, comecando por argumentar que a pr6pria diaMtica do desenvolvimento do fascismo cria as condigOes e as forcas encarregadas de destrui-lo. Resumamos seu raciocinio: o fascismo, que se prop6e superar as contradigOes no campo da burguesia, agrava-as, exacerba a guerra econOmica entre os Estados capitalistas, provoca o &Ho e a indignagao das massas, contribuindo para despertar o seu espirito revolucionario, vulnerabiliza as ilusOes na democracia burguesa, di um impulso decisivo a frente Unica proletaria, porque os operarios social-democratas veem que o fascismo resulta da politica de colaboracao de classe corn a burguesia, etc.; por outro lado, a iniciativa dos comunistas em prol da frente Unica e a sua abnegagao na luta contra o fascismo "elevaram a urn grau sem precedentes a autoridade da Internacional Comunista", sobre a qual recai a missao histOrica de dirigir a revolucao ate a vitOria final. "Assim — diz Dimitrov o fascismo, que pretendeu enterrar o marxismo e o movimento revolucionario da classe operaria, conduz, em conseqiiencia da dialetica da vida e da luta de classes, ao desenvolvimento ulterior das forcas que vao cavar a sua sepultura, o sepulcro do capitalismo". 1 °3 Se Marx previra que a dialetica do movimento do capital cavava o seu prOprio tfimulo, Dimitrov assegura que a fase final desta ja prolongada operagao se inicia quando o capital se reveste da sua Ultima forma possivel: o fascismo. Deste esquema se deduz que barrar o caminho ao fascismo, onde ele ainda nao chegou ao poder, e destrui-lo como Estado onde ja o fez, equivale a dar o passo decisivo ao triunfo da revolugdo mundial. Toda a tatica da frente Unica operaria, da frente popular, da frente mundial pela paz (e em defesa da URSS) inspira-se nesta perspectiva. Dimitrov conclui seu informe corn as seguintes palavras: "NI& querernos tudo isto porque somente assim a classe operdria, a frente de todos os trabalhadores, agrupada num forte exercito revolucionario de milhOes de homens, guiado pela Internacional Comunista e conduzido por este grande e sabio timoneiro que 6 Stalin, nosso chefe, poderd cumprir corn seguranca a sua missao histOrica: varrer da face da Terra o fascismo e, corn ele, o capitalismo".1°4 A viragem tatica da IC nao modifica em nada o postulado segundo o qual a revolucao s6 pode triunfar sob a direcao da IC e das suas secOes nacionais. A frente Unica operiria tern como finalidade essencial aglutinar a classe operaria de cada pais sob a direcao do respectivo partido comunista. Os acordos corn os partidos socialistas sao possiveis durante uma fase transit6ria, que pode incluir a formagao de governos de frente Unica antifascista — mas quando amadurecerem as condicees para a luta direta pela ditadura do proletariado (cuja forma so 175

pode ser a sovigtica — eis outro dos postulados vigentes a altura do VII Congresso), a diregão somente pode ser exercida pelo partido comunista. E, tornado o poder, nem ha o que dizer. E verdade que, no congresso, se coloca a questão de chegar-se a um partido revoluciondrio rink% mediante a unificagao do partido comunista corn o partido socialista. No entanto, as condigtles para tanto equivalem a inteira conservaao do partido de tipo staliniano, corn seus dogmas te6ricos, seus esquemas taticos, seu centralismo burocratico, o reconhecimento da hegemonia sovietica, etc. Como dizia urn humorista espanhol daquela gpoCa, lido se tratava de unificar, mas de urssificar. A principal meta perseguida pela IC corn a frente popular 6 agrupar, em torno da frente Unica operdria, as camadas medias da cidade e do campo — isto 6: agrupd-las tamb gm (so que de maneira mais indireta) sob a diregão do partido comunista. 0 objetivo imediato é bater o fascismo e, no curso desta luta — pensa a IC —, criar-se-äo as condigOes para que tais camadas ap6iem o proletariado quando chegar a Nora de passar a revoluao socialista. Tanto como a constituigdo da frente Unica operdria implicava a necessidade de, durante a fase antifascista da luta, concluir acordos corn os partidos socialistas, a tarefa de agrupar as camadas medias em torno da classe operdria exigia — segundo as teses do congresso — que o partido comunista firmasse acordos corn os partidos politicos ou outras organizacOes representativas daquelas camadas sociais. Quanto as plataformas politicas que deviam servir de base a frente Unica operaria e a frente popular, a idgia matriz da IC era a de que deveriam compatibilizar-se corn o nivel de consciencia da grande maioria, deixando de Mao objetivos radicais que "assustassem" os setores pouco politizados. Posto que a frente Unica operaria e a frente popular nao constituiam dois movimentos separados, mas que o primeiro era o nticleo mais firme, mais avancado, da segunda, e que a finalidade essencial desta era atrair as camadas medias para o campo do proletariado, a plataforma da frente Unica operaria deveria preocupar-se ern nao it "muito longe" ern face do estado de espirito das camadas medias. No fundp, o enfoque global adotado pelo VII Congresso, matrizado pelo cuidado ern polarizar as camadas medias — e o papel fundamental que estas desempenharam na viten-la do fascismo alemão, como antes na do italiano, explica suficientemente urn tat cuidado tendia a alinhar todo o movimento sobre elas. No geral, as plataformas cornpreendiam trg's segmentos: reivindicagOes de tipo econOmico-social, perfeitamente compativeis, em principio, corn a essência dos partidos e sindicatos reformistas; reivindicacOes politicas, que nao iam mais al gm da defesa ou da restauracão das liberdades e instituicOes democraticoburguesas e da repressao as atividades e organizagOes fascistas; e a "luta pela paz". Seguindo as orientagOes da IC, os partidos comunistas 176

se opuseram sistematicamente a que, nas plataformas da frente Unica operaria e da frente popular, figurassem objetivos de tipo socialista ou considerados como tais. 0 partido frands, por exemplo, op6s-se as "reformas de estrutura" (serie de nacionalizacoes) preconizadas pelo Partido Socialista. As raz6es que apresentou pan esta oposicao foram de dois generos. Em primeiro lugar, rathes "de esquerda": "Nos, comunistas — diz Thorez defendemos a socializacao [a SFIO propunha concretamente a social/zap& dos bancos e das grandes indtistriasj, defendemos a expropriacao pura e simples dos exploradores capitalistas, mas consideramos que, para socializar, ha que preencher uma condicao, uma modesta condigão: possuir o poder, tomar o poder. E, para tomar o poder, se existe, ate agora, urn metodo comprovado: o metodo dos bolcheviques, a insurreicao vitoriosa do proletariado, o exercicio da sua ditadura e o poder dos sovietes" (Thorez poderia dizer: "Magnifico: vote's, que ate hoje se ativeram a uma linha reformista, advogam agora a socializacão dos bancos e da grande inchistria. Isto significa que podemos unir a classe operaria pan lutar por estes objetivos. No entanto, pan isto, ha que se propor a tomada do poder. Na Russia, urn pais atrasado, etc., chegou-se a este ponto por urn caminho determinado, instaurou-se urn tipo de poder exercido por urn partido Unica, seguindo uma via particular; como a Franca 6 um pals diferente, industrial, corn outras tradigOes e formas de movimento operatic), pode existir urn outro caminho, que devemos procurar juntos, pode ser necessirio urn outro tipo de partido revolucionario, etc. " Mas se dissesse isto, estea claro que nä° seria Thorez, secretario geral da Sega° Francesa da IC, e sim um revolucionario marxista ao modo de Unin, que procurou urn caminho original para a revolugao russa). Em segundo lugar, uma raid° simples: "0 partido radical se op6e" 105 — o que, nos !tibias de Thorez, queria dizer: a "socializagno" assusta as camadas medias. A partir deste esquema tatico, como a IC concebia a conducao do movimento que elevaria o nivel dado de consciencia a disposicäo revolucionaria indispensavel a colocagao concreta do problema da revolugao socialista? Concebia-o em funcAo da seguinte ideia basica: o capitalismo ja nao tinha condic6es de "incorporar", de "integrar" um movimento reivindicativo, de carter massivo, como o que se estava implementando. Embora as reivindicagees economicas de operarios, camponeses, funcionarios, etc., fossem "minimas", o capitalismo, ja incapaz de desenvolver as forgas produtivas (nä° "fracassara" o projeto de "sanear" o capitalismo mais potente, o norte-americano?), nao poderia "absorve-las"; ver-se-ia compelido a um beco sem saida; as massas ern movimento se radicalizariam e acabariam por se dar conta, como dizia Dimitrov, "que a salvagao y in% apenas e s6 do poder sovietico". A mesma situacao limite deveria levar a defesa das liberdades e instituicees democratico-burguesas: ponto que o capitalismo ja fosse impo177

tente para manter a sua dominagao sob estas formas politicas, a luta contra a sua destruigao pelo fascismo, pela sua conservacao, tambem conduziria as classes dominantes a outro beco sem saida — a democracia burguesa convertia-se num mecanismo que se voltava contra a burguesia. Restava o problema da paz e da guerra. E nele residia, conforme o juizo da IC, o principal perigo de que esta dinamica fosse travada, pelo menos durante toda uma etapa hist6rica — o risco de que o fascismo, mediante uma ditadura terrorista em escala mundial, conseguisse prolongar a existencia do capitalismo, apesar da sua irremediavel impotencia para desenvolver novas forgas produtivas. Isto poderia ocorrer se os Estados capitalistas lograssem unir-se para destruir, corn a forga militar, o "motor internacional da revolucao proletaria". Mas aqui, igualmente, se impunha a dialetica desta fase ag8nica do capitalismo. 0 fascismo funcionava como o aprendit de feiticeiro, exacerbando ao extremo as contradigOes interimperialistas, colocando sobre a mesa a questao de uma nova divisao do mundo. Para defender seus sacrossantos lucros colonials, as grandes potencias vencedoras da primeira guerra mundial se viam diabolicamente levadas a aliar-se ao Estado sovietico ameagado pelo mesmo inimigo que elas, ou para manter o status quo (seu interesse pela paz como diziam as resolugOes da IC, nao passava de um eufemismo, que so enganava aos povos e aos prOprios comunistas) ou para lutar a seu lado. Em sintese, a IC considerava que a irresistivel dialetica da hist& ria, que ja conduzira o capitalismo a beira do tumulo, operava de tal modo que obrigaria os socialistas a marchar junto com os comunistas, colaborando na criacao das condicaes que tornariam possivel a instauragao do poder sovietico, no qual estes mesmos socialistas seriam eliminados da cena politica; considerava que os partidos das camadas medias seriam compelidos a percorrer o mesmo itinerdrio, desempenhando analog° papel de marido traido e impotente; considerava que os grandes Estados capitalistas, exauridos, seriam obrigados a cooperar com a Uniao Sovietica para liquidar os novos e avidos concorrentes e, corn eles, o fascismo, a Unica forma sob a qual o capitalismo poderia sobreviver — vale dizer, tais Estados acelerariam o curso da revolugao mundial. Concebido sob este prisma, o papel essencial da tatica da IC elaborada no VII Congresso, consistia, antes de mais, em "dar um empurrao" nesta irresistivel dinamica hist6rica. Em primeiro lugar, facilitando as grandes massas populates, cuja consciencia ainda nao amadurecera a ponto de compreender que a tinica salvagao estava no poder sovietico, marchar ands da vanguarda, mesmo sem saber exatamente para onde ir. Facilitando, em segundo lugar, aos grupos sociais, partidos politicos e entidades estatais — que, no final da festa, deveriam 178

desaparecer da cena — que caminhassem para este destino oferecendo o minim() de resistencia. Ja que se ingressara na fase na qual a prOpria e extrema caducidade das estruturas econemicas e politicas capitalistas conduzia velozmente toda a sociedade para o Hic Rhoclus, Inc saltat,1" o principal era que ninguern se assustasse corn o prodigioso salto, controlado apenas pelo partido mundial da revolugao. Os operarios mais avangados deveriam preocupar-se em nao propor objetivos que assustassem os mais atrasados; a classe operdria, ern seu conjunto, deveria cuidar-se para nao proclamar metas (sobretudo a revolucao proletaria) que assustassem as camadas medias e os pequenos (ou "medios") camponeses proprietarios; e todos juntos — operarios, funcionarios, tecnicos, intelectuais, camponeses, etc. — deveriam tomar cuidados para nao assustar as burguesias susceptiveis de aliar-se a Uniao Sovietica para bater o revanchismo alemao e o expansionismo japones. Posto que esta Ultima consideragao se relacionava com o "elo principal" da estrategia da Internacional, ela subordinava — e de fato o fez — todas as outras precaugOes taticas. Todo o complexo tatico que acabamos de expor — tanto a nivel do suposto processo objetivo em que se fundamenta quanto da acao consciente do partido — esta concebido como uma tatica defensiva-ofensiva. Defensiva, na medida em que a dinamica objetiva do processo cria as suas prOprias defesas em face da progressao da ameaga fascista, corn a acao do partido para unificar as diversas forcas sociais ameagadas operando sobre a base do minimo denominador comum. Ofensiva, na medida em que esta dinamica objetiva-subjetiva conduz ao exacerbamento das contradicOes, a polarizaeao das forcas sociais e politicas e na medida em que se configura esta nova situagao, em que a correlagao de forcas 6 favoravel, o partido deve propor metas e formas de luta mais radicals. Indubitavelmente, no VII Congresso se acentua o aspecto defensivo, de acordo com a situagao dominante na Europa neste momenta Mas no informe de Dimitrov, como em outras intervengees, alude-sea perspectiva da fase ofensiva "Nos — afirma Dimitrov — queremos a unidade de agao da classe operdria para que o proletariado se fortalega em sua luta contra a burguesia, para que, defendendo hoje os seus interesses imediatos contra o capital agressivo, contra o fascismo, estej a amanita em condictles de realizar as premissas da sua emancipagao definitiva". "Devemos, incansavelmente, preparar a classe operdria para mudar rapidamente as formas e os metodos de luta, conforme as mudangas da situagao. Na escala em que o movimento se desenvolva e se reforce a unidade da classe operaria, devemos ir mais long; preparar a passagem da defesa ao ataque contra o capital, orientando-nos para a organizagao da greve politica de massas".I°7 A passagem a "ofensiva contra o capital" se apresentaria, como 179

possibilidade real, poucos meses depois do VII Congresso, na Espanha e na Franca.

"Ha que saber terminar corn uma greve" (o 1936 frances) As causas do auge do movimento operario e antifascista frances, entre 1934 e 1936, ji foram estudadas em numerosos trabalhos politicos e histOricos. 1 " Muito esquematicamente, elas poderiam resumir-se na combinacao de tres fatores essenciais. Em primeiro lugar, os efeitos da crise econemica, que chega a Franca com um certo atraso, quando ja se iniciara a recuperagao nos Estados Linidos e em outros paises. Este atraso permite que o descontentamento social provocado pela crise coincida — e se combine — corn o segundo fator: a reacao antifascista que se engendra no movimento operario e em outros setores sociais corn a ascensao de Hitler ao poder. A luta social, na Franca, se entrelaga corn a luta politica contra as forgas reaciondrias (particularmente, as famosas "ligas") que encarnam o "perigo fascista". Em terceiro lugar, a viragem tatica da IC permite a vontade unitaria dos nucleos mais conscientes do movimento operario — a experiencia alema pusera de manifesto as tragicas conseqiiencias da divisao — encontrar urn leito para se concretizar e organizar. 0 pacto comunista-socialista e a unidade sindical que o acompanha estimulam a confianga dos trabalhadores em suas prOprias foreas e amplia o papel da classe operaria no processo politico do pais. Os partidos operarios se convertem ern p6lo de atragao de um setor considerdvel das camadas medias urbanas, duramente afetadas pela crise. 0 descontentamento chega ao apice com os decretos deflacionistas de Laval. Segundo a expressao de Thorez, "os oitocentos mil funcionarios — esta armadura do Estado, mencionada por Marx no seu 0 Dezoito Brumdrio... — se sublevam; a pequena burguesia perde a confianga na diregao dos partidos da grande burguesia". A insatisfacdo tambem ganha foreas entre os camponeses.1°9 Em face delta mare popular que avanga, as forcas fascistas se organizam e intensificam a sua agao. Como observa um dos principais historiadores deste periodo, "pouco a pouco se operava uma dupla polarizacao: a direita, em torno das Croix de Feu; a esquerda, em torno do que, depois de outubro de 1934, os comunistas chamaram de Frente Popular [...) Em todo o pais se vai estabelecendo uma atmosfera de guerra civil incubada [...j". 110 Em meados de 1935, na sua intervened° no VII Congresso, Thorez menciona a perspectiva de uma "crise revoluciondria": "A forca do movimento de massas — declara — pode impor a necessidade de um governo da Frente Popular, que nosso partido apoiaria e do qual eventualmente poderia participar; entdo, a batalha 180

antifascista se tornaria mais rude, porque o assalto reacionario e fascista seria imediato e brutal. Mas a Frente Popular e o Partido Comunista teriam ocupado novas posigOes, que utilizarlamos para preparar a instauragdo do poder dos sovietes, da ditadura do proletariado".111 No momento, por6m, o Partido Comunista frances nao deseja menos que a SFIO e os radicais que a "batalha antifascista" tenha um desfecho "civico". Em dezembro de 1935, Thorez, Blum e Ybarnegaray (este Ultimo o porta-voz das Croix de Feu) se comprometem, no parlamento, a dissolver as respectivas organizagries paramilitares 112 - que decidam as urnas. E, a 3 de maio de 1936, as urnas conferem a vitOria a Frente Popular. Mas a expressao "vitOria da Frente Popular" nao da o sentido real do evento. 0 "partido burgues" da "frente" sofre um reves profundo (perde 43 deputados, passando de 159 a 116); parte considerdvel dos seus eleitores votam nos comunistas e socialistas e outros se deslocam para a direita burguesa. A viteria 6 dos partidos operarios, e embora os socialistas obtenham a representagao parlamentar mais numerosa da Camara (passam de 97 para 146 deputados, ultrapassando, pela primeira vez na histOria do parlamento francés, o grupo radical), os vencedores sao os comunistas (saltam de 10 para 72 deputados). 8 significativo, tambem, que o grupo socialista de direita, desligado da SFIO, perca quase a metade da sua bancada (cai de 45 para 26 deputados). Isto comprova a polarizagao politica do pais e a radicalizacao tanto da classe operaria quanto de importantes micleos das camadas medial. Se, do ponto de vista das perspectivas revoluciondrias, a polarizano politica revelada pelas eleigOes 6 alentadora, sob o prisma do pacto franco-sovidtico o fenOmeno pode parecer inquietante. 0 que sera da potencia militar francesa se o pais desliza para a guerra civil? 0 correspondente de Le Temps em Moscou informa: "Os meios dirigentes nao expressam nenhum entusiasmo especial [...). 0 fracasso relativo dos radicais 6 deplorado". Resignando-se ante a "vontade popular", Litvinov declara ao correspondente de Le Petit Parisian: "Q essencial 6 que a Franca nao permita que se dehilite a sua potencia militar. Desejamos que nenhum disttirbio interno favorega os designios do Reich"." 3 Se o desejo formulado pelo comissario do povo para os NegOcios Exteriores 6 significativo, igualmente o 6 o momento (primeira quinzena de junho) em que o expressa. 0 proletariado frances imergiu no "distilrbio" desde finais de maio, sem esperar pela formagao do governo de Blum. A greve, seguida da ocupacdo das fabricas, espalha-se como mancha de Oleo. Em toda a histOria das lutas operdrias francesas nä° se conhecera urn movimento paredista de semelhante envergadura. E as caracteristicas que adquire, inserida no pano de fundo revelado pelas eleigties, justificam que alguns contemporaneos evocassem o celebre logo: Mais c'est une rivolte? — Non, Sire, c'est une revolution. 1i4 0 181

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movimento, de fato, tern desde o primeiro momento a marca que assinala o inicio de toda revolugdo autentica: a iniciativa esponfanea das grandes massas, a mudanga qualitativa do seu estado de 'Anima, a convergencia Unica de milhees na mesma vontade de Or fim a urn estado de coisas, o desbordamento dos leitos naturals... Quase todos os que estudaram o acontecimento, ou o viveram, coincidem no diagn6stico. Desde o primeiro momento, diz Jacques Fauvet, a agdo "toma urn duplo aspecto revolucionario, atentatOrio a autoridade e a propriedade". Movimentam-se, escreve Annie Kriegel, "as grandes multidOes, les masses sauvages, os reservistas dos tempos de revolugdo". E Jouhaux, que joga todo o prestfgio do seu longo consulado no movimento sindical para apagar o incendio, explica naqueles dias: "0 movimento foi desencadeado sem que se saiba exatamente coma ou quando. Assistimos a uma explosdo do descontentamento das massas populares que, burladas, estranguladas durante anos e anos, refrearam a sua insatisfacdo, mas que, na atmosfera livre criada born a afirmagdo popular do 3 de maio, encontraram a possibilidade de expressa-la". 115 Realmente, a grave massiva, e menos ainda a massiva ocupagdo das fabricas, ninguem as decretou e surpreenderam a todos — diregees sindicais e politicas, governo e patronato, direita e esquerda. A classe operaria aproveitou a vitOria eleitoral da Frente Popular compreendendo-a perfeitamente como obra sua, expressdo da sua nova forga; mas, ao mesmo tempo, demonstra que tem poucas iluseies no cumprimento das promessas eleitorais. 0 que "explode" ndo a apenas o descontentamento econenico, mas a desconfianga acumulada durante anos e anos, atraves de eleigeles e eleigees, nas solugees parlamentares. Elas revivem, coma observou corretamente o historiador G. Lafranc, algumas das idelas-forga do sindicalismo revolucionario Frances: a desconfianga ern face do Estado e dos partidos politicos e a confianca na eficacia da agdo direta das massas proletarias. 116 Os trabalhadores ndo se iludem sobre a coesdo e a deciado reformadora da coalizdo eleitoral e parlamentar que eles mesmos levaram ao poder — compreendem onde esta a base da sua forga e ocupam as fabricas. A perplexidade a geral. Blum, ja na direedo do governo socialistaradical, apoiado pelo Partido Comunista, reconhece, diante dos representantes patronais, que o mais grave da situagdo e a impossibilidade governmental de saber de onde vem e para onde vai o movimento operario. Os dirigentes da CGT ndo estdo mais tranqiiilos. Percebem que a massa operaria escapa parcialmente ao seu controle e tende a it mais longe do que julgam razoavel. Esforgam-se para que o movimento nao atinja os servicos pUblicos. Todo o seu empenho a para chegar, o mais rapid° passive!, a urn acordo negociado. 117 A diregdo do Partido Comunista assume a mesma posigdo. "NOs — afirma Duclos — temos uma dupla preocupagdo: ern primeiro lugar, evitar qualquer desordem; em 182

segundo lugar, conseguir que se estabelegam negociagOes o mais rapido possivel para a imediata solugdo do conflito". Mas os primeiros acordos entre a CGT, o patronato e o governo Blum ndo terminam com o movimento, apesar do titulo de pagina inteira de L'Humanite: "Eis a vithria!" 118 A 11 de junho, os grevistas sdo dois milhOes. Na metalurgia, setor de ponta do grande movimento, os delegados de setecentas fabricas langam, a 10 de junho, urn ultimata: se o patronato tido cede As suas reivindicagOes, exigirdo a nacionalizagdo das empresas, cujo funcionamento sera garantido pelo pessoal teenier) e operario. A 11 de junho, corre o boato de que os metalos preparam-se para sair das fabricas e, numa movimentagdo convergent; marchar sabre o centro de Paris. Neste mesmo dia, Thorez refine os comunistas da capital e apela a que usem toda a sua influencia para per fim a greve: "Se 6 importantambOm te conduzir bem urn movimento reivindicativo — diz-lhes ha que saber terminar corn ele. A questdo atual nao 6 a tomada do poder. Todo mundo sabe que o nosso objetivo continua sendo, invariavelmente, a instauracdo da reptIblica francesa dos conselhos de operarios, camponeses e soldados. Mas ndo sera nesta noite, nem amanhd de manhd". Marceau-Pivert, lider da tendencia revolucionaria no interior da SFIO, acabava de escrever em It Populaire• "Agora, tudo é possivel para os audazes". Mas o lema dos novas jacobinos ndo era a audacia — era a prudencia. Em seu discurso aos comunistas de Paris, Thorez replica a Marceau-Pivert: "Na g , nem tudo é passive] agora". E convoca os militantes comunistas para "combater as tendencias gauchistes no movimento". No dia seguinte, a assembleia dos metahirgicos, entre os quais 6 grande a influencia do Partido Comunista, aceita firmar um acordo com os patrees e retomar o trabalho. 0 partido p8e em circulagdo a seguinte lema. "A Frente Popular ndo 6 a Revolugdo". 119 E, de fato, era outra coisa: na Franca de junho de 1936, era o freio da revolugdo, depois de haver contribuido para a sua emergencia. Reconduzir as coisas a seu lugar implicava, antes de tudo, infundir nas massas confianga na politica que a Frente Popular e seus homens se dispunham a implementar. Os trabalhadores conheciam bem os radicals, e a simples presenga deles na nova coalizão•era motivo de aguda suspeigdo. 0 programa de Blum, coma recordou recentemente aquele que ocupou a chefia do seu gabinete, consistia em "introduzir numa sociedade de democracia capitalista, como o era a francesa, o maxima de reformas". 12 ° Grande parte dos operarios intuia, mais ou menos claramente, que este "maxima" se reduziria a urn "minima" e, por isto, mesmo tendo votado em Blum — ja que havia que votar e ao mesmo tempo explicitavam a sua desconfianga: bater a reagdo puseram-se em greve e ocuparam as fabricas sem the pedir autorizagdo. Restava o Partido Comunista. Apesar da desconfianga global do proletariado em relagdo a nova combinagdo eleitoral e parlamentar, uma fra183

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glo sua, importante, que buscava naquela conjuntura uma salda revolucionaria, confiava no Partido Comunista — o imico dos partidos existentes que, ate end% Tao se comprometera com os arranjos parlamentares, que durante quinze anos incansavelmente acusara os reformistas de perder ou trair as oportunidades revoluciondrias, que aparecia como o representante oficial na Franca da Unica revolugäo proletaria triunfante ate a data. Por isto, uma nova geraglo de revolucionarios afluiu as suas fileiras naqueles anos, a influencia dos seus quadros sindicais cresceu rapidamente no seio da CGT reunificada e urn setor consideravel da classe operaria votou nele. 121 Ao mesmo tempo ern que, em certo grau, reflorescia, como dissemos, o antigo veio sindicalista revolucionario, e em que, no interior do socialismo reformista aparecia uma corrente revoluciontiria relativamente importante, o fato maior era que, pela primeira vez, o partido "mandsta-leninista" se convertia no partido hegem8nico do proletariado francs. Dele dependia o rumo a ser tornado pelos acontecimentos. Ele podia, como o fez, jogar na balanca todo o peso da sua aureola revolucionaria para canalizar o movimento espontäneo das massas no sentido da solugão governamental e reformista; ou podia orientar-se pain desenvolver a potencialidade revolucionaria que o movimento continha. A segunda alternativa nab implicava, forgosamente, propor a tomada imediata do poder. Colocar a questab como se se tratasse disto, tal como Thorez o fez a 11 de junho, era urn artificio pan eludir o verdadeiro problema. Este consistia na existencia de dois modos de entender a tatica da Frente Popular. Uma, a sintetizada na ja citada passagem do informe de Dimitrov ao VII Congresso: "Na escala em que o movimento se desenvolva e se reforce a unidade da classe opergria, devemos it mais longe, preparar a passagem da defesa ao ataque contra o capital, orientando-nos pan a organizagän da greve politica de massas". 0 que, nas condigeies concretas criadas na Franca de junho de 1936, queria dizer: orientar-se para elevar o nivel politico e organizacional do movimento de massas, articular as reivindicagOes econ8micas e sindicais formuladas por estas corn outros objetivos econ8micos e politicos mais radicals, transformar a ocupagao passiva das Mbricas em ocupnio "ativa", aproveitar as possibilidades oferecidas por esta ocupagdo para criar formas de orgartizaglo das massas — comites, conselhos operarios — que, combinadas corn as formas sindicais e politicas tradicionais da classe operaria francesa, constituissem o embrido do novo poder. 122 Somente na medida ern que um tal processo politico fosse acionado a que podia esclarecer-se o problema de se a crise da sociedade francesa permitiria chegar a uma solucão revolucionaria socialista ou se se deteria ern reformas, mais ou menos radicals, dentro dos marcos capitalistas. A outra maneira de "entender" a tatica da Frente Popular consistia em subordinar o movimento de massas aos limites admissiveis em cada moment() para a ala burguesa ou 184

reformista da "frente". Como tambem vimos, esta orientagdo "coexistia" corn a primeira nas teses do VII Congresso e, na realidade, era a predominante. Thorez a conduz a um extremo caricatural quando pretende demonstrar que nao existem condicoes para impulsionar o movimento de maio-junho de 1936 na diregão de objetivos mais radicals: "Ainda nao temos atras de nets, conosco, decidida como n6s ate o fim, toda a populagäo camponesa Corremos o risco, ern certos casos, ate de perder algumas simpatias em segmentos da pequena burguesia e do campesinato". 123 E desnecessario dizer que se Unin tivesse esperado que toda a populagão camponesa da RUssia se decidisse como os bolcheviques pela revolugrio socialista; se julgasse que a perspectiva, abertamente preconizada, da insurreigão proletaria nao tiraria dos bolcheviques algumas simpatias da pequena burguesia e do campesinato — nao haveria revolugdo de Outubro. Os bolcheviques foram apoiados por uma fragão da populacão camponesa, que nab lutava conscientemente pela revolugab socialista, mas pela paz e pela terra. E como notorio, as "camadas merlin", na Assembleia Constituinte, colocaram os bolcheviques em minoria. Na Franca de 1936 nao se tratava de que o importante setor descontente e radicalizado das "camadas inertias" urbanas e rurais (em seu discurso de 11 de junho, Thorez não nega a existencia deste ponderävel setor radicalizado) estivesse disposto a caminhar com os operarios pan uma abstrata revolugao socialista, e menos ainda a transplantar o sistema sovietico de partido imico para o seu pats. Mas podia caminhar junto corn os operarios na diregão de uma serie de medidas radicais, econemicas e politicas, que o timorato programa da Frente Popular não continha (a atitude de urn partido revolucionario diante deste programa não poderia ser a mesma antes e depois da "explosäo social" de maio-junho 124 ). Com uma condigab, clam: que o proletariado nao se detivesse a meio caminho. Como o demonstrou a experiencia de todas as revolugOes proletarias, as massas da pequena burguesia urbana e rural, vacilantes por natureza, nab são "mais papistas que o papa" — se se decidem a marchar pelo caminho da revolugäo se constatam que o proletariado avanga decididamente por ele, demonstrando a sua forga e a sua resoluflo. A extrema fragilidade da argumentacao de Thorez explica-se porque a razao essencial da orientacao tomada pelo partido nao 6 exposta e analisada corn franqueza. Ela era referida como uma dessas doengas secretas, das quais s6 se fala por alusoes. "A situacão presente, devida ao egoismo e a intransigencia patronal — escreve Vaillant-Couturier em L'Humanite de 6 de junho — não poderia prolongar-se sem ameagar a seguranga do povo Trances". E, nos mesmos dias, Marcel Gitton, que end() era urn dos dirigentes miximos do partido, declara: "Nets consideramos impossivel uma politica que, em face da ameara hitleriana, pudesse p8r em risco a seguranca da Franca". 125 Litvinov dissera ao cor185

respondente frauds: "0 essencial é que a Franca nao permita que se debilite a sua potancia militar. Desejamos que nenhum distUrbio interno favoreca os designios do Reich" — o quid do problema era este. 0 percentual de camponeses ou de funciondrios dispostos a marchar corn os operdrios num desenvolvimento revoluciondsio do movimento de maio-junho poderia ser discutido infinitamente e so se comprovaria na agao, mas o que nao oferecia dtividas, na Franca de 1936, era que semelhante desenvolvimento significava uma luta encarnicada, da qual nao era descartavel a violancia armada e, possivelmente, a guerra civil. Nesta perspectiva, o que seria da "potancia militar" da Franca e do pacto franco-sovietico? Evidentemente, havia uma resposta revoluciondria para esta pergunta. A Franca proletdria seria urn aliado militar da Russia sovietica, mais seguro e mais forte que a Franca burguesa. Mas... e se o movimento revoluciondrio fosse derrotado? Ninguem poderia garantir a vithria. Os jacobinos de 1789 primeiro assaltam a Bastilha e logo fazem Valmy; os de 1936 primeiro pensam em Sedan e decidem: "Ha que saber terminar corn uma greve". 0 substrato da posicao do Partido Comunista frances fica perfeitamente claro quando, pouco depois da "explosao social" francesa, produz-se a "explosão espanhola". A histOria da Guerra e Revoluciio na Espanha, escrita por uma comissao oficial do Partido Comunista espanhol presidida por Dolores Ibarruri, transcreve — citando-a do livro de Colette Audry sobre Blum — a passagem de uma carts do chefe socialista trances a seus amigos norte-americanos, datada de 9 de j ulho de 1942, na qual Blum explica que a ajuda a repUblica espanhola agravaria a situagao interna francesa e comenta: "Se a situagao tivesse adquirido um cariz perigosamente tenso, sofreriamos na Franca algo como o golpe de forca de Franco. Antes de uma guerra externa, a Franca teria uma guerra civil, e com poucas possibilidades de &cite) para a repiblica". Logo depois de reproduzir este texto de Blum, a comissao do Partido Comunista espanhol agrega: "Colette Audry, mesmo escrevendo uma apologia de Blum, reconhece que ele falseia a realidade, jd que os generais franceses somente puderam estabelecer um regime reacionario na Franca, liderado por Petain, depois da invasao das divisties blindadas alemas, depois da entrada dos nazistas em Paris [...]. Nas condicOes de 1936, um golpe fascista na Franca estava condenado ao fracassa No entanto, esta explicagao de Blum, que deriva a politica de `Lao intervencao' do seu terror de uma agudizacao da luta social e politica na Franca, em certa medida nos aproxima da realidade". Na seqilancia, o livro do Partido Comunista espanhol reproduz textualmente o seguinte comentdrio de Colette Audry: "0 chefe socialista do governo da Frente Popular francesa tinha ern suas mobs o destino de dois proletariados e the bastava sustar as cldusulas de um tratado burgues de comercio, firmado por seus predecessores, e aproveitar uma frontei186

ra comum para salvar um e reforcar o outro proletariado. Uma ocasiao como esta nao se encontra duas vezes na vida". Os grifos sao da comissao do Partido Comunista espanhol, que, em seguida, anota: "Aqui se toca no fundo da questa°. 0 que Blum quis evitar, o que temia, era que se fortalecesse o movimento revoluciondrio do proletariado e que a Frente Popular triunfasse plenamente tanto na Espanha como na FranCa”.126

Nao é superfluo constatar, uma vez mais, o papel eminente de Blum na traicao a reptiblica espanhola. E importante mostrar que a raid° principal da sua politica, expressa em suas declaracees pUblicas de 1936 e 1937, nao era o perigo de guerra. E, tratando-se da direcao do Partido Comunista espanhol, significa emitir urn juizo de excepcional relevancia concordar com a apreciacao de Colette Audry de que, em 1936, na Franca, um golpe fascista estava condenado ao fracasso, uma vez que equivale a reconhecer que ali existiam condicties muito favordveis para que a "agudizacao da luta social e politica" e o impulso do "movimento revoluciondrio do proletariado" tivessem urn desenlace vitorioso. Mas a histOria escrita pela comissao do Partido Comunista espanhol a incompleta. Blum nao era o tinico a temer a "agudizacao da luta social e politica na Franca", a guerra civil. Tambem nao era o dnico que invocava o espectro de Hitler para predicar aos franceses a paz social. Se Blum confessa os seus temores num documento particular de 1942, Maurice Thorez expressa os seus publicamente desde 25 de julho de 1936: "Ha que pensar no que seria de nosso pats — declara neste dia —, se os bandos fascistas a servico do capital conseguissem provocar, tambem entre m5s, a desordem e a guerra civil, sobretudo num momento em que, as raides internas que exigem calma e tranqUilidade [sic], somam-se imperiosas necessidades externas. Qualquer um cornpreende que uma Franca debilitada pela guerra civil seria, rapidamente, uma presa de Hitler [...1". 127 Nestas econOmicas palavras esta contida a motivagao profunda da politica da direcao comunista francesa ern face da situacao pre-revoluciondria criada na Franca em maio-junho e em face da resposta revoluciondria dada pelos trabalhadores espanhdis ao golpe militar de julho. Politica que, naturalmente, nao é decidida apenas pelos dirigentes comunistas franceses — é a politica da IC, a politica de Stalin. 0 Partido Comunista trances organizard importantes campanhas, comicios, manifestacoes e solidariedades "em apoio a Espanha"; denunciard mil vezes a politica de "nao intervencao"; seus deputados discursarao e apresentarao mocees no parlamento; e seus dirigentes pronunciarao oragees pateticas, corn o acento delta invectiva de Thorez: `AM je ne peux plus songer a l'Espagne, aux combats hiroiques et de plus en plus inEgaux qui s'y livrent, quant aux moyens materiels dont disposent les rdpublicains espagols, sans que le rouge de la honte ne 187

me mont au front! Angoisse et honte d'un republicain fidele aux traditions du peuple de France! Angoisse et honte d'un Francais qui a le souci de l'avenir de son pays menace de Pinterieur et de l'exterieur par la vague sanglante du fascisme': 128 0 Partido Comunista frances ajudati no envio clandestino de armas para os republicans espanhois e, especialmente, milhares de comunistas franceses combaterao corajosamente nas fileiras das Brigadas Internacionais. Em suma, o Partido Comunista frances fez tudo o que podia para colaborar com o proletariado espanhol, menos aquilo que inclinaria decisivamente a balanga em favor da revolugio espanhola: uma politica revoluciondria na Franca. Ndo é possivel seguir aqui os meandros da "outra" politica, aquela que, sob o disfarce oposicionista, na pratica acumpliciou-se corn a "nao intervencdo" de Blum — da politica que, em lugar de impulsionar a luta revoluciondria na Franca, orientou-se para a "undo sagrada", sob o nitulo de "frente dos franceses", ate o ponto em que, em Janeiro de 1938, a direcdo do Partido Comunista frances aceitou a proposta de Blum para participar de um governo que incluia Paul Reynaud. 129 Limitemo-nos a assinalar que o transit° a esta politica esta na posicão adotada pela direcao do Partido Comunista frances em face da explosdo proletkia de maio-junho de 1936. Uma posicfto que nao s6 contain todas as motivacees que determinarão o curso ulterior da politica do Partido Comunista frances, mas que, ainda, contribuira para desencadear um processo politico-social no qual se itho reduzindo progressivamente as possibilidades objetivas, existentes em 1936, de oferecer uma saida democratica e proletkia a situagdo francesa. Apaziguada a "explosão social", os capitalistas trataram logo de recuperar corn uma mao o que foram obrigados a entregar corn a outra. A alta dos precos seguiu o aumento dos salarios. A desvalorizagão vergonhosa do franco, realizada pelo governo de Blum (que jurara nao desvalorizar), contribuiu para descarregar sobre os trabalhadores e as camadas medias o peso da crise econOmica. Uma fragdo crescente do proletariado, novamente, comegou a descair no ceticismo e na passividade. A pequena burguesia e os camponeses orientaram-se de novo para os partidos burgueses. E, em fins de 1938, o Partido Comunista reencontrava-se totalmente isolado. A sua politica cada vez mais "ampla" produzia resultados cada vez mais "estreitos". Terminou por dar frutos contrarios aos que esperavam os seus mais altos mentores — ern lugar de fortalecer na Franca as bases da alianca franco-sovietica, contra o perigo hitleriano, acabou por desembocar em... Munique. A 8 de setembro de 1936, Thorez escrevia em L'Humanite "Noutros momentos, sem se deixar impressionar pela dem agogia de muitos, o Partido Comunista teve a coragem de proclamar: hci que saber terminar com uma grave [...]. Dizemos hoje, corajosamente: hd que pOr fim ao bloqueior Mas o bloqueio a repablica espanhola nao podia ser rom188



pido, nth) se podia evitar Munique nem a catastrofe nacional de 1940 send° pela agäo revoluciondria do proletariado frances, e o impulso que poderia ter deflagrado esta agâo foi sufocado no dia em que o chefe do Partido Comunista decretou que havia que per flm nao a "uma grew", mas ao movimento mais vigoroso da classe operaria francesa desde a Comuna. A revolucdo inoportuna (Espanha, 1936-1939) 0 inicio da revolugdo espanhola — a Unica que se operou na Europa durante a existencia da IC, afora a efemera repablica Mingara de 1919 — pegou desprevenidos os dirigentes do "partido mundial". Em fevereiro de 1930, informando ao Comite Executivo da Internacional, Manuilski se estende sobre "as amplas perspectivas do atual auge revoluciondrio nos paises capitalistas avangados e nas colOnias em situagdo revoluciondria". 0 "auge revolucionario" nos "palses capitalistas avangados" s6 existia na imaginacdo do representante de Stalin na IC, mas pouco antes desta reunião do Comite Executivo calm a ditadura de Primo de Rivera e alguns dos presentes indagaram sobre a significacâo do fato. Manuilski replicou: "A sorte da revolucio proletkia mundial nao se decidira na Espanha [...]. Uma greve parcial pode ter maior imporfancia para a classe operaria internacional do que este tipo de `revolucan' a espanhola, realizada sem que o partido comunista e o proletariado exergam a sua missão dirigente". 1" Mas a revolucilo "a espanhola" teimou em seguir adiante, apesar de nao figurar nas previsOes de Manuilski e da quase inexistencia do partido ungido pela hist6ria para exercer a "missão dirigente". Realmente, a segio espanhola da IC, quando caiu a monarquia, em abril de 1931, contava corn oitocentos membros. Mais grave que a sua migiiidade numerica, porem, era a sua reduzidissima influencia sobre o proletariado e a sua extrema debilidade te6rica. 131 Este Ultimo, alias, urn trago comum a todo o movimento operkio espanhol. Nem socialistas nem anarco-sindicalistas — as duas grandes tendencias em que se divide o proletariado peninsular desde o seculo XIX — tinham ideias claras sobre a natureza do processo revolucionario que se abre em 1930-1931. Os primeiros consideravam que se tratava de uma revolugdo puramente burguesa e se atem a seu "programa minima" — a direcäo da repablica deveria ser assumida pelos partidos republicanos burgueses. No maxima, o Partido Socialista deve cooperar lealmente com eles para realizar um programa de reformas que lambent interessem a classe operkia espanhola Numa palavra, os socialistas se dispOem a seguir as trilhas da social-democracia europeia. Os anarco-sindicalistas partiam do mesmo pressuposto — a revolucfto mas chegavam a uma conclusdo operativa era puramente burguesa 189

radicalmente oposta: nenhuma colaboracdo corn a reptiblica do 14 de abril. Havia que caminhar para a revolugdo social, a fim de instaurar "comunismo libertdrio". Os comunistas, nos primeiros meses carentes de diretivas claras oriundas do centro de Moscou, improvisam uma orientagdo, guiando-se pela linha geral, ultra-esquerdista, seguida neste periodo pela IC. A sua posigdo pode ser resumida pelas seguintes palavras de ordem: "Abaixo a reptiblica burguesa dos capitalistas, generais e padres!"; "Pela reptiblica dos sovietes de operarios, soldados camponeses!" — a primeira, muito espanhola, quase anarcosindicalista; a segunda, completamente exotica e descabida.132 Na verdade, ninguem sabia o rumo que os acontecimentos poderiam tomar, nem em Moscou, nem em Madri. Pouco depois de ser proclamada, a "reptiblica dos padres" parecia um crematOrio de igrejas os generais comegavam a conspirar contra a "sua" reptiblica. Num esforgo de clarificagdo, a nova Constituigdo proclama que se trata de uma "reptiblica de trabalhadores de toda a ordem". Mas os "trabalhadores" de primeira ordem se apressam a remeter os seus capitais para exterior, enquanto que os de terceira ordem fazem greves e ocupam fazendas de latifundiarios, corn o declarado prop6sito de tornar a repftblica o reino de uma s6 ordem. A ConstituigAo define a Espanha como um "Estado integral", mas admite as "autonomias" e as nacionalidades perifericas, que desde o semi() XVI suportam o centralismo castelhano, tendem a desintegrar em tres ou quatro o "Estado integral". Azaim anuncia a surpreendente noticia de que a Espanha "deixou de ser catOlica", e as Cortes — que o fazem chafe de governo — elegem, para a presidencia da reptlblica, o muito catelico Alcala Zamora. Araquistain afirma corn orgulho que "nenhum povo e racialmente [sic] tao socialista como o da Espanha", e Unamuno exalta o "individualismo" espanhol. Assim, recem-chegada ao mundo, a replblica espanhola mostra mil perfis, mas Ortega y Gasset afirma muito gravemente: "E preciso retificar o perfil da rerlblica". Todas as senhoras letradas admiram a profundidade do filOsofo, enquanto a guarda civil da inicio a "retificacao" metralhando os camponeses. Numa palavra, a revolugão "a espanhola" se apresenta como muito complicada, mas a IC rapidamente a classifica no rol das revolugOes "democratico-burguesas" que se encaixam na teoria elaborada por Lenin [...], para a Russia do albor do seculo. De acordo corn esta teoria — mais exatamente: de acordo corn a dogmatizagao desta teoria, realizada pela IC —, havia que aplicar revolugdo espanhola uma estrategia em duas etapas, cujo esquema convem recordar. Na primeira etapa, havia que solucionar as questOes deixadas "pendentes" pela inacabada revoluga'o burguesa; mas como a burguesia ja lido era revolucionaria, o proletariado deveria assumir o papel central na operagdo de liquidagAo das "sobrevivencias feudais" (o 190

o dorninio da igreja, as castas militares, a aristocracia, a opresSao das nacionalidades, etc.). Somente depois da resolugdo destes problemas e que o proletariado poderia passar ao ataque contra a propriedade privada dos meios de produgào, ou seja, passar da etapa "democratico-burguesa" a etapa "socialista", instaurando a ditadura do proletariado. Ate meados de 1934, esta estrategia foi aplicada pela IC na Espanha, na forma tatica raivosamente sectaria que correspondia ao periodo do "social-fascismo". Nas eleigOes legislativas de novembro de 1933, por exemplo, a plataforma do Partido Comunista espanhol apelava a luta pela "Espanha dos sovietes" e declarava que "os partidos da democracia burguesa, juntamente corn os socialistas [...], foram e SAM o centro organizador de toda a contra-revolugdo". "Conseqiientemente — diz o documento para veneer o fascismo, e preciso lutar implacavelmente contra a vacilante democracia burguesa, que o fomenta e estimula". 133 Felizmente, a viragem da Internacional, no verso de 1934, permite ao Partido Comunista espanhol iniciar uma politica mais conforme as realidades espanholas. Ele ingressa nas Aliangas Operdrias e estabelece relagiles corn o Partido Socialista. Sua destacada participagäo na insurreigão asturiana de outubro de 1934 eleva o seu prestigio revoluciondrio. Ern abril de 1935, o PCE, seguindo o exemplo frances, postula a criagão de urn Bloco Popular Antifascista. A ideia ganha forga, apesar da resistencia da esquerda do Partido Socialista, encabecada por Largo Caballero, e do anarco-sindicalismo, porque depois da insurreigdo asturiana a repressao se abateu sobre o proletariado e as forgas reaciondrias preparavam a instauragão de uma ditadura, cujas vitimas não seriam apenas as organizageies operarias, mas tambem os partidos republicanos de "esquerda". A unidade antifascista era oportuna para contrapor a esta ameaca uma frente defensiva eficaz e criar melhores condigees para a contra-ofensiva popular. No entanto, é pouco provdvel que se cristalizasse se lido se apresentasse a conjuntura eleitoral de fevereiro de 1936. A possibilidade de obter, se o bloco operdrio-republicano ganhasse as eleigOes, a anistia para os presos politicos e a anulagAo de outras medidas repressivas foi o que fez os adeptos de Largo Caballero se decidirem pela proposta e possibilitou a participagAo do Partido Socialista Operdrio Espanhol [PSOE] e da UniAo Geral de Trabalhadores [UOT] na Frente Popular. E foi, tambem, o que levou uma grande parte da massa anarco-sindicalista a votar nos candidatos da Frente Popular.134 Mas a dimensdo que a IC conferia a politica da Frente Popular era muito distinta. "A frente popular antifascista — diria Togliatti mais tarde — e a forma original do desenvolvimento da revoluedo espanhola no seu estagio atual", ou seja, na sua etapa "democratico-burguesa".135 A concepgäo basica do cat-Ater e do percurso da revolugdo espanhola, a que nos referimos acima, permanece a mesma, mas a "forma origi191

nal" que tomava agora incidia sobre ela num sentido que se poderia definir como "moderador" ou "suavizador" — se os acontecimentos Liao evidenciassem que se tratava, antes de mais, de urn sentido Bus& Ho. 'Ibndia, em primeiro lugar, a revalorizar o papel que as forgas socials e politicas pequeno-burguesas, e ate certos micleos da burguesia (particularmente nas nacionalidades perifericas), podiam desempenhar na inevitavel etapa democratico-burguesa da revolugao. Uma concreta expressao deste giro moderador foi o programa eleitoral da Frente Popular (convertido em programa de governo ap6s a vitoria), que nao avancava pan alert' dos programas tradicionais do republicanismo pequenoburgues. Nao contemplava s pine C - ies efetivas para nenhum dos problemas basicos da "etapa" em questa°. 0 problema da terra — o mais central dos problemas ficava em suspenso. 0 PCE comprometeu-se a respeitar escrupulosamente o acordo estabelecido, o que implicava subdividir em duas a famosa "etapa": a primeira, limitada ao cumprimento do programa acertado, na qual o partido apoiaria o governo (formado exclusivamente pelos partidos republicanos pequeno-burgueses e burgueses) encarregado de aplicar o referido programa; a segunda, na qual o partido levaria adiante, com todas as forcas dispostas a conduzi-la "ate o fan", a revolucao democratica burguesa. S6 depois desse "fim" 6 que soaria a hors da revolucao proletaria136. Em contraste corn o simplismo da "ea direta" anarco-sindicalista e corn a nebulosidade da tatica de Largo Caballero, o piano tatico-estrategico confeccionado pelos "hispanOlogos" da IC parecia urn modelo de matodo: clan distilled° entre etapas e fases; em cada uma delas, a concentragao de forgas contra o inimigo principal; listagem correspondente dos objetivos numa ordem de radicalismo crescente, etc. O PCE insistia em que nao renunciava a nenhum dos seus objetivos estrategicos, e no final da caminhada sempre se situava a ditadura do proletariado, cujo pada() nao podia ser outro que o sovietico. Prima facie, o piano parecia impecavel. Na realidade, padecia de um ponderavel inconveniente: colidia com a dinamica profunda da revolugao espanhola. Corn efeito, esta percorrera um largo percurso desde 1930-1931. Produzira-se uma extrema polarize° das forcas sociais e politicas. Os micleos principals da burguesia, incluindo a major parte da burguesia media e camadas importantes da pequena burguesia urbana e rural — fundamentalmente aquelas que exploravam mao-de-obra assalariada alinhavam-se realmente corn a aristocracia fundiaria, as castas militares e eclesiasticas, os grupos fascistas. Bloco heterogeneo, sem davida, tanto por sua composicao social quanto por suas tendencias politicas — mas vinculado por urn denominador comum: o medo a revolucao em curso, unido pela idtha de que, diante do avango da revalued°, a tinica maneira de salvar a propriedade, a ordem, a familia, a religiao, a patria e os outros "valores eternos" en o retorno de urn poder forte, 192

ditatorial. E o instinto de classe, quando nä° a fria percepao da situacdo objetiva, nao enganava a estes grupos sociais, porque o proletariado, de fato, passara massivamente a posiedes revoluciondrias extremas. Decepcionado medularmente corn a repsiblica parlamentar instaurada a 14 de abril e corn seus politicos liberais, o proletariado se) confiava em suas pr6prias forgas, em suas organizacties de classe. Ndo acreditava mais nos programas "minimos", nas meias medidas. Sem exagero, pode-se afirmar que seu "programa minima" era a revolugio social, corn toda a confusdo ideolOgica, politica e tätica que se queira — mas corn uma idea fixa muito nitida: expropriar rapidamente os capitalistas e os latifundidrios, e nao sd os grandes, mas tambem os medios e ate os "pequenos" (nao se pode esquecer que, dadas as estruturas econemicas da Espanha de entdo, grande parte do proletariado industrial e agricola era explorado par patrees medios e pequenos). Este era o estado de espirito, por volta de 1936, nao sO das massas anarco-sindicalistas, mas tambem dos socialistas e dos filiados a UGT, que aclamay arn Largo Caballero como o "Lenin espanhol". Estimuladas pelo ambiente revoluciondrio que dominava o pais e atraidas pela resoluedo de que dava provas o proletariado, outras camadas sociais tambem adotay arn posicties radicais: a grande massa de camponeses pobres, semijornaleiros, e parte dos pequenos camponeses que exploravam seu miserdvel pedaco de terra sem mdo-de-obra assalariada; fragdes importantes de empregados, funciondrios, profissionais, etc. — isto 6, das camadas pequeno-burguesas nao exploradoras bem como nticleos aprecidveis da juventude universitdria e da intelectualidade. Ai, igualmente, instalara-se a decepgdo corn os politicos republicanos liberals. Muito freqiientemente, a caracterizacdo de situacdes sOcio-politicas mediante o recurso a conhecida imagem do vulcdo se faz corn excessivo subjetivismo — mas este nao e o caso da Espanha de fevereiro de 1936: aqui, a irnagem do vulcdo 6 de uma rigorosa objetividade. Mal divulgada a vitOria eleitoral da Frente Popular, o vulcdo comega a entrar em erupgdo. E logo se evidencia a inconsistencia da primeira "subetapa" prevista no piano tdtico-estrategico da IC aplicado pelo PCE. . Os partidos republicanos pequend-burgueses e burgueses que constituem o governo ddo provas imediatas de que &do os de sempre: a sua politica e a seguida no periodo 1931-1933 — que provocara a decepgdo popular e abrira o caminho para a contra-ofensiva reaciondria — nao se distinguiam. S6 que as massas tinham mudado: agora, como observou o historiador sovidtico Maidanik, "confiando apenas em suas forcas, apoderaram-se das ruas e, sem esperar pelas decisdes governamentais, comecaram, corn metodos revoluciondrios, por baixo, a realizar o programa da Frente Popular". "Libertaram os presos politicos, obrigaram os patrdes a readmitir os operdrios despedidos por motivos politicos e iniciaram, em marco daquele ano, a ocnpac5o dc terras. Em 193

meados do mesmo mes, vieram as greves motivadas pela fome, o desemprego e as provocagees fascistas. 0 movimento paredista cresceu de mes em mes. Paralisavam-se fabricas e oficinas, constructies e minas, fechavam-se as casas de comercio. Em junho-julho, registrou-se uma media de dez a vinte greves didrias. Houve dias corn quatrocentos-quinhentos mil grevistas. E 95 das greves ocorridas entre fevereiro e juIho de 1936 tiveram resultados positivos para os trabalhadores. Grandes manifestacOes operarias enchiam as ruas, exigindo pdo, trabalho, terra, liquidagdo do fascismo e viteria total da revolugdo. Criaram-se as primeiras empresas coletivas. Os comicios envolviam dezenas de milhares de pessoas e os operdrios aplaudiam entusiasticamente os oradores que anunciavam como preixima a supressdo do capitalismo, apelando para que se fizesse 'corn° na Rtissia'. Das greves se passava a ocupagdo das empresas fechadas pelos proprietarios. A ocupagdo das ruas, empresas e terras e a incessante nä. ° grevista impulsionavam o proletariado urbano e agricola as formal mais elevadas da luta politica". Esta e uma descried° eloqiiente e veridica, confirmada por todos os historiadores deste periodo. Mas o que esta explosdo revoluciondria tern a ver corn a "realizaedo do programa da Frente Popular", que nao incluia nem a ocupacdo de terras, nem a de fabricas, e muito menos a liquidaedo do capitalismo — antes, tratava de preservar a propriedade privada a todos os niveis? Maidanik se ye obrigado, sem diivida, a conciliar o curso real dos acontecimentos corn a "demonstraedo" de que a politica da IC era correta.137 Entre fevereiro e julho exist; na Espanha, urn triplice poder. 0 legal, cuja vigencia efetiva e minima. 0 dos trabalhadores, seus partidos e sindicatos, que se manifesto a luz do dia sob a forma acima descrita. E o da contra-revoluedo, que, embora se evidenciando nos agressivos discursos dos seus representantes parlamentares, na sabotagem econennica e nas aedes dos grupos de choque fascistas, opera sobretudo no segredo das casernas, preparando minuciosamente o golpe militar. Segredo de Polichinelo, porque a conspiragdo dos generals era de dominio pUblico, denunciada no parlamento e agitada nos comicios. Qualquer urn que estude estes meses cruciais da Espanha de 1936 e obrigado a se perguntar: por que os partidos e organizaceies operdrios nao atuaram combinada e decididamente para liquidar o novo levante militar e impulsionar resolutamente o processo revolucionario? A resposta que o proletariado deu a sublevacdo, derrotando-a na maior parte do pais, apesar de os fascistas terem a seu lado a surpresa e a iniciativa, demonstrou ate que ponto a correlagdo de fawn era favoravel ao povo. Por que os partidos e sindicatos operdrios nao se adiantaram? Uma 11pida vista de olhos nas suas posieeies politicas fundamentais permit; se nao urn esclarecimento total do problema, pelo menos discernir as razOes essenciais. 194

No periodo que estamos considerando, os reformistas eram claramente minoritarios no Partido Socialista e na UGT, ainda que, gracas a habil manipulagdo do aparelho, conservassem a direcao do partido. Encabegados por Indalecio Prieto, advogavam a participagdo no governo para colaborar corn os partidos republicanos na reedigao da politica dos anos 1931-1933: luta ern duas frentes, contra a reacao e contra a revolugao. Mas esta participacao ihes foi interditada pela oposigao firme da maioria das organizagOes locais do partido.135 A grande massa dos trabalhadores filiados a UGT, assim como a maioria dos militantes socialistas, alinhavam-se na esquerda, dirigida por Largo Caballero. Os adeptos de Caballero formavam, de fato, urn partido independente e pugnavam pela revolucao socialista como objetivo imediato, criticando a ideia de uma etapa intermedia, democratico-burguesa-antifascista, defendida pelo Partido Comunista. Ha que caminhar, diziam, para a instattracao direta da ditadura do proletariado. Nab definiam precisamente a estrutura desta "ditadura", mas afirmavam que sua diregtio deveria ser assumida pelo Partido Socialista, enquanto principal partido politico da classe operaria espanhola. No entanto, ao mesmo tempo, postulavam a unificagao, num so partido marxista, corn os comunistas. Propunharn tambem a unificagão das duas grandes centrais sindicais, a UGT e a Confederagao Nacional do Tatbalho [CNT). A tendencia dirigida por Largo Caballero expressava a radicalizagao revoluciondria da grande massa do proletariado industrial e agricola agrupado sob as velhas bandeiras do socialism° espanhol, a sua vontade decidida de acabar de vez corn o regime dos capitalistas e latifundiarios. A sua debilidade principal estava em carecer de uma Lida eficaz de luta pelo poder: esperava que o desgaste e o fracasso do govemo republican fizessem corn que o Estado caisse ern suas maos como urn fruto maduro. E subestimava a ameaga do outro poder, que urdia o assalto contra-revoluciontirio.139 A outra grande corrente tradicional do movimento °pearl° espanhol, organizada nos sindicatos da CNT, apresentava a mesma disposigao revolucionaria extrema. Mas os seus fundamentos ideolOgicos tornavam muito dificil a sua acao comum coin os marxistas, mesmo corn os sindicatos de orientacao marxista filiados a UGT. As continuas repress6es de que o anarco-sindicalismo fora objeto nos governos republicanos corn participagito socialista exacerbaram a sua desconfianga tanto ern face dos partidos politicos em geral quanto dos partidos openirios em particular. A idea de um Estado de ditadura do proletariado inspirava aos anarco-sindicalistas quase a mesma repugnancia que o Estado burgues. E, diante deste Ultimo, diferenciavam pouco a forma democritica parlamentar da fascista — o que, por motivos diversos dos adeptos de Largo Caballero, os conduzia igualmente a subestimagao da ameaga fascista. A evolugfto sofrida pelo Estado soviatico, a sorte 195

que nele coubera ao anarquismo, bem como a reducao dos sindicatos sovieticos a simples apéndice burocratico do Estado, contribuiram largamente para cristalizar as concepeties apoliticas e antiestatais da massa anarco-sindicalista espanhola, particularmente dos seus quadros dirigentes. Apesar disto, a experiéncia dos fracassos de suas anteriores tentativas revolucionarias e a constatacao de que a UGT transitava do reformismo a revolugao determinaram uma mudanga importante na CNT: seu congresso de maio de 1936 props a UGT a subscricao de urn "pacto revoluciondrio", a fim de "destruir completamente o regime politico e social que regula a vida do pats", deixando a questao da organizagao do novo regime social "a livre escolha dos trabalhadores, reunidos livremente". Entretanto, o congresso da CNT elaborou urn programa detalhadissimo sobre a estrutura e o funcionamento da sociedade "comunista libertaria" que deveria derivar da revolugao e continuou a se opor a qualquer alianga corn os partidos politicos operarios.1" No marco do piano tático-estrategico anteriormente exposto, o PCE pugnava pea unidade UGT-CNT, mas sobre supostos inteiramente diversos dos que animavam a CNT. Em primeiro lugar, nao se tratava de caminhar para a revolugao proletaria, mas de defender e consolidar o regime republicano parlamentar, de "pressionar" o governo republicano para aplicar o programa da Frente Popular. Em segundo lugar, a diregao da Kat) unida proletdria teria que estar nas maos dos partidos opetirios, e nao corn os sindicatos. 0 partido se empenhava especialmente em desenvolver a unidade de agao, ja estabelecida, corn o Partido Socialista, e ao mesmo tempo preconizava a unificagao de ambos num s6 partido marxista-leninista. As colocacees unitdrias em todos os niveis e em todas as esferas eram o lado forte do PCE, porque respondiam, evidentemente, as imperiosas exigéncias da situagao objetiva, em particular a ameaga de golpe contra-revoluciondrio, cuja gravidade o partido percebia corn mais sensibilidade e nitidez que qualquer outra formagao politica ou sindical. Mas, simultaneamente, o conteado destas colocacOes unitdrias colidia corn aspectos essenciais daquela mesma Smear, objetiva. 0 dilema efetivo que esta implicava nao era ou instauracao de uma ditadura contra-revolucionaria ou consolidagao da repablica parlamentar democratico-burguesa, e sim ditadura contra-revoluciondria ou revolugao proletdria, ainda que apenas pela simples laza° de que a Unica forca capaz de impedir a ditadura contra-revoluciondria nao tinha a menor intencao de sustentar posteriormente a repablica parlamentar democrdtico-burguesa (aqui reside a radical diferenga corn a situagao alema prO-fascista, na qual a maioria do proletariado estava ideolOgica e estruturalmente integrada a democracia burguesa). Situando a urgencia da acao unitaria sobre a base da primeira alternativa, o PCE encontrava a plena compreensao da ala minoritaria reformista do Partido Socialista, a reticencia — quando nao a recusa 196

aberta — dos seguidores de Largo Caballero e, 6 claro, a hostilidade dos anarco-sindicalistas. Os adeptos de Caballero e estes Alamos incorriam em grave erro, ao menosprezar a magnitude da ameaga fascista, ao nao tomar a iniciativa — passando por alto todas as divergencias doutrindrias e tdlicas — para umd agao comum e decidida contra ela. Mas a substancia do seu erro nao consistia na subestimacao da gravidade daquela ameaga para a repablica parlamentar burguesa, e sim em nao compreender a sua gravidade para a revolucao proletdria. Deixando de situar no primeiro piano este aspecto da questa°, o PCE, seguramente, nao ajudava a que os seguidores de Largo Caballero e os anarcosindicalistas compreendessem o seu erro. Ao contrario, involuntariamente contribuia para que persistissem nele. 0 problema de liquidar no nascedouro com a conspiragao militar estava tao vinculado nestes metes a revolugdo proletdria que o anico meio real de alcangar a sua solugao consistia em desalojar do poder o governo republicano pequeno-burgues — gracas a cuja passividade, quando tact cobertura, podia tecerse a trama da sedigao substituindo-o por outro, que permitisse as forcas operdrias revoluciondrias pegar o touro pelos chifres. Entre fevereiro e julho, para a revolugao espanhola se foi criando, e a cada dia de modo mais agudo, uma situagao andloga a que cercou a revolugao russa as vesperas das jornadas de outubro: ou o proletariado revolucionario tomava a iniciativa ou esta passava a contra-revolugao . Casares Quiroga era urn perfeito Kerenski. Mas nao existia nenhum Lenin na Espanha. Em troca, abundavam os instrutores da IC. Revoluciondrios e organizadores autenticos, como Jose Diaz e Pedro Checa, oradores populares da cepa de Dolores Ibarruri, careciam da base tearica necessdria para enfrentar os esquemas frente-populistas da IC, importados pan a Espanha pelas fronteiras francesas (aos comunistas espanhOis nos sucedeu o mesmo que aos liberais peninsulares do seculo XIX: careciamos de icleias prOprias, elaboradas a base da andlise da sociedade espanhola. Ao inv6s de nos apropriarmos do marxismo a partir da singularidade da revolugao espanhola, pretendemos nos apropriar da revolucao espanhola a partir do marxismo singular que servira para a revolugao russa. Em 1936, acolhemos a Frente Popular, versa() Thorez ou Togliatti, como "forma original" da revolugao espanhola, esperando a hors em que ela deveria tomar a "forma sovietica"). Durante a existencia da IC, nenhum outro partido comunista teve, como o espanhol, uma oportunidade tao favordvel para chegar unificacao corn a ala esquerda da social-democracia num sO partido . marxista. A possibilidade de lograr esta unificaeao existiu desde os finais de 1934. A esquerda socialista passou decididamente a posicOes marxistas revoluciondrias e era partiddria da unificagao. E claro que nestas posigOes havia muito de discutivel e de problematic°, e a nem todos os dirigentes da ala esquerda mobilizavam as melhores intencOes. 197

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Nalguns dales — sem davida, no pr6prio Largo Caballero —, os Olenlos partidistas e a pretensao a hegemonia eram evidentes. Mas o modo como a IC tratava destes problemas nao estava isento dos mesmos vicios. Constitui urn paradoxo que, dado o que era o papel do partido comunista na ditadura proletaria sovietica, uma das principais censuras que o PCE dirigia aos adeptos de Largo Caballero era a sua pretenAdo a ser a forca dirigente da ditadura proletaria na Espanha. Mas o obstaculo insuperavel provinha da conviccao da IC de possuir a verdade absoluta do maxim°, de que a revolugao proletiria s6 poderia ser dirigida por ela mesma, de que o modelo sovietico era obrigaterio — em suas linhas essenciais — para todos os paises, de que o partido "marxista-leninista" tinha que se estruturar e funcionar conforme o tipo de partido que ela criara, de que a teoria da revolueao espanhola elaborada por ela era a Unica correta, de que a politica de frente popular era tat) adequada a Espanha como a Franca ou a Italia, de que urn partido "mandsta-leninista" tinha que considerar o trotskismo como a mais nefanda das heresias e isentar de qualquer critica o modelo de socialismo erguido na 'Chao Sovietica, etc. Ainda que os dirigentes da esquersa socialista fossem uns anjinhos revolucionarios — e eks estavam longe de qualquer intenclo revolucionaria angelical —, 6 evidente que nao podiam aceitar a unificagio sobre estas bases. A criagao de urn grande partido revolucionario do proletariado espanhol era extraordinariamente passive, entre 1934 e 1936, mas sobre a base de urn marXiSMO aberto, problematic°. A IC, obviamente, nao podia abordar assim a questa°, sob pena de deixar de ser a IC. E esta a uma das suas maiores responsabilidades histOricas, porque a criagao, a tempo, de urn tal partido, poderia ter aumentado consideravelmente as probabilidades de vitaria da revalued° espanhola e, portanto, de modificar o curso dos acontecimentos europeus.I41 As jornadas de julho puseram plenamente de manifesto ate que ponto a revolugao proletaria "amadurecera" na Espanha, ate que ponto a correlagao de fatless the era favorivel. Ainda que o golpe contra-revolucionirio tenha tido em seu beneficio a escolha do momento, a vantagern de obedecer a urn piano e estar dirigido por um Estado-Maior central e contar corn as principals forgas armadas do Estado, ele foi derrotado na maior parte do pals — nas regiOes econ8mica e demograficamente decisivas — pelo contra-ataque fume das forgas proletirias, que atuavam dispersamente, sem um piano e uma direcao coordenadora nacional (sequer local, na maioria dos casos). As organizarides operarias desempenharam, sem chivida, urn papel fundamental, mas nao foi menos decisivo o impulso espontaneo, surgido no mais profundo das massas proletarias da cidade e do campo. 0 Estado republicano caiu como urn castelo de cartas, e o comportamento passivo, vacilante, quando Liao francamente capitulador, das autoridades legais e da maior

parte dos dirigentes dos partidos republicans pequeno-burgueses contribuiu significativamente para os raros exitos das foreas contra-revoluciondrias. Ao fim dos primeiros dias de combate, a revolugdo nao vencera definitivamente, mas a correlagdo de forgas no conjunto do pais the era claramente favordvel. Se a guerra civil que se iniciava viesse a ser decidida exclusivamente pelos protagonistas espanhOis, seu resultado ofereceria poucas dirvidas. Mas, como nao podia deixar de ser, a luta armada entre revoluedo e contra-revolugdo na Espanha transformou-se automaticamente ern problema internacional.142 Ate este momento, a contradigdo entre a ideia que a IC tinha do carater da revolugdo espanhola e o contericto real desta nao estava diretamente determinada pelas odgencias da politica externa sovietica. Existia, indubitavelmente, uma incidencia indireta deste ultimo fator, na medida em que a linha geral adotada pelo VII Congresso da IC, e particularmente a versa() francesa da politica de frente popular, estavam condicionadas, como vimos, pela estrategia europeia dos dirigentes sovieticos. Mas a Espanha, como tal, ainda nao caira no campo visual de Stalin. A este, o problema foi colocado repentinamente e em termos nada Weis. A URSS nao podia eludir o seu dever de solidariedade ativa corn o povo espanhol em armas, sob pena de desacreditar-se diante do proletariado mondial. Ademais, por urn lado, este dever coincidia corn a orientagdo anti-hitleriana da politica externa sovietica neste periodo. Mas, por outro lado, conflitava corn as modalidades, digamos, taticas, daquela orientagdo. A este nivel, o objetivo rulmero urn da politica sovietica era consolidar a alianca militar corn a Franca e chegar a urn entendimento com a Inglaterra. Mas nem a Franca burguesa de Blum nem a Inglaterra conservadora de Chamberlain podiam admitir a vitOria da revoluedo proletdria na Espanha. Contribuir para esta viOda significava, para o governo sovietico, caminhar para o rompimento com ambas as potencias. A Unica possibilidade aparente de conciliar a "ajuda a Espanha" corn os citados objetivos da politica externa sovietica era que o proletariado espanhol nao fosse mais alem do que, no extrema, podia ser admissivel para a burguesia franco-inglesa. E o maxima que esta podia aceitar era a existencia, na Espanha, de uma reps:Italica parlamentar, democratica, antifascista, ate frente-populista, o mais a esquerda que se quisesse, mas [...] burguesa, sobretudo burguesa! Nem mesmo era seguro — alias, era pouco seguro — que semelhante soloed() satisfizesse aos conservadores ingleses, mas, em todo a caso, era a Unica via que surgia ante Stalin para tentar conciliar, bem ou mal, as exigencias contraditOrias corn que o destino envolvia, mais uma vez, a sua dupla personalidade histerica de "chefe provado e reconhecido, grande e sabio, da Internacional Comunista", como Dimitrov o qualificou no VII Congresso, e de chefe ado menos grande e sabio do Estado sovietico.143

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Lamentavelmente, o proletariado espanhol ja deixara para tras este limite razoavel. Nas semanas que se seguem ao 19 de julho, o regime capitalista praticamente deixa de existir na zona republicana — de fato, os meios de produgdo e o poder politico passam as mdos das organizagOes operdrias. Todos os historiadores da guerra civil espanhola concordam quanta a isto, exceto aqueles cujo prop6sito nao é servir a verdade histOrica, mas justificar a politica de Stalin e da IC. Estes "historiadores" continuam afirmando que o contend° da revolugdo espanhola jamais ultrapassou, em qualquer momenta, a "etapa democrdtico-burguesa", uma vez que reconhecer o contrario equivale a reconhecer que a politica staliniana na Espanha consistiu em fazer recuar a revoluedo. 0 historiador sovietico que citamos anteriormente foi alvo de severas criticas porque se aventurou a contradizer as teses oficiais nesta e noutras questOes delicadas: "De acordo com o nosso ponto de vista — escreve em seu livro 0 proletariado espanhol na guerra nacional revoluos eventos do 19 de julho foram o comeco de uma etapa ciondria qualitativamente nova da revolugdo espanhola. A agdo das massas proletdrias e a sua disposiedo subjetiva confirmam esta conclusdo. Em julho-agosto de 1936 foram resolvidos, de fato, os problemas bdsicos da revolugdo, os problemas do poder e da propriedade dos instrumentos e meios de produglo. 0 poder local passou, praticamente, para as mdos do proletariado armada. As suas mdos passaram tambem, e em menor grau as do campesinato, todos os instrumentos e meios de produck) pertencentes a capitalistas e latifundidrios. Grande parte da burguesia e de seu aparato estatal foram liquidados no territ6rio conservaisto desborda os marcos de uma revolugdo dedo pela reptiblica. mocratico-burguesa". 144 Efetivamente, "desborda". Mas havia que "encaixar" tudo isto no quadro democrdtico-burgues para que a ajuda da URSS a remiblica espanhola pudesse, par seu turno, "encaixar-se" na politica externa sovietica. E a sdlida equipe da IC instalada na Espanha para supervisionar a agdo do PCE, mais o igualmente sOlido micleo de conselheiros militares e politicos sovieticos, aplicaram-se zelosamente a realizar esta nada facil operagão de "encaixe". Operagdo extremamente dificil, ja que se tratava, nada mais nada menos, de fazer refluir a revolugdo proletdria ao recinto democrdlico-burgues do qual ela nab "deveria" ter saido. E isto era bem mais complicado que o "saber terminar com uma greve" de Thorez. Havia que comegar por negar a realidade antiburguesa da revoluedo para que a acdo dirigida para restaurar o burgues coma realidade pudesse aparecer como coisa diversa do que era realmente. A IC, partido mundial da revolugdo socialista, ndo podia permitir-se preconizar a retificacdo do perfil socialista da revoluedo espanhola corn a mesma desenvoltura com que o filOsofo preconizara a retificagdo do perfil plebeu da remiblica de Azafla. Havia que salvar as aparencias. E, para tanto, era necessario comegar procla200



mando urbi et orbi que a reptiblica espanhola era, "em essencia, urn movimento popular, democrdtico, antifascista, nacional, cujo objetivo principal era a defesa da reptiblica, da liberdade, da soberania, em face da rebelido fascista e da ingerencia brutal das forgas armadas de Hitler e Mussolini. I45 Tudo o que desbordava esta "essencia" eram "excessos" dos adeptos de Largo Caballero, dos anarco-sindicalistas e das massas insuficientemente instruidas no marxismo-leninismo. 146 A salvagdo da "essencia" acompanhava-se da reafirmagdo dos principios e dos simbolos. A Constituted° de 1931, depositaria dos principios, continuava em vigor. 0 Parlamento — a metade dos deputados aderira a sublevagdo e a metade da outra metade (os republicans), era dificil saber a quem representavam na zona revoluciondria — conservava as suas funcOes. Azafla, presidente da reptiblica, permanecia em seu pasta. 0 Estado republicano continuava sendo o poder legal, embora os poderes reais estivessem em outras mdos. Juridicamente, a propriedade capitalista dos meios de produedo ndo estava abolida, ainda que praticamente destruida. "Nunca acrediteis exageradamente na tolice de vossos adversdrios" — aconselhava Talleyrand e os politicos da burguesia europeia, evidentemente, tido eram tolos. A fachada legal da reptiblica espanhola tido os enganava. Eles exigiam a restauragdo efetiva do sistema burgues. Mas a fachada era Mil, sob vdrios aspectos, para Stalin e para a IC. Em primeiro lugar, permitia-Ihes apresentar a "ajuda a Espanha" coma ajuda ao regime legal republicano definido pela Constituigdo de 1931. Em segundo lugar, contribuia para justificar a ficgdo te6rica do cardter "democrdtico-burgues" da revoluedo espanhola. E, em terceiro lugar, proporcionava uma estrutura ideoldgico-politico-juridica que podia servir para abrigar e para promover a transformagdo metodica desta ficgfto em realidade. Naturalmente, esta Ultima operagdo, alias operagdo essencia], s6 poderia ser realizada com o apoio e a colaboragdo das prOprias forgas revoluciondrias espanholas, o que era sumamente problematic°. Mas Stalin e a IC dispunham de uma arma decisiva — mais exatamente, dispunham das arenas. Corn efeito, independentemente de que na revolugdo se afirmasse o contend° proletario que jd possuia, ou que este retrocedesse ao contend° democrdtico-burgues tal coma o entendia a IC, ou ainda que retornasse ao contend° liberal-burgues corn o qual sonhavam os Azafla e os Prieto, uma coisa era evidente: sem a derrota das foreas militares dos generais sublevados e dos seus aliados italo-germdnicos, todos os "contenclos" possiveis estavam condenados a curio prazo. E, para veneer no terreno militar, a revoluedo precisava urgentemente de armas e tecnicos na sua utilizagdo. Logo ficou claro que ambos sO poderiam vir da URSS. E tambem ficou claro que sO viriam da URSS se os dirigentes espanhOis se enquadrassem na politica que os dirigentes sovieticos consideravam necessdria para poder harmonizar a ajuda a repnbli201

ca espanhola corn a estrategia geral staliniana. Nos primeiros meses da guerra civil, todos os dirigentes espanh6is, de Azafia a Nin, compreenderam este imperativo e trataram de se adaptar a ele, embora de maneira diferenciada.147 Obviamente que para o PCE lido se colocava nenhum problema, já que, para ele, a politica da Unido Sovietica, a politica da IC e a sua prepria formavam urn todo indivisivel. A questäo era aplicar a linha geral do VII Congresso da IC. Pam vencer o fascismo inimigo principal —, o essencial era assegurar a mais ampla unidade de acrio de todos os seus adversArios. Entre a politica internacional da Unirio Sovietica — alianga corn os Estados burgueses ameacados pela Alemanha hitleriana — e a politica nacional dos partidos comunistas — alianca corn as fragOes liberais da burguesia — nrio havia contradicrio. Uma vez derrotado o fascismo, o catninhe ficaria livre para avancar no rumo da revolugrio socialista. E isto, no caso da Espanha, era algo muito seguro, dado que o proletariado ocupava, sem chivida, posigOes hegemOnicas no arco de aliangas. Ganha a guerra, passar-se-ia a etapa seguinte, para chegar a ditadura do proletariado. Mas, para ganhar a guerra, o decisivo era conservar a alianca antifascista, tanto em escala nacional quanto internacional. 0 que implicava a exclusao de objetivos socialistas na Espanha, a corregrio dos "excessos" da revolugrio e, inclusive, acentuar as concess6es aos republicanos burgueses e socialistas para ver se, assim, Blum se resolvia a ajudar a repablica espanhola. A primeira vista, o esquema era muito coerente — mas sob a condicrio de que todos os envolvidos se dispusessem a representar fielmente o papel que se Ihes atribufa. 0 que estava bem longe de ocorrer. Os liberals tipo Azafm e os socialistas reformistas tipo Prieto exam os mais dispostos, ja que, imediatamente, esta linha de desenvolvimento respondia as suas preocupacOes essenciais: restaurar o Estado republicano, liquidar corn os "extremismos", aproximar-se das democracias ocidentais, etc. Nrio a por acaso que nos quarenta e cinco dias do govemo Giral (20 de julho-4 de setembro), constituido exclusivamente pelos partidos republicanos burgueses, "ganhou influencia nos meios governamentais a politica unitaria e construtiva do Partido Comunista, que subordinava tudo as necessidades da guerra", nem que, falando a correspondentes estrangeiros, Azafia dissesse: "Se voces quiserem avaliar corretamente a situacrio e conhecer homens que sabem o que pretendem, leiam Mundo obrero". 1" Mas Azaria tambem sabia exatamente o que pretendia — e, a claro, nrio pretendia ganhar a guerra em condigOes tais que a hegemonia passasse ao Partido Comunista e que se abrisse o caminho para a ditadura do proletariado. Como suas Mem6rias demonstram com absoluta clareza, o seu objetivo era a restauragrio da reptiblica do 14 de abril; e sua tatica era servir-se numa primeira fase, do Partido Comunista como dique aos adeptos de Largo Caballero e 202

ao anarco-sindicalismo para, numa segunda fase, reduzi-lo a impotencia (aproveitando-se do fato de que, na primeira fase, o Partido Comunista teria se enfrentado corn os ndcleos majoritirios do proletariado revolucionario). A linha de Prieto, e do praprio Negrin, era analoga, e nas mesmas Mart:arias se revela a estreita colaboraedo da troika Azafia-Prieto-Negrin na segunda etapa da guerra, a que se abre corn a liquidaeão do governo de Largo Caballero, em maio de 1937.149 Os seguidores de Largo Caballero tambem se adaptaram a estrategia de Stalin, sem renunciar as suas pre:prim concepeOes e objetivos, cuja debilidade principal ja mencionamos - imprecisdo, nebulosidade, carencia, em suma, de uma politica coerente. Expressando a vontade das massas proletirias, propunham-se preservar o conteildo socialista da revalued°, mas nao contavam nem corn um programa que desse forma concreta a este contetido, nem corn uma tatica para lutar eficazmente por ele na extremamente complexa situagdo da guerra civil. Pretendiam assumir o papel diretivo no interior do bloco politico °per/ariarepublican°, potent na pratica iam a reboque de Partido Comunista em umas questfies e, noutras, a reboque do anarco-sindicalismo. No entanto, precisamente estas caracteristicas faziam da corrente de Largo Caballero a formagdo ideal para ocupar o proscenia no drama que se iniciava. Sua reputagdo revolucionaria, particularmente o mito Caballero ("Lenin espanhol"), juntamente corn a imprecisdo dos seus postulados, permitiam a esta corrente representar a revolugäo em sua expresado mais geral: tido a revalued° bolchevique, nem a revalued° libertdria, mas a Revalued° do Proletariado, com maitisculas e sem adjetivos. Seu carter, em grande medida sindical, facilitava o entendimento corn a CNT. E, por outro lado, a carencia de uma politica coerente e de uma organizagdo bem estruturada ofereciam vantagens para quem possuia uma ou outra. Para o proletariado, Largo Caballero a frente de ga yerno era a garantia da revoluetio. Para Azafia e Prieto, como para Stalin e seus representantes na Espanha, a figura de Caballero no govemo podia ser a garantia de que a revalued° colaboraria na sua prapria retificagão, na restauragio do Estado republican democratico-burgues. Para os anarco-sindicalistas, era uma possibilidade de preservar os enclaves de "comunismo libertirio" criados nas areas onde tinham predominkcia. Para o prOprio Caballero e seus adeptos, a alianca com os republicanos burgueses era uma especie de ardil de guerra, para adaptar-se as condigfies internacionais ern que se desenvolvia a revalued° espanhola e, ao mesmo tempo, preservar a sua pureza proletaria.1" A adaptagio da CNT e de POUM aos condicionantes internacionais, particularmente ao condicionante sovietico, estava carregada de reservas =Magas as dos adeptos de Largo Caballero, porem mais radicals por se embasarem em posielies politicas meihor definidas e muito mais dificeis de conciliar corn a restauragdo do Estado republicano que 203

as da corrente de Caballero. A "revolugao libertaria" que os anarcosindicalistas implementaram na Catalunha e em Aragao, e procuravam estender a outras areas da zona republicana, nao sO era absolutamente incompativel corn a restauracao do Estado republicano democraticoburgues — era-o tambem com as exigencias mais elementares — militares e econamicas — da guerra; 151 Para o POUM, estava claro o carater socialista da revolugao espanhola, e ele propugnava pela instauragao de um poder proletario. Mas as suas forgas eram muito limitadas. Confinado praticamente a Catalunha, ali mesmo tropegava coin a majoritaria influencia do anarco-sindicalismo nos principais nticleos proletarios. E, ao mesmo tempo, era acossado pela implacavel hostilidade do Partido Comunista. Os primeiros momentos da guerra civil espanhola coincidem corn a liquidacao fisica das oposicees na URSS, e o POUM passou a ser considerado por Stalin e pela IC, como o trotskismo, como uma "agencia fascista" que deveria ser exterminada.'52 Toda a revolucao da situacao interna da "zona republicana" no curso da guerra civil esta condicionada por ester dados iniciais, pelas contradigOes e conflitos deles derivados. E se desenvolve em duas fases bem distintas: a que vai ate a queda de Largo Caballero, em maio de 1937, e a que se prolonga ate a derrota, a "fase Negrin". Na primeira, a frente de republicanos ligados a Azana, socialistas reformistas e comunistas, consegue reconduzir, no essencial, a revolugao ao leito democratico-burgues e restaurar, sobre esta base, o Estado republicano, com o exercito regular popular como instrumento principal. Na segunda, a frente de republicanos ligados a Anna e socialistas reformistas se aplica metodicamente a reduzir as posigees comunistas no apareIho do Estado, sobretudo no exercito, forgas da ordem ptiblica e servigos especiais, assim como na esfera econOmica, e a reverter, no plano politico geral, o contend° avancado da repUblica, preparando... a capitulacao final A linha da IC na revolugao espanhola acabou por se voltar contra o objetivo supremo em cujo nome foi imposta: ganhar a guerra. E, no entanto, foi ela que possibilitou a prolongada e tenaz resistencia da reptIblica. Este fato positivo se deve, antes de mais, a que a IC e o PCE cornpreenderam, desde o primeiro momento, o carter decisivo do problema militar. Corn a ajuda dos tdcnicos sovieticos e de quadros de outras latitudes, o PCE concentrou todas as suas energias na revolucao deste problema. As suas estruturas, o seu funcionamento, a formagao dos seus quadros tornavam-no especialmente apto para esta tarefa. 0 Partido Comunista, reconhece P. Brou6, "revelou-se como uma notavel forga organizacional, urn instrumento terrivelmente eficaz". 153 Os tragos semimilitares do modelo bolchevique, ao qual se adaptara, permitiram ao PCE converter-se rapidamente no partido militar da reptiblica, no nticleo organizador do exercito que se deveria criar rapidamente e sem 204

o qual tudo estava condenado a perecer: ensaios libertdrios, Estado republicano, partidos e sindicatos. 0 mais elementar senso comum fazia corn que as massas, independentemente das suas preferencias politicas e sindicais, compreendessem que, sem exercito, sem comando intim sem disciplina, sem economia de guerra, sem unidade "de ferro" (como dizia o PCE) na frente e na retaguarda, sem subordinar todas as consideragees a urgente necessidade de derrotar as tropas inimigas que avangavam — sem isto nao havia salvacao. Se os efetivos do Partido Comunista e da sua grande organizacao auxiliar, as Juventudes Socialistas Unificadas [JSU], crescem muito rapidamente nos primeiros meses da guerra, bem como a sua influencia e autoridade politicas, nao é porque o proletariado o julgasse "mais revoluciondrio" que os seguidores de Largo Caballero ou os anarco-sindicalistas — e porque o reconheciam como mais clarividente e capaz para enfrentar o problema crucial da situagao. E indiscutivel que o prestigio adquirido pela URSS gracas sua ajuda a remiblica incide sensivelmente no apogeu do PCE, mas o fator principal deste auge e o que acabamos de mencionar. E sintomatic° que os efetivos e a influencia do partido aumentem relativamente pouco nos sindicatos da UGT (para nao falar dos da CNT), isto e, entre a classe operaria organizada. As fileiras do PCE acorrem numerosos elementos pequeno-burgueses, atraidos pelo renome que o partido obtem como defensor da ordem, da legalidade e da pequena propriedade. E ao PCE aflui, principalmente, ou se coloca sob a sua diregao, atraves das JSU, urn grande contingente da juventude nao formada ainda nos sindicatos e nas organizaceies operdrias tradicionais, atraida pelas virtudes militares do partido e por uma ideologia simplificada, na qual a revolucao se identifica corn o antifascismo mesclado de patriotismo.154 0 PCE deu, por conseguinte, uma contribuigao primordial a organizagao do exercito republicano; a IC criou as Brigadas Internacionais e a URSS foi a principal fornecedora de armas para a reptiblica, alem de ajuda-la corn valiosos especialistas militares. Se a guerra fosse apenas uma empresa tecnico-militar, seria dificil encontrar algo censuravel no aporte do trinennio PCE-IC-URSS a luta do povo espanhol contra o fascismo (deixando de lado, momentaneamente, a questa° relativa ao volume dos armamentos proporcionados a reptblica pelo governo sovietico) Mas, coma bem se sabe desde Clausewitz, a guerra e "urn verdadeiro instrumento politico, uma prossecugao das relagees politicas, uma realizacao delas por outros meios" 155 — especialmente uma guerra civil. A tese do PCE — "se nao se ganha a guerra, nao ha revolugao possivel" — era uma evidencia em si mesma; mas outra, que sempre acompanhava a anterior — "ganhando a guerra, ganhamos a revolugao" —, era a pr6pria ambignidade. 156 E into porque, como ja vimos, cada uma das organizacees politicas e sindicais do arco republicano tinha a sua pr6pria concepcao da "revolucao" e lutava pa205

ra imp6-1a, prosseguindo na sua politica anterior, desde o primeiro dia da guerra civil. A "guerra" nao era urn aspecto autanomo da luta global, que permitisse colocar entre parenteses as tres principals "variantes" de revolugdo que se enfrentavam: a proletaria, a democrtiticoburguesa e a liberal-burguesa. 0 combate nas frentes, os instrumentos diretamente militares estavam em estreita coned° corn urn ou outro tipo de organizagdo social e politica. E, conforme o tipo de regime polftico-social que prevalecesse durante a guerra civil, todo o futuro da reptiblica estaria fortemente condicionado. A forga militar implementada pelo PCE, a IC e a ajuda sovietica estava a servigo de dois objetivos politicos essenciais: resistir militarmente aos fascistas e assegurar a afirmagdo do tipo "democratico-burgues" de repablica, aceitavel para os republicanos burgueses e tambem, supostamente, para as "democracias ocidentais". Mas, ao ser instrumento deste segundo objetivo, a forca militar PCE-IC-URSS entrava em conflito corn a realidade revolucionaria criada e corn a maioria do proletariado, que a considerava como a sua maxima conquista. Um tal conflito s6 podia vulnerabilizar, no fundo, a potencia militar da reptiblica. Entre os dois objetivos politicos a cujo servico estava o esforco militar do PCE, a IC e a ajuda sovietica, ado existia complementaridade — existia contradigio: o segundo minava os efeitos positivos do primeiro. Os acontecimentos, muito rapidamente, se encarregaram de demonstra-lo. Nos primeiros meses de 1937, os seguidores de Largo Caballero, os anarco-sindicalistas e os afetos ao POUM conclufram que a sua adaptacdo linha imposta por Moscou, sem alcancar qualquer resultado positivo na atitude das "democracias ocidentais", traduzia-se, em troca, num continuo retrocesso do "contendo proletario" inicial da revolucdo e no fortalecimento do PCE, dos socialistas reformistas e dos republicanos burgueses no bojo das estruturas politicas e militares. Inquietava-os, sobretudo, a posigdo hegem8nica que o PCE conquistava no exercito. E o terror desencadeado por Stalin contra as oposicOes, no interior da URSS, veio somar-se as motivag8es propriamente espanholas para levar aquela inquietude ao extremo. 0 terror stalinista aparecia para os adeptos de Largo Caballero, para os anarco-sindicalistas e para os partidarios de POUM como a prefiguragdo do que os esperava se, ao fim da guerra, a vitOria republicana se desse sob a hegemonia comunista. E a posigdo logo adotada pelo PCE nao Ihes oferecia razees pan que se tranqUilizassem. 0 partido espanhol, perfeitamente sincronizado com os "processos de Moscou", reclamava, de fato, o extermini° do POUM e acusava de inimigos da Unido Sovittica, de aimplices de fascismo, aos adeptos de Largo Caballero e aos anarquistas que denunciavam os crimes de Stalin.' S Imbuidos de uma fé cega nos dirigentes soviaticos, os comunistas espanhOis nao podiam duvidar que em Moscou o que se exterminava eram os "inimigos do povo", os "es206

piees fascistas". E quando, na Espanha, se travava uma luta de morte

contra o fascismo, corn a Unido Sovietica sendo a Unica potencia que ajudava a republica espanhola, somente outros "inimigos do povo", outros "agentes mascarados" do fascismo — pensavam os comunistas espanhOis — poderiam sair em defesa daqueles que Stalin liquidava. A introducao deste virus de desconfianga, quando nao de Oclio, conduziu ao paroxismo as divergencias politicas e doutrinarias entre as organizacOes e grupos que representavam o proletariado revolucionario. Enquanto isto, os republicanos burgueses e os reformistas do PSOE conservay am uma sabia discregao em face do drama que se passava em Moscou. 0 fosso que se abria entre o PCE e as outros fracaes do proletariado revolucionario fazia de Azafia e Prieto os arbitros da situacao. A "crise de maio" (1937) foi o resultado deste processo global. Os adeptos de Largo Caballero e os anarco-sindicalistas foram afastados do governo, e o poder ficou nas maw dos socialistas reformistas, dos republicanos burgueses e do PCE. 158 Imediatamente se levou a cabo a repressao policial contra o POUM, seguida da ofensiva contra Largo Caballero e seus partiddrios. Enquanto o PCE os denunciava como camplices do POUM, o grupo de Prieto manobrava para desaloja-los das suas posigaes no PSOE e na UGT. Paralelamente, na CNT os elementos mais moderados e reformistas se fortaleciam. 159 Realizava-se assim urn passo decisivo na tarefa por Stalin e pela IC: reconduzir a revolugao espanhola ao recinto "democratic° burgue's" do qual nao "deveria" ter saido. Mas o principal beneficiario da operagdo nao foi o seu principal executor, o PCE: foi o bloco de republicanos burgueses e de socialistas reformistas, que ocuparam os postos-chave do governo -alem da sua diregao, o exercito, a politica exterior e a economia. E verdade que o PCE controlava uma parte essencial do exercito, mas levando em conta que o principio supremo da sua politica — da politica de Stalin — era conservar a alianca com o bloco burgues reformista da repablica, ao PCE estava vedado utilizar esta forga militar contra os seus sagrados aliados. E Prieto, frente do Ministerio da Defesa, Ode empreender metodicamente a reducao do peso especifico dos comunistas nos quadros de comando das forgas armadas e do comissariado. Ao mesmo tempo, a politica geral do governo, no piano intern, evoluia rapidamente para a direita e se orientava para uma solugao negociada da guerra. No fundo, o que se afirmava era a politica de Azafia (cfr. a nota 149). As grandes revoluclies sociais, como a espanhola, ou avancam decididamente ate as suas iiltimas conseqiiencias ou retrocedem, nao menos decididamente, e desembocam na contra-revolugäo. Muito antes que as tropas fascistas irrompessem em Barcelona e Madri, a contra-revolugdo se instalava silenciosamente na zona republicana. A medida que a guerra civil se prolongava, corn o seu cortejo de privagOes e sacrificios, a medida que a correlagdo de forcas militares 207

se modificava a favor do inimigo (que recebia da Alemanha e da Italia uma ajuda muito maior que a proporcionada a repdblica pela URSS), o desdnimo e o derrotismo se propagavam entre as camadas pequenoburguesas da cidade e do campo, contagiando tambem a alguns grupos proletdrios. A politica capitulacionista de Azaiia e Prieto adquiria uma base social cada vez mais ampla, ao passo que a resistência a qualquer prego — preconizada pelos comunistas — colidia corn um crescente ceticismo. 0 PCE se esforgava desesperadamente para travar esta degradacdo do processo, mas nem a propaganda, nem as medidas destinadas a reforgar o exercito ou a intensificar a produgao de armas podiam compensar o vazio ocasionado pela perda do que fora, nos primeiros meses, o suporte decisivo da combatividade popular: o entusiasmo revoluciondrio. A massa mais radical do proletariado sentia-se subestimada e burlada e, no interior mesmo do Partido comunista, para alem de urn otimismo de fachada, nasciam a dtivida e a vacilacAo. Surgiram criticas contra a politica de alianga corn os dirigentes republicanos burgueses e os reformistas de PSOE e emergiu a ideia de que a Unica alternativa para a situagdo estava em o partido assumir plenamente a diregão da guerra. 16° Estas tendencias iam associadas a convicgão, que ganhava muitos comunistas, de que as esperancas depositadas numa ajuda das "democracias ocidentais" estavam se revelando completamente ilusOrias. Por que ter cuidados corn os que, na Espanha, personificayam politicamente a essa "burguesia democratica" anglo-francesa e a essa "social-democracia" que traiam o povo espanhol? Por que sacrificar a alianga corn os que se inclinavam a capitulacdo as possibilidades de uma politica de guerra revoluciondria, capaz de reanimar as energias combativas do proletariado, de impor uma disciplina ferrea e de aproveitar ao maxim° os recursos existentes? Estas ideias chegaram ate a se refletir num dos OrgAos centrals do PCE, o peri6dico Mundo obrero, que, por se publicar em Madri, Igo se encontrava sob o controle imediato da diregäo do partido (cuja sede estava ern Barcelona e que se expressava oficialmente atraves do periOdico Frente rojo). No flamer° de 23 de margo de 1938, a redagdo de Mundo obrero escreve: "Ndo se pode dizer, como o fez urn periddico, que a *Mica solugào da nossa guerra a que a Espanha tido seja nem fascista nem comunista porque a Franca assim o deseja [...]. 0 povo espanhol vencera corn a oposigdo do capitalismo". A diregdo do PCE reage imediatamente. Ern carta assinada por Jose Diaz e publicada em Frente rojo, a 30 de margo, adverte-se severamente a redagão de Mundo obrero: "A afirmaglio de que Unica solucão da nossa guerra é que a Espanha nAo seja nem fascista nem comunista' — diz a carta — é inteiramente correta e corresponde exatamente a politica de nosso partido". Quanto a tese de que "o povo espanhol vencerd corn a oposicão de capitalismo", afirma Jose Diaz que "tampouco corresponde quer a 208

• situagao, quer a politica de nosso partido e da Internacional Comunista". "Ern meu informe ao Pleno de novembro [1937] — continua o secretdrio geral do PCE afirmdvamos: 'HA um terreno sobre o qual todos os Estados democrdticos podem se unir e atuar juncos. E o terreno da defesa da sua prOpria existEncia contra o agressor de todos: o fascismo — o terreno da defesa contra a guerra que nos ameaga a todos'. Quando faldvamos de `todos os Estados democraticos', não pensavamos somente na Uniäo Sovietick onde existe uma democracia socialista, mas tambern na Franca, na Inglaterra, na Tchecoslovdquia, nos Estados Unidos, etc., que Sao paises democraticos, embora capitalistas. Queremos que estes Estados nos ajudem; pensamos que, ao nos ajudar, des defendem os seus prOprios interesses; esforcamo-nos para que compreendam isto e colaborem conosco. A posicAo expressa no artigo de votes, alem de muito diferente, nlio 6 correta [...]. Ela nos conduziria inevitavelmente, e novamente, a restringir a frente da nossa luta, no momento em que 6 necessario amplid-la"."' Por conseguinte, a 30 de margo de 1938, quando ja era mais que flagrante (de fato, era-o desde que Blum, mal eclodira a guerra civil, hipotecara a sua atitude a do governo conservador ingles) que o capitalismo "democrdtico" nä° moveria urn rink° dedo para ajudar a repriblica espanhola, por mais que esta "ampliasse' a sua significagäo politica, a IC (sob a assinatura de Jose Diaz) continuava embalando-se na dote ilusäo — e fomentandoa entre os combatentes espanhOis — de que a Franca, a Inglaterra, os Estados Unidos, etc., ajudariam o povo espanhol. Continuava fomentando estas ilusOes (e embasando nelas a politica da sua segão espanhola), apesar de que, como o reconhecem os historiadores sovieticos, "desde finais de 1937 se fizessem cada vez mais notorias as confabulacOes [contra a reptiblica espanhola] dos Estados fascistas corn os Estados Unidos, A Inglaterra e a Franga". 162 De fato, quinze dias depois da reprimenda a Mundo obrera a Inglaterra chega a urn acordo corn Mussolini sobre a retirada dos "voluntdrios" italianos, uma vez alcangada a vit6ria de Franco; em meados de junho, o governo trances interdita a fronteira pirenaica; e, em setembro, acontece Munique. Como G. Jackson o diz muito acertadamertte, corn os "13 pontos" de Negrin, patrocinados pelo PCE, "apresentava-sea °pinta. ° publica mundial a imagem de urn regime cujos propOsitos e metodos eram similares aos das democracias ocidentais; era urn esforgo supremo pars convener aos governos ocidentais dos seus prOprios interesses na sobrevivència da repliblica". 163 Mas os "governos ocidentais", ao contrdrio da IC, tratavam do problema corn criterios classistas, e o melhor representante do capitalismo espanhol nä° era o governo de Negrin, mas o de Franco. 0 capitalismo "democratico" nào queria menos que a liquidaflo total do proletariado espanhol, o que exigia a liquidagão de uma remiblica que, durante quase uma decada, demonstrara suficientemente a sua im209

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possibilidade histOrica como "repriblica democratico-burguesa". Os "governos ocidentais" poderiam ate ser sensiveis a quimerica imagem da realidade republicana espanhola que o PCE e Negrin se esforeavam por apresentar, mas eram medularmente incompativeis corn a realidade que stocultava por tit dessa imagem: a realidade de urn proletariado revolucionirio, pronto para levantar a cabeca na primeira oportunidade. O drama se aproximava de seu desenlace sobre a base dos prOprios termos em que as classes e as lutas de classes (e nao o dogma teerico da IC sobre a inevitabilidade de uma etapa "democratico-burguesa") o colocaram concretamente na Espanha de 1936: fascismo ou comunismo — entendendo-se por "comunismo" o que, a epoca, o termo conotava para todos, referido a Espanha: a revolucao proletaria peculiar, de tragos originais e intransferiveis, espanhola — numa palavra que se propagara como urn furacao pelo tenth:Sri° peninsular na segunda metade de 1936. As concessOes ideolOgicas e politicas que, nos tiltimos meses da guerra, o PCE e Negrin fazem para "facilitar" a "uniao nacional" dos "espanhOis patriotas" dos dois lados, a redugdo a 3 dos "13 pontos" de Negrin, so serviram para convencer os mais otimistas de que a republica estava as beiras do desastre. 0 "partido da capitulagao" cresceu tanto que se tornou o mais influente da zona reptiblica. Dal a catastrofe da Catalunha e o exit° do compl8 de Casado, que leva a derrota final. Na Ultima hora, o PCE tentou reagir, deixando de lado os cuidados corn os aliados burgueses e reformistas e a preocupagdo corn o capitalismo "democratico". Mas era tarde. 164 Ibdo o sacrificio e o heroism° de tees anos se perdia junto corn uma politica que, desde o primeiro dia da guerra civil, voltara as costas aos imperativos essenciais da realidade revolucionaria da Espanha para se ajustar aos imperativos da estrategia internacional de Stalin. A sujeiedo do PCE a esta estrategia foi, de fato, um grave obstriculo para o pleno desenvolvimento das reservas combativas e das iniciativas criadoras, das forgas capazes de fazer milagres que toda grande revolueao social traz consigo. Denim dos limites impostos por aquela sujeigao, o partido foi exemplar, como ja dissemos, na organizagao do exercito, no estimulo ao espirito de combate, na exaltagdo dos aspectos antifascistas e nacional-libertadores da luta, etc. Coisas absolutamente necessarias e vitais. Mas o pleno desenvolvimento clas possibilidades acima indicadas exigia, antes de tudo e sobretudo, que o proletariado — a forga revolucionaria decisiva — nao duvidasse, em nenhum momento, de que a sua luta mortal era que a liberava da escravidao capitalista. E isto nao como uma promessa para uma etapa ulterior, mas como afirmagao e desenvolvimento do contend° socialista que a revolugib em ato tinha desde as jornadas de julho, como tradugdo deste contend° ern uma nova legalidade e novas instituicOes, como instauragao, 210

principalmente, do poder proletdrio. Todos os outros contendos da guerra revolucionaria eram importantes e nenhum devia ser subestimado, mas sob a condiedo de se subordinarem ao contend° socialista. Sobre esta base era necessario — e o proletariado o compreenderia — o respeito a pequena propriedade que nao explorasse trabalho alheio, a alianga corn as camadas pequeno-burguesas nao exploradoras, a colaboragao corn grupos politicos nao proletarios que, ern !lineao de outros aspectos da guerra (antifascista, nacional, etc.), estivessem dispostos a participar da luta. Sobre esta base, o aspect() de defesa da independencia nacional que a intervened° italo-germanica conferia a guerra civil podia significar para o proletariado algo mais que o patriotismo tradicional — a defesa da sua prOpria libertagao. Reconhecer a prioridade absoluta da essencia proletaria e sodalista da revolucao, reafirma-la ern todos os pianos, partir dela para a soluedo de todos os problemas colocados pela guerra — era um imperativo tanto mais incontornivel (convex!' insistir nisto) quanto mais esta essencia jd fora inscrita na realidade pelas pröprias massas e qualquer retrocesso se podia despertar a sua desconfianga, vulnerabilizar o seu moral e, definitivamente, leva-las a conclusdo de que, para restaurar a republica ao estilo de Azafia, nit) valiam a pena tao imensos sacrificios. 0 espirito que possibilitou a defesa de Madri foi o espirito da revoluedo proletaria e, se existia uma possibilidade de viteria, ela consistia na preservaedo e propagagab deste espirito. Para isto, era preciso a criagdo de urn poder revolucionario proletario que nao deixasse lugar para dtividas sobre os objetivos da luta e abordasse corn firmeza inflexivel a resoluedo das tarefas que a guerra colocava ern primeiro piano: orgartizagao de exercito e fabricacao de armas, abastecimento, etc. E algo que o governo restaurador do Estado republicano democraticoburgues, dominado cada vez mais pelos Azarias, Prieto e companhia, preocupado em assemelhar-se cada vez mais as "democracias ocidentais", nao se prop8s e nem podia propor-se: a organizaeao, em grande escala, da guerrilha revolucionaria na zona ocupada pelos militares sublevados. As caracteristicas politicas que iam revestindo esta restauraea° se expressavam numa concepgao "convencional" da forma de fazer a guerra. Se a organizagdo de urn exercito regular, a guerra de frentes e de movimento a base de grandes unidades eram obrigatdrias nas condigOes concretas da guerra civil espanhola, a luta de guerrilhas 11ä0 era menos necessaria e possivel. Mas ela requeria um outro tipo de poder. Ha que enfatizar esta carencia da remiblica, porque ela teve uma consideravel influencia no resultado final da luta. A agao guerrilheira em larga escala — para a qual existiam condigOes muito favoraveis em toda uma tie de areas do pals — nao so teria reforgado ponderavelmente a potencia militar da reptIblica e as probabilidades de vitOria como, ainda, na eventualidade de uma derrota a nivel de guerra "conven211

cional", teria assentado as bases para a prossecuedo da luta armada durante um longo tempo e para o seu enlace, no decurso da guerra mundial, com a resisténcia anti-hitleriana.165 A incompreensdo do problema do Estado, por parte dos anarcosindicalistas, e a inconsistencia tatica e organizacional dos adeptos de Largo Caballero constituiam, sem thividas, uma grande barreira para a organizaglo do tipo de poder revoluciondrio que as condicOes de guerra civil exigiam inexoravelmente. Mas se o Partido Comunista, que compreendia melhor os imperativos destas condigOes, assumisse a critica do anarco-sindicalismo e das posigOes de Largo Caballero situando-se numa postura revolucionaria-proletaria, em funedo das necessidades da guerra revoluciondria e ndo em nome da democracia pequeno-burguesa, teria encontrado um eco profundo nas massas ligadas aos anarcosindicalistas e a Largo Caballero e em muitos dos seus melhores quadros. Durruti nunca foi uma exceed°. E into porque a guerra e a revolucdo ensinam corn enorme rapidez. E, na verdade, importantes setores do anarco-sindicalismo e ligados a Largo Caballero compreenderam logo que faltava um poder estatal, um etch°, uma disciplina, etc. E o cornpreenderiam mais e melhor se o PCE ndo colocasse estas questees em oposigdo ao contend° socialista da revalued°. Nos primeiros meses da guerra existiam grandes possibilidades para a unificagdo de comunistas, adeptos de Largo Caballero e de POUM e anarco-sindicalistas como Durruti em um grande partido revolucionario ou, pelo menos, para a sua estreita colaboracdo na construed° de um Estado proletario. Mas o aproveitamento de tais possibilidades dependia, antes de tudo, de que o PCE se situasse sem reservas no terreno da revalued° e abandonasse qualquer esquema dogmatic°. Semelhantes partido e Estado teriam que ser plenamente independentes da IC e do Estado sovietico — s6 assim seriam aceitäveis para as outras fragOes revoluciondrias do proletariado espanhol. E supérfluo dizer que nada disto era passivel sendo o que eram a IC e a politica staliniana. Mesmo que coloquemos a hipOtese, puramente especulativa na altura de 1936, de que o PCE tomasse o rumo que acabamos de indicar, a situagdo internacional da hipotetica reptiblica socialista seria provavelmente desesperada, em conseqUncia da oposigdo da IC e de Stalin. E claro que ela poderia jogar com cartas impossiveis para a repftblica da Frente Popular, enfeudada a politica de Stalin e prisioneira da sua pi-6pda essencia pequeno-burguesa — podia, com seu exempla e apelo diretos, estimular a luta revoluciondria do proletariado Frances (na segunda metade de 1936, o espirito do maio - junho frances ainda estava vivo). Analog() cacife teria ante Stalin: negar ajuda ao proletariado espanhol, corn a imensa ressonancia de simpatia que a sua luta encontrava ate no movimento operario socialdemocrata, equivalia a assestar terrivel golpe ao prestigio da URSS en212

tre os trabalhadores de todos os paises. E a estrategia internacional staliniana, mesmo embasada fundamentalmente na utilizagdo das contradigees interimperialistas (e ndo no desenvolvimento do movimento revoluciondrio mundial), não podia prescindir do apoio do movimento operdrio. Requisitava-o, inclusive, desde o ponto de vista da utilizagdo daquelas contradicOes (para assegurar, por exempla, a alianga com a Franca e o entendimento com a Inglaterra, precisava da "pressdo" das classes operarias respectivas sobre as suas burguesias). Uma reptiblica espanhola socialista do tipo imaginado — quer dizer, independente da IC e de Stalin —, e s6 assim concebivel, possuiria a arma que Stalin mais temia: a arma da critica aberta, a possibilidade de denunciar claramente ao proletariado mundial a conduta de Moscou no caso de sua negativa em ajudar a revalued° espanhola. Ma a absurdo supor que, ante este risco, "Moscou se veria obrigada a proporcionar armas, e talvez a um preco mais moderado", como TrOtski dizia. 166 Porêm, vista o problema a luz dos acontecimentos posteriores, particularmente do pacto germano-sovietico ou do anatema e do abandono da revalued° iugoslava em 1948, tampouco a absurdo supor que Stalin reagiria denunciando a alianga de nossos hipoteticos comunistas espanhOis heterodoxos com os anarco-sindicalistas e corn os adeptos de Largo Caballero e do POUM como uma sinistra conspiragdo — montada pela Gestapo e dirigida por TrOtski — contra a URSS e as democracias ocidentais, a fim de impedir que uma e outras acudissem em defesa da rem'sblica espanhola legal, constitucional, parlamentar, etc. Ndo prolongaremos esta especulagdo ucronica, cuja unica finalidade é realgar facetas essenciais do que ate alguns historiadores sovieticos ja qualificam de "traigdo de Stalin a reptiblica espanhola". 167 Coincidindo com historiadores ocidentais, estes sovieticos aludem particularmente a insuficiancia da ajuda militar que Stalin concedeu a reptiblica. A nossa ucronia procura evidenciar as possibilidades que esta "traigdo" frustrou, ao impedir a criagdo de urn poder revoluciondrio na zona republicana, poder que teria acrescido consideravelmente a capacidade de combate do povo espanhol. A politica de Stalin, aplicada pela IC e pelo PCE, cedeu a hegenionia na remiblica as forgas burguesas e reformistas que se orientavam para o compromisso corn o inimigo. E corn a agravante de que nem sequer respeitou a ordem legal e a soberania ern que devia fundar-se a credibilidade do Estado republicano em face das "democracias ocidentais". Os servigos secretor stalinianos, de fato, operaram dentro da remiblica como se esta fora a Reptiblica da Mongolia Exterior. 0 caso mais escandaloso — mas ndo o Unico — foi o assassinato de Nin, depois do fracasso da tentativa de utilizar o lider de POUM para montar uma ediedo espanhola dos "processos de Moscou". Como observa o histOriador G. Jackson: "0 caso Nin constituiu urn terrivel golpe moral contra o prestigio do governo Negrin. 213

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Dois meses depois de haver ocupado o cargo, corn vigorosas promessas de restabelecer a justiga e a seguranea das pessoas, o chefe do governo se viu obrigado a tolerar o ultraje comunista ou a bater em retirada, corn o risco de ser destruido como Largo Caballero". 168 Juizo correto, corn a ressalva de que o "ultraje", mais que comunista ou ao prestigio de Negrin, fora urn ultraje ao comunismo. Mas o aspecto da "traicao" de Stalin, destacado pelos referidos historiadores, nao a menos correto: a asfixia da revolugao, a dependencia a que se viu constrangida a reptiblica nab foram compensadas por uma ajuda sequer equivalente a recebida pelos generals franquistas da Italia e da Alemanha, apesar de o armament° sovidtico — como bem se sabe — ter sido antecipadamente pago corn o ouro do Banco da Espanha. A questa° desta "insuficiencia" nao podera ser esclarecida definitivamente senao quando se abrirem os respectivos arquivos sovieticos. S6 entao se podera distinguir, nesta insuficiencia, o que foi resultado das dificuldades tecnicas corn que a ajuda se enfrentava (ern conseqilencia da distancia, do bloqueio, etc.) e o grau ern que ela foi "planificada", obedecendo a conveniencias de politica externa. 0 que parece indubitivel 6 a existencia deste Ultimo aspecto. Stalin, corn efeito, new podia — exceto se modificasse radicalmente a sua estrategia internacional — ajudar a reptiblica espanhola mais akin do que era compativel corn a sua polftica de aliangas com as "democracias ocidentais". E estas nä° admitiam, absolutamente, que tal ajuda chegasse ao ponto de conferir uma vantagem decisiva a reptiblica. Azafta e o embaixador da reptiblica ern Moscou (Marcelino Pascua, do Partido Socialista) compreenderam-no perfeitamente. No caderno de notas do primeiro esta o apontamento da seguinte conversa corn Pascua, a 13 de agosto de 1937: "A mim me parece — diz Azaria ao contrario do que se acredita por ai, que a colaboragdo russa tern um limite, que nao e o possivel bloqueio, mas a amizade oficial inglesa. Penso que a URSS nada fart em nosso beneficio, se isto afetar gravemente as suas relacifies corn a Inglaterra ou comprometer a sua posicao na politica de amizades ocidentais". E Pascua replica: "Mc) ha dtivida quanto a isto. Para a URSS, a questa() da Espanha a uma cartada menorn. 169 Stalin ajudou a reptiblica espanhola para poder prolongar a sua resistencia e chegar a uma solugao de compromisso, aceitavel para as "democracias ocidentais" no marco do sistema de aliancas antihitlerianas — e nao para que ela pudesse veneer. Esta conclusao 6 imposta pelos fatos e pela analise da politica externa staliniana e parecia, a epoca, aos comunistas e a muitos antifascistas espanh6is nao comunistas, a mais monstruosa caltinia de todos os tempos. Mas os acontecimentos posteriores demonstraram suficientemente que Stalin nao vacilava em sacrificar a radio de Estado nao apenas a possibilidade, mas a realidade de uma revolugao vitoriosa, ainda que esta se desse prOxima a fronteira sovietica e que nao existissem 214

dificuldades "tecnicas" para the proporcionar a ajuda necessaria contra a intervened° imperialista. 0 caso da resistencia grega, no fim da segunda guerra mundial, a bastante elocitiente m Entre as duas guerras mundiais, a politica espanhola de Stalin, aplicada pela IC e pelo PCE, foi o exemplo mais relevante da subonlinacao de uma revolucao ern ato a raid.° de Estado da potencia sovidtica. A experiëncia colonial

Movimento de libertactio nacional e politica da IC Na sombria primavera de 1939, depois que Franco entrain em Madri e Hitler em Praga, a Unica seed° de importancia que resta a IC na Europa 6 o partido frances. Fora dele, s6 se conservam na legalidade os pequenos partidos da Escandinivia, da Inglaterra, da Belgica, da Holanda e da Suica, cuja incidencia politica em seus respectivos paises 6 minima. Todas as outras segOes europeias, depois de sofrer duras derrotas, foram sucessivamente langadas na clandestinidade. Poucos meses depois, a mesma sorte cabeni ao Partido Comunista frances. E a guerra mundial comegara. 0 capitalismo Ode precipitar o mundo na segunda grande carnificina do semi° porque, nas duas decadas transcorridas desde a primeira, a maioria do proletariado dos palses "avangados" continuou dando as costas a missao revolucionaria que, segundo o marxismo, the cabia. E isto significava que a Internacional fracassara no objetivo ntimero um que se propusera ao nascer: arrancar a classe operaria dos bingos do reformismo, organiza-la sindical e politicamente sobre bases revolucionarias. A IC nao conseguiu dar urn s6 passo neste sentido nos Estados Unidos, ja a principal meg-Opole do capitalismo, nem na Inglaterra (a segunda em importancia — apesar da sua estagnacao —, gragas ao seu imperio colonial). Nos dois casos, 6 preciso reconhece-lo, a tarefa trio era nada Mei', considerando-se o estado politico e ideal& gico em que se encontrava o proletariado anglo-saxito quando a IC bntra em cena. Mas a Internacional fracassa tambem na Alemanha, onde as condioes objetivas iniciais eram muito favoraveis e onde urn resultado positivo teria podido modificar radicalmente os acontecimentos ern escala mundial. A Franca 6 o taco pais capitalista de primeira linha no qual a IC, dezessete anos depois de constituida, consegue posigees hegemOnicas na classe operaria — mas, vistas as coisas retrospectivamente, cabe indagar se o auge do comunismo frances, na segunda metade dos anos trinta, , foi uma vit6ria do marxismo revolucionario ou o primeiro passo no rumo de uma involucao social-democrata do movimento comunista na area do capitalismo desenvolvido. Em qual215

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quer caso, uma conclusao se impee corn indiscutivel evidencia: a Internacional nao conseguiu resolver, sequer aproximativamente, a principal tarefa que se propusera — converter-se no partido dirigente do proletariado ocidental. Neste fato capital esta a chave do fracasso hist6rico da IC. E, por isto, concentramos a andlise critica da sua atividade naqueles casos onde se deram as condigOes mais favoraveis para a resolugao desta tarefa. Porem, é preciso referir-se — mesmo que da maneira extremamente sumaria a que nos constrange o espaco reservado a isto na primeira parte do nosso trabalho — aos resultados obtidos pela Internacional ern face de outro dos objetivos fundamentais que se atribuiu em sua fundagao: dirigir a luta dos paises coloniais e dependentes contra o imperialismo. Nesta frente, o balango tambern é pouco animador. As vesperas da segunda guerra mundial, os efetivos da IC nas colSnias nos paises dependentes eram sumamente reduzidos, exceto na China, onde, como veremos adiante, a forga adquirida pelo partido comunista, a partir dos Oltimos anos da decada de trinta, nao se deve exatamente a politica da Internacional. Na totalidade dos restantes paises asiaticos havia, em 1939, cerca de 22.000 comunistas. Na Africa, existiam 5.000 (cuja maioria, provavelmente, eram franceses da Argelia e do Marrocos, e operdrios brancos da Africa do SW) e, em toda a America Latina, 90.000 1" (urn percentual considerdvel destes Oltimos foram recrutados no periodo seguinte ao VII Congresso da IC, quando os partidos comunistas latino-americanos — seguindo as diretivas da Internacional — aplicaram uma politica oportunista de contemporizagao com o imperialismo ianque). A exigiiidade numerica expressa fielmente, na maloria dos casos, o reduzidissimo papel politico que os partidos comunistas das colOnias e dos paises dependentes desempenham no movimento de libertagao nacional. Este ganhou um notavel impulso entre as duas guerras mundiais, mas foi dirigido — com a excegao, ja assinalada, da China, a partir da invasao japonesa de 1937 — pelos nacionalistas burgueses, quando nao feudais (os conceitos de "burgues" e "feudal" sao utilizados aqui convencionalmente; na verdade, recobrem categorias secio-politicas que nao sao perfeitamente assimilaveis as correspondentes europeias). A primeira grande dificuldade corn que a IC tropega ao abordar a problematica da luta revolucionaria nas colOnias e paises dependentes consistia em que, ate entao, a teoria marxista pouco se ocupara do terra. A heranca deixada por Marx e Engels, neste terreno, era muito escassa, sobretudo no que se refere aos aspectos taticos e estrategicos. E verdade que a conexao entre as revolugeies nos paises atrasados, explorados pelo capitalismo europeu, e a revolugao socialista fora esbogada por Marx desde 1853. A "grande revolugao" dos Taiping, escreveu ele entao, pode contribuir para provocar a revolugao europeia "mais 216

que qualquer outra causa politica". 12 Seus juizos e analises sobre o papel do "fator nacional" e do "fator campones" nas revolugees europeias continham sugesteies aproveitaveis para o estudo dos problemas que o movimento de emancipagao colonial colocaria no seculo XX. As indagagOes de Marx sobre o "modo de produgao asiatico" poderiam ser de grande utilidade para que a IC se dirigisse para o conhecimento das sociedades que o movimento revolucionario antiimperialista pretendia emancipar e transformar. Mas os principais textos marxianos sobre esta questa° permaneceram ineditos ate 1939. E aqueles que se conheciam foram considerados por Plekhanov e outros teOricos marxistas como hipOteses que o pr6prio Marx abandonara. Depois da derrota do Partido Comunista chines em 1927, instaurou-se na Uniao Sovietica uma discussao sobre a questao e o conceito de "modo de produgao asiatico" foi condenado. in Numa palavra, a contribuigao de Marx e de Engels a problematica da revolugao no mundo pre-capitalista colonizado pela Europa era muito debil e indireta — coisa natural, tendo em conta que a questa.° mal fora colocada pela pratica durante a vida dos fundadores do marxismo. Mas a 16gica interna da teoria marxiana da revolucao socialista mundial trazia em si duas ideias de cariz eurocentrico, que teriam uma enorme gravitagao na IC. A primeira, de carater principalmente estratêgico: a libertacao do mundo explorado pelo capitalismo seria o resultado da revolugao socialista no Ocidente; e a segunda, de carter cultural, no sentido mais amplo deste termo: a transformaga() socialista do mundo significava a sua europeizagio. Lenin parte desta heranga te6rica. Como virnos no segundo capitol°, nos anos que se seguem a revolucao russa de 1905, ele adquire aguda consciencia da nova forga revolucionaria que despontava no Oriente. Ern face da posigao colonialista da direita da Segunda Internacional, e em contraste corn o anticolonialismo verbal e inoperante do centro "ortodoxo", Lenin afirma vigorosamente que o proletariado revolucionario do Ocidente deve assumir a causa dos povos oprimidos, apoia-la decididamente e considerd-la parte muito importante da revolucao socialista mundial, fator que contribui para minar decisivamente as bases do imperialismo. Mas, antes da revolugao de Outubro, Lenin s6 aborda os problemas da revolugao no Oriente de forma tangencial." 4 0 I Congresso da IC tambern confere pouca atencao a estes problemas e expressa claramente as idóias eurocentricas caracteristicas dos marxistas ocidentais. "A libertacao das colemias — diz o manifesto do congresso — so é concebivel se se realiza simultaneamente a libertagao da classe operaria das met/I:Toles. Os operarios e camponeses do Anan, da Argelia e de Bengala, como os da Persia e da Armenia, so terao uma vida independente quando os operarios da Inglaterra e da Franca, depois de derrocar Lloyd George e Clemenceau, tomarem o poder governamental". 15 No entanto, entre oleo II Congressos, ocorrem tres fa217

tos que pressionam para que o "problema nacional e colonial" passe a ocupar um espaco relevante nas discussdes da IC. Em primeiro lugar, a perspectiva da revolugdo proletaria no Ocidente se torna longinqua (mesmo que, coincidindo coin o II Congresso, sobrevenha uma fugaz reanimacao da esperanga, frustrada com a imobilizagdo do Exercito Vermelho as portas de VarsOvia); em segundo lugar, o movimento de emancipagão nacional antiimperialista adquire — contrastando corn o refluxo da revolugdo no Ocidente — um notdvel impulso; em terceiro lugar, o problema nacional e colonial se coloca de forma aguda no bojo mesmo da revolugdo soviática. Ademais, ao II Congresso assistem, pela primeira vez, delegados que representam as organizagOes comunistas que comegam a criar-se nas coldnias e semicolönias. Em virtude de tudo isto, inicia-se na IC a primeira grande discussão sobre os problemas estrategicos e taticos do movimento revolucionkrio nos paises atrasados oprimidos pelo capitalismo europeu. Basicamente, a discussão gira em torno de dois pontos: a) a avaliacao desde movimento como parte da revolugdo socialista mundial; b) a politica a ser seguida pela IC nesta frente (politica em sentido amplo: questoes estrategicas, tAticas,organizacionais, etc.). A problemitica se Os logo ap6s o Congresso dos Povos do Oriente, convocado pela IC e celebrado em Baku, em setembro de 1920, corn a presenga de delegagOes dos partidos comunistas das colOnias e semicolOnias do capitalismo europeu, bem como das organizagOes comunistas dos povos antes oprimidos pelo czarismo e libertados pela revolucao de Outubro. No III Congresso da IC, a problemAtica mal foi tocada, por motivos que veremos adiante, mas voltou a ser discutida nos IV e V Congressos. Na andlise que desenvolveremos a seguir, tentaremos sintetizar as posigOes adotadas nestes cinco primeiros congressos da IC (e no congresso Baku) para nos referirmos, depois, A principal experiencia colonial da Internacional: a sua politica na revolugdo chinesa. E vamos centralizar a andlise nos eixos dos dois pontos anotados acima. a)Avaliactio do movimento de libertaccio nacional como parte da revolucdo socialista mundial A Otica eurocentrica extrema do I Congresso foi parcialmente retificada no II. Ante o refluxo da revolugdo no Ocidente, Lenin e os outros dirigentes bolcheviques estavam mais predispostos a captar toda a significagão que, para a defesa da revolugdo russa, possuia o movimento libertador antiimperialista que se implementava nos paises da Asia. E os comunistas dos paises asidticos, cheios de entusiasmo revolucionario, refletindo a intoleravel situagão a que o colonialismo levara os seus povos, tido podiam admitir, absolutamente, que a sua libertagao tivesse que esperar pela tomada do poder por parte dos operArios de Londres e Paris. Mais ainda: alguns desses comunistas asiaticos expressam abertamente a sua escassa confianga na perspectiva da revolu-

cäo no Ocidente. 0 mais qualificado teoricamente de todos eles, M. N. Roy, comunista hindu, defende urn ponto de vista asio-centrico, antecipagdo do maoismo. "0 camarada Roy — dizem as atas da comissdo do congresso sobre a questdo nacional e colonial — defende a idêia segundo a qual o destino do movimento revolucionario na Europa depende inteiramente do curso da revolugio no Oriente. Sem a vitOria da revoluglo nos paises orientais, o movimento comunista no Ocidente ndo tem qualquer ponderagão [..j. ConseqUentemente, é indispensAvel deslocar nossas forcas para o desenvolvimento e o impulso do movimento revolucionario no Oriente e adotar como tese fundamental que a sorte do comunismo mundial esta hipotecada a vit6ria do comunismo no Oriente". Roy embasa este ponto de vista no pressuposto de que o capitalismo europeu, valendo-se dos recursos que extrai das colOnias, esta em condigees de levar ao extremo politicamente necessario as concessOes economicas ao proletariado ocidental. "A classe operaria europeia — diz ele nas teses que apresenta ao congresso — não conseguira derrocar a ordem capitalista ate que esta fonte [de lucros] seja liquidada". Lenin refuta as concepgees de Roy: "0 camarada Roy vai muito longe ao sustentar que o destino do Ocidente depende apenas do grau de desenvolvimento e das forgas do movimento revolucionirio nos paises orientais. Embora existam na India 5 milhOes de proletdrios e 37 milhOes de camponeses sem terra, os comunistas hindus ainda nao conseguiram criar urn partido comunista em seu pals, e este fato basta para demonstrar que os pontos de vista do camarada Roy, em larga medida, estão desprovidos de fundament". No entanto, Lenin e o II Congresso — apesar da resistencia de alguns representantes dos partidos ocidentais, como o italiano Serrati — retificam substancialmente o enfoque do I Congresso. Aprova-se uma reformulagdo da tese apresentada por Roy: "0 superlucro obtido pela exploragão das colifinias é o suporte principal do capitalismo contempordneo e enquanto este ndo for privado desta fonte de superlucros, a classe operAria europeia tern dificuldades para derrocar a ordem capitalista".176 Sem abandonar, em absoluto, a concepgAo marxista tradicional, segundo a qual o proletariado do capitalismo desenvolvido e sua revoluck) socialista ski a chave, a base sOcio-econOrnica e politica, os agentes decisivos da revolucio mundial, o II Congresso da Internacional confere a luta libertadora dos paises coloniais um papel de primeira ordem no processo revoluciondrio mundial e tido subordina mais a possibilidade do triunfo da revolugdo colonial em tal ou qual pats a vitOria do proletariado na metropole. Nos anos seguintes, este novo enfoque se ira afirmando — e já vimos que, em um de seus derradeiros trabalhos, Lenin expressa a idtia de que a sorte da revolugdo mundial esta assegurada, em Ultima instAncia, porque os povos da China, da India e de outros paises oprimidos, junto com os povos sovi6ticos, constituem a

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grande maioria da humanidade. Esta avaliagao mais positiva do lugar ocupado pela revolucao colonial no processo da revolucao socialista mundial, porem, nao se traduzirã num esforco sistematico da IC nem a nivel da elaboracao teOrica e politica, nem a nivel da agao pratica. A etica eurocentrica continuard dominante na diregao da Internacional e nos partidos comunistas das metrOpoles europeias, tomando, as vezes, um matiz colonialista. No III Congresso, Roy faz a seguinte intervengao: "Concederamme cinco minutos para o meu informe [sobre a India], e como este tema nao pode ser esgotado nem em uma hora, quero aproveitar o tempo para fazer urn energico protesto. 0 modo como a questao do Oriente foi tratada neste congresso e puramente oportunista, convindo melhor a um congresso da Segunda Internacional. Nao a possivel chegar a conclusôes concretas a partir de algumas frases que as delegagOes orientais tiveram autorizagao para pronunciar". 177 No IV Congresso, Safarov, colaborador de Lenin para os assuntos do Oriente, observa: "Apesar das decisOes do H Congresso da IC, os partidos comunistas dos paises imperialistas fizeram extraordinariamente pouco para abordar as questOes nacionais e coloniais 1...1. Mais ainda: sob a bandeira do comunismo se ocultam ideias chauvinistas, estranhas e hostis ao internacionalismo proletario". 179 No V Congresso, Katayama, representante do Partido Comunista japones, "lamenta que Zinoviev tenha falado tao pouco do Oriente e que o informe e as teses de Varga sO considerem a Europa e a America" (Zinoviev, entao presidente da IC, apresentara o informe central do congresso, e E. Varga o documento sobre a situagao econemica mundial). 0 delegado do Partido Comunista da Indonesia queixa-se do Partido Comunista holandes e manifesta a esperanga de que o "Comite Executivo da IC preste mais atengao as colOnias". 0 delegado mexicano afirma: "A importancia da America Latina para os Estados Unidos a imensa, mas nao a reconhecida nem por Zinoviev, nem pelos comunistas dos Estados Unidos". A critica mais severa e a formulada por Nguyen Ai-Quoc (Ho Chi-Min), que acusa os partidos comunistas europeus de menosprezar a significagao das colOnias para a revolucao mundial: "Discutindo a possibilidade e os meios para realizar a revolugao, preparando o seu plano de guerra, voces, camaradas ingleses e franceses, e voces tambem, camaradas de outros [raises, perderam completamente de vista este importante ponto estrategico. Por isto, grito aqui corn todas as minhas forgas: cuidado!"179 Mas a incidencia nos fatos da avaliagao positiva feita pelo II Congresso da IC do movimento de libertacao nacional lido se defrontava apenas com a Otica eurocentrica dos dirigentes comunistas ocidentais. Desde o primeiro momento, ela esteve condicionada por consideragOes da politica exterior sovietica — se possivel, em grau maior ainda que a acao da IC no cendrio europeu. 0 III Congresso ilustra-o eloqiiente220

mente. 0 debate sobre o problema colonial foi praticamente anulado, como se ye pelo trecho da intervengao citada de Roy. 0 informe central de Zinoviev nao dedica mais que umas frases gerais as questOes do Oriente e se concentra nos problemas europeus. No entanto, existiam razOes de peso para prosseguir e aprofundar a discussao iniciada urn ano antes. Na revolucao turca, como na persa, se haviam produzido acontecimentos significativos. Sun Yat-Sen conseguira estabelecer-se ern Cantao e se relacionara corn o governo sovietico. Na India, a luta contra a dominacao inglesa tomara em 1921 enormes proporgOes. Urn historiador sovietico escreve: "Uma onda de comicios, manifestagOes e greves massivas abalou toda a India. Os hindus abandonaram o trabalho nas instituigeies governamentais, boicotaram os tribunais e em muitos lugares a administragao colonial ficou praticamente paralisada" 199 (este era o "tema" que, como dizia Roy, nao se podia esgotar em uma hora, e ao qual o III Congresso concedeu cinco minutos). Ou seja, entre o II e o III Congressos, acumulara-se uma rica experiencia de luta antiimperialista e se colocaram problemas novos, que exigiam o exame da IC. Particularmente significativa era a experiencia turca. Em 1920, Mustafa Kemal se dirigira a Lenin, solicitando a ajuda militar e diplomatica do Estado sovietico, obtendo imediatamente uma resposta positiva. Em marco de 1921, firmou-se um pacto de amizade e ajuda. Apesar das enormes dificuldades econtimicas e militares vividas pela revolugao sovietica, Moscou doou a Kemal 10 milhOes de rublos-ouro e the enviou quantidades importantes de armas. Esta ajuda contribuiu eficazmente para que os turcos pudessem sustentar com exito a guerra contra a intervengao armada da Entente (levada a cabo corn o exercito grego). Tudo isto era 16gico do ponto de vista da luta antiimperialista, mas complicado extraordinariamente pela politica interior de Kemal. De fato, ao mesmo tempo em que solicitavam a ajuda sovietica, os nacionalistas turcos desencadeavam uma implacavel repressao contra o partido comunista — fundado em 1920 — e contra o movimento campones que combatia pela reforma agraria. Urn m'es e meio antes da assinatura, em Moscou, do pacto de alianga turco-sovietico, os kemalistas prendem os militantes comunistas mais destacados (no total, quarenta e dois). Quinze deles — entre os quais o chefe do partido, Mustafa Subji, notavel intelectual, introdutor do marxismo na Traquia — foram imediatamente assassinados, e seus cadaveres langados ao mar. Os outros foram levados a julgamento, acusados de "alta traicao". Deveria o governo sovietico ajudar a um movimento nacionalista burgues que, se por urn lado enfrentava as potencias imperialistas, por outro assassinava os comunistas e reprimia o movimento campones? Qual deveria ser a politica da IC nesta situagao? Desde o primeiro momento, e ern termos contundentes e brutais, a revolucao turca colocava urn dos problemas cruciais da luta de libertagao nacional: a definigao e a articulacao da politica 221

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de Estado sovietico e da Internacional (a dos comunistas nos paises coloniais) em face dos movimentos nacionalistas burgueses. 0 III Congresso da IC era a grande oportunidade para abordar a fundo esta cornplexa questa°, especialmente quando o desenvolvimento dos acontecimentos na Persia, na China, na Indonesia, etc., podia criar a qualquer instante situagOes andlogas. E verdade que o II Congresso ja examinara alguns aspectos do problema (que sera° referidos adiante), mas o fizera em termos genericos, sem dispor ainda de uma experiencia tao ilustrativa quanto a turca. Por que a discussao nao prosseguiu no III Congresso? Por que toda a sua atengao se concentrou no refluxo da revolugao europeia e menosprezou o auge do movimento antiimperialista na Asia? E possivel explicar isto — e foi esta, aparentemente, a interpretagao dos delegados dos paises asiaticos — a partir da persistencia da etica eurocentrica, malgrado os debates do II Congresso. Mas, embora este elemento contasse, ha dois fatos que permitem supor a intervengao do elemento "politica exterior sovietica". Primeiro fato: o pacto corn os kemalistas foi concluido depois do assassinato dos comunistas turcos. Isto sublinha ate que ponto os dirigentes sovieticos estavam interessados numa alianga para preservar as suas fronteiras meridionais, o petrOleo do Caucaso e a navegagao no Mar Negro. Submeter o problema a discussao no III Congresso da IC era correr o risco de uma ruptura corn Kemal. Dado significativo: o congresso adota uma resolugao especial do protesto pela repressao contra os comunistas alemaes, em conseqiiencia da "agao de marco", mas silencia sobre a matanga dos comunistas turcos. 0 segundo fato a ainda mais revelador. Nos mesmos dias ern que subscreve o pacto corn Kemal, o governo sovietico concluira um tratado comercial com a Inglaterra, pelo qual os dois Estados se comprometiam a refrear toda propaganda mutuamente hostil e, particularmente, a Rdssia sovietica declarava que , se absteria de qualquer propaganda que pudesse incitar os povos da Asia a uma agao contraria aos interesses britanicos. 181 Se, tres meses depois, o III Congresso da IC, cujos trabalhos transcorriam sob a direcao de Lenin, se dedicasse a examinar seriamente o modo de impulsionar a luta contra o imperialismo britanico, Londres poderia considerar o ato como urn rompimento do cornpromisso assumido. Para a burguesia inglesa, assim como para os comunistas do mundo inteiro, Lenin nao era apenas o chefe oficial de Estado sovietico — era o chefe real da Internacional Cornunista. E se pode esquecer que 1921 foi o ano critico da revolugao russa, quando se inaugura a NEP e se depositam nao poucas esperangas no ingresso de capitais estrangeiros. Podiam os dirigentes sovieticos pOr em perigo o primeiro passo importante que davam no sentido de urn modus vivendi com o capitalismo ocidental? Em dezembro de 1922, quando se reline o IV Congresso, as referidas esperangas, em grande parte, ja se 222

haviam dissipado. A conferencia de Genova nao dera os resultados previstos, mas, ern troca, ja vigia o tratado de Rapallo. A Uniao Sovietica podia avaliar corn mais tranqiiilidade a "frente ocidental". E, por outro lado, a Inglaterra nao renunciara a seu proverbial anti-sovietismo, opondo-se a participagdo da URSS na conferencia de Lausanne, que tratava do problema turco. Nao existiam, portanto, as mesmas rathes diplomaticas que, um ano e meio antes, impediram que a IC abordasse o problema colonial. E, de fato, este voltou a ser enfocado corn alguma amplitude no IV Congresso. Mas o problema turco continuou sendo tratado de maneira a que nao provocasse dificuldades com Kemal. Se ja nos tempos de Lenin as consideragOes da politica exterior sovietica condicionaram, no grau que acabamos de ver, a acao da IC no mundo colonial, e desnecessario dizer que a ponderagao deste fator foi aumentando durante o periodo staliniano — mais adiante nos ocuparemos disto. Antes, é preciso mencionar o efeito que, desde o primeiro momento, resultou de outro fator: a politica dos dirigentes sovieticos em face do problema nacional e colonial herdado do czarismo. Quanto a este, a posigao de principio de Lenin a bem conhecida e vigorosamente reafirmada entre fevereiro e outubro de 1917, assim como imediatamente depois da tomada do poder; o direito das nacionalidades nao russas e das colOnias czaristas a decidir livremente sobre sua existencia nacional, a "autodeterminar-se" (incluido o direito de se separar da Russia sovietica), e um dos pontos capitais do programa bolchevique.' 82 Este ponto conquistara para o partido valiosos apoios entre os povos oprirnidos pelo czarismo, defraudados pelo centralismo e pelo colonialism° de Kerensky e companhia, facilitando em alguma medida a tomada do poder pelos bolcheviques. Mas bem cedo voltar-se-d contra estes. Numa tie de nacionalidades, corn efeito, o "direito de autodeterminagao" converte-se na bandeira de grupos politicos da burguesia liberal, de mencheviques e social-revolucionarios e de nacionalistas mugulmanos reacionarios, que o exploram pan ganhar o apoio das massas em face do poder central russo, agora encarnado pelos bolcheviques. Tambem a contra-revolugao branca e a intervengao das potencias imperialistas, no curso da guerra civil, tratarao de explorar o "direito de autodeterminagao". 0 problema é decidido pelas armas. Quando a resolvido a favor dos bolcheviques, e-o ou porque o Exercito Vermelho tem o respaldo da maioria operario-camponesa (como ocorreu nos territ6rios de populagao majoritariamente russa e provavelmente na Ucrania, na Bielo-Russia e algumas outras regieles, onde as organizagOes bolcheviques autoctones eram fortes) ou porque, mesmo sem o apoio da maioria da populagao, o Exercito Vermelho instaura o poder sovietico-bolchevique (foi o caso da GeOrgia e de outras areas). Esta pratica, que comegava a distanciar-se cada vez mais das posigOes programaticas iniciais, levou a que alguns dos principais dirigentes do par223

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tido — Stalin, Bukharin e outros — preconizassem que se retirasse do programa partiddrio o reconhecimento do direito de autodeterminacão nacional, substituindo-o pelo "direito a autodeterminacdo das massas trabalhadoras". A isto, Lenin opOe-se categoricamente. A "autodeterminagào" dos trabalhadores de uma nagdo oprimida, argumenta ele, so pode resultar da sua diferenciagdo em face da burguesia nacional e da sua luta contra esta. Se o proletariado da nagAo que foi opressora — neste caso, o proletariado russo — ado reconhece plenamente o "direito de autodeterminagão" da nagäo oprimida, ao inves de facility-la, obstaculiza aquela diferenciagão. Lenin recorre ao exemplo da Finlandia: o governo sovietico procedeu com corregdo reconhecendo o seu direito de autodeterminagdo, mesmo exercido para separar-se da ROssia sovietica, porque "a burguesia finlandesa enganava o povo, enganava as massas trabalhadoras, apregoando que os `moscovitas', chauvinistas russos, queriam submeter os finlandeses". 0 mesmo procedimento, diz Lenin, deve ser adotado em outros casos. Ele admite a possibilidade de que a Ucränia e outras nacionalidades nao russas possam constituir-se em Estados plenamente independentes. Esta discussào ocorre em marco de 1919, no VIII Congresso do partido. 183 0 "direito de auto-determinagdo" das nagOes continuara inscrito no programa do partido, mas a sua aplicagdo "a finlandesa" sera a Ultima. Em 1921, a Georgia é ocupada pelo Exercito Vermelho, embora ali exista um governo menchevique eleito por sufragio universal, com o qual Moscou firmara um tratado reconhecendo a sua independencia e comprometendo-se a nao ingerir em seus assuntos interns. Mas no meio estava o petrOleo do Cancase, uma questa° vital para o Estado sovietico, tanto econOmica quanto militarmente (cfr. nota 42 dente capitulo). Ao mesmo tempo, nas regi6es e reptiblicas muculmanas, as quais se concedera certa autonomia na reptiblica federativa russa, o "direito de autodeterminacdo" nao tem sorte melhor. Desde 1920, Stalin, na Bawd° de comissario do povo para as nacionalidades, desencadeia uma repressào sistematica nao s6 contra o nacionalismo mugulmano reacionario, mas tambem contra os comunistas autOctones, que veem, dia a dia, reduzir-se a adesdo das massas ao poder sovietico e que procuram assents-la sobre bases nacionais. No verso de 1922, Stalin toma a iniciativa de constituir rapidamente a "uniao de reptiblicas socialistas sovieticas" — na pratica, isto equivalia a liquidar o pouco de independencia e autonomia efetivas que as nacionalidades nao russas conservavam. 0 direito de auto-determinagdo, incluida a separagAo, permanecia entre os principios da "uniao", mas o mecanismo estatal que se erguia anulava toda possibilidade real de exerce-lo. Como compatibilizar a insistencia de Lenin em manter a sua tradicional posigdo de principio na questdo nacional com uma pratica que a negava sistematicamente? Em nosso juizo, dos escritos, intervencees

orals e atitudes de Lenin neste periodo se deduz que, para ele, a referida pratica foi imposta por cdgencias incontornaveis da guerra revolucioniria contra os brancos e seus aliados estrangeiros mas que, de modo algum, ela deveria ser institucionalizada e teorizada para converterse em orientagao basica do partido. Na segunda metade de 1922 — ja impossibilitado, pela doenca, de intervir diretamente nos negOcios do Estado —, as informacoes que recebe da periferia e o projeto de criacao da "uniao" aumentam os seus temores de que o chauvinismo "grao-russo" possa impregnar as estruturas e metodos do Estado e do partido. No mesmo dia (30 de dezembro de 1922) em que o congresso dos sovietes aprova o projeto de Stalin, Lenin escreve uma "nota" dirigida a cUpula do partido, que comega com esta significativa autocritica: "Parece-me que incorri em grave erro, ante os operarios da Rtissia, por nao haver intervido com as suficientes energia e dureza no decantado problema da autonomizacao, que, creio, oficialmente se denomina problema da uniao das reptiblicas socialistas sovi6ticas". Inclina-se ante o fato consumado, mas pee em thivida a conveniencia da nova estrutura estatal e observa que possivelmente sera necessario revisd-la no proximo congresso dos sovietes, "mantendo a uniao das repUblicas socialistas sovi6ticas somente nos aspectos militar e diplomatic°, restabelecendo em tudo o mais a autonomia completa dos distintos Comissariados do povo". A nota 6 uma violenta peroracao contra o chauvinismo russo, com acusacees diretas a Stalin. Diz Lenin:" 'A liberdade de separar-se da uniao', com que nos justificamos, 6 uma fOrmula burocratica, incapaz de defender os povos alOgenos da Rtissia da invasao do `russo genuino', do grao-russo chauvinista". Inquieta-o profundamente a repercussao que esta situacao possa ter junto aos povos oprimidos pelo imperialismo e na acdo da Internacional Comunista: "0 prejuizo que o nosso Estado pode softer pela ausencia de aparelhos nacionais unificados ao aparelho russo 6 incalculavelmente, infinitamente menor que o prejuizo que representa para nos e para toda a Internacional, para as centenas de millthes de homens na Asia, que devem chegar ao primeiro piano da histeria em breve, logo depois de nos" (entenda-se: o prejuizo que representa a unificagito dos mencionados "aparelhos" em condicees opressivas para as nacionalidades nao russas). E Lenin aduz: "Seria um imperdoivel oportunismo se nos, as yesperas desta agao do Oriente e do seu despertar, afetãssemos nosso prestigio ante seus olhos, ainda que atrat da menor violencia e injustica para com as nossas pr6prias nacionalidades nao russas com atitudes imperialistas em face das nacionalidades oprimidas 1...1".184 Conectada a esta preocupagao, estava o particularmente grave problema dos povos mugulmanos da Asia central, do Caucaso e da Crimeia. Populagdo camponesa em sua maioria, representava um percentual substancial do conjunto demografico inserido no espaco sovietico

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(quase 25 milhOes, de urn total de 145). Setts paises constituiam as principais colOnias, ern sentido estrito, do imperio czarista. Desde a revolucao de 1905, entre eles se desenvolvera urn movimento de libertacao nacional vinculado aos dos paises do Oriente Pr(Vim°, colonizados pela Inglaterra e pela Franca. Imediatamente ape's a tomada do poder, os bolcheviques, numa mensagem subscrita por Lenin e Stalin, comunicaram aos muculmanos do ex-imperio czarista: "A partir de agora, as suas crengas e costumes, as suas instituigOes nacionais e culturais são proclamadas livres e invioldveis. Organizem sua vida nacional, livremente, sem entraves. Este e urn direito". 185 Mas os "entraves" logo se manifestaram. A colonizacao czarista tomara nestas regiOes — particularmente no Magnesia°, com uma populagao mugulmana de 4 milhOes de pessoas uma forma "argelina": radicagao de colonos russos, camponeses e alguns operdrios, que adquiriram•como era inevithel, uma mentalidade colonialista. Uma vez afirmado o poder bolchevique na sia central, esta minoria russa das regiOes muculmanas se fez imediatamente "sovietica" e nela se recrutaram tambern nao poucos dos "bolcheviques" que deviam assumir fungOes dirigentes nas novas instituigees. Os comunistas autOctones, vindos da ala esquerda do movimento de libertacao nacional desenvolvido desde 1905, comecaram a enfrentarse corn este novo colonialismo. Em 1920, Lenin enviou para Id urn de seus colaboradores mais diretos, Safarov, para estudar in loco o problema. "Era inevitävel — escreveu Safarov, anos mais tarde — que, no Magnesia°, a revolugao russa fosse colonialista. A classe operdria do pais, rmmericamente pequena, sem lideres, sem programa, sem partido e sem indica° revoluciondria, nao podia levantar-se contra a exploragao colonialista. Sob o colonialismo czarista, pertencer ao proletariado industrial era urn privilegio dos russos. Por causa disto, a ditadura do proletariado tomou aqui urn caster tipicamente colonialista". 186 Os comunistas autOctones, fundamentalmente intelectuais, apoiados pelos micleos camponeses mais revoluciondrios, tentaram encontrar uma soInca° para o problema com a constituigao de uma repUblica sovietica, verdadeiramente independents, que agrupasse as populagOes mugulmanas e na qual a ideologia revoluciondria tivesse ern conta o substrato cultural nacional. Julgavam que era possivel respaldar-se na ala antiimperialista do movimento pan-islamico e que uma reptiblica sovietica corn estas caracteristicas poderia contribuir poderosamente para estimular e orientar a luta de emancipagao nacional e social dos 250 milhOes de muculmanos da Asia e da Africa. Contra esta tendencia concentrou-se o que Lenin, na sua nota ja citada, chama de "sanha" de Stalin contra o "social-nacionalismo". As organizagOes do partido e os sovietes das regiOes afetadas foram drasticamente expurgados, os quadros nacionais substituidos por "proletdrios" firmes (vale dizer: principalmente russos) e a cultura nacional submetida a rigorosa vigilancia.187

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Era inevitavel que esta politica, como Lenin o temia, tivesse consegtiencias nefastas para a acao da IC nos. paises do Oriente muculmano. Urn primeiro obstdculo importante para esta acao foi a condenacao ern bloco do pan-islamismo, contida nas teses aprovadas pelo II Congresso da IC. Provavelmente esta condenacao nao resultava apenas do problema intern que o islarnismo colocava ao Estado sovietico, mas expressava tambem a 6tica cultural eurocentrica dorninante entre os marxistas ocidentais e no pr6prio Lenin — autor das teses que obstaculizava a sua compreensão e aproveitamento das possibilidades revolucionarias inseridas nos movimentos antiimperialistas conectados as culturas tradicionais. No IV Congresso da IC, Tan Malaka, representante do Partido Comunista das Indias Holandesas (a Indonesia atual), criticou duramente a condenagao indiscriminada do pan-islamismo, explicando o significado revoluciondrio antiimperialista de urn consideravel segmento deste movimento e mostrado como a posicao adotada pela Internacional fora habilmente utilizada no seu pais pelos nacionalistas burgueses para isolar os comunistas das massas camponesas188 (este isolamento nao foi a Unica, mas constituiu uma das causas importantes da liquidacao do Partido Comunista da Indonesia, em finis de 1926, pelas autoridades holandesas). Nao é casual que o fracasso mais rotundo da IC na "frente colonial" tenha se produzido entre os paises muculmanos do Oriente Pr6ximo, mais ligados as minorias mugulmanas incluidas no Estado sovietico. Os nacionalistas burgueses que lideravam o movimento de libertagao nacional na Thrquia, na Persia, na Stria, no Egito e em outros paises da regiao podiam explorar muito eficazmente a contradicao entre as posigOes programaticas da Internacional e o fato de os muculmanos, libertados pela revolugao de Outubro do colonialismo czarista, nao conseguirem criar o seu Estado nacional. Os comunistas eram apresentados pela propaganda nacionalista como agentes de um Estado que oprimia uma parte da comunidade islamica. E muito sintomdtico que ate depois da segunda guerra mundial e, em muitos casos, ate a atualidade, os partidos comunistas do Oriente Prifaimo e do norte da Africa nao tenham ultrapassado o estado embriondrio. Tentemos resumir esta parte do nosso argumento. Vimos que o II Congresso da IC avaliou positivamente o papel que o movimento de libertacao colonial estava chamado a desempenhar no processo da volugao socialista mundial. Esta avaliagao nao se modificard formalmente ao longo da existencia da Internacional — sempre fard part; corn ligeiras alteragOes, das suas teses e resolucOes. Ern seguida, examinamos tres fatores que contribuiram, desde o primeiro momento, para reduzir aquela avaliagao, para diminuir ou deformar a sua expressao concreta na atividade te6rica e politica da IC: a etica eurocentrica dos comunistas ocidentais (incluidos os russos); a subordinacao da politica

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da IC na frente colonial as exigencias da politica externa do Estado sovietico e a redugdo da "formula burocratica" do "direito de autodeterminagdo national, inclusive a separagdo", no Estado soviatico. A medida em que avangar a lideranga staliniana, o segundo fator tern urn efeito mais determinante, mas corn into se ampliard tambem o efeito dos outros dois. A epoca da frente popular, o enfoque eurocentric° do problema colonial alcangard o seu maxim° desenvolvimento na IC, justamente porque se adequard admiravelmente as exigencias da politica exterior soviêtica neste periodo. Quanto ao terceiro fator, ndo se limitou a influir como exemplo negativo, afetando a irradiacdo da revolugdo de Outubro — e, portanto, da IC — entre os movimentos de emancipagdo colonial. Stalin e seus colaboradores eram igualmente os chefes efetivos da IC, e a mentalidade "grd-russa" corn que abordavam os problemas das nacionalidades ndo russas da URSS — particularmente das mais atrasadas — teria de refletir-se tambem no seu modo de abordar a questdo colonial fora das fronteiras sovieticas. Esta mentalidade, forgosamente, predispunha-os a ver nos paises coloniais, ern seus movimentos de emancipagdo e nos seus debeis nticleos comunistas, que lutavam para se afirmar entre eles, sujeitos subalternos da criagdo histOrica. Ademais, a concepcdo estrategica global, segundo a qual o papel dirigente da revoluedo mundial cabia ao proletariado do Ocidente, com a hegemonia do proletariado russo e a diregdo deste pelo partido bolchevique — tal concepedo facilitava as astticias da mentalidade "grdrussa" revestirem-se de respeitdveis justificagees doutrindrias. De qualquer forma, ficou cada vez mais evident; como iremos comprovando, que, na hierarquia staliniana das "subordinagOes", o movimento emancipador das colOnias e semicolenias ocupava o Ultimo lugar. b) Polftica da IC na frente colonial 0 problema mais importante que desde o primeiro moment° se coloca a IC, quando a organizacdo se disptie a intervir nas lutas dos povos coloniais em prol da sua emancipacdo, a que esta luta jd tern uma estrutura, uma orientagdo e uma diregdo nos principals paises oprimidos. Neles, "os pioneiros dos movimentos revoluciondrios coloniais — dirdo as teses do IV Congresso da IC — foram a burguesia e os intelectuais nativos". Alêm do mais, ester intelectuais "assumem, desde o principio, urn papel dirigente na agar) e na organizaedo sindical embrionaria da classe operdria", a fim de mobilizd-la para a luta contra o imperialismo. A revolugdo de Outubro, mostrando na prAtica a possibilidade de veneer as potencias ocidentais num pals atrasado, semi-asidtico, teve urn profundo impacto ern todos os movimentos de libertagdo dos povos oprimidos; os prOprios nacionalistas burgueses viram no novo Estado urn possivel aliado contra o imperialismo. Mas, por outro lado, 228

dizem as mesmas teses, "os representantes do nacionalismo burgues exploram a autoridade politica e moral da Russia dos sovietes e, adaptando-se ao instinto de classe dos operdrios, revestem as suas aspiragOes democratico-burgueses corn urn verniz `socialistal e tomunista', intentando desviar de seus deveres classistas os primeiros Orgdos embriondrios do proletariado".189 Qual a posigdo a adotar em face desses movimentos nacionalistas, simultaneamente burgueses e antiimperialistas, que viam na Rüssia soviatica urn possivel aliado e, ao mesmo tempo, se cobriam corn europóis da revolugdo de Outubro para melhor exercer a sua influencia burguesa sobre as massas camponesas e os meios operdrios? Este era o problema que se apresentava ao Estado sovi gtico e a IC na "frente colonial". E se apresentava a varios niveis: relacdo da Rtissia sovietica, como Estado, com tail movimentos enquanto representantes da nava° oprimida; relagdo da IC, como representante do proletariado revoltsciondrio do Ocidente capitalista, corn os mesmos movimentos e tamloëna da mesma IC com eles, mas na condigdo de organizacdo comunista colonial, antagonista dos movimentos existentes ern termos de classe. No II Congresso da IC se aborda esta questa° tdtica — poder-seia dizer estratêgica, uma vez que se trata de fixar uma orientacdo politica de largo alcance — sobre a base de dois projetos de teses que refletern enfoques distintos e conclusees divergentes — um de Lenin e outro de Roy:9° Lenin tematiza o problema dando prioridade aos dois primeiros niveis que acabamos de indicar. Roy se aproxima dele enfatizando o terceiro. Lenin considera que o essential a aproveitar a possibilidade objetiva de a RUssia soviética polarizar as nagOes oprimidas que se confrontam corn o imperialismo enquanto nacbes, corn a IC, como representante do proletariado revoluciondrio ocidental, articulando "uma alianca tempordria corn a democracia burguesa dos paises coloniais e atrasados". Roy afirma que, nestes paises, "existem dois movimentos que a cada dia se separam mais; o primeiro é o movimento nacionalista burgues-democrdtico, corn urn programa de independencia politica sob uma ordem burguesa; o outro é a agdo das massas camponesas e operdrias, ignorantes e pobres, por sua emancipagdo ern face de qualquer espócie de exploragdo. 0 primeiro movimento tenta controlar o segundo e, freqiientemente e ern certa medida, o consegue. Mas a Internacional Comunista e seus filiados devem combater este controle e favorecer o desenvolvimento da consciencia de classe independente nas massas trabalhadoras das colOnias". Em seu projeto, Roy ndo menciona a colaboragdo com o movimento nacionalista burgues e afirma que a tarefa "mais importante e mais necessdria" da IC é "a formaedo de partidos comunistas que organizem os operdrios e os camponeses para conduzi-los a revolugdo e a instauracdo de reptiblicas sovièticas". Ele admite que a revolugdo nas colOnias, em suas primeiras etapas, ndo 229



podera ser comunista e que, no seu curso, devera realizar "urn programa que comporte born ntimero de reformas pequeno-burguesas, como a divisao das terras, etc!' "Mas dal nao se deduz, em absoluto — agrega que a diregao da revolugao deva ser abandonada aos democratas burgueses". Nas teses de Lenin esta subjacente (embora nao se o diga explicitamente) que, pelo menos durante uma larga etapa, a diregao da revolugao colonial estard localmente em maos da burguesia nacional, ainda que, em escala mundial, o proletariado dos palses capitalistas avangados e o Estado sovidtico sejam os dirigentes da luta antiimperialista. Nas teses de Roy tambem se reconhece, em escala internacional, que cabe ao proletariado do Ocidente esta diregao, mas corn o apoio, sem a mediagdo do movimento nacionalista burgues, das massas exploradas das colOnias. Nas teses de Lenin se afirma "a necessidade de apoiar especialmente o movimento tampons, nos paises atrasados, contra os latifundiarios, contra a grande propriedade territorial, contra toda sorte de manifestagOes ou vestigios feudais e de se esforgar para conferir ao movimento campones o carater mais revolucionario, realizando uma alianga estreitissima entre o proletariado comunista da Europa ocidental e o movimento revolucionirio tampons no Oriente, nos paises coloniais e nos 'Daises atrasados em geral". Mas isto, do ponto de vista lenineano, nag) 6 urn obstaculo a alianga com o movimento nacionalista burgues, porque, para Lenin, os camponeses sao o componente essencial da "democracia burguesa" — o que conta 6 imprimir a esta democracia uma orientagao radical. Toda a concepgao estrategica de Lenin se ap6ia, basicamente, em dois pressupostos. Primeiro: a contradiea° entre os objetivos fundamentais do movimento nacional democritico-burgues (independencia nacional e desenvolvimento econennico capitalista pre/ono) e os interesses imperialistas 6 suficientemente profunda para que, apesar das vacilagees da burguesia nacional, a alianga entre o seu movimento, por urn lado, e a Russia sovietica mais o proletariado do capitalismo avangado, por outro, tenha urn fundamento objetivo de relativa solidez. Segundo: dada a sua extrema debilidade numerica, econemica e ideolagica, a classe operaria das colOnias nab podera, durante urn longo periodo, exercer fungOes hegememicas no movimento de libertagao nacional. A este respeito 6 bem significativa a seguinte passagem do seu discurso no II Congresso da IC, a propOsito do problema colonial: "E indubitavel que todo movimento nacional s6 pode ser democratico-burgues, pois a massa fundamental da populagao nos paises atrasados compOe-se de camponeses. Seria utOpico pensar que os partidos proletarios, se d que geralmente possum surgir nestes pulses atrasados, tern condigOes de aplicar uma tatica e uma politica comunistas sem manter relagOes determinadas corn o movimento tampons e sem apoia-lo praticamente". A principal intengao desta determinagao 6 fundamentar a necessidade, para os partidos proletarios 230

das colOnias, de "manter relagOes" e de "apoiar" — o fato de Lenin nao falar de "dirigir" nao constitui, evidentemente, urn lapsus — o movimento tampons portador das relagOes burguesas-capitalistas ou, o que cid no mesmo, de "apoiar" o movimento nacional democraticoburgues. Mas, simultaneamente, Lenin pee ern dtivida a prOpria possibilidade do surgimento de tais partidos. E isto a lOgico, dadas as caracteristicas que, segundo a concepgao bolchevique, urn partido deve possuir para ser considerado como "proletario". No esquema de Roy, esta dificuldade a eludida. Se, por urn lado, ele preconiza como necessärio e passive' que a vanguarda comunista tome em suas mdos a diregdo da revolugao colonial desde a sua primeira fase, por outro reconhece, nas mesmas teses, que o proletariado industrial mal existe nas colonias e que a massa de proletarios agricolas, de operarios das poucas indt)strias ligeiras ou extrativas, etc., encontra-se imersa, em conseqdência da politica colonialista, na ignordncia. "0 resultado desta politica — dizem as teses de Roy — e que, nos palses onde se manifesta o espirito revoluciong rio, este se expressa na classe media cultivada". Roy resolve esta dificuldade recorrendo a direedo do proletariado dos paises capitalistas avancados — com o que o seu esquema Asio-centrico da revalued° revela-se muito inconsistente: ao proletariado do Ocidente, supostamente incapaz de fazer a revalued() socialista na sua prOpria casa, por que a mais-valia extraida das colonias permite aos capitalistas inculcat'he um espirito conformista, a este mesmo proletariado Roy atribui a missdo de educar, organizar e mobilizar para a luta revolucionAria as massas exploradas das coldnias. Lenin toma as coisas como etas se apresentam no moment° e como supostamente continuardo a se apresentar cnquanto — vistas sob o prisma da teoria lenineana da revalued° nao existir nas coldnias a base social que propicie a criaedo de um partido proletkio de tipo bolchevique suficientemente sand°. 0 esquema Asia-centric° de Roy expressa subjetivamente o potential revolucionario do Oriente, mas sem mostrar as vias e os instrumentos do seu desenvolvimento. Corridos dez anos do II Congresso da IC, alguns comunistas chineses comeeardo a descobri-los, instruidos por uma rica e dura experiencia. Mas é interessante registrar que Lenin, mesmo conservando em suas teses a cancelled° do "partido proletArio" ao estilo ocidental (e, por isto, vendo como problemkica a sua criaedo nas colonias — donde se infere a inevitabilidade de que, durante uma larga etapa, o movimento de libertaedo esteja sob a Ogide da burguesia nacional), simultaneamente comega a se indagar sobre a validez desta concepgao nos palses coloniais. Em rapidas notas, redigidas durante o II Congresso e que permaneceram ineditas ate sua recente publicaedo na quinta edigao russa das suas obras, Lenin reflete sobre a necessidade de "adaptar o partido comunista (sua composigao, tarefas particulares) ao nivel dos palses camponeses do Oriente colonial". 19I A suges231

a tao nao teve conseqiiencias. 0 primeiro a the fazer eco, mas sem o saber, foi o Partido Comunista chines. A discussdo, no II Congresso, das teses de Lenin e Roy teve como resultado a emenda de ambas num sentido em que as divergencias se atenuavam. Lenin aceitou que, onde preconizava o apoio ao "movimento democratico-burgues" das colemias, se dissesse apoio ao "movimento nacional-revolucionario". Todo movimento de libertagdo colonial — explicaria Lenin ao congresso — tem forgosamente um carter "democratico-burgues", ja que a esmagadora maioria da populagdo camponesa, mas pode ser reformista ou revolucionario. 0 sentido da substituigdo efetuada nas teses — esclarece Lenin — "consiste em que os comunistas devemos apoiar e apoiaremos os movimentos burgueses de libertagdo nas colOnias unicamente quando des forem revolucionarios, quando seus representantes lido nos impegam de educar e organizar no espirito revolucionario os camponeses e as grandes massas de explorados. Se nao existem estas condigOes, os comunistas devem lutar, nesses palses, contra a burguesia reformista [...]". 192 Os anos e os acontecimentos se encarregariam de mostrar quad dificil era encontrar este trevo de quatro folhas — urn movimento burgues de libertagdo disposto a permitir que bs comunistas educassem e organizassem revolucionariamente as classes exploradas. Mas, por outra parte, a experiencia turca logo revelou que os dirigentes sovidicos nao tomavam esta questdo ao tie da letra. Outra condigdo posta pelas teses — nao aos movimentos burgueses de libertagdo, mas a prOpria IC e aos partidos comunistas — consistia em que a alianga corn os movimentos nacionais-revolucionarios se efetivasse "sem jamais implicar a fuslo com eles, conservando-se sempre o carater independente do movimento proletario, inclusive em sua forma embrionaria", propunha-se tambem que os comunistas "deveriam combater energicamente as tentativas feitas pelos movimentos emancipadores de se apresentarem sob verniz comunistas, nao sendo, realmente, nem comunistas nem revolucionirios" (o que lido se coaduna muito bem corn o qualificativo "nacional-revolucionarios" que, por outro lado, as teses Ihes conferem). O II Congresso aprovou uma importante proposigdo te6rica, levantada por Roy, que Lenin assumiu, apresentando-a nos seguintes termos: "A Internacional Comunista deve formular e fundamentar teoricamente a tese segundo a qual, corn a ajuda do proletariado dos paises avangados, os palses atrasados podem passar ao regime sovietico e, atrayes de determinadas fases de desenvolvimento, ao comunismo, saltando a fase capitalista". Marx ja formulara hipertese analoga, referindose a Rtissia. 193 Apoiando-se nas primeiras experiencias proporcionadas pela sovietizagdo das reeks mais atrasadas do ex-imperio czarista, Unin chegava a seguinte conclusdo: "A icleia da organizagdo sovietica 6 232

simples e pode ser aplicada nao s6 no quadro das relagdes proletirias, mas tambern no das relagfies camponesas feudais e semifeudais. A este respeito, nossa experiencia ainda nao 6 grand; mas os debates da comissal), nos quail participaram varios representantes das colOnias, mostraram-nos de modo totalmente irrefutavel que nas teses da Internacional Comunista 6 preciso assinalar que os sovietes camponeses, os sovietes de explorados, sdo um meio valid° tanto pars os paises capitalistas quanto pan os paises corn relagOes pre-capitalistas [...]". Este 6 o micleo essencial das orientagOes e diretivas adotadas pelo II Congresso da IC em face do problema colonial. 0 IV Congresso — o Ultimo de que Lenin participa — volta a examinar o problema e, a luz da experiencia acumulada nos dois anos e meio decorridos, aprofunda certos aspectos basicos da revolucdo colonial, particularmente o agrario. Este aprofundamento e o comportamento pratico da burguesia nacional em uma serie de paises asiaticos, a sua tendencia a conciliagão corn o imperialismo, levam o Congresso a acentuar nitidamente as posturas criticas em face do movimento nacionalista burgues. Na maioria dos palses do Oriente, dizem as teses aprovadas pelo congresso, "a questa() agraria adquire uma importancia de primeira ordem na luta pela emancipagio do despotismo metropolitano Somente uma revolugdo agritria que tenha por objetivo a expropriagio da grande propriedade feudal 6 capaz de mobilizar as massas e ganhar uma influencia decisiva na luta contra o imperialismo [...]. 0 movimento revolucionario nos paises atrasados do Oriente se) pode ter exit° se se embasar na agdo das massas camponesas". E as teses assinalam urn fato de grande importancia pars a compreensdo da atitude da burguesia nacional: "Os nacionalistas burgueses temem as reivindicagOes agrarias e as reduzem na medida das suas possibilidades (fndia, Persia, Egito, etc), o que prova a estreita ligagdo existente entre a burguesia nativa e a grande propriedade feudal ou feudal-burguesa; o que prova, ainda, que politica e ideologicamente os nacionalistas dependem da propriedade agniria"(o "esquecimento" desta determinagdo sera, como veremos, uma das causas do naufragio da politica da IC na revoluglo chinesa). Esta caracteristica interna da revolugdo colonial, unida ao fato de que a sua realizagdo atenta contra as bases mesmas do imperialismo, de que "sua vitOria decisiva 6 incompativel com a dominagdo do imperialismo mundial" — como dizem as teses conduz o congresso a seguinte conclusdo, de grande alcance: As tarefas objetivas da revolugdo colonial ultrapassam os marcos da democracia burguesa". E into, por seu turno, fundamenta outra conclusdo: As classes dirigentes dos paises coloniais e semicoloniais nä° tern nem capacidade nem vontade pare dirigir a luta contra o imperialismo na medida em que esta se transforma num movimento revolucionario de massas". Partindo destas premissas, o IV Congresso coloca corn muito mais vigor e insistenda que 233

f=1

1=1

o II a necessidade de que o "jovem proletariado das colOnias" lute por conquistar uma posicao autOnoma dentro da "frente Unica antiimperialista" e se proponha o projeto de chegar a ser uma forca hegem'O'nica (a formula "frente Unica antiimperialista" a outra maneira de denominar a alianga corn o movimento nacional-revolucionario, preconizada pelo II Congresso; mas como o IV transcorre nos tempos da "frente Unica proletaria" no Ocidente, o vocabulario colonial da IC nab poderia deixar de pagar seu tributozinho ao estilo europeu). A tatica que os partidos comunistas das colOnias e semicolOnias devem aplicar 6 assim resumida nas teses: "A negativa dos comunistas das colOnias em participar da luta contra a opressao imperialista, sob o pretexto de 'defesa' exclusiva dos interesses de classe, expressa um oportunismo da pior especie, que s6 pode desacreditar a revolugao proletaria no Oriente. Igualmente nociva 6 a tentativa de colocar-se a margem da luta pelos interesses cotidianos e imediatos da classe operaria em nome de uma `unido nacional' ou de uma `paz social' corn os democratas burgueses. Aos partidos comunistas coloniais e sernicoloniais cabem duas tarefas fundidas numa so: por urn lado, a luta por uma solugao radical dos problemas da revolucao democratico-burguesa, objetivando a conquista da independe'ncia politica; por outro, a organizacao das massas opeSias e camponesas para que possam lutar pelos interesses particulares de sua classe, utilizando-se, para este fim, de todas as contradigOes do regime nacionalista democratico-burgues [...]. A classe operdria das colOnias e semicolOnias deve saber firmemente que apenas a extensao e a intensificacao da luta contra o jugo imperialista das metrOpoles pode conferir-lhe um papel dirigente na revolucao e que apenas a organizacao econOmica e politica, a educaflo politica, da classe operaria e dos elementos semiproletarios podem implementar a amplitude revolucionaria do combate contra o imperialismo". Em outra passagem das teses, sublinha-se a necessidade de o proletariado ganhar o apoio das massas camponesas — s6 assim ele pode converter-se verdadeiramente na vanguarda da revolucao colonia1.194 A inconsistencia principal das teses do IV Congresso, como a das aprovadas no II, residia em que este proletariado a que se atribuiam tarefas tao complexas e hercaleas era, na sociedade colonial, urn grupo sumamente debil, como se reconhecia nas teses do prOprio Roy. Mesmo em paises asiaticos onde se produzira um certo desenvolvimento da inchlstria — China, India, Indias holandesas —, era infimo o percentual de operdrios no conjunto da populagao. Ademais, tratava-se de uma classe operaria de formagao muito recente, sem tradicees revolucionarias nem experiencia politica e corn um nivel cultural extremamente baixo — sua grande maioria era analfabeta. Logo deu provas de combatividade, mas isto nao era suficiente para desempenhar o papel que as resolugOes da IC the conferiam. Por outro lado, nao era raro que esta 234

classe operaria — especialmente as camadas vinculadas as empresas mais modernas — tivesse uma situagao material privilegiada em comparacao com a grande massa pobre da populagao, o que facilitava a penetragao de correntes reformistas e corporativistas nas organizaches sindicais. Se a composicao dos partidos comunistas nas colOnias deveria ser fundamentalmente proletaria, de acordo corn o modelo europeu, dificilmente eles poderiam ter condicOes para cumprir a missao de vanguarda teOrica e politica do movimento nacional revolucionario. Na os partidos comunistas coloniais que se formaram durante os primeiros anos da IC compunham-se de estudantes e intelectuais, junto com pequenos nacleos operirios. E os quadros dirigentes, salvo raras excegOes, eram intelectuais. Mas a IC considerava que este predominio intelectual constitula a debilidade principal dos partidos comunistas coloniais a sua maior preocupagdo era "proletarizd-los". 0 que nao entrava no horizonte da IC era a possibilidade de a revolucao colonial ser levada a cabo sob a direcao de urn partido essencialmente campones, quanto a massa de rnilitantes, e essencialmente intelectual, quanta a composicao de seus quadros malores. A Unica nitidez existente nas sucessivas teses coloniais da IC 6 a falta de clareza quanto a resolugao dente problema; no geral, ele 6 eludido. Afora esta questa° crucial, as teses do IV Congresso refletem um certo esforgo de aprofundamento, que expressa a experiencia e os conhecimentos acumulados nos dois anos e meio decorridos desde o II Congresso. Mas nao escapam a uma das caracteristicas principais da visao elaborada neste ultimo: permanecem num piano excessivamente abstrato, corn fOrmulas que recobrem realidades muito complexas e diversas. Na sua interveng'ao, Roy alude a este problema: "Pensamos que pelo simples fato de que todos [os paises do Oriente] eram politicos, econOmica e socialmente atrasados, era legitimo coloca-los no mesmo saco e trata-los como se trata de uma questa° geral. Foi um erro. Hoje, sabemos que os paises orientais nao podem ser considerados — nem politica, nem econemica, nem socialmente — como um todo homogeneo. Conseqaentemente, esta questa° do Oriente e, para a Internacional Comunista, supondo-se que se queira leva-la a seri°, muito mais complexa que a luta no Ocidente". 195 No entanto, a indiferenciagao permanece dominando as teses do IV Congresso. Apesar da existencia de experiencias imediatas tao importantes como as revolucees turca e persa, os movimentos da India e do Egito, o congresso nao faz uma analise fundamental de nenhuma delas; como os demais congressos da IC, concentra a sua atengdo no Ocidente. E se, ai, o sistema de urn partido mundial ultracentralizado se choca com a diversidade nacional, esta contradicao se manifestara de modo ainda muito mais agudo na direcao te6rica e pratica da luta revolucionaria das colOnias. 0 V Congresso, celebrado no verso de 1924, logo depois da mor235

to de Lenin, centra-se ainda mais nos problemas europeus, provocando, como em outros congressos, as criticas dos delegados das colOnias. 0 informe de Manuilski sobre "a questao nacional e colonial" se dedicard fundamentalmente aos casos de opressao nacional europeus derivados da primeira guerra mundial e boa parte dele a consagrado a exaltar a solucao do problema nacional e colonial na URSS. "Urn notavel artigo da nossa Constituicao — diz Manuilski — permite a cada nacionalidade vinculada a URSS sair da federacao quando bem quiser. Este direito nao b limitado por nenhuma formalidade; realiza-se por um ato unilateral do membro federado". 196 Aos delegados estrangeiros 6 ocultado diligentemente a critica feita por Lenin em dezembro de 1922, a sua preocupacao de que este "notAvel artigo" Jac) seja mais que uma "formula burocrAtica"; oculta-se-Ihes que se o direito a separagao, realmente, nao e limitado por nenhuma formalidade 6 porque esta sujeito a uma limitacao absoluta, nada formal — a impossibilidade matica de exerce-lo. Em lugar de uma andlise franca da experiencia sovietica neste terreno, que teria sido muito instrutiva para os comunistas estrangeiros, Manuilski se entrega a uma apologia mistificadora. A principal inovagao que o V Congresso introduz na orientagao adotada pelo anterior consiste na atenuacao considerAvel da posicao critica que o IV recomendava aos partidos comunistas coloniais em relacao a colaboragdo corn a burguesia nacional. 0 V Congresso enfatiza esta colaboracao. As posigees de Roy sao severamente criticadas. Ingressa-se no periodo em que a politica externa sovietica tern como eixo a alianga tacita corn a Alemanha, considerando como inimigo principal o imperialismo anglo-frances. De acordo corn Stalin, hd um grave risco de guerra, dirigido contra a URSS, com a Inglaterra manipulando os fios de um novo complO anti-sovietico. Em face deste perigo, Stalin busca aliados na prOpria "retaguarda" do inimigo. A oeste, cre encontrdlos nos chefes das Thade-Unions que, diante da radicalizacao do movimento operdrio ingles neste periodo, tem interesse em exibir relageies cordiais corn os chefes sindicais sovieticos; a leste, os imicos aliados possiveis de peso — vistas as coisas corn o realismo staliniano — sat, os movimentos nacionalistas burgueses envolvidos na luta contra o imperialismo anglo-frances. Se Stalin era cetico quanto a capacidade revoluciondria dos partidos comunistas ocidentais (jd vimos as suas opinit, es de 1923 sobre o partido alemao), era-o muito mais ern mina° aos partidos comunistas coloniais, que efetivamente desempenhavam, neste momento, urn papel infimo. Quando do V Congresso, hd, em toda a Asia (incluindo o Egito e excluindo a MongOlia Exterior, que de fato 6 urn quintal sovietico), 9 segOes da Internacional, nos paises que indicamos a seguir e com o mimero de militantes entre parenteses: China (800); Java (2.000); Persia (600); Egito (700); Palestina (100); Thrquia (600); Japao e Corda, corn pequenos grupos ilegais, e a fndia, on236

de o partido ainda nao esta estruturado nacionalmente, 86 existindo celulas dispersal e muito pequenas.197 Mu 6 de estranhar, pois, que Stalin depositasse todas as suas esperancas na "burguesia nacional" das colOnias. E particularmente naquela que, a partir de 1923-1924, parecia disposta a realizar plenamente a sua revolucao nacional e "democrdtico-burguesa" no pats asiatico de maior importancia para os interesses estrategicos do Estado sovietico, uma revolucao que se confrontava corn os dois imperialismos mais ameacadores para a seguranca da URSS: o ingles, perigoso na Europa e na Asia, e o japonés, risco permanente para o Extremo Oriente sovietico. A ideia de uma China unificada nacionalmente por Sun Yat-Sen e seu partido, o Kuomintang; por Sun Yat-Sen, que se prodamava amigo caloroso da revolugao russa e buscava o apoio do Estado sovietico para a sua empresa libertadora — esta era uma isca suficientemente tentadora para que Stalin subordinasse a alianga corn a"burguesia nacional" chinesa, supostamente representada por Sun Yat-Sen, qualquer outra consideracao doutrindria ou politica. E, naturalmente, para que abandonasse ao esquecimento as teses do IV Congresso da IC.

A revolucilo chinesa Nos primeiros meses de 1927, a revolucao chinesa entrou numa fase critica. 0 exercito do Kuomintang, sob as ordens de Chiang KaiChek, empreendera no yea° do ano anterior uma expedicao ao norte, tendo como objetivo a unificagao e a independencia do pals, estendendo a toda a China a repUblica de Sun Yat-Sen (este se consolidara na zona de Cantao desde 1923-1924, gragas a ajuda sovietica que the permitiu criar uma forga militar prOpria) 198. 0 avanco do exercito republicano foi meteOrico e, em fins de 1926, o governo do Kuomintang Ode estabelecer-se em Wuhan, junto ao Yang-Tse. Seu poder jA cobria uma dezena de provincias do sul e do centro da China. Em marco de 1927, sào libertadas Nanquim e Xangai. Mas, no compasso do avango dos exercitos republicanos, as massasoperdrias e camponesas tambem iam entrando em acao. Greves e insurreicees locais nao se) acompanham, porem precedem, facilitando-a, a progressao do bravo armado do Kuomintang, como ocorre em Xangai, que passa para as moos das milicias operdrias, organizadas pelo Partido Comunista e pelos sindicatos, antes da chegada das tropas de Chiang. As propordies e caracteristicas que toma este movimento de massas operdrias e camponesas — numa serie de areas, as ligas camponesas se lancam a realizacao da sua revolucao, a revolucao agrAria — suscitam o alarma da burguesia chinesa e das potencias imperialistas. Estas Ultimas, apressadamente, enviam reforgos militares para as suas bases em territ6rio chines, as famosas 237

concessties. Corn a sua ajuda, os banqueiros e a burguesia "comprado-

ra" de Xangai organizam a contra-revoluedo. Ate este momento, o Partido Comunista chines é o aliado do Kuomintang. Mais: é parte integrante do Kuomintang. Seus militantes sao simultaneamente filiados ao partido fundado por Sun Yat-Sen. Participam, embora minoritariamente, da sua diregdo. A IC considera que o Kuomintang e a organizagao politica idO'nea para levar a termo a revalued° chinesa em sua "etapa" democratica-burguesa, definindo-o como urn "bloco de quatro classes" (operarios, camponeses, pequena burguesia, burguesia nacional). Em marco de 1926, o Comite Executivo da IC admitira o Kuomintang nas fileiras da Internacional como "partido simpatizante" e nomeara Chiang Kai-Chek "membro de honra" do Presidium do Comite Executivo. Um ano depois, entre abril e julho de 1927, Chiang Kai-Chek e o Kuomintang se voltam contra o Partido Comunista chines e tratam de destrui-lo sem qualquer escritpulo. A 12 de abril de 1927, as tropas de Chiang e bandos armados, a cargo dos burgueses de Xangai, atacam traigoeiramente as organizagees comunistas e sindicais. Em poucos dias, milhares de comunistas e operarios revolucionarios, entre os quais destacados lideres do Partido Comunista e do movimento sindical, sao encarcerados ou selvagemanta assassinados. A direedo da Internacional considera que o "golpe de Chiang Kai-Ckek" expressa a passagem da "burguesia nacional", da "direita" do Kuomintang, a contra-revoluglio, mas entende que no campo da revalued° ainda permanece a sua "esquerda", incluida ai a "pequena burguesia", em cuj as Maas esta o governo de Wuhan. Segundo as analises da IC, essa "esquerda" representa 90% do "bloco de quatro classes", e o verdadeiro kuomintang. Inicialmente, de fato, a "esquerda" repudia o golpe de Estado de Chiang. 0 Kuomintang se divide politica, militar e territoriamente. 0 governo de Wuhan, com as forcas militares que the sao afetas, controla as provincias mais interioranas, enquanto Chiang — que forma o seu pr6prio governo em Nanquim — controla as provincias costeiras e estende a todos os seus dominios o terror contra os comunistas e as organizagees operarias e camponesas. Wuhan se convene, de acordo corn a IC, no "centro da revoluedo" e dais comunistas passam a fazer parte do governo do Kuomintang. Entrementes, nas provincias controladas pelo governo de Wuhan, a revolugao agraria coma proporeties cada dia mais ameacadoras, apesar dos esforgos do Partido Comunista para modern-la. A 15 de julho, tres meses depois da traicao de Chiang, a "esquerda" do Kuomintang ruma no mesmo sentido da "direita": expulsa os comunistas do partido e do exercito, assassina e encarcera os militantes revolucionarios operarios e camponeses. Nos meses seguintes, a "direita" e a "esquerda" chegam a urn acordo e Chiang Kai-Chek se consagra como chafe supremo do Kuomintang. Como os sindicatos e as ligas camponesas, o Partido Co238

munista, dizimado e desarticulado, cai na clandestinidade; Seguindo as instructies da IC, tenta salvar a situagao organizando uma sane de golpes armados desesperados. A celebre insurreigdo de Cando, em dezembro de 1927, sera um dales. lbdos sao esmagados e, em comecos de 1928, a sangrenta derrota do partido é urn fato consumado. Imediatamente depois do golpe de Chiang, inicia-se uma discussac) nos organismos dirigentes da IC, do partido sovietico e do partido chines, discussao que passa por diversas fases — a medida que os acontecimentos introduzem novas dados no "dossie" — e chega ao VI Congresso da IC (verso de 1928). As posicOes divergentes que se confrontararn, no entanto, coincidem num panto capital, reafirmado posteriormanta tanto nas versees que o Partido Comunista chines ofereceu ate hoje da sua prOpria hist6ria quanta na historiografia sovietica, e cam o qual tambem concordam os historiadores e os ensaistas ocidentes: a catastrOfica derrota sofrida pelo Partido Comunista chines em 1927 tido foi o resultado inelutivel de tuna determinada correlacao de foreas, mas, em primeiro lugar, a conseqiiencia de graves erros politicos cometidos pela direedo comunista. E a evolugab posterior dos acontecimentos contribuiu, de certo modo, pan a comprovagao pratica desta avaliagao. Os nucleos comunistas que conseguiram escapar a repressdo e deslocaram o centro de gravidade da sua atividade para as zonas agrarias conseguiram muito rapidamente organizar bases revolucionarias, corn Orgaos de poder e forgas armadas, que se foram ampliando velozmente nos anos seguintes. Isto revelou, a posteriori, a possibilidade de uma Utica diferente daquela que conduzira a derrota. E pOs de manifesto que, se houvesse previsto a "traicao" da burguesia do Kuomintang — e desde um ano antes ja existiam, multiplicando-se, os seus sinais —, se lido se deixasse surpreender pelo golpe contra-revolucionario, o Partido Comunista teria a possibilidade de evitar a derrota, embora ainda nan existissem as condicOes objetivas para a vitoria revolucionaria em escala nacional. Mas a "segunda guerra civil revolucionaria" poderia ter se iniciado a partir de posicOes muito mais vantajosas para o movimento operario e campones. 199 As analises de 1927-1928 nao contavam com esta ratificacdo, mas o exame das forgas em presenca, da sua dindmica, permitia concluir, como de fato se concluiu, que a derrota sofrida ndo era um resultado inexoravel das condigOes objetivas, mas de erros politicos. A partir desta conclusdo, o problema era determinar a natureza de tais erros e as conseqUentes responsabilidades. Ao cabo de um ano de discussees, fazendo o seu informe ante o VI Congresso da IC, Bukharin resume da seguinte maneira o panto de vista da direeao da IC: "Podemos agora esclarecer retrospectivamente certos problemas fundamentals da revalued° chinesa. Como se sabe, o Partido Comunista chines sofreu uma grave derrota. Este é urn fato 239

indiscutivel. E é legitimo perguntar-se se esta derrota nao deriva de uma tatica erronea, adotada pela IC na revolugào chinesa. Foi correto constituir urn bloco corn a burguesia? Foi este, talvez, o pecado capital, o erro essencial, que determinou todos os outros e que conduziu progressivamente a derrota a revolucao?" E Bukharin responde: "Em geral, o erro nao se situa na linha fundamental da orientagdo tatica, mas nos atos politicos e na linha pratica efetivamente adotados na China. I?: no periodo Uncial da revolugão chinesa, no periodo de colaboragao corn o Kuomintang, o erro consistiu numa falta de independencia de nosso partido, na nossa crftica insuficiente ao Kuomintang — as vezes, nosso partido se transformava num apéndice do Kuomintang. 2?: o erro foi que nosso partido chines nao compreendeu a mudanga da situagao objetiva, a transicao de uma etapa a outra. Assim, por exemplo, durante urn certo tempo podia-se marchar concertadamente corn a burguesia nacional-revolucionaria, mas, a chegar-se a uma dada etapa, em necessdrio prayer as mudancas que proximamente sobreviriam [...]. 3?: em conseqiiencia deste erro, nosso partido as vezes desempenhou o papel de freio do movimento de massas, de freio da revoluctio agrdria e de freio do movimento operdria Foram erros de graves implicageres e que, naturalmente, contribuiram para a derrota do Partido Comunista e do proletariado chineses. Depois de uma serie de reveses, o partido corrigiu seus erros corn bastante energia. Mas entao, como freMientemente ocorre, certos camaradas cairam no extremo oposto: nao prepararam seriamente a insurreigao, deram inquestioniveis provas de tendencias golpistas, de aventureirismo da pior especie'. 2°° 'Minos aqui uma excelente exposigao condensada dos erros politicos que conduziram a derrota do Partido Comunista chines ern 1927, desde que se the introduzamos duas corregOes fundamentals: a) tais erros nao se localizavam unicamente a nivel da "linha pratica" adotada na China, mas tinham sua raiz na "linha fundamental da orientagao Utica" adotada pela diregão da IC; b) onde Bukharin diz "partido chines", deve ser dito "diregao da IC" ou "partido chines cumprindo instrugOes e orientagOes de Moscou". A legitimidade da segunda corregao deriva quase axiomaticamente do tipo de relagOes existentes entre o Partido Comunista chines e o centro maxim° da IC (alias, como entre este e qualquer das segOes nacionais), sobretudo num periodo como o de 1924-1927, quando os acontecimentos chineses adquirem uma relevancia mundial e o governo sovietico intervem diretamente neles. Era forgoso que o Comite Executivo da IC, sob a supervisao de Stalin, nao s6 fixasse a "linha fundamental da orientagao tatica", mas ainda controlasse estreitamente a sua aplicacao pritica. E, de fato, os dados conhecidos — amplamente divulgados nestes riltimos vinte anos pela abundante literatura histOrica e politica dedicada a revolugao chinesa — permitem supor que a "tutela" do 240

partido chines pela IC e pelo governo sovietico devia ser, naquele periodo, muito semelhante a exercida sobre o Partido Comunista espanhol durante a guerra civi1. 2° 1 Descarregando toda a responsabilidade sobre a direct) do Partido Comunista chines, e particularmente sobre o seu secretario geral, Chen Du-Siu, o Comite Executivo da IC apenas seguia um procedirnento rotineiro. Quanto aos erros enumerados por Bukharin, nao eram somente de "aplicacdo" e tinham a sua raiz na "Iinha fundamental da orientagdo tatica", como TrOtski, brilhantemente, demonstrou em seus trabalhos de 1927 e 1928. Em face das duas questoes — a natureza dos erros e as responsabilidades —, aqui s6 poderemos aludir sumariamente aos fatos mais relevantes. A forma e o contetido da alianga entre o Kuomintang e o Partido Comunista chines nao foram discutidos e estabelecidos entre ambos os partidos, mas resultaram de negociagOes diretas entre representantes da IC, e especialmente do governo sovietico, corn Sun Yat-Sen. 0 documento que define a sua orientacdo foi a declaracdo Yoffe (embaixador sovietico)—Sun Yat-Sen, de 26 de janeiro de 1923. No documento se afirmava que "a sistema comunista, inclusive o dos sovietes, nao pode ser introduzido na China, onde nao existe nenhuma candied() favoravel para a sua aplicagdo". 0 objetivo comum deveria ser a "unificagdo e a independencia nacional da China". Nas negociacOes entre os representantes sovieticos e os representantes de Sun Yat-Sen, decidiu-se tambent a forma que teria a colaboragdo entre o Kuomintang e o Partido Comunista chines. Sun Yat-Sen era hostil a uma alianga partido-partido, aceitando apenas que os comunistas se filiassem individualmente ao Kuomintang, submetendo-se a sua disciplina. 0 Comite Central do Partido Comunista chines, num primeiro momento, rechacou esta solugdo, argumentando que ela hipotecaria a sua autonomia politica e semearia a confusdo nas massas; mas, finalmente, acatou a decisdo da Internacional. E o III Congresso do partido (junho de 1923), corn boa dose de resist'encia, aprovou o ingresso no Kuomintang. Seguindo a orientagao da IC, o manifesto divulgado pelo congresso declarava que "a Kuomintang seria a forga central da revolugdo nacional e assumiria a sua direcdo. 202 E desnecessario sublinhar o quanto a alianga, nestas condigOes, contradizia as teses dos II e IV Congressos da IC. A declaragdo Yoffe-Sun Yat-Sen nao era, naturalmente, a expressdo de urn ponto de vista teOrico sobre a imaturidade da economia chinesa para o "sistema comunista", e a precisdo de que tampouco se adequava a China o "sistema dos sovietes" era bem significativa. Lenin, no II Congresso da IC e em outras ocasi6es, nao sustentara que o sistema dos sovietes era plenamente adequado aos paises agrarios do Oriente? 'A declaragdo era urn compromisso politico, atraves do qual os dirigentes soviaticos — e, por conseqtiência, a IC e os comunistas chineses — asseguravam a Sun Yat-Sen que nao tentariam imprimir a "revolucdo nacional" 241

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urn contendo social revoluciondrio. Sobretudo, era uma garantia contra a revolucdo agraria, cujo espectro atemorizava a burguesia do Kuomintang. 203 Por outra parte, a submissdo dos comunistas chineses a disciplina do Kuomintang tornou-se tanto mais incompativel com a autonomia politica e organizacional do Partido Comunista chines quanto mais o Kuomintang transformou-se, partir de 1924, corn a ajuda dos conselheiros sovieticos e dos delegados da IC, em 11111 partido centralizado, corn estruturas semelhantes as do partido bolchevique. Numa palavra, a essencia da "linha fundamental da orientagdo tatica" da IC na revolucão consistiu, desde 1923, em reconhecer e apoiar a direcdo representada pelo movimento nacionalista-burgues de Sun Yat-Sen. Nos documentos da IC e nos textos de Stalin do periodo 1924-1927 podem isolar-se numerosas formulacOes que parecem contradizer — que formalmente contradizem — este contefido da "linha fundamental", mas, ao contrario do que afirmava Bukharin no IV Congresso da IC, a "linha prdtica" adotada na China nao estard em contradicào corn a "linha fundamental" — sera a exata materializagdo da sua essência. No principio, a IC e, sob a sua direcdo, o Partido Comunista chines dao os passos indicados de modo nitidamente pragmatico. Tratavase de condicionar o fator "comunismo chines", do qual nao se podia prescindir, a alianca entre o governo sovietico e o governo de Sun YatSen, o que adquiria urn extraordinario valor para o primeiro desde que, para o segundo, se abria uma certa perspectiva realista de converte-se no governo nacional da China. Mas, uma vez operado este condicionamento no placo politico-walla), a IC e Stalin, compulsoriamente, deveriam conferir-lhe uma justificacdo doutrindria "marxista-leninista". Coisa nada fãcil se se partia da premissa de que o Kuomintang era o partido da burguesia nacional chinesa. Assim, em maio de 1925, Stalin formula a tese de que na China se produzira uma diferenciacdo entre a ala conservadora e a ala revoluciondria daquela burguesia, com o Kuomintang representando a segunda, sustentada fundamentalmente pela "pequena burguesia revolucionaria". Portanto, o Kuomintang podia ser considerado como um partido essencialmente "operatio e campones", no qual se realizava o "bloco de duas forgas: o partido comunista e o partido da pequena burguesia revolucionaria". Este bloco, diz Stalin, é admissivel e conveniente sempre que "nao maniete o partido comunista"e nao o impeca de "exercer a direcdo efetiva do movimento revoluciondrio". Quando, anos depois, se editaram as obras de Stalin, este texto foi corrigido, suprimindo-se todas as referencias ao Kuomintang — os acontecimentos tinham mostrado, superabundantemente, que a "burguesia nacional", inclusive a sua ala mais reacionaria, nao so fora um componente do Kuomintang desde a sua formagão, mas ainda, a sua diregdo efetiva, e que o termo "nianietado" refletia muito bem a situaglo do Partido Comunista chines no interior do Kuomintang.2"

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A presence da "burguesia nacional" era tao evidente que Stalin teve que retificar muito rapidamente (sem reconhecer, naturalmente, que se tratava de uma retificacão) a sua argumentaao, valendo-se da IC. Na sexta reuniao plenaria do Comite Executivo da IC (marco de 1926), o Kuomintang foi definido como urn "bloco revolucionario dos operirios, camponeses, intelectuais e da democracia urbana". E, em maio de 1927, depois da traigão de Chiang, Stalin esclarece que esta fOrmula deve ser entendida como "bloco dos operarios, da pequena burguesia (urbana e rural) e da burguesia nacional". Ao mesmo tempo, explica que, em maio de 1925, nao dissera que o Kuomintang jd era um partido "operario e campones", mas que deveria se-lo, que tendia a se-10. 205 Lamentavelmente, os erros oportunistas do Partido Comunista chines impediram que o Kuomintang real se identificasse corn o Kuomintang ideal pensado por Stalin. No entanto, se o Kuomintang real incluia a "burguesia nacional", como se explica que a sexta reuniito plenaria do Comite Executivo da IC o admitisse, como ja mencionamos, na qualidade de "partido simpatizante' e nomeasse seu novo chefe (pois Sun YatSen morrera um ano antes) "membro de honra" do Presidium? Em seu esclarecimento de 1927, Stalin prefere nao referir-se a este "detalhe", que nunca mais sera aludido na historiografia sovietica. Nos mesmos dias em que Moscou the rende tais homenagens, Chiang Kai-Chek desfere o seu primeiro golpe anti-comunista. Na noite de 20 para 21 de marco de 1926, encarcera os quadros cbmunistas da Escola Militar de Whampoa, imp& aos conselheiros sovieticos a residencia vigiada, prende numerosos comunistas e sindicalistas de Cando, desarma os piquetes da greve Kwantung-Hong-Kong e isola as sedes sindicais. Chiang Tao avanca ainda para a liquidacao dos comunistas porque a expedicao ao norte esta sendo preparada e de precisa da ajuda militar sovietica; seu objetivo 6 fortalecer suas posicties no Kuomintang, enfraquecendo a "esquerda" pequeno-burguesa e "manietando" os comunistas. Wang Ching-Wei, rfresidente do governo de Canao e lider da "esquerda", 6 compelido ao exIlio. Na se,ssão de 15 de maio, o Comite Executivo do Kuomintang adota, por iniciativa de Chiang, uma s6rie de medidas anticomunistas: o Partido Comunista tem que se comprometer a acatar estritamente a ideologia de Sun Yat-Sen e entregar ao Kuomintang a lista completa dos seus membros; os comunistas nao poderão ocupar postos de diregão no Kuomintang e a sua participaglo no aparelho desta organizacão e do Estado nao podera ultrapassar urn terco dos seus efetivos; os comunistas nao podem constituir uma fragao no interior do Kuomintang; as orientacOes do Partido Comunista e da Internacional tem, obrigatoriamente, que ser submetidas a aprovagio de um comite misto Kuomintang-Partido Comunista.2" A rends) imediata de Chen Du-Siu foi propor ao Comite Executivo da IC a salda do Partido Comunista do Kuomintang e o estabelecimento

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da alianca corn este sobre novas bases. Esta posigdo foi severamente criticada pelo Pravda e, em Cana°, o representante do governo sovietico, Borodin, assumiu — e obrigou os comunistas chineses a assumir — uma postura conciliadora diante de Chiang, postura que implicava a aceitacdo das medidas adotadas pelo Comite Executivo do Kuomintang. Chen Du-Siu teve que publicar um artigo dentro desta orientaedo, o qual, depois da catastrofe de 1927, foi utilizado pela IC para acusa-lo de oportunismo. Mesmo submetendo-se uma vez mais a disciplina da Internacional, a direcdo do Partido Comunista chines propels a Borodin que parte das armas enviadas pelo governo sovietico para o etch° do Kuomintang fosse utilizada para reforgar unidades militares controladas pelo partido, a fim de se preparar para a eventualidade de um novo golpe de Chiang. A proposta foi rechagada. De acordo corn Chen Du-Siu, o delegado da IC explicou a tatica a ser adotada nos seguintes termos: "No atual periodo, os comunistas devem funcionar como coolies para o Kuomintang".2" Pouco depois, iniciava-se a expediedo ao norte, em cujo exito os pianos operacionais elaborados pelos conselheiros militares sovieticos — assim como sua intervened° direta — desempenharam importante papel. Chiang Kai-Chek ordena que, enquanto durem as operagOes militares, cessem na retaguarda todas as atividades do movimento operario e campones. A posigdo contra-revolucionAria do generalissimo e suas aspiragOes ditatoriais sdo cada dia mais evidentes. E a cada dia se torna mais insustentavel a situacdo da diregdo do Partido Comunista chines, espremida pelo movimento revolucionario de massas, que cresce impetuosamente — ern parte de maneira espontãnea e em parte pela iniciativa dos quadros comunistas locais e pelas obrigagOes decorrentes da sua obediencia a disciplina do Kuomintang. Acentuam-se as tendências para romper corn este no g6rdio saindo do Kuomintang e recuperando a plena liberdade de acdo. Mas Stalin se °pee categoricamente a esta solugdo, quando o problema a discutido na setima sessdo plerthria do Comite Executivo da IC, em novembro-dezembro de 1926: "Afirma-se que os comunistas chineses devem sair do Kuomintang. Camaradas, isto seria urn erro. Seria um claro erro abandonar hoje o Kuomintang. Toda a marcha da revolucdo chinesa, seu cariter, suas perspectivas indicam, de modo indiscutivel, que os comunistas chineses devem permanecer no Kuomintang e intensificar o seu trabalho nele".2" Ao mesmo tempo, Stalin critica os comunistas chineses porque ndo estimulam, com decisào suficiente, a revolugdo agthria e o movimento opethrio. 0 Comite Executivo da IC adota uma resoluedo que, ern sintese, exigia do Partido Comunista chines: a) manter-se a qualquer preco no Kuomintang; b) impulsionar decididamente a revolugdo agthria. Resolugdo fãcil de escrever-se em Moscou, mas de impossivel aplicando na China, ainda que por uma Unica razdo: a quase totalidade do corpo

dirigente do Kuomintang — "direita" e "esquerda", oficiais do exercito e funcionarios do Estado e do aparelho do partido — estava ligada, de um modo ou outro, a propriedade agraria, e ndo particularmente a mais modesta. 209 Na concreta situagdo chinesa de 1926-1927, havia que priorizar uma day duas exigencias e, no local, os delegados da IC e os conselheiros sovieticos resolviam o dilema priorizando a conservagdo da alianca com a diregdo burguesa do Kuomintang. Seguindo as suas instrugeies, o Partido Comunista fazia o mesmo, convertendo-se — como Bukharin diria depois — num "freio" para o movimento campones, que estava em plena ascensdo. Depois do golpe de Chiang Kai-Chek, esta "linha prAtica" sera ainda mais acentuada pela IC. 0 comunista que ocupa o ministerio da agricultura do governo de Wuhan devera utilizar o cargo para conter o movimento revolucionArio campones, porque os seus "excessos" pOem em perigo a unidade com o Kuomintang de "esquerda". A 30 de junho, o Comite Central do Partido Comunista chines adota uma resoluedo que leva ao extremo a politica de contengdo. Entre outras coisas de igual quilate, a resolugdo prescreve que "as organizagOes populares, camponesas, opethrias e semelhantes devem submeter-se as ordens e ao controle das autoridades do Kuomintang; as reivindicacties dos movimentos populares, operarios e camponeses devem adequar-se as resolugOes dos congressos ou do Comite Executivo Central do Kuomintang, bem como aos decretos do governo". 21 ° 0 prOprio partido, desta maneira, contribui para paralisar e desmoralizar as forcas de que ainda dispOe. Quinze dias depois, o Kuomintang de "esquerda" poderA seguir impunemente o exemplo de Chiang e desencadear o terror contra os comunistas na regido do governo de Wuhan. Os eventos chineses coincidem com a fase culminante do duelo entre Stalin e a oposiedo trotskista-zinovievista. Dias antes da train() de Chiang Kai-Chek, a oposigdo faz uma critica radical da politica que se esta aplicando na China, observando que ela conduzird a derrota proletaria. E, no periodo que se segue ao golpe de Chiang, Tr6tski aprofunda esta critica, prognosticando que o Kuomintang de "esquerda" passath para o campo da contra-revoluedo. No debate teOrico-politico, a situagdo de Stalin se torna progressivamente mais dificil: os acontecimentos dao raid.° a oposigdo no que tange a China com demasiada evidencia, ao mesmo tempo ern que, no piano interno russo, as coisas yd.° em sentido identico. Então, Stalin passa da discussdo a repressão: os oposicionistas sac) impedidos de defender as suas opiniOes (sobretudo a propOsito da revolucdo chinesa) na imprensa e nas organizagOes sovieticas; pouco depois, sdo excluidos do partido e, em janeiro de 1928, sào deportados para a Siberia.211 Mas a traigdo de Chiang Kai-Chek e do Kuomintang (utilizamos o conceito de "traicdo" por comodidade; na verdade, como dizia Tr&ski,

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ales "nao trairam a sua classe, trairam as nossas ilusbes") nao podia ser "escamoteada" com matodos tão simples como os que se empregaram para silenciar a oposigdo. Ate o Ultimo momento, a imprensa e os organismos dirigentes do partido soviatico referiam-se ao Kuomintang como o grande partido da revolugao chinesa e Chiang fora mais elogiado que qualquer dirigente do Partido Comunista chines. E o mesmo ocorrera nas publicagees da IC. Para sair do embrulho, recorreu-se a dois procedimentos: a mistificagão e a aventura. Explicou-se que a linha de Stalin e da IC fora sempre junta, que a traieão da "burguesia nacional" estava prevista mas, desgragadamente, os comunistas chineses mostraram-se incapazes pan aplicar a linha e preparar-se para enfrentar a train- 0. E, como merecido castigo, a IC destituiu Chen DuSiu da secretaria geral, substituindo-o por Chui Chui-Bai. Desde ena°, todos os erros do Partido Comunista chines, da sua fundacão ate 1927, passaram a ser explicados por esta chave magica: Chen Du-Siu.212 0 outro procedimento consistiu em incitar a nova direerto do Partido Comunista chines — psicologicamente predisposta a tanto pelo duplo efeito da traicao dos aliados e da critica da IC — a empreender imediatamente a ofensiva nas areas onde ainda contava corn forgas organizadas. Uns quantos "golpes revolucionarios" na China, por mais ef8meros que fossem, poderiam ser capitalizados propagandisticamente em Moscou e servir como armas "dialêticas" contra a oposicao. Assim, sem transiao, passou-se do oportunismo de direita ao aventureirismo de "esquerda", o que custou novos fracassos e novas vitimas ao partido chines. 0 episOdio mais tragico foi a insurreicao de Cantao, diretamente organizada pelos enviados da Internacional. Segundo TtOtski, a sua coincidência coin o XV Congresso do Partido Comunista soviatico (dezembro de 1927) nao foi mero acaso. 213 Uma vez que essas intentonas fracassaram e que o Partido Comunista chines foi inteiramente destrogado, a IC destituiu Chui Chui-Bai da secretaria geral, acusando-o de "golpista". A fim de "proletarizar" o partido, ale foi substituido por um quadro operant), Hsiang Chung-Fa, que se mostrou incapaz para assumir o cargo, e o dirigente efetivo tornou-se Li Li-San, outro intelectual que, como Chen Du-Siu e Chui Chui-Dai, haveria de softer as conseqiiencias da sua fidelidade a politica da IC: em setembro de 1930 foi destituido, tambern por "golpismo". 0 novo secretario geral, Wang Ming, enviado diretamente de Moscou pan o cargo, resistiria ate janeiro de 1935. Mas, entito, ja ha tres meses o exercito vermelho chines empreendera a Grande Mucha e, na pequena cidade de Dsunyi, pela primeira vez sem a interferencia de Moscou, o micleo dirigente do Partido Comunista chines elegeu urn novo secretario geral. Corn a eleielo de Mao, triunfava no Partido Comunista chines uma concepeao revolucioniria que vinha se elaborando gradualmente, desde a derrota de 1927, em estreita conexao corn a pratica — trata-se 246

da linha desenvolvida pelo grupo reunido em torno de Mao na grande base vermelha de Chiangsi. Nestes anos, a orientagao da IC continuou apoiada nos mesmos fundamentos teOricos anteriores, mas, no piano tatico, caracterizou-se pelo ultra-esquerdismo e pelo aventureirismo proprios do "terceiro periodo". 214 As sucessivas diregOes oficiais do Partido Comunista chines procuravam aplicd-la fielmente, esbarrando continuamente com a resistencia, as vezes clara, as vezes tacita, do grupo de Mao. E este dispunha, cada vez mais, do poder real — autoridade politico-moral e forgas armadas — nas bases agrarias e s6 ai o partido se desenvolvia com o movimento de massas, enquanto, nas cidades, a sua expressao is se reduzindo. Em outubro de 1932, a diregao oficial, ate mita° clandestinamente instalada em Changai, teve que refugiar-se na base de Chiangsi e (id a impressão de deslocar Mao, tomando a chefia das forgas armadas. Esta Ultima tentativa da IC para restaurar a sua autoridade e o seu controle sobre a sent) chinesa quase desemboca numa catastrofe maior que a de 1927. Corn efeito, a diregao oficial impOs uma estrategia estatica frente a quinta campanha lancada por Chiang contra as areas vermelhas. 0 exercito vermelho chines de Chiangsi encontrou-se as beiras da aniquilagdo, s6 the restando a alternativa da grande retirada para o noroeste. Indubitavelmente, este fracasso militar da diregao oficial facilitou em alguma medida a vithria politica da fragab maoista.215 A "coexistencia", durante urn periodo tat) Longo, da linha da IC corn a linha maofsta provavelmente nao se explica apenas pela "situagat) de poder" conquistada a cada dia por Mao a frente do "exercito vermelho" e dos "sovietes" de Chiangsi. Ela deve ter sido propiciada por outra circunstancia: a primeira vista, as divergencias entre as duas linhas nao tomavam urn cardter te6rico nem fundamental. Pareciam ser limitadas e de natureza atica, derivando de urn estado de coisas considerado como transitOrio (por exemplo, do fato de que o movimento °per-Arlo nas cidades, liquidado no momento, obrigando o partido a apoiarse principalmente nas bases agrarias, tornar expliavel a tendencia de comunistas "imaturos" exagerarem o papel dos camponeses, etc.). E, sobretudo, Mao nunca pO's em dtivida, explicitamente, a concepgao teOrica da revolucao chinesa vigente na IC: na definigao do seu miter, das suas etapas, etc., Mao esteve formalmente ao lado da IC e de Stalin contra as posigOes de TrOtski. Esta concepgao te6rica se reduzia, essencialmente, a dogmatizagao operada por Stalin da teoria lenineana (versa() 1905) da revolugao democratico-burguesa; era a transposigao da receita ao cenario chines, como depois sera levada ao espanhol, acrescida de urn novo ingrediente que constituiria a particularidade da revolugao democrthico-burguesa chinesa em face do modelo russo: o antiimperialismo. Esta particularidade servird a Stalin para justificar a alianga com o Kuomintang 247

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(e a forma desta alianga) ate a derrota de 1927. Segundo Stalin, o cardter antiimperialista da revolugdo chinesa tinha por conseqiiencia a possibilidade de a burguesia nacional chinesa assumir, mais profunda e prolongadamente que a burguesia liberal russa, urn papel progressista e, inclusive, revoluciondrio. Dal a legitimidade do "bloco de quatro classes". E tambern a divisào da revolugAo em tres etapas (em lugar de duas, como na russa), unidas pelo denominador comum do antiimperialismo, mas diferenciadas pelo contetido social, o papel das diversas classes, etc. Na primeira etapa, de cardter democratico-burgués, o proletariado teria coma aliados os camponeses, a pequena burguesia urbana e a burguesia nacional. A passagem da burguesia nacional ao campo da contra-revolugAo, arrastando consigo, momentaneamente, a pequena burguesia, assinalava o fim desta etapa. Na segunda, iniciada em 1927, o carter da revolugdo continuava sendo democrdtico-burgues mas os aliados do proletariado seriam apenas os camponeses e, eventualmente, a pequena burguesia. Nesta etapa, a vitOria da revolugdo devia conduzir a instauragao de uma ditadura democrdtico-revoluciondria de operdrios e camponeses, sob a hegemonia do proletariado. Uma vez que este regime cumprisse a sua missAo — liquidagAo das estruturas feudais, consecugäo da luta antiimperialista, etc. —, poder-se-ia passar a terceira etapa: a revoluedo socialista.216 TrOtski submete esta concepgdo a uma critica radical. No que tange a "primeira etapa", qualifica-a como puro menchevismo e ye nela a raiz teOrica da politica que converteu o Partido Comunista chines em apendice da diregdo burguesa do Kuomintang, levando-o a derrota. Quanto a "segunda etapa", Tr6tski acusa Stalin de ter esquecido a experiencia de 1917 — que demonstrou a impossibilidade de uma "ditadura democrdtico-revoluciondria de operdrios e camponeses" como regime intermedidrio entre a ditadura burguesa e a proletdria — e de repetir o seu erro, de abril de 1917, em face das teses de Lenin. Para TrOtski, a revolugAo chinesa s6 pode triunfar como revolugdo socialista sob a ditadura do proletariado. 0 fato de a revolugdo chinesa ter como inimigo principal o imperialismo, de que s6 possa triunfar derrotando o imperialismo, nä.° significa — argumenta Tr&ski — que a burguesia chinesa possa assumir urn papel mais revoluciondrio que o da burguesia liberal russa. Significa exatamente o contrdrio, e nao 56 porque ela possui interesses comuns corn o imperialismo, embora oprimida por ele — TrOtski indica este aspecto do problema (assinala, por exemplo, que nä . ° hd um abismo entre a burguesia "nacional" e a burguesia "compradora"), mas enfatiza especialmente outro componente da questAo: a debilidade intrinseca da burguesia chinesa, comparativamente muito mais &WI que a russa ern virtude do maior atraso econemico da China, do cord a- o umbilical que a une as estruturas agrdrias. 0 contraste entre esta debilidade e a enorme forga do imperialismo mundial interdita a burguesia chi248

nesa qualquer agAo decidida contra este que tenha apoio nas forgas nacionais. burguesia chinesa é suficientemente realista — afirma TrOtski — e conhece bastante bem a face voraz do imperialismo mundial para compreender que uma luta verdadeiramente sêria contra ele exige uma pressAo tao vigorosa tas massas revoluciondrias que ela mesma, desde o primeiro momenta, estaria em perigo". 217 A histeria data raid() a Trartski quanto a tese de que a revolugão chinesa so triunfaria enquanto revolugäo socialista, mas infirmar y a sua visa° — e a de Stalin e da IC — das vias por que transitaria ate a vitdria, do papel que as diferentes classes desempenhariam. Para TrOtski, o proletariado chines, obrigatoriamente, teria que ser a principal forga motriz e o dirigente da revolugAo. Em contradiflo corn seu pr6prio esquema — posto que a debilidade orgAnica da burguesia chinesa era simetrica a debilidade organica do proletariado ele utiliza aqui o cliche europeu, do qual deriva a sua subestimagdo do papel das massas camponesas. Depois da derrota de 1927, ele escreve: "Somente quando se algar uma nova onda ofensiva do movimento proletdrio é que sepoderd colocar seriamente a perspectiva de uma revolugão agrasia". 2" Efetivamente, nas revolugees europeias, as "ondas ofensivas" proletdrias haviam precedido, geralmente, as ofensivas agrdrias; no entanto, depois de 1927, na revolugdo chinesa ocorreu o inverso — e, na verdade, ja nao se deram mais "ondas ofensivas" proletdrias. 219 A concepflo estratógica da revolugäo mundial de TrOtski, mais acentuadamente europeista que a do Ultimo Lenin, 220 levy-lo-ia a outra conclusdo infirmada pela histOria: a revolugäo so triunfaria na Asia depois da sua viteria europeia (é indubitavel que a subestimagão da potencialidade revoluciondria do campesinato nas colonias reforcou em TrOtski esta hip6tese). NA° e preciso dizer que estas ideias de TrOtski dificilmente poderiam entusiasmar a Mao. A subestimagão do papel revoluciondrio do movimento campones e a subordinacdo da revolucão asidtica a europeia conflitavam radicalmente corn as suas concepgees. Na questa- 0 da burguesia nacional, Mao aproximava-se mais de Stalin. Treaski, certamente, nao negava a possibilidade e a conveniencia de compromissos circunstanciais corn a burguesia nacional mas, como vimos, avaliava o seu papel muito mais negativamente que Stalin. A este respeito, Mao nunca foi urn "esquerdista". Diferenciava cuidadosamente os componentes da burguesia, nä° apenas da "nacional", mas tambem da "compradora" e inclusive entre os latifundidrios. Estava aberto a compromissos e aliangas, sempre que fossem beneficos para as forgas revoluciondrias (e, no periodo da guerra contra o Japão, mostrou-se um mestre neste assunto). 0 que jamais aceitou foi a subordinagào das forgas revoluciondrias a qualquer aliado burgues ou pequeno-burgues, bem como a subordinagào da revolugão chinesa a padre- es ou interesses estrangeiros. Ern seus escritos de Chiangsi ja se percebe a clara conscien249

cia que tern da originalidade da revolugdo chinesa e da sua elevada missdo historica. E por ai que entrara em conflito corn a politica de Stalin no periodo da "grande alianga". Apesar das divergencias referidas, Tretski, Stalin e a IC staliniana tinham em comum o enfoque eurocentrico da revolucdo chinesa, refletindo as lirnitagees histericas da teoria marxista da revalued° gestada no laboraterio europeu. Para supers-las, havia que ser natural da provincia de Hunan e mesmo assim o processo seria laborioso, porque os esquemas marxistas europeus — embora corn notevel atraso em relagdo as mercadorias da industria ocidental — ja tinham conquistado urn mercado ponderavel entre a intelligentsia revolucioneria chinesa. 0 famoso Questiondrio sobre o movimento campones na provincia de Hunan (marco de 1927) representa, sem devida, a primeira "fusae" viva, profunda, do marxismo com a complexa realidade social e politica da China. Sem formulas marxistas estereotipadas, mas com um metado marxista, nele temos a analise da anatomia e da dindmica do corpo essential da sociedade chinesa — o seu mundo rural. 0 Questiondrio no-lo revela a todos os niveis: sociologico e econienico, politico e cultural; e no-lo descreve agitado como por urn movimento teltirico, que a tudo abala, da propriedade e do poder, politico ou econ'amico, ate as relacties fatniliares e os velhos costumes. E a Revalued° Chinesa, corn maitisculas. A revalued° que tern a sua genese nas entranhas mais fundas da sociedade. Comparada a ela, a het-Oka insurreigdo da vanguarda opereria de Xangai adquire a sua modesta dimensdo real. Hunan pee de manifesto — com irrefutavel evidencia — o protagonista principal, a forga decisiva, da revalued° chinesa. E o marxista Mao, que um ano antes escrevera um texto de grande interesse, mas visivelmente ajustado a um a priori ortodoxo ("Sabre as classes da sociedade chinesa": "o proletariado industrial" — diz-se nele — "converteu-se na forga dirigente do movimento revolucionario"), em Hunan rende-se a evidencia. Corn prudencia camponesa — que. continuara guardando ulteriormente no seu permanente conflito corn a linha da IC —, Mao, explicitamente, rido pee em devida o papel do proletariado. Limita-se a deixar de lado este ponto espinhoso e a demonstrar, corn a elocitiencia dos fatos, que a forca decisiva da revolugdo chinesa sat) as massas pobres do campo. Sugere que o partido deve revisar os juizos ate entdo emitidos sabre o movimento campones e o convoca a lidera-lo decididamente (recordernos que este é o momenta em que o Kuomintang inicia a repressdo contra as sublevagees camponesas, e em que a diregdo do Partido Comunista chines, aplicando a linha da IC, de unidade a qualquer prego corn o Kuomintang, trata de moderar a revalued° agraria). Escreve Mao: "Dentro em breve veremos que, em todas as provincial do centro, do norte e do sul da China, centenas de milheles de camponeses \do se sublevar. Levantar-se-do com impeto, invenciveis, como 250

um furaao, e ntio hayed forca que possa conte-los. Romperao todas as cadeias e lutarao pela liberdade. Cavallo a sepultura de todos os imperialistas, militaristas, funcionirios corruptos do Estado e concussio'ratios, dos tuhao e dos lechen. Questionareio todos os partidos e grupos revoluciondrios, todos os revoluciondrios, seja pars aceitd-los, seja para repudid-los. Nds devemos nos colocar a sua frente e dirigi-los? Ou devemos ficar a margem, criticando-os autoritariamente? Ou, ainda, it de encontro a eles, para combate-los? Todo chines a livre para escolher uma destas tres vias, mas o curso dos acontecimentos torna mais 221 prOxima para cada um a hors da °Neon. Mao fizera a sua °pa°, da qual jamais se afastari ern todo o curso ulterior da sua Kan revolucioniria. A IC continuou, imperturbavel, presa ao dogma da revoluao-democratico-burguesa-sob-a-he gemonia- do -proletaid.NsxMopagr-etibu—mosperficialmente, em geral — a formula ritual, mas todo o seu contend°, como a agar) pritica que refletem, sera fiel ao espirito do Questiondrio de 1927. Confrontada corn os fatos (a consolidacao e a expansdo das "bases vermelhas" agrarias, a organizagao, nelas, de urn poder de tipo soviatico essencialmente campones, a criagao de um "exercito vermelho" que se revelava freqiientemente capaz de rechacar as tropas de Chiang Kai-Chek, enquanto que, ao mesmo tempo, o movimento operario nas cidades nao conseguia se rearticular), confrontada corn estes fatos, a IC se esforcava, no piano da elaboracao, para enquadra-los no seu esquema tedrico: o poder sovietico das bases vermelhas era a realizacao embrionaria da ditadura democratica revolucioniria dos operarios e camponeses, sob a direcao do proletariado; o exercito vermelho, urn exercito de °peados e camponeses, sob a direcao do proletariado — e assim sucessivamente, embora em todas estas entidades, tanto como nas organizacties do partido existentes nestas zonas, os operirios nao fossem mais que componentes isolados, e Infima minoria, P ratica -mantudoeimqxavdesropi.Smultaneamente, a IC se empenhava para que a situaao mudasse, para que a realidade se adaptasse a sua representagao teOrica. Pressionava constantemente a direcao do Partido Comunista chines para que concentrasse a sua atenao e esforgo nas cidades, para que preferisse for!22 Mas oaspior, mas operirias de luta: as graves, as manifestagees, etc o que teria conseqiiencias mais nefastas, inclusive colocando em risco, mais de uma vez, a prOpria existencia das "bases vermelhas", foi a orientack' da IC para utilizar prematuramente a forca armada organizada nestas bases para conquistar as cidades. 0 caso mais tipico foi o do verso de 1930, quando o exercito vermelho da base de Chiangsi e de outras da China central foi lancado a conquista das grandes cidades da regiao (Changeful, Wuhan e Nanchang). A operacao foi decidida pela direcao do Partido Comunista chines, seguindo instrucees di IC, 251

por duas rathes. A primeira era que o Comite Executivo da IC, no seu XI Pleno (fevereiro de 1930), chegara a conclusdo de que "o movimento operdrio mundial passara, em toda a linha, a ofensiva", abrindo-se "grandes perspectival para a transformagão do atual auge revoluciondrio em situacab revoluciondria, tanto nos paises capitalistas avancados como nas colenias". A China era especialmente indicada, porque "assistimos ao fracasso da rend.° em Nanquim, a uma nova explosdo da guerra intestina dos generais e a outros feneimenos que criam o clima favordvel a urn novo avanco da mare revoluciondria na China". 223 Em junho, o Comite Executivo da IC adota uma resolugão especial concernente a China, na qual se afirma: "Os acontecimentos se desenvolvem de uma tal maneira que uma situageo revoluciondria envolverd, muito proximamente, se ndo todo o territOrio, pelo menos uma serie de provincias dedsivas da China". E dava a indicacdo concreta de concentrar o esforgo no fortalecimento do exercito vermelho, a fim de que estivesse em condigees "de apoderar-se de um ou vdrios centros industriais e administrativos". 224 Sobre a base desta resolugão da IC, o Partido Comunista chines, no mesmo mes de junho, adota outra, na qual se afirmava que a "China 6 o elo mais fraco do imperialismo mundial, 6 o vulao da revolucdo mundial que mais possibilidades tern de entrar em erupgão. Por conseguinte, gracas ao agravamento atual da crise revoluciondria mundial, a revolugdo chinesa pode eclodir logo e desencadear a revolucAo mundial". 225 Urn mes depois o piano concebido pela diregdo do Partido Comunista — ao que parece, seu mentor principal foi Li Li-San — era posto em pratica, mas o vulcOo ndo entrou em erupcOo. A operacab se saldou com graves perdas não so para o exercito vermelho, mas tambem para as frdgeis organizacees comunistas e operirias das cidades "assaltadas".226 A segunda razão era a jd indicada, de carater permanente na politica chinesa da IC: proporcionar urgentemente a revolugdo uma base urbana, operdria, susceptive) de materializar e assegurar a direcao do proletariado no conjunto do movimento revoluciondrio. Era necessario o quanto antes o poder sovietico opercirio, ao menos em algumas cidades, para que o poder sovietico campones tivesse a dire_ cão sem a qual a revolucão ndo pode triunfar. Como as forgas operarias existentes nas cidades ndo podiam, no momento, realizar sozinhas a empresa, as forcas armadas das bases camponesas deveriam ajuddlas. Mas o vies da ideia da hegemonia operdria na IC e na direcão oficial do Partido Comunisa chines era tal que lhes impedia ver com realismo a situagdo concreta vivida naquele instante preciso pelas organizacees comunistas e operdrias das cidades. E o piano concedia a estas a prioridade da luta proletdria. Na resoluedo do Comite Central do Partido Comunista chines se clizia: "A grande luta do proletariado e a for-

ga decisiva para os exitos preliminares em uma ou vdrias provincias. Sem uma onda de greves operdrias, sem uma insurreicdo armada nas cidades nao pode haver exit° em uma ou em vdrias provincias. E totalmente errado menosprezar o trabalho urbano e contar com o campo para cercar a cidade" 227 (a critica, 6 superfluo dize-lo, dirige-se contra as concepcOes de Mao, que discordava do piano de "assalto" imediato e ja preconizava a estrategia que depois teorizaria mais profundamente: a extensdo da guerra revoluciondria nas regities agrdrias, refugando sempre o combate corn forgas superiores, e corn uma perspectiva de Tonga duragdo, para ir, pouco a pouco, estreitando o cerco as cidades). Conforme a jd citada ideia da resolugäo de junho, o piano operativo elaborado pela diregdo do Partido Comunista chines incluia uma set-le de greves e acees insurreicionais proletdrias, ndo apenas nas cidades que deveriam ser tomadas pelo exercito vermelho (Wuhan, Nanchang, Changsd), mas tambem em Xangai, Nanquim, Cantdo, Tientsin, etc. Este capitulo proletdrio do piano foi um completo fracasso. Em Changsd, tinico centro urbano ocupado pelas unidades vermelhas durante dez dial, a maioria dos operdrios observou uma atitude reservada e passiva, mesmo depois que a cidade esteve nas mdos dos comunistas. Em quase todas as aglomeracees urbanas, o piano de Li Li-San (e de seus altos assessores) teve como principal resultado que os reduzidos nticleos comunistas e sindicais ficassem a descoberto e fossem duramente castigados. Definitivamente, a tdtica da IC durante o periodo que se seguiu a derrota de 1927 produziu efeitos contrdrios aos que visava: debilitou ainda mais, reduzindo-a a sua menor expressào, a polarizacio politica da classe operdria no movimento revoluciondrio chines.228 Os acontecimentos de 1927, 1930 e 1934 constituem os marcos decisivos da falencia da politica chinesa da IC. Os primeiros assinalam o fracasso da politica direitista que fez do Partido Comunista chines urn apendice do Kuomintang. Os segundos selam a bancarrota da linha aventureira e "ultraproletdria" que substituiu a precedente, e que era uma especie de verse.° chinesa da politica de "classe contra classe" (no espirito do "social-fascismo") aplicada pela Internacional na Europa entre 1928 e 1934. E os terceiros — os graves reveses sofridos pelo exercito vermelho de Chiangsi em fase da quinta ofensiva de Chiang Kai-Chek, como conseqiiencia da tdtica militar imposta pela direcão oficial do partido chines — abortam a tentativa de colocar sob o controle da IC a direcAo da guerra revoluciondria (cfr. nota 215). Este Ultimo episeclio foi determinante para a evolucdo posterior do Partido Comunista chines, porque as duas concepeees que, no periodo anterior, colidiam de modo encoberto, agora se chocaram abertamente. Aquelas duas concepeties submetiam-se, corn a ameaca mortal representada pela quinta ofensiva de Chiang contra a base vermelha de Chiangsi, a uma 253

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prova suprema. E ainda que o teste se apresentasse fundamentalmente a nivel militar, a tatica defendida por cada uma delas — a do grupo maoista e a do grupo ligado a Internacional — expressava a sua concepgao global da revolucäo chinesa. A reuniao de Dsunyi consagrou a vitoria da concepcio maoista no Partido Comunista chines. Quando, em fins de 1935, depois de urn ano de vida nelnade, a "repablica sovietica chinesa" se estabelece em Yenan, estant prOximo de iniciar-se urn novo capitulo da revolugão chinesa: a guerra contra o Japão. Mas, entao, ja se fechara definitivamente o capitulo chines da IC. Como Mao dira em 1943, a pretexto da dissolucdo da Internacional: "Depois do VII Congresso, de 1935, a Internacional Comunista nio interferiu mais nos problemas internos do Partido chines. E, apesar disto, o Partido conduziu muito bem o seu trabalho durante toda a guerra nacional antijaponesa de libertagito".229 . _ De qualquer forma, a näo mtervencao da IC na politica do partido chines, a partir de 1935, explica-se por algo mais que o processo descrito e seu resultado — a ascensao do grupo de Mao a diregio do Partido. Este Ultimo aspecto permite entender a atitude da nova diregão chinesa. No entanto, se a IC nit° procurou confrontar-se corn esta diregio, foi porque, fundamentalmente, a politica de Mao, durante a guerra antijaponesa, coincidia, no essencial, corn a do Estado sovietico no Extremo Oriente. A primeira vista, a politica do Partido Comunista chines era a versa° chinesa da tatica frentista europeia. Na realidade, havia uma diferenca capital. Enquanto, na Europa, a politica de frente popular subordinava, de fato, as forcas revolucionirias a "democracia burguesa", na China a alianca de Mao corn Chiang foi conduzida não apenas salvaguardando a independencia das forreas revolucionirias, mas ainda acrescendo seu potential politico e seus efetivos armados. Em contraste corn as vacilaceies e fraquezas do Kuomintang na guerra antijaponesa e corn a sua crescente subordinagito ao imperialismo norte-americano, o Partido Comunista chines se acreditou como o representante mais intransigent; radical e eficaz da independencia nacional, depois de, no periodo precedente, haver-se acreditado como o partido da revoluck° agrária. A fusio, em seu programa e em sua prätica, destas dues metas cruciais da revoluCao chinesa, proporcionou ao Partido Comunista chines a base social e a influencia politica que the permitiram enfrentar corn exito a bataiha quando esta, em 1946-1949, voltou a colocarse em termos de guerra civil. E enfrenta-la corn exito nab somente contra o Kuomintang e seus patr6es ianques, mas tambem contra as novas ingefencias de Stalin. No periodo entre o VII Congresso e o pacto germano-soviatico, a politica da IC nos paises colonials e dependentes se adaptou estritamente, como na Europa e nos Estados Unidos, ao objetivo central da politica exterior sovietica: a constituicio da alianca anti-hitleriana. E

como os Estados envolvidos eram precisamente as grandes potencias colonialistas, a adaptagdo se traduziu na contencdo, quando não no abandono de fato, dos objetivos antiimperialistas. Renunciou-se, de principio, a toda luta revoluciondria para colimd-los. A estrategia antiimperialista, na prdtica, foi substituida — ainda que as resolugOes do VII Congresso falassem de "frentes populares antiimperialistas" — pela estrategia antifascista. Os partidos comunistas da America Latina, por exempla, defenderam que o inimigo mais perigoso dos seus povos já nib era o imperialismo ianque, mas o alemao. E, em 1937, Thorez observou que, mesmo sendo a "reivindicaflo fundamental" do partido, em rale° aos paises coloniais, o "direito a independencia", "o direito ao divencio näo significava a obrigano de divorciar-se": "Se a questdo decisiva do momento é a luta vitoriosa contra o fascismo, o interesse dos paises coloniais esta na sua uniao com o povo da Franca e nao numa atitude que poderia favorecer as intencOes do fascismo e colocar, por exempla, a Argelia, a limisia e o Marrocos sob o jugo de Mussolini ou de Hitler, ou fazer da Indochina uma base de operaceies pan o Japao militarista". 2" Interrompida bruscamente durante a bienio do pacto germano-sovietico, esta politica da IC na "frente colonial" chegou a seus extremos mais oportunistas durante a segunda fase da segunda guerra mundial e no periodo imediatamente posterior, quando a IC jd existia. No segundo tomo, teremos oportunidde de examinar esta politica. Aqui nos limitaremos a registrar que ela nao contribuiu particularmente, como era lOgico, para reforcar o papal da IC e das suas segoes colonials no movimento de libertagdo nacional antiimperialista. Como indicamos no inicio da andlise deste ponto, a IC terminaria os seus dias sem conseguir criar bases &Midas e influentes na grande maioria dos paises colonizados pelo imperialismo. Suas bases estariam, como quando do seu nascimento, radicadas essencialmente na Europa. 0 Ultimo ato De todas as "viragens" da IC — todas mais ou menos influenciadas diretamente, quando rtdo determinadas, como estamos vendo, por exigencias da politica sovietica; umas coincidentes e outras contraditerias corn as conveniencias da luta revolucionaria no mundo capitalista nenhuma foi tao contraria aos interesses do movimento operirio, tao prejudicial a pr6pria Internacional, quanto a "viragem" provocada pelo pacto germano-sovietico de agosto de 1939. Desde 1933, o fascismo — e, concretamente, o Estado hitleriano representava uma ameaca mortal para o proletariado e os povos da Europa. Nenhum marxista tinha dtividas quanto a isto. A estrategia antifascista da IC podia ser criticada corn fundamento a partir da esquer-

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da, nao porque designasse o fascismo comb o inimigo mimes) um e porque buscasse concentrar contra ele o mktimo de forgas, mas precisamente porque, nos fatos, nao atuava de forma a atingir este propOsito. Podia ser criticada porque o espirito oportunista que animava os seus altos mentores, derivado da sua subordinagao as relaceres entre o Kremlin e as chancelarias ocidentais, impedia o aproveitamento do potencial revoluciondrio que o antifascismo portava, travando o seu desenvolvimento. A partir do momento em que, nesta estrategia, as forgas revoluciondrias ficavam subordinadas a burguesia "antifascista" nos paises capitalistas, e ao colonialismo euro-americano no resto do mundo, nao apenas o potencial revoluciondrio da frente antifascista se cornprometia irremediavelmente — igualmente se atrofiava a sua dimensao especificamente antifascista. A solugao nao residia em renunciar ao antifascismo e reiterar a thica sectaria e ultra-esquerdista implementada pela IC ate 1934; a solugao era urn antifascismo conseqUente, vale dizer, anticapitalista, radical. Mas, uma vez que este antifascismo vacilante, tutelado pela raid() de Estado, desembocou em Munique, o Estado-Major do Kremlin nao se limitou a salvar a situagao pactuando com o inimigo nilmero urn; fez mais: para dar ao pacto igndbil major consistencia e mais largo alcance, obrigou os comunistas a arriarem a bandeira do antifascismo no momento exato em que a fera parda punha em marcha as suas legiOes para escravizar a Europa. Os dirigentes da URSS levaram muito longe a politica que se expressou no pacto gemano-soviêtico, adotando posigóes que, na prdtica, estimulavam as conquistas alemas na Europa e constituiam um fator de desmoralizagao para os paises ameagados ou oprimidos pelo nazismo. Vamos nos limitar aqui a duas pequenas amostras, dentre as mais significativas. Pouco depois de firmado o pacto, Molotov, Presidente do Conselho de Comissdrios do Povo e Comissario de Assuntos Estrangeiros da URSS, discursa ante o Soviete Supremo, apresentando a Alemanha como "o Estado que aspira ao rapido fim da guerra e a paz, enquanto a Inglaterra e a Franca, que ainda ontem se pronunciavam contra a agressao, agora apOiam a continuagao da guerra e estao contra a conclusao da paz". "Os papeis mudam, como os senhores veem", agrega Molotov, com urn insuperdvel cinismo, e precisa: "A questa° nao pode ser, compreende-se a restauragao da antiga PolOnia". A "paz" de que fala Molotov, "compreende-se", significava a divisao da PolOnia, recentemente efetuada entre Hitler e Stalin. Mas, inclusive, era falso que semelhante "paz" — consagrando nao so a escravidao da PolOnia, mas ainda da Tchecoslovdquia e da Austria, tanto como a instauragao do fascismo na Espanha — estivesse nos pianos da Alemanha nazista. Os dirigentes sovieticos sabiam, melhor que ninguem, os verdadeiros pianos de Hitler. Atribuindo-lhe propOsitos "pacifistas", enganavam os povos europeus que seriam as prOximas vitimas de Hitler e entorpeciam 256

a sua vigilancia. "Os papeis mudam", com efeito. Agora, Stalin assume aqueles que, na vespera, eram desempenhados pelos governantes anglofranceses. No mesmo discurso, Molotov elogia as novas relagOes entre a Alemanha e a URSS: "Aqui, as coisas evoluiram no sentido do reforgo das relagOes amistosas, do desenvolvimento da colaboragao pratica e do apoio politico a Alemanha em suas aspiragOes de paz. Sempre foi nossa opiniao que uma Alemanha forte e a condigao de uma sOlida paz na Europa". 231 Menos de urn ano depois, em agosto de 1940, Molotov toma novamente a palavra ante o Soviete Supremo. Os exercitos hitlerianos já ocupavam a Noruega, a Dinamarca, a Belgica, a Holanda e a Franca. Aos franceses, Molotov recomenda "curar as feridas da guerra": "Agora, o povo frances tem a frente uma tarefa dificil: curar as feridas da guerra. E logo terd que consagrar-se as tarefas de regeneragao que, no entanto, nao poderao ser realizadas com os antigos metedos". Depois de passar em revista os "grandes &rhos" das armas alema's e de observar que, dos inimigos da Alemanha, "so recta a Inglaterra, disposta a continuar a guerra", Molotov enfatiza o papel que o pacto germano-soviatico desempenhou nas viterrias alemas: "Este acordo, que nosso governo cumpre estritamente, eliminou a possibilidade de friccOes nas relacOes sovietico-alemas quando da aplicagao de medidas sovieticas ao longo da nossa fronteira ocidental e, ao mesmo tempo, assegurou a Alemanha a certeza da calma no testa europeu". E, respondendo "a imprensa estrangeira, sobretudo a anglofila, que freqiientemente especula com a possibilidade de divergencias entre a Uniao Sovietica e a Alemanha, tentando nos assustar corn a perspectiva do reforgo da potencia da Alemanha", Molotov afirma: "Na base das relagOes amistosas e de boa vizinhanga que foram estabelecidas entre a URSS e a Alemanha tido se encontram consideracdes fortuitas, conjunturais, mas interesses fundamentals de Estado, tanto da URSS como da Alemanha".232 Nao vamos abordar aqui o problema de saber se o pacto germanosovietico resultou de uma opgao deliberada de Stalin, posto ante duas possibilidades — alianga corn a Alemanha ou alianga corn as "democracias". Nem discutiremos a viabilidade da segunda possibilidade — como o faz ainda hoje a versa° oficial sovietica. Este problema permanece como objeto de debate entre os historiadores e s6 poderd ser plenamente esclarecido quando os arquivos sovieticos forem franqueados e os pesquisadores tenham neles a liberdade da investigagao cientifica.233 Limitar-nos-emos a formular uma indagagao. Admitindo que o objetivo essential da diplomacia sovietica fosse impedir que as potencias imperialistas constituissem urn bloco contra a URSS, e que, para impedir esta eventualidade, nab restasse ao governo soviatico outra opem agosto de 1939, que o pacto corn a Alemanha, isto Liao justifica, em si mesmo, o modo como este pacto foi utilizado e aplicado por 257

Stalin. Se os dirigentes sovieticos ndo podiam, em virtude do pacto, sustentar e estimular a luta dos povos europeus contra o ocupante, estavam obrigados a engana-los e a entorpece-los, como faz Molotov no primeiro discurso, e a pedir-lhes resignagdo, como no segundo? Era forcos° que o governo sovietico estimulasse o agressor nazista, dando-Ihe toda a classe de segurangas acerca da solidez do pacto que garantia a "calma no !este"? Vistas as coisas desde a nossa perspectiva atual, legitimo indagar-se, por tras dessas atitudes, tido existia algo mais que manobras titicas — em si mesmas dificilmente adrnissiveis por urn marxista. legitimo perguntar-se se o pacto germano-sovietico nib era visualizado por Stalin como o prologo de urn acordo de largo alcance corn a Alemanha hitleriana. E existem dados concretos que induzem a esta hips:hese. 0 historiador sovietico Nekrich ressaltou que, as 'Sparas do ataque alexia° contra a URSS, o governo sovietico estava disposto a negociar corn Hitler um "novo acordo, mais estreito". E, conforme outro sovietico, o historiador Melnikov, quando, na entrevista Hitler-Molotov (novembro de 1940), o primeiro prophs, em termos vagos, uma divisão do mundo, o segundo respondeu corn propostas concretas: a Bulgaria, a Romania e a Finlindia deveriam ficar na "esfera de influencia" sovietica. 234 Se considerarmos estes dois indicios a luz de todo o desenvolvimento histbrico posterior, da efetiva divisito de "esfens de influencia" entre a URSS e os imperialistas americanos ao fim da segunda guerra mondial, da continuidade desta politica em nossos dias, por que nit° seria esta a pedra angular da politica de Stalin corn o imperialism° que mato surgia como a primeira potencia militar mondial? Esta hipOtese, se confirmada, daria a chave da "surpresa" de que foi vitima o exercito sovietico ante o ataque alemdo. Se, de fato, aquele era o piano de Stalin, a idtia que ele se fazia do curso da histeria, a realidade teria que conformar-se a esta visao — e, entdo, todas as informaches dos servicos secretos e dos futuros aliados, todas as pistas clamorosas dos preparativos alemdes deviam ser deixadas de lado, ja que contraditOrias corn a infalibilidade staliniana.235 `Como se sabe, o principal argumento oficial esgrimido ate hoje para justificar o pacto germano-sovietico e a politica de 1939-1941 consiste na afirmagio de que a Una() Sovietica precisava ganhar tempo pant preparar-se melhor e evitar, ademais, o isolamento ern uma guerra contra a Alemanha. Mas a verdade a que, durante quase dois anos, a Unido Sovietica teve que enfrentar praticamente sozinha o grosso das faros alemds, reforgadas por suas conquistas europeias. Em conseqiiencia disto e da sua insuficiente preparagio interior, a Uniao Sovietica esteve as beiras da derrota, como o preprio Stalin o reconheceu em 1945. 0 que induz a outra pergunta: a politica subseqiiente ao pacto, ou o pacto mesmo, foi a melhor soloed° para defender a existencia nacional da URSS.236 258

Sea justificacdo que acabamos de mencionar foi a que se forneceu a posteriori — depois do 22 de junho de 1941 —, a justificacdo "teorica" do acordo, entre 1939 e 1941, consistiu ern definir o cat-Aterda guerra como igualmente injusta para todos os lados, coma uma guerra exclusivamente imperialista. Mas, em 1946, Stalin declarou que "a segunda guerra mondial adquiriu, desde o primeiro momento, o carater de uma guerra antifascista, libertadora, da goal um dos objetivos era o restabelecimento das liberdades democraticas. A intervened° da Unido Sovietica contra os Estados do Eixo podia apenas reforcar — e realmente reforgou — o carater antifascista e libertador da segunda guerra mundial". 237 Depois do XX Congresso, esta retificacdo staliniana foi, por seu turno, retificada nas versOes sovieticas, dizendo-se que a guerra foi imperialista pan todos os envolvidos no period° compreendido entre setembro de 1939 e a derrota francesa de 1940 (entendendose por "todos os envolvidos" as potencias do Eixo e os governs da Franca e da Inglaterra), rnas que, desde o primeiro momento, constituiu uma guerra justa — em defesa da independencia nacional e contra a escravizagdo fascista — por parte dos paises vitimados pela agressdo hitleriana como, igualmente, por parte dos "pequenos Estados" (Polonia, Noruega, Holanda, Belgica, etc). E, depois da derrota da Franca, a guerra passou a ser justa inclusive do ponto de vista da Franca e da Inglaterra enquanto Estados. Ate que se iniciou, ern 1948, a "guerra Fria", a versdo oficial soviatica era que a Inglaterra, a Franca e os Estados Unidos haviam perseguido objetivos puramente libertadores, progressistas, entre 1941, (22 de junho) e 1945. A partir da "guerra fria", introduziu-se uma nova retificacdo: as potencias mencionadas, embora tenham se aliado a URSS, em nenhum momento deixaram de ter objetivos imperialistas, antipopulares, reacionarios, colonialistas, etc. 235 Nä.° vale a pena perder tempo para demonstrar que cada uma dessas sucessivas alteragOes esta condicionada pela situacdo em que se encontram as relagOes entre Moscou e as capitais ocidentais no momento em que se faz mais uma retificagdo. Em todas alas, potent, ha uma verdade — a verdade que foi escamoteada no bienio setembro de 1939-junho de 1941, depois de ter sido publicitada nos anos 1934-1939 —: a Alernanha hitleriana era o inimigo principal, imediato, dos povos europeus, e a guerra contra ela — ern resposta a sua agressio — era indiscutivelmente, para estes povos, uma guerra necessaria, justa, uma guerra em defesa da independencia nacional e, no "minimo", uma guerra em defesa da democracia burguesa, contra a Urania fascista1 239' Ora, se a guerra teve, desde o primeiro momento, este carater, como justificar o pacto germano-sovietico e, sobretudo, a politica dos dirigentes soviaticos ate 1941, dirigida pan urn acordo de largo alcance com Hitler? Como justificar a politica de paralisaedo da luta antifascista na Europa, denunciada, entre outros, pelo historiador sovietico Slezkine? 259

A direcho da IC reproduz imediatamente, corn urn automatismo incompardvel em relacão as outras "viragens" o giro do Kemlin. A primeira vista, os documentos da IC do bitio germano-sovietico podem parecer muito ortodoxos, na linha leninista de aproveitar a guerra para Taxer a revolucdo. Como jd dissemos no primeiro capitulo, a IC agita novamente o espectro da revolucào mundial, marginalizado no VII Congresso. "A classe operdria — escreve Dimitrov, em outubro de 1939 — deve terminar corn esta guerra a sua maneira, em seu interesse e no interesse de toda a humanidade, criando, corn isto, as premissas necessarias para a eliminagäo das causas essenciais das guerras imperialistas" (ou seja, para a eliminagão do capitalismo).240 No entanto, tido se convocam os povos para organizar a guerra nacionahrevoluciondria contra a Alemanha hitleriana e contra os capitulacionistas nacionais. Tal como era enunciada e levando em conta a situacAo concreta — corn o proletariado alemao liquidado desde 1933 e influenciado, em grande parte, pela demagogia nacional-socialista esta orientagdo nä° podia ter outro efeitQ piatico que contribuir para vulnerabilizar a debil resistencia dos Estados agredidos por Hitler. No manifesto que a IC langa, ao mesmo tempo em que divulgam aquelas palavras de Dimitrov, o ataque principal se dirige contra a democracia burguesa e a socialdemocracia — condena-se Blum explicitamente, mas Hitler não é mencionado. A ditadura nazista n5o a atacada diretamente, mas se afirma que as democracias burguesas "nap fazem a guerra para libertar, mas para escravizar os povos, tido para salvar a democracia do fascismo, mas pelo triunfo da reacão". 241 Os manifestos da IC, relacionados ao Primeiro de Maio de 1940 e 1941, contern andloga orientaflo. Numa palavra, o fascismo deixa de ser o inimigo principal, substituido pela democracia burguesa e pela social-democracia. A ofensiva se concentra sobre esta Ultima, como na epoca do "social-fascismo". Em margo de 1941, très meses antes da invasäo da Uniäo Sovietica, Kopleing, membro do Presidium do Comae Executivo da IC, escreve: "A luta implacdvel contra o social-democratismo, em todas as suas formas, continua sendo a tarefa mais importante de todas as forgas do proletariado revolucionézio". 242 "Ao fazer o balanco destes estranhos vinte e dois meses — observa Deutscher impossivel esquecer o servico gratuito que a Internacional prestou a Hitler. Desde o dia seguinte a assinatura do pacto de agosto de 1939, a Internacional p6s fim a cruzada antihitleriana que seus arautos propagaram. Toda a estrategia e toda a tatica do antifascismo, seus argumentos e consigns, foram abandonadas de repente. Os comunistas europeus assumiram uma ambigua atitude de neutralidade. Os dois beligerantes, asseguravam, perseguiam objetivos imperialistas e nao havia opc5o. Convocava-se a classe operdria para opor-se a guerra e para lutar em favor da paz f...]. Em certos momentos, a oposiflo a guerra tinha um indiscutivel aspecto pre-alemão, co-

mo ern outubro de 1939, quando a Internacional fez coro aos apelos de Ribbentrop e de Molotov por uma paz negociada e langa a responsabilidade da continuagdo da guerra sobre a Franca e a Inglaterra. Os resultados desta politica, nomeatlamente na Franca, foram puramente derrotistas e jamais revolucionArios. Ela conferiu ao derrotismo que corroia a cabega da sociedade francesa uma especie de justificagão popular". 243 E a burguesia francesa rao perdeu a magnifica oportunidade que se lhe apresentava para jogar na ilegalidade o Partido Comunista, acusando-o da traigão nacional que ela mesma preparava. Este foi urn periodo sombrio e tragico para os comunistas europeus. Dezenas de milhares deles receberam a noticia do pacto nas prisOes e nos campos de concentracào de Hitler, Franco, Mussolini e outros ditadores do centro, sul e sudeste da Europa. Apesar da sua cega confianga em Stalin e na Internacional, o golpe moral e politico foi terrivet. Muitos nao o suportaram. Da noite para o dia, no carcere ou nas ruas, os comunistas se viram isolados das massas, privados de todo aliado. Nos paises de ditadura fascista, os comunistas eram os representantes do partido cujo chefe supremo pactuava corn Hitler. Nos paises ameacados pela agressão hitleriana, os comunistas eram os representantes do partido cujo chefe supremo pactuava com o inimigo nacional, facilitando-the objetivamente a agressào. A medida que os paises europeus eram ocupados, os comunistas se encontravam — como diz um historiador das resistencias europeias — ern situacào "extremamente dificil: quando nä° eram perseguidos e encarcerados por seus compatriotas, que os acusavam de traigdo, eram-no pelas autoridades alemAs". 244 Mas o mais grave não eram as perseguicOes. 0 fatal era que a IC arriara a bandeira do antifascismo no momento exato em que as legiOes hitlerianas se movimentavam para escravizar a Europa. Nesta situacão, renunciar a plataforma antifascista nao significava apenas arruinar o prestigio e a influencia politicos conquistados desde 1934, apesar dos erros oportunistas cometidos; significa suicidar-se como forga revoluciondria, por muitos manifestos que se lancassem contra a "guerra imperialista" (manifestos que, por outro lado, näo convocavam realmente a luta revoluciondria, mas apelavam a uma "paz" que, naquelas condigOes, so podia ser uma "paz fascista"). Se os exitos näo sobem a cabega de Hitler, se ele opta por consolidar a conquista da Europa ao amparo da "calma no leste" que o governo soviatico lhe garantia, se aproveita a boa vontade de Stalin para ampliar a divisdo das "esferas de influen; cia" — é (Elicit imaginar-se a sobrevivencia dos partidos comunistas stalinianos. Mas Hitler invadiu a Uniao Sovietica, e a nova face da guerra, que precipitaria a bancarrota final da IC, tornou possivel a ressurreigão espetacular dos partidos comunistas europeus e a consolidagào das suas caracteristicas stalinianas. A partir do 22 de junho de 1941, adaptando-se novamente, corn

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matematica precisao, as exigencias da estrategia e da diplomacia sovi6ticas, a IC faz urn giro de 180°. Agora, a distinedo entre democracia burguesa e ditadura fascista, "esquecida" durante os dots anos anteriores, converte-se em idealizacao da primeira. Esfuma-se a responsabilidade dos Estados capitalistas "democriticos" na genese da guerra. Os objetivos imperialistas que estes Estados perseguem em sua luta contra o rival alemao ou japones sao silenciados, nao s6 na propaganda pablica da IC e dos partidos comunistas, mas tambern na orientacao interna que os militantes recebem. E, como vimos no primeiro capitulo, a Ultima resolugao da IC, anunciando a sua dissolucao, e a declaracao de Stalin que a acompanha fomentam a ilusao de que a simples derrota das potencias do Eixo bastard pars construir urn mundo de paz, de colaboragdo fraterna entre as nagOes, assentada na igualdade de direitos. Fomenta-se a lima° de que este mundo ideal possa ser compativel corn a subsiste'ncia das principals forgas do imperialismo mundial. Os aliados capitalistas da URSS sao idealizados. Avaliada pelos documentos da IC neste Ultimo bienio da sua existencia, a luta de classes, tanto em escala nacional como internacional, deixou de ser o fator basico do processo mundial. 0 movimento de libertacao nacional antiimperialista parece ter a mesma sorte. Anuncia-se uma era de congragamento universal. No artigo anteriormente citado, Kopleing exercita seu humor a propOsito da Segunda Internacional: "Conforme se desenvolvem os aeontecimentos e evolui a guerra imperialista — escreve em marco de 1941 intensifica-se a decomposicao da Segunda Internacional. Seu Comite Executivo deixou de existir sem que ninguem se desse conta — 'perdeu-se no caminho"'. Tres meses depois, a politica da Terceira Internacional nao se diferenciava, essencialmente, em nada daquela da Segunda International. E, dois anos mais tarde, quem realmente deixa de existir 6 a 'Terceira Internacional, enquanto a Segunda retomara a sua existencia. Coisa perfeitamente 16gica, ja que, chegadas ao umbral do congragamento universal de classes e Estados, a Internacional reformista ainda restava algo a fazer, ao passo que a Internacional de Lenin, evidentemente, se, cabia a autodissolugao. Deixemos a ironia. Nem Stalin nem os dirigentes da IC se haviam convertido a doutrina crista. Mas as colocacOes explfcitas e os silencios premeditados da resolucdo de 1943 e da declaracao de Stalin, que analisamos no primeiro capitulo, nao eram uma simples astacia de guerra: eram a expressao condensada de toda uma orientagao que impregnou a pratica dos partidos comunistas e condicionou, em grande medida, a correlagdo das forms politicas criada na Europa ocidental ao fim da guerra de 1939-1945, facilitando a conservacao do capitalismo nesta parte do velho continente, como veremos no segundo tomo. A derrota do fascismo tinha que ser o objetivo principal, imediato, de todo revolucionario consciente, na segunda guerra mundial. A 262

necessidade de uma politica de amplas alianeas do proletariado corn forgas burguesas ou pequeno-burguesas interessados no mesmo fim — mas interessados de modo diferente que as forgas socialistas — continua nos parecendo hoje, vista a questa° numa perspectiva histhrica, pouco discutivel. Mas nao havia uma s6 °pea° na concepeao e na aplicacao desta politica, nem a nivel das relacOes entre as potencias, nem no piano geral da IC, nem no marco da luta no interior de cada pais. A °pea° de Stalin, continuagdo legica de toda a sua politica anterior, foi subordinar o desenvolvimento da revoluedo — que a derrota das potencias fascistas e a bancarrota dos outros Estados capitalistas da Europa continental colocaram, objetivamente, na ordem do dia — a busca de uma divisao duradoura das "zonas de influencia", em escala mundial, corn o imperialismo americano. 0 mundo de paz e fraternal colaboracao entre as nacOes, a que a IC e Stalin aludiam em 1943, era apenas a imagem mistificadora do mundo dividido entre as duas superpotencias. NOTAS I Piatnitski, thefe da sera, de quadros da IC. Citado por Branko Lazitch, Les partis communistes d'Europe, Les Des d'Or, Paris, 1956, p. 162. 2 Nas eleigdes de novernbro de 1932, o partido nazista pert dois milh5es de votos. Quase todos os historiadores concord= em que, emit% se iniciava o refluxo de vaga hitleriana e que a operaego politica mediante a quad o poder passou a meth de Hitler nio esteve, nem de longe, condicionada fatalmente pela correlacito de forths. Alguns estudiosos Edam em "suicldio da reptiblica de Weimar". Seria mais exato, talvez, falar em odd= do movimento operfirio alemdo. 3 it6tski, Cents, III, Paris, 1959, p. 378. 4 Dimitrov, op. cit., pp. 47-52. 5 Ibid., p. 138. 6 A proposta invarlivel era desencadear a grove geral, sabendo-se que os chafes reformistas responderiam negativemente Este mitodo foi denominado por Trenski de "ultimatismo". 0 partido apresentava sempre o seu "ultimatum" neo apenas aos chafes, mas as rnassas, exigindo-Ihes a submissgo, o reconhecimento da suposta mita° historic. do partido comunista (cfr. Ecrits, Ill, cit., pp. 130-138). 7 Gilbert Batik, La fin de la ripublique Allemande (1929-1933), Editions Sociales, Paris, 1958, p. 88. Este historiador constata que, "mesmo quando o perigo fascista se tornou mais evidente, nio houve nenhuma tentativa conseqiiente de unidade" (p. 63). W. Ulbricht, op. cit., Berlim, t. 1, p. 455. 9 Lenin, t. 33, p. 294. I ° A 16 de dezembro de 1926, Sheidemann, ex-chanceler e Eder do Partido Social-Democrata, fez no Reichstag um pronunciamento que repercutiu em todo o mundo. Naquele momento, a socialdemocracia estava ne oposigeo e o seu dirigente denuncia que a Reichswehr esta se rearmando secretamente e convertendo-se num Estado dentro do Estado. Depois de exibir uma serie de dados a este respeito, revels, corn proves documentais, que o Estado-Maior da Reichswehr se vale, entre outros, dos servicos de uma companhia industrial (a GEFU) pare estabelecer uma indüstria btlica na Russia, a fim de operar pant o exercito alemão. Transcrevemos abaixo nachos do discurso, extraidos de Benoist-Mechin, Histoire de Parmie Allemande, Albin Michel, Paris, 1938, t. II, pp. 370-371: "A tarefa de GEFU consiste em estabelecer uma hub:tuna de armamentos no exterior, especialmente na RUssia. Os acordos foram assinados com nomes falsos. 0 intermeditirio das negoeinem, concluidas pale Junkers, a 14 de marco de 1922, foi o general Hasse (tumultos na direita, gritos de tmidor!, canalha expulsem-noO". 263

"Sabemos de fonte absolutamente segura que os transportes de muniguu. susses foram feitos per barcos que chegaram a Leningrado em finals de setembro e outubro de 1926. Estes barcos pertencem a Cia. de Navegageo de Stettin, e see o Gothenburg, o Rastenburg e e Co(berg. A celula comunista do porto este inteiramente a par do que se passe (rises constrangidos na esquerda). Nee a justo fern honesto clue a Rolssia sovietica predique a revolugeo mundial ao mesmo tempo em que arms a Reichswehr (interrupgdes a esquerda, gritos)". "Nao toleraremos per mais tempo urn estado de coisas que impede a criagao de um ciceroni) verdadeiramente republicano e democratic°. A Reichswehr dove, necessariamente, ser transfermade por inteiro (aplausos no centre e na esquerda, tumulto na direita)". G. Badia, na sua Histoire de lAllemagne contemporaine (cfr. pp. 234-235 e notas, t. I), confirma inteiramente a colaboracao entre a Reichswehr e o governo sovietico e relaciona sobre a questao uma serie de dados concretes. Veja-se, ainda, na Histoire de la guerre froide, de A. Fontaine, as pp. 71-72 do t. I. De acordo com a Deutscher (Stalin, cit., p. 321), a colaboraceo de Moscou corn a Reichswehr durou ate 1935. O historiador sovietico Nekritch, em seu livro 0 22 de junho de 1941(publicado em frances sob o UndoEar/Se rouge assassinde, Grasses, Paris, 1968), comenta urn dos aspectos dessa colaberaceo. Uma serie de chefes militares do Exercise Vermelho fez curses na Academia Militar alema. Neste period°, as relagOes estabelecidas entre os comandos militares sovietices e alemaes incluiam troca de correspondencia, o quo possibilitou, aos services secretos alemiles, no final dos anon trinta, fabricar documentos falsos que comprometiam chefes militares russos. Procuravase fazer crer a Stalin a existencia de urn compld de generals, dirigido por Tukhatchevski. 0 plane alernão, pessoalmente aprovado por Hitler e alaborade em detalhes pela Gestapo, teve pleno exito. Sobre a base dessas "proves", em abril-main de 1937 foram detidos diversos generals do Exercise Vermelho, entre ales Tlikhatchevski e Yakir — iniciou-se o expurgo que haveria de liquidar boa parte do alto comando das forcas armadas sovieticas (cfr. Nekritch, op. cit., pp. 116-120). m G. Badia, Mistake de IMIlemagne contemporaine, cit., p. t32. 19 0 Partido Social-Democrata Independente nasceu da else° ocorrida no Partido Social-Democrata Alma° em 1917. Entre os "independentes" agrupam-se de Kntsky e Bernstein aos espartaquistas (que se demarcam dos outros em 1918 pan crier o Partido Comunista). 0 denominador comum da heterogenea composicao politica dos "independentes" foi a oposigao a politica de guerra da diregao do Partido Social-Democrata. Clara Zetkin rompe corn os "independents" antes que a sua maioria, em bloco, se transfira pare o Partido Comunista, o que se da em finals de 1920. 13 G. Badia, op. cit., pp. 176-177. Badia cite as Men:tries de Svering, onde este explica que o neverno provocou, deliberadamente, a premature insurreicao dos comunistas. " Congresso FIV, p. 124. Alguns exemplos. Na conferencia do Partido Social-Democrata Russo (reunificado temporariamente depois da ciseo de 1905), 8 dos 9 delegados da fracao bolchevique defendiam o boicote da II Duma. Lenin se une aos Mencheviques, aos social-democratas poloneses e ao Bund, para fazer corn que a proposta do boicote seja rechagada. As vesperas da Revoluceo de Outubro, em face da resistencia que as seas proposigOes encontram no unite central do partido, ale escreve e envie uma carte na goal ameaga com a sua demissao, "reservando-se o direito de divulger as suas opiniOes no partido". Zinoviev e Kamenev, como ben se nix, tandem publicamente, numa revista que nee pertence ao partido, as suas divergencies corn Lenin a respeito do projeto de insurreigao. Em 1918, o comae regional de Moscou, dirigido por Bukharin, publica urn documento opondo-se a paz de Brest-Litovisk e declarando que considera inevitavel a Sao no partido. Muitos outros exemplos do mesmo genera poderiam ser arrolados. lo Lenin, t. 33, pp. 252 e 271. n Nos primeiros dias de 1923, um &der vale 18.000 marcos; em agosto, 4.600.000; em novembro, 8.000.000 — ou seja, o marco perde todo o valor. Esta enorme depreciacao da moeda se traduz numa carestia continua. Os protestos e as groves se multiplicam polo pals. Ao mesmo tempo, movimentam-se as forcas fasciseas e militaristai Na Baviera, onde o partido de Hitler ja dispde de relative importancia, projeta-se uma "marcha sobre Berlim". 0 partido comunista cria organizacOes de auto-defesa proletAria, as "centurias revolucionerias". No I? de Maio, em Berlim, 25.000 membros dessas "centtirias" no as rues. A 29 de junho, a partido organize uma jornada antifascista. A 11 de agosto, os operados de Berlim realizam uma grove geral que dura tres dias. O gabinete de Cuno se demite e se constitui o governo Stressemann, com participacao do Partido Social-Democrata (quo, ate entito, permanecera na oposicao, o que favorecera a participacao dos operados social-democratas na onda de protestos). 0 novo governo decide p8r Lim a "resistencia passive" a ocupaceo do vale do Ruhr, Soma uma sfrie de medidas economical — cons a ajuda do capitalism° norte-americano — para estabilizar a moeda e proclama o estado de si264

tio, vale dizer: a entrega, de fato, do poder a Reichswehr. Em outubro, formam-se na Saxenia e na TUringia governs de online comunistas-socialistas de esquerda. Mas, no conjunto do pais, comegara o reflux° do movimento. Os operirios socialistas da Saxidnia e da Thringia rechagam a proposta comunista de organizer a resistencia armada as forcas despachadas pela Reichswehr pars estabelecer a ordem nestas dues provincias. Efetivamente, a ordem a estabelecida e os ministros comunistas sad excluidos dos respectivos governs. " Citado per H. Brahni, no Ultimo capitulo do seu livro Trotzkijs kampf urn die nachfolge Lenins, Verlag Wissenschaft and Politik, publicado em franc8s em Cahiers du monde russe et sovietique, Paris, janeiro-fevereiro de 1965, p. 88. 19 Citado por Trdtski, &Tits, III, p. 145. 20 Lenin, t. 33, pp. 121-122. Em seguida, Lenin esclarece que no se trate de fazer concessOes e sacrificios indiscriminados. 0 sentido geral das sues observagdes a conduzir ao extreme necessario as concessees que, permitindo conserver a paz, sejam compativeis com a subsisrencia das conquistas essentials da revolugao russa. Neste period°, Radek era o especialista das questOes alemns na International. No V Congresso da IC, em que a "questao alemil" foi o tema central (no ponto de Pepper, representante do Particle Comunista dos Estados Unidos, intervir pars declarer: "Temo que nosso congresso nao seja demasiado alemeo, demasiado Europa Central e, de quelques maneira, muito pouco mundial"), Radek refutou as afirmagOes superficiais de Zinoviev e MUMS dirigentes da IC sobre a situageo reinante na Alemanha e em outros poises europeus: "Zinoviev disse que, na Alemanha e na Franca, conquistamos a maioria do proletariado. Zinoviev este equivocado. E este erro vincula-se a afirmace° dos camaradas de esquerda, que afirmam, todos os dias, estar preparados pare iniciar o combate polo poder total... (oozes na sale; Estamos preparados!)... Nao se esta prepared° pare fazer uma coisa quando nao se pode fazer... (exclamacties)". In V Congresso, p. 77. 22 No V Congresso da IC, Brandler declarou: "A participacao no governo da Saxdnia se realizou contra a minha opiniao e contra a resistencia dos camaradas sexaes" (V Congresso p. 85). 99 H. Brehm, op. cit., p. 90. 24 Mesmo G. Badia, que aceita a tese oficial da diregile comandada por Zinoviev — tese condenaconclui quo nä° edstiam as condigdes pare clue se propusesse t6ria da politica de Brandler a tomada do poder. Numa extensa note de rodapE da sua Histoire de l'Allemagne contemporaine (p. 201), refuta as afirmagdes de Thaelmann e Stalin (Stalin, que concordara com Brandler, algum tempo depois passe a sustentar o contrario; o segredo da sua viragem este em que o grupo Brandler-Thalheimer apoiava a oposigeo no partido russo, Stalin argumenta Mao quo, se em agosto nao se podia colocar a tornada do poder, dois meses depois isto era possivel, porque "a onda revolucionaria crescera e estilhagara a social-democracia, porque os operarios comecaram a entrar em massa no partido comunista". Os dados concretes da situaceo provam o centred°. Os conselhos operant:is da Sax8nia apdiam a posisid dos social-democratas de esquerda, contra a grove geral. A insure*, de Hamburgo, conforme a prOpria descriceo de Thaelmann, nao arrastou sequer a massa do partido comunista). G. India escreve: "Nem Thaelmann, nem Stalin, quo formulam seus juizos muito depois dos acontecimentos, consideram corretamente o estado das forges da burguesia. Apesar do confine BerlinuMunique, a burguesia alema este mais forte em 1923 que em 1918. Os partidos de direita tern mats influencia. E, sobretudo, existe este instrumento de repressao ben organized° que Ca Reichswehr, que nee existia em dezembro de 1918". E cite a opinitlio de W. Ulbricht, manifestada no IX Congresso do PCA (Frankfurt, abril de 1924): "Os combates de outubro [refege-sea insurreigao de Hamburgo] provam ao partido o que acontece quando urn pequeno numero de comunistas comjosos se deixa dizimar, enquanto as grandes masses — inclusive as grandes massas de operArios em grove — assistem passivamente a luta". 25 As teses "sobre a unidade da frente preletaria", do IV Congresso da IC, aprovam expressamente a tAtica do partido alma.° (Congressos NV, pp. 161-162). Na sessao plenitria do Comite Executive da IC, realizada a 12 de junho de 1923, no que tango a lever em conta os conselhos do Comite Executive, Zinoviev cite como exemplo a &eget) do partido alerneo (cfr. &lige° russa do informe de Zinoviev nesta tenni°, Moscou, 1923, P . 30). 26 V Congresso, p. 102. Na resolugäo do V Congresso sobre "a questao russa", diz-se: "0 Congresso constata quo a onosloe° russa foi apoiada pelos grupos de outros partidos (polones, alemeo, frances, etc.) que neles expressam o desvio de direita (oportunista) [...]" (V Congresso, pp. 451-452). 29 A declaracAo, datada de 25 de marco de 1925, este inserida no Compte rend,, de &Scut( (Claret de Mc, Librairie de l'Humanite, 1925, pp. 209-210. 29 Ibid., pp. 102-103. 265

Vejam-se as anotacoes de G. Haupt, pp. 268-292 na Histoire du bolchervisme, de A. Rosenberg, cit. 31 I Humbert-Droz, que, neste momento, era um dos secretitrios da IC, revelou detalhes desta questa° em "L'oeil de Moscou" a Paris, Collection Archives, lulliard, Paris, 1964, pp. 256-259. Pouco depois do VI Congresso da IC, estalara tuna crise no partido alemao. 0 secretArio do partido em Hamburgo, Wittorf, furtara da organizaceo 2.000 marcos e Thaelmann impedira que o assunto fosse conhecido pelos militantes, proibindo, sob pena de exclusao do partido. qualquer declaracAo dos que verificaram 0 fato. 0 Comite Central do partido, por unaminidade, destituiu Thaelmann. Quem descobrira o prepare, nesse raomento, uma edicAo mais completa dos ensaios de Trdtski sobre a Espanha). No segundo dos artigos citados, escrito em setembro de 1932, Trdtski aroma: "A tarefa imediata dos comunistas espanhAis nlio a tomer o poder; a conquistar as massas. Este luta, no pn5ximo period°, vai se desenvolver sobre as bases da reptiblica burguesa a., em grande medida, corn consignas democriticas" (La revolution permanence, p. 344). ' 33 Nessas deip5es, o PCE obteve, em toda a Espanha, 400.000 votos, contra os 60.000 alcancados em 1931. quando das eleigOes pars as Cortes constituintes. Nas eleicOes de novembro de 1933, o contingente eleitoral foi de 8.711.136 eleitores; os socialistas tiveram 1.800.000 votos. Desde outubro de 1934, o governo estava ern mAos da coalizio formada pelos republicanos radicals de Lerroux (partido burgues de direita) e pela CEDA (Confederacfto Espanhola das Direitas Autanomas, bloco de partidos e grupos da grande burguesia e dos grandes latifundiarios, cujo chafe era Gil Robles). 0 movimento de protesto operario e republican contra a repressão que este govern desencadeara depois da insurreimlo de outubro (30.000 presos politicos e innmeros fuzilamentos) e a corrupato do partido de Lerroux determinaram a also da coalizto CEDAradicais. 0 presidente da repablica, Alcall Zamora, que sonhava com a adage° de um grande partido de contra, acreditou que a ocasifto chegara e entregou o novo governo a um homem de sua conflanca, Portela Valladares, quo nAcr teria maioria parlzunentar, o que compelia a dissolugat) das Cones e a convoCar,Ao de novas eleip5es. As direitas de Gil Robles o novo pleito nAo desagradava porque pensavam que ganbariam — embora preferissem organist-los elas Mesmas. A uniio das esqundas, a Frente Popular, derrotou todos estes pianos e criou uma nova situaalo. Na coalizzio da Frantz Popular entmvam os partidos republicanos de Asada e Martinez Barrio, o Partido Socialists, as Juventudes Socialistas e a UGT, o Partido Comunista, o Partido Sindicalista e o POUM. 0 programa, na realidade, era o dos republicanos de Azafta. Sob a pressao dos adeptos de Largo Caballero, os socialistas propuseram a nacionalizacio da terra e do sistama banairio, ban como o controle opnirio da indüstria, rnas os republicanos se opuseram: negararn-se, inclusive, a aceitar outra proposta socialista, a do seguro-desemprego. Tbdos os pro275

blemas de fundo cram eludidos e ate mesmo as &hides reformas incluldas no programa cram formuladas equivocamente. Como afirma o historiador socialista Antonio Ramos-Oliveira, "tudo era ambiguo, cada ponto era uma nebulosa" (Historic de Espana, Mexico, t. 3, p. 240). 0 acordo, por outro lado, implicava que o governo seria exercido apenas pelos republicanos. Era o quo faltava para abrir caminho a guerm civil, que ja se instalara no pais em estado larvar. "5 Cfr. lbgliatti, "Sulle particularit y della revoluzione spagnola", incluido na antologia Sul maulmento opemio internazionale, Riuniti, Roma, 1964 (a passagem esta a pigina 181). lbgliatti escrews este tato jai na guerra civil, mas a "etapa" a que se retort envolve o periodo anterior. Togliatti desempenhou urn papal primordial na orientacno politica e, inclusive, na direcao operativa do PCE durante a guerra civil (e, cam de, o bUlgaro Stepanov, o Mingaro Gero, o argentine Codovilla e os altos conselheiros militares e polditicos sovieticos). 136 Quer em sua propaganda eleitoral, quer em seus pronunciamentos entre fevereiro e julho, o PCE distingue claramente as dues "subetapas". A 9 de fevereiro, Diaz discursa: "HA urn programa minimo qua, compreendam bern, deve ser realizado polo governo e cuja realizacao criara as condig/5es pars o desenvolvimento ulterior da revolucao democrAtica na Espanha" (cfr. Jose Diaz, Tres afros de lucha, Nuestro Pueblo, Toulouse, 1947, p. 70). Depois da vitdria eleitoral, o partido observa rigorosamente a linha de apoiar o governo, respeitar o compromisso firmado e, simultaneamente, pressionar os dirigentes republicanos pars stanzas "rapidamente" o "programa minimo". Na pratica, pornm, esta linha equivalia a deixar a iniciativa politica ao governo, que podia — como realmente o fez — "resistir" a pressao popular. Neste aspecto, o governo de Azafia deu provas de grande "firmeza", exatamente a que the faltou para reprimir a conspiracno contrarevoluciondria. Referindo-se a isto, em seu discurso de 1? de junho, Jose Diaz afirmou: "Interessame ressaltar, camaradas, que into o governo nao pode fazer sozinho. A luta de massas e a Unica garantia eficaz de que se tarn efetivamente ludo o necessario para varrer corn a reacio e o fascismo. Entendo que, se o governo encontrar em nos o animo decidido e a vontade solids para fazelo e exigi-lo, delta& as moos sobre todos asses inimigos da republics e dos trabalhadores" (ibid., p. 161). Semeava-se a ilusao nas massas, porque nao existiam quaisquer indicios de que o governo resolveria "deltas as moos" sobre os generals. A debilidade fundamental desta politica consistia em que ela nao respondia as necessidades imperatives da situacio. Mesmo que o governo realizasse o "programa minimo", nenhum prob/ema fundamental estava resolvido e a questa° decisiva do poder capaz de liquidar no nascedouro o projeto contra-revolucionfirio continuava em aberto. S6 urn novo poder, dirigido pela classe operAria, poderia executar esta tarefa. 0 partido convocava as massas a mobilizacao mas, ao mesmo tempo, as continha, para compatibilizar a "luta de masses" corn o apoio teal ao governo. No mesmo discurso de 1? de junho. Jose Diaz, por exempt°, considera que as graves, na defesa dos interesses dos trabalhadores, sno juntas, mas agrega: "No entanto, nao interessa ao p roletariado e A revolugdo que se declarem gores por qualquer motivo, sem que antes se medite been sobre as p ossibilidades de resolver os conflitos sem o recurso a este p rocedimento" (ibid., p. 165). 37 Cfr. K. L. Maidanik, ispanski proletariat v natsionalne-reyoliutsionnoi voini LO proletariado espanhol na guerm national rev olueiondrial, Isd. Akademii Nauk, Moscou, 1960, pp. 64-65. Referindo-se ao mesmo periodo, o historiador ingles G. Jackson afirma (La repliblica espa"Iola y la guerra civil, Grijalbo, Mexico, 1967, p. 185): "0 clima de 6dio entre as classes era quase p alpivel". SA° raros os historiadores, que nao concord= com esta apreciacao. Prov a dnica granite excecao se encontra na Historic del partido comunista de Espana, avelmente, redigida por uma comissào presidida por Dolores lbarruri (Editions Sociales, Paris, 1960, p. 113): "0 principal significado p olitico-histOrico do 16 de fevereiro a quo abrira uma p ossibilidade de desenvolvimemo pacific°, constitutional e p arlamentar da revolucao democritica na Espanha". No livro Guerin y revolution en Espana, elaborado posteriorment t pela mesma comissao (Progresso, Moscou, 1966), a tese ja ono E mais sustentada, ainda que se diga que a guerra civil teria sido evitada se seguisse o caminho indicado polo partido comunista: "Aplicacao efetiva e rapida do programa do Bloco Popular e adocao de medidas energicas pars manifestar a maga° e desmontar a trama ja urdida visando a subvengão militar" (p. 86). "Infefizmente", nem os republicanos, nem os socialistas r eformistas, nem os adeptos de Largo Caballero ouvirarn a voz do partido comunista. Quando aos dois primeiros g rupamentos, podia-se esperar doles coisas diferente? Quanta aos socialistas de Largo Caballero, por que os comunistas nao Ihes propuseram uma agito independente? Os auroras de Guerra y revolueicfn en Espana problems de fundo: pelas suas p rOprias caracteristicas, a coalizao que obteve a vit6riaeludem eleitoraloado podia resolver a tarefa eminentemente revolucionaria de liquidar a c ontra-revolucao armada. Para canto, era necessario outro tipo de coalizao, outra estrategia: a coalizAo das or g anizacäes revolucionArias do proletaria-

;icg a estrategia de tomar o podo — partido comunista, esquerda socialista, anarco-sindicalismoi ano. Se o PCE tivesse tentado govern republican. d aproveitando-se preeisamente da debilidade der do este caminho e fracassado pela oposicao dos adeptos e Largo Caballeroeze cdaobse-alhge, arcin°1 sindicalistas, teria salvo a sua responsabilidade histdrica; mas, po rque curso tornado loado rn pelos uma nao pequena parcela de responsabilidadee pe o a ni acinunensttinon aproveitando-se agegnitgOgsg. m da direct° do PSOE, em finals de 1935, emitiu presius Os reformistas haviam se apoderad o dale se d d de urn passo em falso de Largo Caballero (por uma questa° secun ana, o nos md eses segnutinatnet aumentan s dencia do partido). Mas a influencia da esquerda continuo o congresso do PSOE; as eleicnes de delega os, nas B No verso de 1936 deveria celebrar- se zees locals, deram a maioria a esquerda; a diregio encabegada por Prieto recorreu a manobr as descaradas pars adiar a convocacao do congresso. Claridad. Neste Dcsde abril de 1936, os adeptos de Largo Caballero Unbars o seu prdprio diario, sa a osicao expresso 133 adotou uma resolugao que mesmo me), a agrupacao socialists madrilenhanao g' burdove limitar-se a defender a democratic o da ala esquerda: "0 proletariad fundament al tlzar, a guesa, mas dove assegurar, por todos os meios, a conquista do poder politico, pare rest r do partir dale, a sua pr6pria revolucio social. No periodo de transicao da sociedade capitalists a sociedade socialists, a forma de governo sera a ditadura do proletariado". No I? de mar 1936, as juventudes socialistas desfilaram corn as consignas de "governo operatic." e "ex rot vermelho". Os adeptos de Largo Caballero controlavam a UGT que, entre fevereiro e julho de 1916, chegou a ter urn milhao e meio de membros. Na UGT estava a poderosa Federacao dos Trabalhadores Agricolas, que englobava centenas de milhares de semijornaleiros e jornaleiros. Toulouse, 1951, p. 116. No texto, dedica-se ' Cfr. Jose Peirats, La CNT en la revolucidn espariola, um born espaco (pp. 111-136) ao Congresso de Zaragoza (maio de 1936), corn a transcricao da resolugao sobre o "Conceit° Confederado do Comunismo Libertario", no qual se exotic, delalhadamente, a organize° social que dove sair da "revolucio Berlina". Mas nao ha nenhuma resolucao na qual se digs a classe operiria o que eta dove fazes pars sair a luta contra o iminente e Bolo perigo do levante contra-revolucionario. Em sou discurso de II de abril de 1936, Jose Diaz afirma: "Este partido sink° dove constituir-Se a partir dos pontos que foram estudados no VII Congresso da IC e como tais pontos foram aceitos pelos camaradas socialistas de esquerda, poderemOs, em prazo breve, chegar a urn acordo". Mas, em seguida, agrega que o novo partido dove pertencer a Internacional, questa() sobre a qual ha chividas de "alguns camaradas" lsocialistask "Ha que supemr as dtividas quo alguns camaradas ainda tenham, ja que a evidente que este partido Unica do proletariado sit pode estar na Terceira Internacional, na Internacional de Marx, Engels, Lenin e Stalin" (Tres mica de lucha, cit., p. 143). E 6bvio que esta condicao representava urn obstaculo insuperslvel para homens como Largo Caballero e outros dirigentes da esquerda socialista. Se se chegou a unificaglo das juventudes socialista e comunista, a porque a maioria dos dirigentes da primeira aceitavam tacitamente aquela condign°. Outro dos principals obstaculos cram as divergencias sobre o canter da revolugno, do que resultava que, no problems da colaboractio corn os partidos republicanos burgueses, o PCE se aproximava mais da ala reformism do PSOE que da esquerda. A atitude do PCE em face do trotskismo on outro obstaculo na via da unificacno, urns vez quo, em face do carnter da revolucao, os adeptos de Largo Caballero estavam mais prOximos das concepc6es de Trdtski que das da IC. No entanto, segundo o PCE "pars acelerar e facilitar a unidade politica da classe operaria, ha que levar a cabo urns luta tenaz contra a soita degenerada do trotskismo, cuja missal° fundamental é desorganizar o movimento outran°, trabalhando sistematicamente pars entorpecer e sabotar a sua unidade, para desarmar o proletariado diante do fascism° e para conduzi-lo ao campo da cruzada contra a URSS, contra o socialism° triunfante, contra a fortaleza da revolucao mundial" (discurso de José Diaz a 1? de junho de 1936; cfr. op. cit., p. 176). E, nesse moments), o POUM era o aliado dos comunistas na Frente Popular! 142 Na obra ja cicada, Guerra y revolution en Espana, o PCE reconhece quo, no moment° decisivo, o governo dos republicanos burgueses nao s6 nao foi de nenhuma utilidade para fazer fire= A sublevacno dos generals como, ainda, onde os militares tiveram exit°, este deveu-se em grande pane as autoridades republicanas: "A classe operaria foi o corpo e a alma da luta popular, a que impregnou corn sua combatividade e firmeza. Seus principals mAtodos de scan foram: a grave geral politica; a distribuigno de armas ao novo, mediante um ato de iniciativa revolucionaria posteriormente legalizado pelas autoridades republicanas; o assalto cos quarrels e a luta armada nas ruas contra a sedigno fascista. Estes métodos tiveram uma importancia decisiva a grams a ales a reptiblica pode fazer Bente a sublevagno militar fascista. Onde as massas nao puderam ou nao souberam sobrepor-se revolucionariamente a passividade, quo os pretextos legalistas dos

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governantes amparavam, foram derrotadas. Onde esse Segalismo' foi superado a tempo, onde as masses se apoderaram das armas pelos meios ao see alcance e passaram a acid ofensiva contra os sublevados, etas triunfaram" (op. cit., pp. 175-176). Qual Eerie side o rumo dos acontecimentos se o "legalismo" se houvesse "superado" nos mesas precedentes7 Se, ao inves de comecar por assaltar guard's, quando os militates ja tinham tornado a iniciativa, a clam opeziria houvesse comecado por "Assaltar o poder", que praticamente estava a seu alcance desde o 16 de fevereiro, utilizando-o em seguida para organizer o assalto aos qUatlerS7 143 Dimitrov, Oeuvres choisies, p. 156. Na obra jd citada, G. Jackson caracteriza perfeitamente o porno de vista socialite, coincidindo, no essential, corn geese todos os historiadores que tratemm do problems: "Se as nades ocidentais, vendo-se ameacadas, por seu turno, pela extensdo do poder fascists, pudessem ser 'evades a cooperar core os sovieticos na defesa de urn govern democr4tico livremente eleito, este ado coletiva poderia deter a ininterrupta aerie de triunfos fascistas iniciade corn a ascend° de Hider ao poder. Com este iddia norteadora, a literature do mundo sovietico e comunista enfatizou a composido inteiramente burguesa do governo republicans) e a pequena represented° dos comunistas nos Cortes. Ademais, os sovieticos pararam ostensivamente de envier armas durante os mesas de agosto a setembro, quando pareceu existir uma ligeira possibilidade de que o piano de do intervence° contivesse a ajuda das potencies fascistic aos sublevados" (op. cit., pp. 2119-220). 144 Maidanik, op. cit.. P . 103. 145 Esta passagem de Guerra y mvoluckin en Esparta, ed, cit., t. I, p. 256, escrita [since anos depois, sintetiza fielmente o que cram as anilises e a propaganda do PCE a partir de ju/ho de 1936. A inspiradora direta deste enfoque era a IC, que, em seu afd de apresentar a revolued espanhola de maneira a ser "digerida" pelas democracies ocidentais, chega a idealizer o papal dos grupos politicos burgueses e pequeno-burgueses. Togliatti, por exemplo, cite as seguintes palavras de Asada: "0 que restava por fazes desde o momento em qua uma grande parte do &mite rompia Corn o juramento de fidelidade a reptIblica7 Deveriamos renunciar a defesa e nos submeter Urania? New Devlamos der ao povo a possibilidade de se defender". E Togliatti conclui: "Deste modo, a pequena burguesia passou ao emmego de metodos debt rios na luta contra o fascism°, consentiu em oferecer as armas aos operiries a camponeses, respaldon a organizacao de tribunals revoluciondrios qua pracederam core energia identica a do Cornice de Salvage° PtIblica nos tempos de Robespierre a Saint-Just" (op. cit., note 133, p. 190. Os grifos do DUMMY 146 "Uma des caracteristicas da Frente Popular espanhola — escreve Togliatti — consiste no fate de que a divide do proletariado, a passagem relativamente lenta de massa camponesa a lute armada, a influencia do anarquismo pequeno-burgues a des ilusees sociddemocniticas ainda ado superadas inteiramente, que hoje at expressam no tendencla a quelmer a etapa da revolucdo democrdtka burguesa, todos des traces criam urns aerie de dificuldades suplementares a luta do povo espanhol pela defesa de repOblica democnitica" (op. cit., note 133, p. 196. Os grifos s8o nossos), 145 Na primeiras semanas de guerra, os adeptos de Largo Caballero a os anarco-sindicalistas, assim coma 0 POUM, orientavam-se pam a formed° de urn govern operdrio revoluciondrio. Segundo Rabessaire (Espagne, crease: politlque, Paris, 1938, p. 98) a Clara Campoamor (La revolution espagnole vue par one RepublIcaine, Paris, 1937, pp. 143-145), a projeto chegou a formalizar-se, ern find de agosto, numa reuniao conjunta de dirigentes da UGT e da CNT. Ratava-se de constituir uma Junta presidida por Largo Caballero, core representantes dos partidos socialistas e comunistas, da FAI, da CNT e da COT. Os republicanos ficariam de fora. Ao tomar conhecimento do projeto, Azafia acenou core a sue demissao. Mas o fates decisive foi a intervened do embaixador sovietico, Rosenberg, que acabava de chegar a Madri. Rosenberg colocou as graves consequencias internacionais do projeto, privando os amigos da Espanha do argument° sobre a "legalidade" do governo republicano. E props qu a, em loges da Junta operiria, se dashtuisse um governo presidido por Largo Caballero mas no qual estivessem representadas, juntamente corn as forcas operirias, as republicans burguesas. Esta solugeo possibilitarie a ajuda da URSS. Pierre Brook na sue jd dada La revoluciOrt y la guerra de Espana, aceita este versed (pp. 230.231). Em Guerra y revolucidn en Espana (ed. cit., t. II, PP. 44-45-46), esta versa° e desmentida: "Nero a stria — escrevem os autores comunistas — a versao, dada por alguns historiadores, segundo a qual Largo Caballero organizou um complil da UGT e de CNT pare derrubar o governo Gird". Mas se agrega: "Mas 6 verdade que Largo Caballero acentuava sees ataques a exacerbava sues critices ao governo Gird, sobretudo em finals de agosto, quando se agravou a situacio milttar da reptiblice. Meatus de setts adeptos mais prOximos, como Araquistain a Baraibar, agitavam, 278

mais ou menos publicamente, a ideia de qua era precise expulsar es ministros republicanos e entregar a Largo Caballero a direceo do pats, pan que se estabelecesse uma 'ditadura opereria' ou um 'govemo sindicaf, pianos qua coincidiam corn pontos defendides pelos anarquistas e trotskistas". Isto equivale geese a confirmed.° do qua se desmentiu antes. A historia sustentada pelo PCE nada diz sobre a intervened de Rosenberg e sua equipe de conselheiros. Mas a entrevista entre Largo Caballero a Koltsov, relatada por este em seu Died° de la guerra de Espana (Ruedo Iberia), Paris, pp. 36-58), deixa poucas decides acerca daquela intervened°. Serie ingenue super qua o diplomata sovietico rid tenha "pressionado" no mesmo sentido em que o fez urn de sees mais preximos colaboradores politicos. 0 inexato na versed de Clara Campoamor, provavelmente, a que o "compl6" UGTCNT tenha chegado ao ponto de Azad ameacar core a sua demissio; nos MemOrias deste Ultimo nab hd nenhuma althea/ a respeito disto. 144 Cfr. Guerra y revoluciOn en Esparla, cit., t. 1, p. 259. 145 No "Cuaderno de la Pobleta" (1937) e no died° de "Pedralbes" (1938, 1939), includes nas Memories de Azafia (indium ate sua publicado, em 1968, no Mexico, pelas Ediebes Oasis), existem dados muito valiosos pan a reconstrucao hist6rica da guerra civil espanhola. E que poem de manifesto que Asada desempenhou urn papal mais importante do que geralmente the atribui ate hoje a historiografia relative a este perfodo, sobretudo a partir da constituiedo do govern° Negrin. Sua oriented° fundamental, compartilhada par Prieto e Negrin, centrava-se ern doffs objetivos estreitamente vinculados: lever ao extreme passive' a resteurageo do Estado republicano bargees a chegar a um compromisso (patrocinado pelas grandes potencies) corn os generais sublevados. A 31 de agosto de 1937, anota a converse que tivera nesse dia corn Negrfn a Giral, na seqiiencia de outra corn Prieto a, entre aeries observagees, escreve: "Recapitulei meus indigos pontos de vista: Paz-Republica-Facto de garantia de que na Espanha nao ha yed nem ditadura nem bo/chevismo. Conservando-se, no essential, as instituides republicans, muitas concessdes ado possiveis. Nas conversacOes, a precise assumir o papal de colaboradores pan a paz, tante na Espanha como na Europa, a fates ao govern frances as palavras adequadas, partindo da conveniencia geral da pacificado. Creio que ficamos de acordo" (Manuel Azad, Obms completas, t. IV, p. 761. Somente o Ultimo grifo ester no original). Azafia elude aqui as conversagfies que Negrfn realized em Genebra, entendendo-se corn representantes de diversas potencies, especialmente franceses a ingleses, aproveitando uma sessio da Sociedade das Neches. A 30 de setembro, depois de reunir-se corn o Conselho de Ministros, anota: "Disse-lhes que comparesam as Cortes sabendo que este govern, pela politica que represents, ester assegurado pelo Presidente da Reptiblica. 0 govern significa pant mint o Jim da anarquia; significa que todo mundo assume urn comportamento adequado porque empregamos a redo au, se este nao baste, a ford da lei. 0 Unice defeito data politics, no meu entender, a que ela ainda a lens. Insisti na necessidade de prosseguir sem descanso na tarefa de resgatar as atribuicacs, services, etc., que foram usurpados ao Estado a renovei, ante o governo, a minha decisao de nada assinar que posse conp. 808). validar as usurpagdes" Em dries passagens des Men:hies, Azda ressalta as reaches favoniveis dos comunistas sua politica. A 31 de maio, reckm-liquidado Largo Caballero comb chafe de govern° a constituido o gabinete Negrin, escreve: "Dizem-me que os comunistas este° entusiasmados comity). Especialmente Diaz, apesar de carga que Ike fit na tarde da crise. Fula qua deveria ser Cu o dirigente de todos. Hum/ Se eu o fosse por vine a quatro hems, variant... De quelques forma, se, contra sodas as aparencias, Diaz percebeu o que estava em jogo por dards do cendrio, ha que conferir-lhe um gelid' (ibid. p. 606). 0 motive da passagem, referido por Asada piginas antes, foi a reuniao por ale convocada corn os dirigentes dos partidos da Frente Popular, a fim de encontras uma soled° para a crise do governo Largo Caballero. E o que estava em jogo, por trds do cendrio aparente, era o propesito dos republicanos a dos reformistas do partido socialists de taxer corn que os comunistas aparecessem como os responsAveis pela queda de Largo Caballero. Este, de Cato, origin, pare assumir a chefia de um novo governo, a diredo concomitante do Ministerio da Guerra. Os socialistas e republicanos lido estavam de acordo, mss aceitaram core a condigeo de que os comunistas tambem aceitassem. Azafia resumiw "Se os senhores veneerdarn ern que as centrals sindicais devem entrar no governo — uns porque o aprovam, outros perat Largo Caballero 6 a Unice dirigente aceito pales que se subordinate ou resignam a isto centrals sindicais, e precis° deixar bem clam que se este governo do se forma 6 porque os comunistas nee transigem core a Weida de Largo Caballero de controlar o Middle da Guerra e Largo Caballero afro abre moo dens exigencia (ibid., p. 602). 0 PCE nao "transigiu" e assumiu a responsabilidade pals formed° de um govern em que nao estavam representadas a UGT e a CNT. 0 PCE nao transigiu corn a exigencia de Largo Caballero de assumir tandem o Ministe279

4 rio da Guerra, mas aceitou Prieto neste cargo, Prieto, que ja ends) — como o provam as Mendhas de Azafut — estava de acordo corn o presidente da repablica em buscar uma paz de compromisso, garantida pelo que Azafia chamava de "pacto dos cinco" (Inglaterra, Franca, URSS, Alemanha, e Itrilia), naturalmente a base de urn regime burgues que, conservando a forma republican, fizesse "muitas concessOes" aos sublevados. Azafia e Prieto sabiam que esta orientaggo coincidia corn a do governo sovietico e, per isto, nao se arriscavam muito ao aceitar formalmente as exigencias de largo Caballero — os comunistas nao transigiriam. 0 "governo da vitOria" — como o PCE chamou ao govern() de Negrin — tinha comet na realidade, realizar o piano de Azatia. Pam tanto, era necessario "resistir", oar) "veneer". E o conflito ulteriormente aberto entre Azafia e Prieto, por urn lado, e Negrin, por outro, nä() altera o fundo da orientagão: desde meados de 1938, e sobretudo depois de Monique, Azafia e Prieto ciao a guerra como perdida, enquanto Negrin pensa que a possivel prolongar a resistencia para enlagar a guerra espanhola com a mundial, ja visivel. A 13 de outubro de 1937 uma representacfto da direcao do PCE, liderada por Dolores 'barring, visita Azatut. Vai comunicardhe que o partido discorda da transferencia do governo para Barcelona (neste momenta, a cede ainda era Valencia). Eis coma Azafia descreve a entrevista: "La pasionaria, falando em name de todos, argumenta com o efeito desmoralizador que a providencia produziri na opinião pitblica. De passagem, observa que seu partido tern discordancias corn a politica do govern. Sup& que ha, nos socialistas, uma tendencia a ditadura. Neste problerim da transferincia, o presidente [Negrin] nao consulta ninguem e mesmo todo mundo sabendo das suas intengOes, con) gestOes sendo realizadas em Barcelona para a obtengdo de locals adequados, ate agora o Conselho de Ministros na p tratou do assume. 110 quinze dias, o Conselho tsar) se reline. Os comunistas nao concordam corn qualquer ditadura, embora a do proletariado figure no seu programa. 'Suponho — digo-lhes sorrindo — que esta histOria de ditadura do proletariado, yogi's a estrio adiando urn pouco, nao PP. 'P verdade, Senhor Presidente, e o fazemos porque temos senso comum' (ibid., p. 819). Realmente, a politica da diregao reformista do Partido Socialista — uma vez que os adeptos de Largo Caballero e o anarco-sindicalismo foram praticamente postos fora de combate corn a ajuda do Partido Comunista — orientava-se para reduzir as posigOes deste Ultimo em todas as esferas: aparelho de Estado, cid-cite, sindicatos, etc. Se o PCE adiara a ideia de "ditadura do proletariado" por alga mais que "urn pouco", os reformistas — em estreita alianga com os republicanos — na g, renunciaram a restaurar a "ditadura" da burguesia. Esta era a sua perspectiva final. 10 0 rotunda fracasso do caballerismo foi determinado pela ambigilidade da sua politica — ou da sua falta de politica. Nas condicees da guerra civil espanhola nao havia lugar para posigOes intermedias. Ou se fazia a guerra em none da democracia burguesa, a base da sOlida reorganizagdo do Estado republican corn este contetido (e, entao, havia que enfrentar-se claramente com as fragOes do proletariado que buscavam afirmar e desenvolver a "sua revoludio"), ou se caminhava decididamente para a instauracao de urn poder revolucionario capaz de fazer a guerra corn seus prig/grins metodos. Os cabaleristas tentaram conciliar corn todos — para o que, ademais, nao se prestava o carater do seu lider — e acabaram confrontando-se com todos. A medida que avangava a restauracao do Estado republicano, eles se convertiam num obstaculo maior para que esta restauraglo fosse levada as tiltimas conseqfiencias. As pressOes sobre Largo Caballero se acentuaram, e nao s6 por parte do PCE, dos delegados da IC e dos conselheiros soviiticos, mas ate por parte de Stalin, que nä° vacilou em intervir diretamente nos problemas internos da politica espanhola. Noma carta de 21 de dezembro de 1936, assinada por Stalin, Molotov e Vorochilov, se ciao a Largo Caballero "quatro conselhos amistosos", entre eles: "atrair para o lado do governo a burguesia urbana, pequena e media"; "nao rechagar os dirigentes dos partidos republicanos, mas, ao contnirio, atrai-los, aproximarlos e associidos ao esforgo comum do governo"; "particularmente, a preciso assegurar ao governo o apoio de Azafia e seu grupo, fazendo o possivel para ajuda-los a superar suas vacilacees". Stalin agrega: "Isto 6 tambem necessitrio para impedir que os inimigos da Espanha vejam nela uma repUblica comunista e, assim, prevenir a sua intervencao declamda, que constitui a mais grave ameaca a Espanha republican". Outm "sugestao": "P bem possivel que a via parlamentar se mostre urn procedimento de desenvolvimento revolucionario mais eficaz na Espanha do que o foi na Russia" (em Guerin y revolucidn en Espana, cit., t. II, pp. 101-103, estao os textos completos da carta de Stalin e da resposta de Largo Caballero). P superfluo comentar o significado destes "Conselhos amistosos", vindos do chefe de Estado que tinha nas maos o abastecimento das armas da repUblica espanhola e as suas reservas de ouro. Largo Caballero respond; em sintese, que tudo o que the aconselham ja se faz — o que, em born castelhano, quer dizer que os conselhos eram desnecessarios. E se permite uma objecào: 280

"Quanta a sua alusao, cent assinalar que, qualquer que seja a sorte que o futuro reserve A instituigio parlamentar, esta nao goza, entre ri gs, de defensores entusi gsticos, segues entre os republicanos". Nada disto — nem esta observagao, nem a afirmagao de que os conselhos se realizavam na pi-40g a — era de molde a tranqiiilizar o destinatario da resposta. Stalin acentua a pressao. Em finals de fevereiro de 1937, manda a Largo Caballero outro "conselho", corn carater de urgencia: deve proceder-se imediatamente a unificacao dos partidos comunista e socialista. Largo Caballero rechaga a proposta (o fate foi revelado per Araquistain, depois do fire da guerra, e sua versa° e recolhida por Peirats, op. cit., t. II, pp. 375-376. Maidanik o confirma nestes termos: "Largo Caballero rechacou novamente a proposta de unificacao imediata dos dais partidos, feita pelo PCE e por dirigentes do movimento operdrio internacional". Ele nao mention Stalin, mas di como fonte da sua informagito... 0 livro de Peirats, t. II, pp. 375-376. Cfr. Maidanik, op. cit., p. 293). Diante da teimosa resistencia de Largo Caballero em nao agir como urn born secretario de segao national da IC, havia que politicamente, tai como se fazia com os maus secreterios das sectg es nacionais da IC. A operagao se realiza, como vireos (cfr. nota 149), em finals de maio de 1937. 151 Independentemente da validade ou nä° das concepc ges anarco-sindicalistas sobre o sistema social que deveria substituir o capitalism°, evidente era a sua incompatibilidade corn as exigincias da guerra. Demonstrou-o inapelavelmente a pratica e tambem a significativo que, no piano da andise, ate os autores mais simpaticos as realizaciftes sociais da CNT durance a guerra civil sejam obrigados a reconhecer este aspecto fundamental. Na medida em que os anarco-sindicalistas procuraram enfrentar a guerra com eficacia, tiveram que abandonar, sucessivamenre, os seus podulades essenciais. E, quando liar) o faziam, a tentativa de implementiglos condituiu um enorme obstaculo para resolver o problema mais imediato e angustiante da revolugao: derrotar a contrarevoluglo, personificada nos exircitos dos generals espanlolis e de seus aliados estrangeiros. Esta tarefa exigia urn poder ditatorial, uma unidade maxima, o sacrificio transitOrio de qualquer aspiracdo de melhorias materials, etc. A tarefa poderia ser resolvida por urn poder proletärio revolucionario ou par urn poder burgues — mas, nunca, sem poder. A tragedia da revolucao espanhola e que ela nao soube dar-se nem urn poder revolucionftrio, a semelhanga do bolchevique durante a guerra civil russa, nem urn poder jacobfno burgues, a semelhanga do dos revolucionaHos franceses de 1793. Sobre a formacio do POUM, cfr. o final da nota 131. 0 comego da guerra civil espanhola coincidiu com o inicio dos "processor de Moscou". Kamenev e Zinoviev foram condenados a morte em agosto. 0 POUM, denunciando os crimes de Stalin contra a velha guarda bolchevique, converteu-se numa especie de besta parda para o ditador e, conseqfientemente, para a IC e o PCE. Em novembro, impOs-se aos outros partidos da Frente Popular a cassacao da representagdo do POUM na Junta de Defesa de Madri. 0 socialista Albar informou aos dirigentes do POUM que a imposigao partira de Rosenberg (cfr. Bridle op. cit., p. 275). A 28 do mesmo mes, o consul sovietico de Barcelona divulgou uma nota a imprensa qualificando La Batalla, Orgio do POUM, de "jornal vendido ao fascismo internacional". Pouco depois, o POUM era excluido do Consejo de la generalidad. A 17 de dezembro, o Pravda afirmava: "Na Catalunha, comegou a limpeza de trotskistas e anarquistas; ela sera conduzida com a mesma energia utilizada na URSS" (cfr. Hugh Thomas, La guerra civil espafiola, Ruedo lberico, p. 302) — vale dizer: havia que caminhar para a eliminacgo fisica dos adeptos do POUM e dos anarquistas. A imprensa do PCE desencadeia uma campanha virulenta, rgpisando que trotskistas e "descontrolados" (na Espanha nao se podia escrever abertamente, como fazia o Pravda, "anarquistas") sao "inimigos do povo" tanto como os fascistas. 0 pleno do Comite Central do PCE celebrado de 5 a B de marco de 1937 coloca a tarefa concreta de acabar tom o POUM. No informe entao apresentado por Jose Diaz, afirma-se: "Quern sao os inimigos do povo? Os inimigos do povo sao os fascistas, os trotskistas e os 'descontrolados'. Nosso inimigo principal 6 o fascismo. Contra de concentramos todo o logo e todo 0 6dio do povo [...] mas nosso Odio tambem se dirige, corn a mesma concentragao, contra os agentes do fascismo que, como os 'poumistas*, trotskistas disfarcados, ocultam-se por detras de consignas pretensamente revolucionarias para melhor cumprir corn sua missao de agentes dos nossos inimigos, emboscados na nossa retaguarda". Mais adiante, declarase: "0 fascismo, o trotskismo e os 'descontrolados' sao, pois, os tees inimigos do povo que devem ser eliminados da vida politica, nao apenas na Espanha, mas em todos as paises civilizados" (Jose Diaz, Tres arlos de lucha, cit., pp. 322-324). A campanha se intensifica ate os acontecimentos de maio, em Barcelona: o cheque armado entre as forcas do governo, representadas principalmente pelas forgas do PCE, e o POUM, acrescido de uma fragao do anarco-sindicalisrno. Apoiando-se em documentos alemaes, o PCE sustentou a tese — nao retificada ate o memento

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— de quo os principals promotores do conflito foram os dirigentes do POUM, acionados por agentes de Franco. Mas, come afirma corretamente Broue, dos citados documentos nao se infere que tais agentes operaram servindo-se do POUM ou apenas atraves do POUM; a nenhum agente ou grupo de agentes provocadores teria exito se a skunk/ objetiva para o conflito nao estivesse criada (cfr. Broui, op. cit., p. 340). E a situnao for acriada pelt, campanha ideolOgica e politica dirigida desde Moscou contra o POUM. Em nosso juizo, as colocagdes political do POUM neste perfodo fizeram o jogo da provocagao que se estava montando contra ele, e da qual tinha consciencia. A 14 de marco de 1937, Nin afirma que, "embora menos favonivel que durante os primeiros meses da Revoludio, a reface° de forms f tal que o proletariado pode alualmente apoderar-se do poder sem recorrer a insurreigio armada" (reproduzido em La Batalta, julhoagosto de 1966). Afirmacn inteiramente falsa. As fracepes do proletariado quo, naquela situagal° poderiam hipoteticamente coincidir com as posio3es de Nin — determinada track) dos adeptos de Largo Caballero e do anarco-sindicalismo, além do prOprio POUM — sO podium teams apodemr-se do poder Wra y& da luta armada contra as jamas do PCE (e dos republicanos e socialists, quo concordavam corn as suas posicOes pollticas), que controlava parte fundamental do exercito. Situar a questa° como Nin o fazia era dirigir-se para a guerra civil dentro do campo republican E a guerra civil dentro do campo republican nao conduziria nem a salvage° da revolugäo prolettria nem a do Estado republicano democratic° burgues — s6 podia conduzir a vitdria da contra-re/mince° fascista. Ver a "relagao de forgas" no campo da repdblica sem lever em conta o "outro campo" era um erro monumental. A 28 de setembro daquele ano, Tittski escrevia: "0 govern° Near/a-Stalin a um freio quase-democratico a via do socialism°, mas a igualmente um freio — certo que inseguro, provisOrio, mas um freio — a via do fascismo. Amanha, depois de amanha, talvez o proletariado espanhol possa romper este freio para se apoderar do poder. Mas se colaborasse pant rompe-lo hoje, ainda que pela sua passividade, apenas serviria ao fascismo"(Ecrit4 III, pp. 528-529). Esta avaliacao Incida — pouco depois,11-dtski formulary outras, nao teo ldcidas, contraditOrias corn esta — era perfeitarnente aplicavel a situagn de marco de /937. Provave/mente, o erro de Nin foi determinado, polo memos em parte, pole pressao a que estava submetido o POUM; de qualquer mod°, prestou-se a favorecer o jogo criminoso de Stalin. Depois das sangrentas jomadas de maio, veio a lase final da perseguigeo contra o POUM, cuja crOnica a bem conhecida (cfr., entre os escritos mais recentes sobre o tema, o pondered° artigo de Juan Andrade, em la batalla de junho de 1967). Em nossa opinião, a repressào contra o POUM e, particularmente, o odioso assassinato de Adres Nin constituem a pdgina mais negro da histOria do Partido Comunista espanhol, que se fez ctimplice do crime cometido pelos servicos secretos de Stalin. Os comunistas espanhOis estavam, sem dtividas, alienados — como todos as comunistas do mundo nesta epoca e durance muitos anos depois — pelas monstruosas mentiras fabricaclas em Moscou. Mas isto nao salva a nossa responsabilidade histdrica. Passaram-se catorze anos desde o XX Congress° e o PCE ainda nao fez a sua autocrltica, nem prestou a sua colaboraao pan o esc/arecimento dos fatos. Supondo — e isto a muito provtivel — quo os atuais dirigentes do PCE nao possam acrescentar muita coisa ao jd conhecido, poderiam ao menos exigir quo o PCUS revele os dados que sd ele possui. 0 caso de Nin tambem pertence a histdria da Espanha, nä° exclusivamente a da URSS. 153 Pierre Broad, op. cit., p. 272. "4 Em seu informe de marco de 1937 ao pleno do Comite Central do PCE, Jost Diaz (eft Ties altos de lucha, cit., p. 326) oferece os seguintes dados sobre a composicao social dos 249.140 membros corn qu o, neste moment° coma o partido (sem considerar os 45.000 do PSU da Catalunha). operarios industrials operdrios agricolas camponeses Masse media intelectuais e profissdes afins

87.000 62.000 76.000 15.000 7.045

(aqui, por "camponeses" entendem-se pequenos e medicos proprietirios agricolas; por "Masse media", a pequena burguesia urbane., propriebnia de pequenas lojas e indtistrias; por "profissees afins" as dos "intelectuais", os funciondrios, medicos,. advogados, etc). Destes 250.000 membros, 130.000 estavam no exercito; na primavera de 1937, cerca de dois tercos do =emit° encontravam-se sob a influencia do PCE e nä° menos de urn terco militava em suas fileiras, segundo dados de maidanik (cfr. op. cit., pp. 278-280). e provivel que estas 282

Ultimas cifras sejam exageradas, mas nao hti diwida de que a maior parte dos 150.000 proletirios industrials e agricolas membros do partido, em geral muito jovens, estavam no exercito. O pro/763 maidanik observa: "Um comunista btilgaro que chegou a Espanha em principios de 1937 [irate-se provavelmente de "Stepanov", delegado da ICJ escreveu quo 'o partido comunista 6, essencialmente, urn partido militar" (op. cit., p. 280); a aduz: "Ao mesmo tempo, ha que reconhecer que a conquista, pelos comunistas, das massas trabalhadoras da retaguarda, exclulda a CatsNa retaguarda a nos lunha, foi relativamente lents, sobretudo entre o proletariado agricola sindicatos, a force da tradigio continuava jogando a favor de socialistas e anarquistas" (op. cit., pp. 280-281). A exclusão da Catalunha a muito discutivek na primavera de 1937, o partido nao tinha all mais que 45.000 membros, e seu crescimento maior foi entre os trabalhadores do comercio, a pequena burguesia, etc. ' 55 Carl von Clausewitz, De la gums, Editions du Minh, Paris, 1965, p. 62. "4 Cfr. Jose Din, Tres ethos de hicha, cit., p. 350. Cfr. a nota 152. No mesmo informe de Jose Din aludido nesta nota (informe lido por Diaz, mas rodigido fundamentalmente pela equine da IC que supervisionava o PCE) se afirma: "Descobre-se uma conspiraceo tramada pelos trotskistas na Unifio Sovietica e os Mos trotskistas, traidores da Pitria do Socialism°, convictos e confessos, vac, a julgamento num Tribunal Proleterio. A Imprensa fascista, aleme e italiana, cobre de injtirias o regime sovietico pela descoberta da criminosa conspimcio dos sous agentes. E os trotskistas espanhdis, como nao poderia debar de ocorrer, saem em defesa dos seus amigos, empregando nests tarefa a mesma linguagem dos fascistas. Para citar um tinico exempla La Batalla de 24 de janeiro de 1937 escreve: 'Preparase um novo crime em Moscou. Na Rtissia de hoje, foi abolida a mais elementar ideia de democracia operäria para se mergulhar num regime burocritico de ditadura pesson. Nao se pode exigir que o proletariado internacional defenda a cause da RÜssia se se the nega o direito de saber o que se passe na Russia'. E proviso citar mais? 0 exposto a suficiente pare patentear a coincidencia entre fascistas e trotskistas. Como se ye, esta gente nada tem corn o proletariado, nem com qualquer tendencia quo se queira honrada. E se rids combatemos os trotskistas, a porque se° agentes dos nossos inimigos, introduzidos nu fileiras antifascistas. E um grave erro considerar Os trotskistas como uma fracas/ do movimento operthia Ram-se de urn grupo sem principios, de contra-revoluciondrios classificados como agentes do fascismo internacional. 0 recente processo de Moscou demonstrou, cristaliznunente, que o chefe do bando, Tittski, a um agente direto da Gestapo" (cfr. This °dos de lucha, cit., p. 323). "I As dues centrals sindicais, UGT a CNT, negaram-se a participar do novo govern°. Nos meses seguintes, a direcão do PSOE nes map s de Prieto e com a ajuda do aparelho de Estado, desalt). jou os adeptos de Largo Caballero do comando da UGT e decidiu a sua incorporactlo ao governo. Depols de um ano, elementos moderados acabaram por predominar tambem na CNT, que voltou a ser representada no governo (abril de 1938). I " No informe ao pleno do Comite Central do PCE, de novembro de 1937, lido par Jose Diaz, afirma-se: "Depois da queda do govern° de Largo Caballero, manifestou-se a tendencia a forMacao de um blow) de oposici° ao govern° da Frente Popular. 0 eixo deste bloco era o grupo derrotado de Largo Caballero, que calra sob a influencia do trotskismo e, por um lado, ligava-se ao trotskismo contra-revoluciondrlo, a, poor outro, esforgava-se Dam atrair a CNT a uma politica anti-govemamental (...). 0 grupo de Largo Caballero lute tambêm contra a Frente Popular. Rata-se do complement° da sua politica divisionista e derrotist‘Neo a por acaso que este grupo converteuse em protetor oficial do general Asensio e dos spoumistas'. Suas vinculacOes com Asensio e corn os